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O COTIDIANO DO CUIDADOR FAMILIAR DA PESSOA IDOSA COM DEPENDENCIA FUNCIONAL (3)-convertido

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LUCIANA DOS SANTOS DA COSTA BARBOSA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
O COTIDIANO DO CUIDADOR FAMILIAR DA PESSOA IDOSA COM DEPENDÊNCIA FUNCIONAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Pitágoras UNOPAR, como requisito parcial para a obtenção do título de Graduação em Serviço Social.
Coordenadora do Curso: Prof.ª Ma. Valquíria Apª Dias Caprioli
VITÓRIA-ES
2020
ANA AYLA DE AGUIAR MARINHO
O COTIDIANO DO FAMILIAR CUIDADOR DA PESSOA IDOSA COM DEPENDÊNCIA FUNCIONAL
Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense (FaC), tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores.
Data da aprovação: / / 
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Ms. Joelma Maria de Freitas – Orientadora Faculdade Cearense – FaC
Prof.ª Eliane Nunes de Carvalho Faculdade Cearense - FaC
Prof.ª Flaubênia Maria Girão de Queiroz Faculdade Cearense - FaC
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A Deus, em primeiro lugar, pela sua graça,
ao meu esposo Felipe Inácio, meus familiares e amigos...
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RESUMO
Este trabalho tem como tema de pesquisa o cotidiano do familiar cuidador de idosos com dependência funcional; foi desenvolvido na busca de conhecer o dia a dia dos familiares que cuidam de idosos que se tornaram dependentes funcionais durante a velhice, ou seja, passarem a necessitar de um cuidador. De maneira específica para este trabalho, foram pesquisados os cuidadores que também eram familiares e residiam com o idoso dependente. A metodologia de pesquisa utilizada para a análise do cotidiano dos familiares cuidadores foi a pesquisa de campo de caráter descritivo, sendo escolhido o método qualitativo. Para uma melhor abordagem sobre a temática, buscaram-se identificar de maneira mais específica as mudanças na saúde, economia e sociedade ocorridas no cotidiano do familiar cuidador. Após a realização das entrevistas e análise dos dados, pôde-se concluir que por mais que ocorram mudanças na vida do cuidador pesquisado, elas são tão relativas quanto o processo de envelhecimento de cada pessoa, ou seja, os determinantes positivos e negativos da vida do cuidador antes de exercer esta função são decisivos para as mudanças geradas após este familiar se tornar cuidador.
Palavras-chave: velhice. Dependência funcional. Cuidador familiar. Cotidiano.
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ABSTRACT
This work is the research topic of everyday family caregivers of elderly with functional dependence, was developed in the search to know more about one of the aspects involved in the aging process of the Brazilian population that is about caring for older familiar who have become dependent functional, in other words, passing in need of a caregiver, specifically for this study, we investigated the caregivers who were also family and living with dependent elderly. The research methodology used for the analysis of the daily life of family caregivers was field research exploratory, qualitative method was chosen. For a better approach to the issue, sought to identify more specifically the changes in health, economic and social occured in the daily caregiver. After the interviews and data analysis it can be concluded that as changes occur in the life of the caregiver researched these changes are so much related the aging process of each person, namely, the positive and negative determinants of the caregiver's life before performing this function are critical to the changes generated after this family become caretakers.
keywords: old-age. Functional dependence. Family caregiver. Daily.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	8
O ENVELHECIMENTO E A DEPENDÊNCIA FUNCIONAL NA TERCEIRA IDADE	15
O processo de envelhecimento da população brasileira	15
A dependência funcional na terceira idade	18
Os idosos de que falamos!	22
As imagens da dependência!	23
A FAMÍLIA E SEUS FAMILIARES CUIDADORES DE IDOSOS	26
A família de que falamos!	26
O surgimento de um familiar cuidador	29
O perfil dos familiares cuidadores da pesquisa	32
O COTIDIANO COMO CAMPO DE PESQUISA	34
O cotidiano e o processo de envelhecimento	34
O cotidiano dos familiares cuidadores de idosos com dependência funcional	39
Aspectos sobre a saúde dos cuidadores	39
Aspectos econômicos e financeiros dos familiares cuidadores	41
O cuidador e suas relações sociais atualmente	44
CONSIDERAÇÕES FINAIS	47
REFERÊNCIAS	50
ANEXO	53
1 INTRODUÇÃO
Nosso trabalho tem como objeto de estudo a investigação sobre o cotidiano dos familiares cuidadores de idosos com dependência funcional, buscando identificar de maneira mais específica se há mudanças sociais, econômicas e na saúde do familiar que se torna cuidador de um parente idoso.
Há algumas décadas nós, brasileiros, temos notado visivelmente que nosso país não se configura mais com aquele perfil de um país jovem; comprovamos pelos últimos dados de pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE-2008) que o número de crianças nascidas vem diminuindo e o da expectativa de vida vem aumentando, registrando, assim, um número cada vez maior de idosos, portanto, estamos envelhecendo. Tal realidade pode ser também vista através da longevidade de nossos habitantes, ou seja, o crescente número de idosos identificado pelos censos e pelos estudos demográficos.
Diante deste fato, nos são colocados vários desafios, como, por exemplo, a necessidade de adequação das políticas públicas sociais, particularmente aquelas voltadas para atender as crescentes demandas nas áreas da saúde, previdência e assistência, entre outras, para nos adequarmos a esta nova realidade populacional do nosso país. Nessa pesquisa, visamos conhecer e compreender o cotidiano do cuidador familiar da pessoa idosa que possui dependência funcional, buscando identificar se há mudanças sociais, econômicas e de saúde na vida do familiar que se torna um cuidador de um parente idoso.
Dessa forma, nessa pesquisa queremos enfatizar a importância de se considerar o sujeito que cuida, visando contribuir com o avanço do conhecimento na área da assistência do cuidado familiar no domicílio, favorecendo uma melhor qualidade de vida para os cuidadores familiares e, consequentemente, para os nossos idosos.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE-2008), em 2050 a expectativa de vida do brasileiro será de 81,29 anos, tendo o mesmo nível atual de Hong Kong, China (82,20) e do Japão (82,60) e o Brasil será o sexto país do mundo com o maior número de pessoas idosas; o que notamos é que estamos caminhando para a realidade prevista pelas pesquisas, graças ao avanço da tecnologia, da medicina, da informação, entre outros fatores, resultando numa maior expectativa de vida para a nossa população. Só que não basta apenas aumentar os anos vividos, temos que nos preocupar também com a qualidade que viveremos nesses anos de vida a mais conquistados.
Na velhice, algumas pessoas passam a necessitar de ajuda para as atividades básicas no seu dia a dia, que podem variar desde uma pequena ajuda para se deslocar ao
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banco até uma ajuda mais contínua, como, por exemplo, no auxílio da higiene pessoal. Em geral, normalmente com a idade, o ser humano sofre mudanças gradativas no metabolismo, estatura, locomoção, visão e audição, que comprometem a qualidade de vida; passamos, então, a necessitar de ajuda de outros membros da família, amigos ou vizinhos para vários aspectos de nossa vida diária.
Nessa perspectiva, meu interesse por esta problemática surgiu durante as minhas observações no campo de estágio que se deu no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS III); este equipamento da prefeitura do município de Fortaleza trabalha recebendo denúncias de violações de direito e tem como público-alvo pessoas que se encontraram em situação de risco social e que por algum motivo estão com seus direitos sendo violados. Após o recebimento das denúncias, os profissionais verificam se estas são verdadeiras e, caso sejam, passama acompanhar o usuário juntamente com sua família até que haja uma superação da violação dos direitos.
Durante as visitas aos idosos que estavam sofrendo algum tipo de violência pudemos notar, através de cenas do cotidiano de alguns familiares responsáveis por estes usuários, que por eles possuírem algum grau de dependência funcional, os familiares acabavam se tornando cuidadores. Porém, alguns destes familiares expressavam nos seus depoimentos muita dificuldade em estar assumindo a responsabilidades de cuidar de seus parentes idosos, devido à necessidade de uma dedicação quase que exclusiva no que diz respeito ao cuidado.
Pudemos observar que na maioria dos casos estudados os cuidadores não eram preparados para realizar a tarefa de cuidar de um idoso e, além do despreparo em ter que lidar com tensões e esforços decorrentes do cuidar, tinham também que articular e promover uma reorganização na sua vida familiar, profissional e social, acarretando, assim, mudanças na qualidade de vida do cuidador com a sobrecarga de atividades; outras famílias chegavam a nos pedir asilamento institucional para o idoso, uma vez que não tinham com quem contar para cuidar do mesmo durante seu horário de trabalho. Ao refletir sobre estas questões, pensamos na importância do cuidador domiciliar estar sensibilizado para o cuidado de si, para melhor cuidar do outro, o idoso.
Entre as situações citadas anteriormente, no que diz respeito aos cuidados com os idosos, temos outro aspecto muito relevante, que é a necessidade de ampliação das medidas que forneçam suporte para o cuidado da saúde do idoso, já que estamos nos referindo a idosos que possuem dependência funcional, portanto, a necessidade de atendimento médico voltado para a reabilitação da capacidade funcional, gerando com estas e outras demandas uma
integração das diferentes especialidades de atendimento à saúde integral do idoso devido às demandas geradas durante o processo de envelhecimento, impactos importantes na carga econômico-familiar, com custos diretos e indiretos, levando os familiares, muitas vezes, a negligenciar ou abandonar seus idosos por vários motivos, dentre eles a falta de apoio financeiro.
É o que constatamos frequentemente nos meios de comunicação televisivos e escritos, através de reportagens que denunciam variadas formas de violência, desrespeito e preconceito à pessoa idosa, tendo como agressores a família, a comunidade e o Estado. Uma reportagem feita pelo jornal Diário do Nordeste, publicada no dia 27 de maio de 2011, relata alguns dados de uma pesquisa feita sobre a violência ao idoso:
Dados do Ministério Público Estadual (MPE) apontam um crescente aumento da violência contra o idoso de 2006 para 2010. Para se ter uma ideia da situação, somente a violência psicológica cresceu 3.880%. Se em 2006 as promotorias registravam cinco denúncias, em 2010 esse valor foi para 199. O abandono também segue a mesma linha. O MPE tinha zero registro, já agora são 64 (LAVOR, 2011)1.
Assim, pesquisas, investigações e estudos que busquem informações e conhecimentos sobre a problemática são de extrema importância e necessidade, como fonte que contribuam para o embasamento de formulação de políticas públicas, programas e projetos sociais voltados para os sujeitos envolvidos. Na mesma reportagem citada anteriormente do jornal Diário do Nordeste, registra-se e confirma-se que:
A população de idosos com 60 anos ou mais no Ceará aumentou 61% em dez anos. Isso porque os dados do Censo 2010 confirmam que esse contingente etário está em 1,063 milhão de pessoas. Enquanto em 2000 esse valor correspondia a exatos 658,9 mil (LAVOR, 2011,)1
No município de Fortaleza, esta realidade não é diferente: de acordo com o censo do IBGE (2010), a população idosa (com 60 anos ou mais) em 2010 é equivalente a 37% dos habitantes. Diante deste cenário que nos é colocado, temos que nos preparar para os novos desafios com o advento do crescimento da população idosa, dentre eles repercussões nos campos sociais, econômicos e familiares.
Nossa pesquisa se propõe a conhecer o cotidiano do cuidador familiar da pessoa idosa com dependência funcional, buscando compreender quais são as mudanças causadas no cuidador com o advento das responsabilidades assumidas em cuidar de um idoso dependente funcional. Dessa maneira, poderemos ter uma amostra das condições que as famílias
1 “População de idosos cresce 60% no Ceará” Jornal Diário do Nordeste, 27 de maio.
responsáveis por este contingente populacional se encontra e de que maneira eles estão lidando com a realidade cada vez mais presente em nossos domicílios. Acreditamos que para a nossa sociedade é interessante querer conhecer mais sobre o fenômeno do envelhecimento populacional nos seus diversos aspectos, produzindo, então, conhecimento que possa dar subsídios para discussões e articulações de meios que apoiem os idosos e suas famílias.
Mas não apenas buscamos trazer para o meio acadêmico tais discussões sobre a velhice na terceira idade, de forma a contribuirmos para a formulação de novos conhecimentos, mas também buscamos contribuir com a desmistificação dos preconceitos sobre a pessoa idosa, levando a uma maior compreensão e sensibilização sobre esta fase da vida nos demais espaços públicos. Neste sentido, a inserção do serviço social atuando na contribuição do desenvolvimento de políticas para a pessoa idosa é de grande utilidade, pois o assunto do envelhecimento da população brasileira não pode ser mais visto em segundo plano. As conquistas que até agora foram alcançadas precisam ser efetivadas e implementadas, pois o fenômeno pelo qual nosso país vem passando está cada vez mais complexo e acelerado e, infelizmente, é quase sempre estigmatizado.
A pesquisa, portanto, foi realizada com caráter descritivo, pois procurou identificar os fatos e motivos que contribuíram de maneira positiva e negativa na vida do familiar cuidador de um idoso dependente funcional, após exercer esta função, com o intuito de aprofundar o conhecimento de sua realidade, por meio da análise do seu cotidiano, feito através de pesquisa de campo.
A natureza da pesquisa foi de análise qualitativa, por se propor a investigar uma realidade que não se pode quantificar, ou seja, conhecer o cotidiano dos familiares cuidadores de idosos é um fenômeno que se busca interpretação e que apresenta uma subjetividade que não seria tão bem interpretada por números. Este tipo de análise trabalha com o universo de significados, motivos, valores, crenças e atitudes, corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos os quais não podem ser reduzidos à operacionalização variável (MINAYO, 2003).
Com base nos procedimentos técnicos utilizados para a pesquisa, ela teve como método de estudo a pesquisa de campo, pois o procedimento adotado para a coleta dos dados foi através da entrevista aberta estruturada e individual, realizada nos domicílios dos familiares cuidadores e posteriormente transcrita pela pesquisadora para análise e articulação com o referencial teórico da pesquisa. Gil (2002, p. 53) relata que o estudo de campo “busca estudar um único grupo ou comunidade em termos de estrutura social, ou seja, ressaltando a
interação entre seus componentes.” E é exatamente esta a metodologia buscada através desta pesquisa para poder adentrar no cotidiano dos cuidadores.
Para a realização das entrevistas durante a pesquisa de campo nos domicílios, foram utilizadas canetas, papel, roteiro de perguntas e gravador, para que os entrevistados pudessem discorrer livremente sobre suas experiências ao cuidar de um idoso familiar; o gravador foi de fundamental importância, pois com este recurso o pesquisador ficou tranquilo para fazer as perguntas sem se preocupar em anotar as respostas no momento das entrevistas, atividade feita posteriormente e já mencionada no parágrafo anterior.
O sujeito de análise da pesquisa foi o cuidador familiar, aquela pessoa que é responsável por cuidar de um familiar idoso que se tornou dependente funcional e que reside na mesmaresidência do cuidador. Inicialmente, os sujeitos da pesquisa seriam os cuidadores de idosos que eram acompanhados pelo Centro de Referência Especializado da Assistência Social III (CREAS III), da Regional III, equipamento da Prefeitura Municipal de Fortaleza/Ceará, que tem como público-alvo as famílias e indivíduos que estão sofrendo violação de direitos, porém, seus vínculos familiares e comunitários não foram rompidos.
Esta população se encontra em situação de risco social, ou seja, usuários que de alguma forma estavam com seus direitos sendo violados. Durante o período de estágio na instituição, passamos a ter um olhar mais voltado para o cuidador familiar, devido recebermos muitas denúncias de violação de direitos dos idosos e durante os acompanhamentos a estes usuários e seus familiares pudemos observar que são muitas as causas que levam a violação dos seus direitos.
Notamos que existe também um despreparo no âmbito familiar em relação aos cuidados para com os idosos, devido a vários motivos, como, por exemplo, a falta de tempo para um cuidado integral àqueles idosos que são dependentes funcionais. Então, os idosos às vezes faltam às consultas, passam o dia deitados sem praticar nenhum exercício físico etc. A nossa pesquisa teve como objetivo compreender como é o cotidiano dos familiares que cuidam de idosos. Temendo que a nossa vinculação à instituição pudesse prejudicar a obtenção de respostas às nossas indagações, devido os sujeitos se inibir em repassar as informações sobre o seu cotidiano, resolvemos não realizar a pesquisa com os familiares que são acompanhados pelo CREAS III.
Além deste motivo, também houve outros motivos que impossibilitaram a pesquisa, dentre eles, em virtude de o local das entrevistas ser em áreas de vulnerabilidade social; nós receávamos pôr em risco nossos recursos e integridade física, portanto, a possibilidade de realização da pesquisa com os usuários do CREAS III foi descartada.
Partindo da limitação do pesquisador para realizar a pesquisa, os critérios utilizados para a escolha dos sujeitos foram a indicação de pessoas conhecidas, ser o cuidador principal de algum idoso com mais de 60 anos, ter algum vínculo familiar com o idoso que cuida e o idoso possuir dependência funcional. O critério de sermos indicadas por alguma pessoa conhecida foi de fundamental importância, pois tornou o local da pesquisa de campo mais confortável no aspecto da segurança para nós. Vale ressaltar que apesar dos sujeitos terem sido indicados por pessoas conhecidas, eles eram desconhecidos por nós, portanto, não existia vínculo que pudesse comprometer o resultado da pesquisa. Como a natureza do trabalho voltou-se para uma análise qualitativa, o processo de coleta de dados, através das entrevistas, se deu com três sujeitos, pois se buscou dar ênfase à análise das falas.
O primeiro contato com os participantes foi através de pessoas conhecidas que indicaram os cuidadores; depois deste momento foi apresentada a finalidade da pesquisa e feito o convite para participação, por meio das pessoas conhecidas. Após a resposta positiva do cuidadores em querer participar, entramos em contado com os sujeitos por telefone para marcar o dia em que seriam feitas as entrevistas.
Após a data marcada para as entrevistas, fomos para a pesquisa de campo, ou seja, nos domicílios dos cuidadores, situados em dois bairros periféricos, sendo eles Bela Vista e Rodolfo Teófilo, localizados na área da Secretaria da Regional III, do município de Fortaleza (CE), investigados entre os meses de outubro a novembro de 2012; as entrevistas realizadas na pesquisa de campo foram estruturadas com perguntas abertas, para que os sujeitos pudessem discorrer informalmente sobre os assuntos.
Antes de iniciarmos as entrevistas, foi por nós novamente informada a intenção da pesquisa e sobre o sigilo de identificação dos participantes, portanto, os nomes aqui mencionados são fictícios. E, por último, foi pedida autorização para gravar as entrevistas em virtude de facilitar a coleta dos dados no momento da pesquisa e a autorização foi dada por todos.
As entrevistas foram feitas em apenas um momento, anteriormente havia se pensado em fazer em dois: o primeiro seria uma apresentação da pesquisa e uma aproximação com o sujeito e em um segundo encontro seriam feitas as perguntas estruturadas. Mas, durante o primeiro encontro, percebeu-se que não seria necessário realizar outro momento, pois todos os três sujeitos se mostraram disponíveis naquele momento para a realização das entrevistas.
Após a pesquisa de campo, os trechos das falas dos sujeitos de interesse foram transcritos e analisados, buscando-se, então, fazer uma análise entre a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo. Portanto, para uma melhor compreensão, organizamos o trabalho em
três capítulos: no primeiro, buscamos contextualizar como está ocorrendo o processo de envelhecimento na sociedade brasileira; logo em seguida, apresentamos os idosos da pesquisa e, de maneira específica, falamos sobre a dependência funcional que leva os idosos a necessitar de um cuidador e ter suas imagens identificadas.
No segundo capítulo, falamos sobre a família e seus familiares cuidadores de idosos; dividimos este capítulo em três subtópicos: no primeiro discutimos sobre a família e suas definições; no segundo apresentamos como surge o cuidador familiar e por último expusemos o perfil dos cuidadores. Por fim, no último capítulo, abordamos o cotidiano como campo para a pesquisa e através dele desenvolvemos três subtópicos, em que analisamos o processo de envelhecimento no cotidiano, o cotidiano dos familiares cuidadores de idosos, os aspectos de saúde, econômico e social dos cuidadores dos idosos.
2 O ENVELHECIMENTO E A DEPENDÊNCIA FUNCIONAL NA TERCEIRA IDADE
Neste segundo capítulo, falaremos sobre o fenômeno do envelhecimento e algumas das repercussões conceituais para a sociedade brasileira; para tanto, buscaremos expor algumas definições sobre o envelhecimento, terceira idade e o conceito de idoso. No segundo tópico do presente capítulo, abordaremos sobre a dependência funcional na velhice e algumas doenças que frequentemente levam os idosos a se tornarem dependentes funcionais. No terceiro subtópico, apresentaremos os idosos da pesquisa por meio da narrativa do cotidiano dos seus cuidadores e as definições do que é ser idoso para os familiares e no último subtópico mostramos as imagens da dependência encontradas na pesquisa.
2.1 O processo de envelhecimento da população brasileira
O envelhecimento da população no Brasil é uma das questões quem vem sendo bastante discutidas nos dias atuais nas universidades, nos vários meios de comunicação, nas instâncias públicas etc. devido as pesquisas, dentre elas a do IBGE (2008), terem apontado o Brasil como um país que vem apresentando um aumento da população idosa e isso está chamando a atenção não só de pesquisadores, mas também do poder público e da população como um todo.
As pesquisas feitas pelo IBGE (2008) apontam que em 2050 a população idosa ultrapassará os 22,71% da população total. Este fenômeno é um processo que vem se manifestando de forma distinta entre os diversos países. Nos países classificados como desenvolvidos, ele se deu de forma lenta, ao longo de mais de cem anos. Já nos países classificados como emergentes, dentre eles o Brasil, o processo vem se caracterizando de forma rápida; a partir de 1960, o grupo etário de idosos passou a liderar o crescimento da pirâmide etária. As pesquisas justificam o aumento da expectativa de vida da seguinte forma:
Os avanços da medicina e as melhorias nas condições gerais de vida da população repercutem no sentido de elevar a média de vida do brasileiro (expectativa de vida ao nascer) de 45,5 anos de idade, em 1940, para 72,7 anos, em 2008, ou seja, mais 27,2 anos de vida. Segundo a projeção do IBGE, o país continuará galgando anos na vida média de sua população, alcançando em 2050 o patamar de 81,29 anos, basicamente o mesmo nível atual da Islândia (81,80), Hong Kong, China(82,20) e Japão (82,60) (IBGE, 2008).
Dentre os fatores que contribuíram para as projeções do crescimento da população idosa estão: a diminuição da taxa de mortalidade e fecundidade, a diminuição da fecundidade, principalmente nos centro urbanos, consequência de um intenso processo de urbanização da população em um contexto de crise econômica, levando a mulher a se incorporar de maneira mais rápida como força de trabalho, provocando mudanças no número de filhos (VERAS, 2003).
Outro ponto importante para se abordar sobre o envelhecimento, além de seu conceito, são as definições de idoso e terceira idade, pois dizem respeito à existência de várias discursões polêmicas na intenção de conceituar esta fase da vida, devido a não existir uma época exata que determine o que é a fase adulta e a fase da terceira idade.
O envelhecimento é um processo complexo, pluridimensional, revestido não apenas por perdas, mas também por conquistas individuais e coletivas; fenômenos indissociáveis e simultâneos, processo este que ocorre durante toda a vida do ser humano, iniciando no nascimento e finalizando com a morte. Por mais que o ato de envelhecer seja individual, vivemos em comunidade e, como tal, sofremos as influências da sociedade.
A vida é composta por várias dimensões, ela é biológica, social, cultural, existencial, compondo-se, assim, de estágios com diferentes significados e durações, Camarone (2004), ao falar sobre o envelhecimento, o caracteriza da seguinte maneira: “[...] o envelhecimento de um indivíduo está associado a um processo biológico de declínio das capacidades físicas, relacionado a novas fragilidades psicológicas e comportamentais” (CAMARONE, 2004, p. 4).
O fato de o envelhecimento ser um processo natural e dinâmico, não pode considerar a velhice como incapacidade ou sinônimo de doença, mas é a partir das intervenções médicas, sociais e ambientais que se definirá a qualidade de vida do ser humano. Logo, podemos inferir que este processo não depende apenas das funções do corpo, mas da forma como a pessoa está inserida no contexto social. Portanto, a velhice não pode ser vista de forma homogeneizada, uma vez que as pessoas envelhecem de forma diferente, contudo, constroem suas histórias de vida com características e dificuldades específicas. Para Santos (2003), envelhecer é: “processo universal, que não afeta só o ser humano, mas a família, a comunidade e a sociedade, tendo a velhice como sua última fase” (SANTOS, 2003, p. 28).
Outro aspecto interessante sobre o processo do envelhecimento é no que diz respeito à construção social e cultural de sua definição e de sua imagem, pois há uma variação contrária de sentido em algumas sociedades:
A civilização moderna não espera, esgota-se no ato, de tal modo que o envelhecimento, aplicado ao indivíduo conservou tão somente seu despojo pejorativo, sinônimo de perda. Ao passo que em outras sociedades, como aquelas que têm “acumulação progressiva da personalidade, o envelhecimento é pensado, antes de tudo, em termos de aquisição e progresso”, como contata Louis-Vicent Thomas, depois de vinte anos passados na África (MESSY, 1999, p. 18).
Infelizmente, a sociedade brasileira está inserida no perfil das sociedades de consumo que enxergam a velhice como uma etapa da vida caracterizada pela decadência física e ausência de papeis sociais, na qual apenas o novo é valorizado.
No modelo social de velho, as qualidades a ele atribuídas são estigmatizadoras e contrapostas às atribuídas aos jovens. Assim sendo, qualidades como atividade, produtividade, memória, beleza e força são características presentes no corpo dos indivíduos jovens e as qualidades opostas a estas presentes no corpo do idoso. (MERCADANTE, 2003, p. 56).
Por mais que a idade e o processo de envelhecimento possuam outras dimensões e significados que extrapolam as dimensões da idade cronológica, a definição de quando uma pessoa vai ser considerada idosa definida pela idade cronológica é uma das mais utilizadas para classificar uma pessoa como idosa. Temos como exemplo a Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera como idosas as pessoas com 60 anos ou mais, se elas residem em países em desenvolvimento e com 65 anos ou mais se residem em países desenvolvidos.
No Brasil, de acordo com a Constituição Federal e a Política Nacional do Idoso, no artigo segundo, considera-se idosa a pessoa igual ou maior de 60 anos de idade, período este convencionado como terceira idade. O estatuto do idoso, Lei 10.741/2003, que visa regular os direitos assegurados às pessoas idosas, também classifica como idosas as pessoas a partir dos 60 anos.
Contudo, ser idoso não é um fenômeno de fácil compreensão, pois os fatores que interferem na compreensão deste processo se modificam no decorrer da existência humana, pois passamos por transformações cronológicas, biológicas e psicológicas ao longo de nossa vida; logo, estas características marcam a individualidade de cada pessoa, fazendo com que a velhice seja compreendida nas suas mais variadas formas contextuais.
Segundo Camarano et al. (1999, apud MEIRELES, 2006), a importância de delimitar a idade a partir da qual a pessoa passa a ser considerada idosa deve-se ao fato de que as políticas sociais e de saúde são dirigidas, em sua maioria, a grupos etários, como criança, adolescente e idoso. Esta delimitação de idoso e não idoso é meramente formal, uma vez que o envelhecimento é um evento individual. Desta forma, para fins deste trabalho, será adotada
a definição estabelecida na legislação brasileira, que considera pessoas idosas aquelas com 60 anos ou mais.
Para concluirmos as definições sobre o processo do envelhecimento vamos agora entender de onde vem a fase que classificou a população idosa em terceira idade, de acordo com Neri e Freire apud Schneider:
A palavra terceira idade, atualmente tão usada, teve sua origem na França, na década de 1960, e era utilizada para descrever a idade em que a pessoa se aposentava. A primeira idade seria a infância, que traduziria uma ideia de improdutividade, mas com possibilidade de crescimento. Já a segunda idade seria a vida adulta, etapa produtiva. Na época em que a expressão terceira idade foi criada, procurou-se garantir a atividade das pessoas depois da aposentadoria, que ocorria na França por volta dos 45 anos. Com o avanço contínuo da esperança de vida, a expressão "terceira idade" passou a designar a faixa etária intermediária, entre a vida adulta e a velhice (NERI & FREIRE, 2000, apud SCHNEIDER, 2008, p. 588).
Ainda que aponte para um das etapas finais da vida, a nomenclatura terceira idade faz desaparecer a alusão direta a vocábulos tão semanticamente marcados, como velhice, senilidade e envelhecimento. Este termo, como explica a citação, expõe uma idade boa da vida em que algumas pessoas na França deixavam de trabalhar, mas não eram rejeitadas e isoladas pela sociedade; pelo contrário, elas representavam a imagem de velhos bem sucedidos recém-aposentados, que seriam alvos do mercado consumidor para curtir suas aposentadorias.
1.2 A dependência funcional na terceira idade
Outro tópico de muita relevância em relação à velhice, o qual abordaremos neste trabalho, será sobre a dependência funcional ocasionada pelo envelhecimento e as doenças que levam um idoso a depender de outra pessoa para a realização de suas atividades diárias. Mas, antes de apresentar algumas doenças que levam à dependência funcional, apresentaremos algumas definições básicas para nortear o desenvolvimento do assunto.
Apesar de se ter várias definições sobre incapacidade funcional, devido ao caráter multidimensional, dinâmico e complexo deste fenômeno, ficaremos com a definição do Ministério da Saúde, o qual adotou o ponto de vista da OMS, ou seja, a capacidade funcional de um indivíduo diz respeito a sua capacidade de realizar as atividades da vida diária (alimentar-se, vestir-se, tomar banho, entre outras) e as atividades instrumentais (ir ao banco, pegar um ônibus, comunicar-se, entre outros) (BATISTA, 2008).
A incapacidade funcional podeocorrer em qualquer idade, mas quanto mais velho maior é o risco de novas incapacidades, isto porque a incapacidade funcional está diretamente
ligada à presença de doenças, é, portanto, a dificuldade ou dependência para realizar atividades da vida cotidiana.
À medida que um maior número de pessoas atinge idade mais avançada, há uma tendência de alteração no padrão de morbidade e de causas de morte da população; em vez das doenças infectocontagiosas, tornam-se predominantes as doenças crônico-degenerativas e suas complicações. Deste modo, a tendência atual é termos um número crescente de indivíduos idosos que, apesar de viverem mais, experimentam maior número de doenças crônicas (ALVES, L.C. et al. 2008). Dentre as doenças crônicas, destacaremos algumas que são muito frequentes em idosos e que foram destacadas pelo Caderno de Atenção Básica de Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa, desenvolvido pelo Ministério da Saúde.
Inicialmente, tem-se a doença de Alzheimer, que é uma doença cerebral degenerativa. É a mais superior entre as várias causas de demências. Diversas condições fazem parte do processo da doença, sendo, portanto, multifatorial. Está associada a diversos fatores de risco, tais como: hipertensão arterial, diabetes, processos isquêmicos cerebrais. Fatores genéticos são relevantes, pois, além da idade, a existência de um familiar próximo com demência é o único fator sistematicamente associado. Escolaridade elevada e atividade intelectual intensa estão relacionadas com menor frequência de demência (BRASIL, 2006).
Outra doença é a osteoporose, que é conhecida como uma doença progressiva que leva a uma desordem esquelética; significa osso poroso, ou seja, é a descalcificação progressiva dos ossos que se tornam frágeis, predispondo a um aumento do risco de fratura. A multifatorial osteoporose é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a “Epidemia silenciosa do século” e atualmente é um problema de saúde pública no mundo inteiro, devido ao aumento na expectativa de vida das populações. É uma doença de grande impacto devido à sua alta prevalência e a grande relação entre o número de casos da enfermidade ou morte e o número de habitantes em dado lugar e momento. Afeta às pessoas de maior idade, de ambos os sexos, principalmente mulheres na pós-menopausa, que também apresentam mais fraturas (BRASIL, 2006).
Temos também a hipertensão arterial, uma doença crônica, que se caracteriza por elevação da pressão (do sangue) dentro das artérias de todo o corpo. Entre as pessoas idosas, a hipertensão é uma doença altamente prevalente, acometendo cerca de 50% a 70% das pessoas nessa faixa etária. É um fator determinante de morbidade e mortalidade, mas, quando adequadamente controlada, reduz significativamente as limitações funcionais e a incapacidade nos idosos. A hipertensão não deve ser considerada uma consequência normal do envelhecimento (BRASIL, 2006).
A diabetes é uma doença cuja principal característica é o aumento de açúcar no sangue. Ela altera o metabolismo do açúcar, da gordura e das proteínas. Na pessoa idosa, é uma das doenças crônicas mais comuns. Também conhecida como diabetes, apresenta alta morbimortalidade, com perda importante na qualidade de vida. É uma das principais causas de mortalidade, insuficiência renal, amputação de membros inferiores, cegueira e doença cardiovascular. A diabetes se manifesta quando o corpo não produz a quantidade essencial de insulina para que o açúcar se mantenha normal (BRASIL, 2006).
A incontinência urinária (IU), ou perda involuntária de urina, é um sério problema de saúde que afeta milhões de pessoas e pode ocorrer em qualquer idade, tendendo a manifestar-se mais frequentemente com o aumento da idade, principalmente nas mulheres, na perimenopausa. A prevalência da incontinência urinária é maior nas mulheres que nos homens entre os 50 e 75 anos, não apresentando variações por sexo na idade mais avançada. Estima-se que entre as pessoas idosas, a prevalência de IU é de aproximadamente 10 a 15% entre os homens e de 20 a 35% entre as mulheres. Idosos institucionalizados e os providos de internação hospitalar recente apresentam incontinência urinária de 25 a 30%.
A IU tem grande impacto sobre a qualidade de vida das pessoas idosas, causando, geralmente, grande constrangimento e induzindo ao isolamento social e à depressão. A qualidade de vida é altamente afetada pela incontinência urinária, havendo uma tendência à autopercepção negativa de saúde por parte das pessoas idosas. Constitui uma das principais causas de institucionalização de idosos (BRASIL, 2006).
A depressão não faz parte do processo de envelhecimento normal, ela é uma doença que pode acometer o jovem, o adulto ou a pessoa idosa e merece ser tratada, sendo mais comum entre as mulheres, na viuvez, nas pessoas idosas que vivem em instituição de longa permanência, em quem não tem companheiro, em quem teve pouca instrução, em quem já teve depressão antes ou mesmo em quem tem depressão na família.
Existem situações que podem aumentar a probabilidade de desenvolver depressão, como a incapacidade física e ter de depender de outras pessoas, alguns medicamentos, traumas psicológicos, aposentadoria, perda de ente querido, dificuldades financeiras, divórcio e algumas doenças. Isso não quer dizer que aqueles que têm ou que tiveram alguma destas condições terão esta doença, porque depende também da predisposição de cada indivíduo.
É sempre importante que a suspeita de depressão seja avaliada pelo médico, pois existem algumas causas que podem ser tratadas, promovendo a melhora ou mesmo a cura da depressão. Dentre elas, podem ser mencionadas a demência, o câncer, problemas na tireoide,
derrame e outras. Os medicamentos também podem ser a causa de depressão, mas nunca se deve retirar ou alterar os medicamentos que estão sendo usados, pois esta decisão deverá ser sempre do médico que acompanha o caso.
Quando a depressão não é tratada, pode levar a sérias consequências, como diminuição de sua capacidade e independência, piora da memória, má qualidade de vida, ou até suicídio (BRASIL, 2008).
A doença mais comum na pessoa idosa é a osteoartrite, ou popularmente chamada de artrose. Na osteoartrite ocorre um desgaste da cartilagem, uma espécie de gelatina que protege as juntas, entre as extremidades dos ossos. Quando há sua destruição, os ossos entram em contato entre si, formando pequenos nódulos nas articulações das mãos ou proeminências na coluna vertebral, o chamado “bico de papagaio”.
A osteoartrite é uma doença muito dolorosa e que pode causar dificuldades na caminhada, na movimentação do corpo durante atividades de subir e descer escadas, ou até para realizar trabalhos domésticos. Além disso, pode haver maior probabilidade de queda trazendo consequências como, por exemplo, fraturas. A dor é lenta, progressiva e pode acompanhar estalidos das articulações. Embora muitas pessoas preocupam-se com o estalido, isso não quer dizer gravidade ou intensidade de doença. Ela pode atacar uma ou mais articulações, seja nas mãos, punhos, quadris, joelhos ou coluna.
Um aspecto bastante importante na osteoartrite é o peso. Por isso, pessoas que possuem excesso de peso têm uma melhora significativa das dores quando emagrecem. Portanto, o apoio de um profissional de nutrição e a reeducação alimentar fazem parte do tratamento da osteoartrite, principalmente dos joelhos.
E, por último, falaremos da demência. Ao envelhecer, a maioria das pessoas se queixa mais frequentemente de esquecimentos cotidianos. Este transtorno da memória relacionado à idade é muito frequente. A memória é a capacidade para reter e fazer uso posterior de uma experiência, condição necessária para desenvolver uma vida independente e produtiva. Um problema da memória é sério quando afeta as atividades do dia a dia, ou seja, quando a pessoa tem problemas para recordar como fazer coisas cotidianas.
A demência é uma síndrome clínica decorrente de doença ou disfunção cerebral, de natureza crônica e progressiva, na qual ocorre perturbação demúltiplas funções cognitivas, incluindo memória, atenção e aprendizado, pensamento, orientação, compreensão, cálculo, linguagem e julgamento. A demência produz um declínio visível no funcionamento intelectual que interfere com as atividades diárias, como higiene pessoal, vestimenta, alimentação, atividades fisiológicas e de toalete.
Entre as pessoas idosas, a demência faz parte do grupo das mais importantes doenças que acarretam declínio funcional progressivo e perda gradual da autonomia e da independência. A incidência e a prevalência das demências aumentam exponencialmente com a idade (BRASIL, 2006).
Portanto, a capacidade funcional surge, atualmente, como um novo paradigma de saúde, particularmente importante para o idoso porque envelhecer mantendo todas as funções não significa problema para o indivíduo, a família ou A sociedade. O problema se inicia quando as funções começam a deteriorar. Como o idoso apresenta maior prevalência de doenças crônico-degenerativas e, consequentemente, de incapacidade, a capacidade funcional torna-se uma das mais relevantes questões das pesquisas gerontológicas, dado que envelhecer sem incapacidade é fator indispensável para a manutenção de boa qualidade de vida.
1.3 Os idosos de que falamos!
Depois de discutirmos de maneira geral o que seria o conceito de idoso e velhice para a nossa sociedade e apresentarmos o que consideramos ser dependência funcional, exibiremos agora o perfil dos idosos da nossa pesquisa e a maneira que seus familiares os definem como idosos. Ressaltamos que as descrições do perfil serão baseadas pelas descrições feitas por seus familiares cuidadores. O intuito de apresentá-los é com a intenção de conhecermos e nos aproximarmos mais do cotidiano vivido pelos cuidadores.
Cuidadora Maria: cuida da sua mãe que tem 88 anos. A idosa é viúva, teve 18 filhos e tem 13 vivos, estudou até o ensino fundamental, é dona de casa, recebe uma pensão do marido falecido e se aposentou por idade. Atualmente, a idosa mora na sua casa própria com quatro filhos, sendo dois homens e duas mulheres e mais um neto e uma neta. Durante a entrevista a cuidadora definiu a idosa da seguinte maneira: “... como um bebê... O que ela fez comigo eu tô fazendo por ela. Tem que ver com carinho, com amor... Tem que ter cuidado como uma recém-nascida, uma criança num requer todo um cuidado, né, pois assim é ela.”
Cuidadora Marta: cuida da mãe que tem 84 anos. A idosa é viúva, teve seis filhos e tem três vivos, estudou ate o segundo no do ensino médio e trabalhava como comerciante, tem como renda a pensão do falecido marido. Atualmente a cuidadora mora na sua residência com sua filha e a idosa. Durante a entrevista, a cuidadora Marta expressou que ver a mãe da seguinte forma: “É uma criança, né!”.
Cuidadora Madalena: cuida de sua avó paterna que possui 97 anos. A idosa é viúva, estudou até o primário, trabalhava como costureira, era funcionária federal de um
hospital e se aposentou por tempo de serviço; a idosa teve 22 filhos e apenas um está vivo. Atualmente, mora na sua residência com um neto e duas netas, uma delas a cuidadora. Não apresentou falas que definissem a pessoa idosa.
O que concluímos com as definições dadas pelas cuidadoras a seus familiares idosos é que elas têm uma imagem de infantilização do idoso; perceberemos no decorrer das falas que tal imagem repercute na maneira como os idosos são tratados no seu cotidiano. Visualizamos que os idosos pesquisados apresentam muitas perdas quando chegam a esta fase da vida e uma delas é a da identidade.
Muitos deixam de ser os chefes da família para serem tratados como crianças, levando-os também a criarem uma maior dependência, além das funcionais, pois de uma maneira indireta eles acabam sendo excluídos das decisões do dia a dia, inclusive das que dizem respeito a eles. Desta maneira, o cuidador e os demais familiares passam a ter que decidir em tudo em relação ao idoso e este passa a ser totalmente passivo de suas vontades.
Outro aspecto incomum entre as três idosas é que todas elas possuem alguma renda financeira, ou seja, a família já conta com um recurso a mais que pode vir a contribuir para uma melhor qualidade de vida, tanto do idoso e consequentemente do cuidador, pois, caso contrário, a família era que teria que arcar com as necessidades do idoso.
1.4 As imagens da dependência!
Durante a pesquisa, buscamos identificar quais os problemas de saúde e as dependências apresentadas pelos idosos para que estes e seus familiares concluíssem que teriam a necessidade de um cuidador. Para tanto, perguntamos a seus cuidadores familiares quais problemas de saúde as idosas tinham e quais as medicações elas tomavam e depois buscamos saber que atividades seus parentes idosos necessitavam de ajuda, no dia a dia.
Cuidadora Maria:
Ela toma vários remédios. Ela toma em Jejum... toma nove horas um que controla a ritimia...a tarde ela toma... e à noite ela toma pra dormi.
A única coisa que ela faz sozinha é colocar a colher na boca.
Ela tá acamada, assim, dependendo dos outros, devido os três avcs, ela é hipertensa. Mas ela teve esses três avcs e uma queda grande... só está acamada devido os três avcs que deixaram essas sequelas.
Foi quando ela levou essa queda, mesmo, que ela caiu aqui da calçada, caiu lá em baixo. Foi em dois mil e seis, faz seis anos. Ai ela passou a depender dos outros.
Podemos identificar mais uma doença causadora de dependência na fala da cuidadora Maria. O acidente vascular cerebral é uma doença que tem como um dos critérios
de incidência a faixa etária que é a partir dos 65 anos, havendo uma maior probabilidade com o aumento da idade (FONSECA; PENHA, 2008, apud VIEIRA, 2010, p. 30). Outro fator que agravou a dependência foi uma queda que a idosa sofreu; tal acidente também tem maior frequência quando ficamos mais idosos e, como observamos, causa também a dependência funcional.
O processo do envelhecimento e a presença de doenças podem levar as pessoas idosas a apresentarem dificuldades nos movimentos.
As quedas são bastante comuns, podendo resultar em várias consequências, desde simples hematomas e medo de cair novamente, até complicações mais sérias, incluindo fraturas e morte (BRASIL, 2008, p. 271).
Na situação da cuidadora Maria, a queda foi determinante para desenvolver uma situação de maior dependência por parte da idosa e criar uma maior necessidade de uma familiar cuidador para auxiliar a idosa nas atividades do cotidiano.
Cuidadora Marta:
Hipertensa...ai a doutora agora passou um tratamento pra demência... Ela tem problema do por do sol, depois da duas horas da tarde ela já começa a ficar agitada, querendo sair.
Vários! Ela toma sete medicamentos.
Se eu der na mão dela o liquido ela toma... Agora comida, ela não come... Eu banho. Ela não faz nada só, ela depende de mim. Ela não se deita só... O problema da mãe foi porque ela perdeu a visão, se ela não tivesse perdido a visão, eu acho que ela era bem melhor, né. Ela tem problema de glaucoma. Tá com dois anos.
O glaucoma é um problema de visão que pode conduzir à cegueira total e é irreversível, ou seja, não existe tratamento que produza uma melhora, apenas o problema sendo detectado precocemente pode ser retardado através de medicamento. Por mais que esta patologia não esteja exclusivamente relacionada à velhice, ela quando atinge o idoso aumenta o risco de queda, atropelamento, uso trocado de medicações, depressão, isolamento e consequentemente cria ou aumenta a dependência no idoso, como foi o caso da idosa da cuidadora Marta (CYPEL, 2006)
Cuidadora Madalena:
Ela se alimenta, Deus me livre dela me deixar dar comida a ela, ela mesma se alimenta. Ela não é de comer comida de panela... Até seus oitenta e cinco anos ela mesma fazia a nossa própria comida daqui de casa. Ai ela foi deixando a cozinha aos poucos, aos poucos, ai ela parou total de cozinhar... Eu tenho que levar ela pro banheiro e dar banho nela por causa da coluna dela... ela fala, esculhanba bastante...é como eu te disse, ela tá com um problema na coluna, ela tem um desvio,ai ela sente muita dor, ai eu tenho que vestir ela, levantar ela...ir até o banheiro, como a coluna dela dói bastante, a gente tem que caminhar com ela porque ela não enxergar mais... ai eu tenho que levar ela ao banheiro... a minha vó até os seus oitenta e sete ano a vó enxergava.
Ela tem problema de pressão... Ela toma medicamento pela idade e por falta de oxigênio no cérebro, ai ela dá convulsão.
Outro problema apresentado como causador de dependência funcional na pesquisa foi dor lombar; este problema a cuidadora disse que a idosa havia adquirido quando trabalhava como costureira em um hospital e foi devido a ele que ela resolveu se aposentar; tal problema é muito comum em pessoas idosas, mas geralmente ele se inicia na juventude devido a problema postural e sobrecarga muscular. Cerca de 50% das pessoas idosas, em algum momento da vida, queixa-se de dores nas costas. As causas de dor lombar são diversas: hérnia de disco, osteoartrite, distensão muscular, infecção, fratura por osteoporose, câncer, psicossomáticas, erro de postura e outras (BRASIL, 2008, p. 211).
Analisando a fala dos familiares cuidadores, verificamos que o ponto de partida diz respeito à dependência quase que total, a ponto de necessitarem de um cuidador; e as doenças que dificultam as atividades físicas, como a perda da visão, queda, sequelas de AVCs. No discurso dos cuidadores, verificamos que depois que os idosos apresentaram estas patologias em que interferirem na autonomia do idoso, houve uma gradativa diminuição das demais atividades diárias, com isso, observamos um aumento da dependência funcional. Notamos durante a entrevista que há certa acomodação por parte dos idosos e de suas cuidadoras, no que dez respeito à procura de tratamento que reverta os problemas de saúde para uma melhor qualidade de vida.
Como a pesquisa delimita aos cuidadores de familiares idosos com dependência funcional, ou seja, dependência para realizar as atividades básicas da vida diária, as imagens de dependência aqui apresentadas pela pesquisa foram direcionadas a problemas de saúde e mobilidade física, pois são as principais causas que levam à dependência funcional.
2 A FAMÍLIA E SEUS FAMILIARES CUIDADORES DE IDOSOS
A categoria família será abordada na pesquisa para entendermos as origens do cuidador familiar, buscando, assim, compreender de onde ele vem, em que contexto está inserido e como é formado no âmbito familiar. Inicialmente, no primeiro subtópico, vamos fazer uma breve contextualização sobre a família na atualidade, depois, no segundo subtópico, vamos apresentar o desenvolvimento do cuidador familiar, o seu perfil nos dias de hoje e atuação como membro da família.
2.1 A família de que falamos!
Para falarmos de família, temos que estar sempre relacionando o significado da palavra ao termo mudança. Todos nós sabemos que a sociedade é dinâmica, ou seja, está em constante transformação e é a família que compõe os núcleos mais próximos dos indivíduos que formam a sociedade, portanto, a instituição chamada família também está em constante transformação. É importante explicar que as transformações que ocorrem nas famílias, no que diz respeito aos seus componentes, e as relações que eles ocupam não ocorrem de modo igual em todas as sociedades, ou seja, existem sociedades, como em países do ocidente, em que as mudanças são mais frequentes e de maneira mais rápida devido a cultura destes locais, que são mais flexíveis a mudanças. Mas, temos também outros tipos de sociedade, como a oriental, que é extremamente resistente a mudanças, apesar de nelas também ocorrerem, mudanças, porém de forma mais lenta.
As famílias têm passado por mudanças importantes em sua estrutura e função, com efeito das recentes transformações socioculturais e históricas nas sociedades ocidentais. O fenômeno do aumento da longevidade é um dos aspectos que colaboram para as modificações na família, influenciando relacionamentos entre as gerações e diversificando as funções do idoso na dinâmica familiar (MARANGONI; OLIVEIRA, 2010, p. 37).
Contextualizando a discussão para a nossa sociedade, na qual estão inseridos os cuidadores de idosos, é sobre esta família que pretendemos pesquisar e conhecer. Inicialmente, buscaremos apresentar alguns conceitos sobre a família, parentesco e casamento da sociedade em que vivemos, lembrando que tais definições não são gerais, levando em consideração a pluralidade das formas atuais de constituição das instituições e vínculos e logo após nos aproximaremos do objeto de estudo da pesquisa.
De acordo com o sociólogo Giddens:
família é um grupo de pessoas diretamente unidas por conexões parentais, cujos membros adultos assumem a responsabilidade pelo cuidado das crianças. Laços de parentesco são conexões entre indivíduos, estabelecidas tanto por casamento, como por linhas de descendência, que conectam parentes consanguíneos (mãe, pais, irmão, prole etc.). O casamento pode ser definido como uma união sexual entre indivíduos adultos socialmente reconhecida e aprovada (GIDDENS, 2005, p. 151).
Até algum tempo atrás, no século passado, a família era caracterizada predominantemente como um conjunto de pessoas que morava em uma mesma casa e que apresentava ligações de parentesco e afinidade. Mas, o que percebemos nos dias atuais é que esta imagem que definia a família vem mudando e há pessoas que acreditam a família estar se acabando por não ter mais a mesma estrutura de antes.
Porém, o que temos observado é que ela vem sofrendo vários tipos modificações, dentre estas, na sua forma de organização e nos níveis de reprodução, simultaneamente a outras mudanças sociais como crises financeiras, a entrada da mulher no mercado de trabalho e outras inúmeras mudanças ocorridas na sociedade, o que consequentemente leva a instituição casamento ter que se adaptar ao mundo atual. Na citação abaixo, o censo do IBGE comprava essas mudanças:
O histórico declínio das taxas de fecundidade é reflexo das mudanças ocorridas na sociedade brasileira nas últimas décadas, tais como: aumento da urbanização, maior participação de mulheres no mercado de trabalho, elevação da escolaridade, disseminação cada vez maior dos métodos anticoncepcionais, entre outras mudanças (IBGE, 2012).
Outro conceito bastante útil para nossa discursão sobre a família é o que Giddens aborda e sobre o significado de família ampliada e família nuclear:
família nuclear, dois adultos vivendo juntos num núcleo doméstico com suas crianças ou crianças adotadas [...] Quando parentes próximos além do casal e seus filhos vivem juntos no mesmo ambiente familiar ou em um relacionamento próximo e contínuo uns com os outros, falamos em família ampliada (GIDDENS, 2005, p. 152).
Essa família nuclear era a que predominava na nossa sociedade, no século XX, ou seja, a família era constituída por pais e filhos morando no mesmo lugar, também caracterizada como sociedade patriarcal. Quem não tivesse uma família com essa organização era frequentemente julgado, criticado e inferiorizado pela sociedade. Socorro e Dias confirmam esta realidade:
...as mulheres separadas e as mães solteiras eram malvistas pela sociedade. No intuito de evitar sofrimento e vergonha, a mulher em tal situação, de modo geral, passavam a residir com os pais e adotar uma postura de renúncia a relacionamentos afetivos como forma de adquirir respeitabilidade perante o meio social. (SOCORRO e DIAS, 2010, p. 100).
Já a família ampliada ganhou visibilidade e espaço na nossa sociedade; ela é representada, como Giddens a define, por membros da família, com graus mais e menos distantes vivendo em um mesmo núcleo familiar.
As famílias atuais passam a ter mais avós e netos. Os arranjos familiares são menos tradicionais, cresce o número de uniões consensuais e, com o aumento dos divórcios, há também um crescimento significativo das famílias reconstituídas, nas quais os filhos podem ser apenas de um dos cônjuges. Outro efeito conhecido das separações e dos divórcios é o aumento do número de crianças que crescem em famílias monoparentais.Em relação à economia doméstica, muitos casais têm optado por se estabelecer no mercado de trabalho antes de decidir ter filhos. Consequentemente, a postergação da fecundidade feminina gera mudanças nos padrões da organização da família (IBGE, Censo 2010).
Outro conceito bastante parecido com o de Giddens, sobre família, mas que se aproxima mais da nossa realidade, é o de unidade doméstica dada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE:
A unidade doméstica é a denominação que se dá ao conjunto de pessoas que vive em um domicílio particular, cuja constituição se baseia em arranjos feitos pela pessoa, individualmente ou em grupos, para garantir alimentação e outros bens essenciais para sua existência. Sua formação se dá a partir da relação de parentesco ou convivência com o responsável pela unidade doméstica, assim indicado e reconhecido pelos demais membros da referida unidade como tal (IBGE, censo 2010).
Esse conceito se aproxima mais da realidade da nossa sociedade porque ele ultrapassa os vínculos consanguíneos e de casamento, incluindo também aquela família que é formada por pessoas que estão juntas pela convivência.
Mas, apesar de todas essas definições na busca de explicarmos de maneira mais precisa o conceito de família, essa com todas as suas mudanças com o decorrer do tempo, conforme Ferrari e Kaloustian (2011, p.12) têm peculiaridades bastante pertinentes, como sendo um lugar privilegiado de socialização, de prática de tolerância e de exercício de responsabilidade, de busca coletiva de estratégia de sobrevivência; nela normalmente encontramos espaço indispensável para garantia da proteção integral dos seus membros, independente dos arranjos familiares ou da forma como se está estruturada. É nesse espaço que o os indivíduos normalmente constroem e desenvolvem as bases afetivas e matérias necessárias ao desenvolvimento e bem estar dos seus componentes.
Entretanto, as relações familiares em uma sociedade na qual a expectativa de vida está aumentando geram situações inovadoras, sem que haja maior preparação de seus membros para lidarem com esse novo momento; com o envelhecimento dos pais surgem outras modificações, os quais devido a longevidade exigem maiores cuidados.
A família como um sistema enfrenta desafios importantes diante das demandas advindas com a velhice (normal ou patológica) especialmente quando há alterações
ocasionadas por doenças associadas ao envelhecimento como, por exemplo, a demência. (FALCÃO, 2006 apud FALCÃO e BAPTISTA, 2010, p. 15).
Às vezes estes idosos tem que sair de suas casas e são levados para o seio de outros familiares, entre outros motivos, por apresentarem algum comprometimento na sua autonomia e independência. “O cuidado com a geração velha é atribuído, ao longo da história, aos descendentes, ou seja, a família tem como responsabilidade satisfazer inúmeras necessidades, sejam elas físicas, psíquicas e sociais” (MORAGAS, 1997, apud ALCÂNTARA, 2009, p. 21).
O que notamos é que a família, independente de sua configuração, tem assumido a maior parte das responsabilidades demandadas de seus familiares idosos, mesmo com todas as mudanças ocorrida em seu interior e já mencionadas anteriormente.
(...) apesar da dinâmica e a estrutura familiar não mais possuírem condições de bancar a proteção de seus membros necessitados, a família vem sendo considerada uma inestimável fonte cuidadora de idosos, crianças e enfermos e, paradoxalmente, a base de cálculo das prestações sociais em detrimento do indivíduo e o seu carecimento particular. (Pereira, 2007, p.247).
Como forma de reafirmar essa norma social dos familiares cuidarem dos seus idosos na velhice, as leis brasileiras de proteção à pessoa idosa reafirmam tais responsabilidades:
...Política Nacional do Idoso (artigo 3º I) e o Estatuto do Idoso (artigo 3°), baseados na Constituição Brasileira (artigo 230), reafirmam que é obrigação da família cuidar da pessoa idosa. Mas as leis deixam claro também que essa obrigação é exercida juntamente com a comunidade a sociedade e o poder público. (Manual do Cuidador da Pessoa Idosa, 2008, p. 53).
Apesar de legalmente esses cuidados com os idosos serem de responsabilidade de todos, o que encontramos na realidade é a mínima participação do poder público e a família representando a sociedade como a principal protagonista nessa busca para se ofertar uma melhor qualidade de vida aos nossos idosos, na figura do familiar cuidador.
2.2 O surgimento de uma familiar cuidador
O processo para se definir um cuidador que sugira de um dos membros da família pode ser imediato ou gradual, mas apesar de ter essas diferenças, o processo para se tornar esse cuidador de que falamos parece obedecer algumas regras, as quais vamos conhecer durante esse subtópico. Geralmente o que corre é que um membro da família é escolhido para se tornar o cuidador daquele membro idoso, essa escolha, por mais que não exista um padrão definido de como o familiar passa a ser cuidador mais existe uma frequência maior de casos
em que são feitos acordos com os demais integrantes da família ou pode acontecer de maneira sutil com o decorrer do tempo e da convivência entre o idoso e esse membro. Este cuidador é denominado cuidador informal, pois existe outro tipo de cuidador que é chamado de cuidador formal.
O cuidador familiar é o principal agente do sistema de apoio informal. Sem formação específica, é o principal responsável pelo desenvolvimento das ações de cuidado ao idoso. O cuidador informal voluntário é um leigo que presta cuidado ao idoso dependente, sem remuneração, submetido a diversos graus de supervisão da família, que o aceita por depositar confiança no cuidado prestado. Denomina-se cuidador formal o profissional contratado que tem educação formal, com certificado de instituição de ensino reconhecida por organismos oficiais, que presta assistência profissional ao idoso e/ou à família e a comunidade e que é remunerado por isso (YUASO, 2002, apud QUEROZ, 2010, p. 118).
No nosso trabalho buscamos pesquisar o cotidiano dos cuidadores informais e de maneira mais especifica os que têm algum parentesco familiar, para tanto, definimos o cuidador familiar como:
Membro familiar, esposo (a), filho (a), irmã (ão), normalmente do sexo feminino, que é “escolhido” entre os familiares por ter melhor relacionamento ou intimidade com a pessoa idosa e por apresentar maior disponibilidade de tempo. Podemos colocar nesse grupo a amiga ou vizinha, que mesmo não tendo laços de parentesco, cuida de pessoa, sem receber pagamento, como voluntária. (Manual do Cuidador da Pessoa Idosa, 2008, p. 54).
Ressaltamos que por mais que a definição anterior inclua amigos e vizinhos como cuidador, para nossa pesquisa buscamos delimitar apenas os cuidadores que possuíam laços de parentesco com o idoso de quem cuidam.
Dando continuidade a nossa temática sobre a família e o cuidador familiar, depois de definirmos o conceito de cuidador vamos agora saber quem são esse cuidadores, seu perfil e o que levam esses a cuidarem de seus parentes idosos.
É no campo familiar que as pessoas aprendem e desenvolvem suas práticas de cuidado bastante influenciadas por sua cultura. Geralmente é a família quem decide o momento de procurar pelos agentes do campo profissional ou do campo popular e também quem estabelece o contato com esses profissionais. Em alguns casos, o cuidado dispensado pelos membros da família pode não ser o mais adequado tecnicamente, mas tem uma forte expressão simbólica por envolver vínculos afetivos, alianças e o compartilhar de uma história que é peculiar a cada família. (SANTOS, 2010, p. 13).
De acordo com a literatura voltada para área do cuidador, o perfil dos cuidadores de idosos, nas pesquisas realizadas, tem resultados bem parecidos, apesar de haver exceções; mas o que geralmente encontramos é apenas uma pessoa assumindo a responsabilidade pelo cuidado com o idoso, na qual denominamos de cuidador principal:
É aquele que fica responsável por quase todo o trabalho diário com a pessoa idosa doente. O papeldo cuidador principal é de suprir as necessidades desta pessoa durante o período de doença ou incapacidade. (Manual do Cuidador da Pessoa Idosa, 2008, p. 64).
Estes na maioria são mulheres, geralmente esposas, filhas, noras e grande parte destas mulheres são de meia-idade ou idosas, tem filhos adultos, são aposentadas ou estão perto de se aposentar ou são solteiras. Na próxima citação o autor explica o porquê dessa predominância de cuidadores do sexo feminino na nossa sociedade:
No contexto familiar, o cuidador é uma figura que sempre se fez presente, geralmente, era uma função exercida pelas mulheres. Para elas o ato de cuidar era muito natural, quase que incorporado às demais funções relativas às atividades familiares e domésticas. As mulheres normalmente aprendiam a cuidar no convívio com outras mulheres de sua família ou de seu grupo sociocultural e eram elas que detinham o domínio do saber popular sobre os cuidados com a saúde e na doença... Essa distinção de atividade segundo gênero pode ser relativizada no mundo moderno, mas seguramente foi à forma pela qual foram socializados os homens e mulheres que atualmente constituem a grande maioria dos idosos com os quais deparamos no cotidiano. (SANTOS, 2010, p. 13).
Na nossa pesquisa essa realidade apresentada por outros estudos não foi muito diferente, todas as nossas entrevistadas foram do sexo feminino, não por escolha do pesquisador, mas de forma natural os sujeitos que encontramos com o perfil que se enquadraram para a pesquisa eram do sexo feminino.
2.3 O perfil dos familiares cuidadores da pesquisa
Nesse subtópico iremos apresentar o perfil dos familiares cuidadores que participaram da pesquisa, de que maneira eles se tornaram cuidadores de seus parentes idosos, é bem parecido com o encontrado em outras pesquisas citadas no presente trabalho.
Na prática, parece que a decisão familiar de indicar a cuidadora no âmbito familiar obedecer a algumas regras, reiteradamente encontradas na origem da escolha da pessoa que vai se dedicar a acompanhar e cuidar do seu velho.
São quatro os fatores que influenciam esta escolha: 1. O parentesco direto com o idoso, portanto esposa, filha ou mãe; 2. O gênero do cuidador: cerca de 70% dos cuidadores familiares são mulheres, e as filhas são mais preferidas do que os filhos; 3. A distancia entre idoso e o cuidador: quanto mais próximo do idoso, maior é a probabilidade de cuidar bem dele; e 4. A proximidade afetiva: pais e filhos, geralmente, decidem apoiar-se mutuamente, se houver afeto entre eles, e consequentemente, passa a exercer os cuidados àquele que ficar incapacitado. (Sinclair, 1990 apud Revista Serviço Social e Sociedade: Velhice e envelhecimento, 2003, p. 106).
Cuidadora Maria: Possui sessenta e um anos, solteira, não tem filho, mora na mesma residência que a idosa, tem o segundo grau completo, antes de ser aposentada, trabalhou em uma indústria, não realizou nem um curso para ser cuidadora e cuida da sua mãe há seis anos. Ao perguntarmos sobre como se deu a escolha do cuidador entre os familiares, a mesma respondeu da seguinte forma: “Eu sempre morei com ela... e no caso num tinha nem quem
...eu mesma quem tenho que cuidar.”
Cuidadora Marta: Tem sessenta e quatro anos, viúva, têm quatro filhos, nove netos, fez até a quarta série, era comerciante e se aposentou, vive com a idosa que é sua mãe e com uma filha solteira. A decisão de quem iria cuidar da idosa pelos familiares foi da seguinte maneira:
Há dois anos... porque eu tenho dois irmão homens, toda vida a gente foi muito presente, né, ela era muito boa, toda vida ela me ajudou com meus filhos...toda vida a gente foi muito próxima uma da outra... só eu de mulher né. Ela era quem cuidava de mim, me ajudou a cuidar dos meus filhos. Quando papai morreu eu era a mais velha, tinha onze anos e ela trinta e três, ai nos ficamos muito unidas, ai quando eu me casei ai meu filho nasceu ai pronto ela tomou de conta do meu menino, toda vida a gente foi muito próxima...
E, por último, temos a cuidadora Madalena, que possui 29 de idade, solteira, não tem filhos, está cursando o ensino superior, estagia pela manhã durante a semana e trabalha como babá nos finais de semana e cuida da idosa há 15 anos. A escolha do cuidador se deu da seguinte forma:
Quem cuidava realmente dela era a minha irmã, mas com o decorrer do tempo a minha irmã foi mudando e eu ficava mais preocupada com a vó, ai eu fui me preocupando, me preocupando... ai eu pensei, no momento que eu precisei mais do meu pai, o meu pai não tava junto de mim...eu tive paralisia e eu tive que vir mora
aqui com a minha vó porque eu tinha que fazer o tratamento e aqui e era mais perto do hospital e tinha gente pra ficar comigo aqui, ai o que acontece, a minha avó vendeu mesa de jantar dela de cristal, tudo embalado, ai minha vó tinha tudo do bom e do melhor, ai minha vó vendeu pra pagar minhas medicação, fazer tratamento, fisioterapeuta. E isso eu não esqueço o que ela fez por mim...a vó ficava comigo.. ai eu num deixei mais a minha vó... eu tenho que fazer também o que ela fez por mim....
Ao analisar o perfil das cuidadoras confirmamos que o ato de cuidar coincide com o perfil das pesquisas, pois essa atividade exercida de maneira informal pelas famílias foi aprendida no dia a dia, como uma atividade do cotidiano familiar das cuidadoras, nem uma das entrevistadas da pesquisa fez cursos ou teve alguma capacitação voltada pra essa atividade que desempenha atualmente; outro ponto em comum das cuidadora é serem todas do gênero feminino, ou seja, culturalmente essa característica do cuidador se representado e assumido pela figura da mulher ainda é bem presente. E também temos outro aspecto que confirmam as pesquisa sobre o cuidador que diz da proximidade de convivência, pois tal proximidade desenvolve maior probabilidade se tornar um cuidador, no caso das nossas cuidadoras todas tinha essa proximidade física.
3 O COTIDIANO COMO CAMPO DE PESQUISA
Visando apresentar os resultados dessa investigação de maneira mais particular, procuramos desenvolver nesse último capítulo uma reflexão sobre as análises produzidas no curso dessa investigação durante a pesquisa de campo. Inicialmente faremos uma contextualização da categoria “cotidiano” buscando compreender e nos aproximar mais da temática e posteriormente resgataremos os depoimentos feitos através das entrevistas durante o processo de investigação, que dividiremos em três subtópicos que sequencialmente falaram sobre a saúde do familiar cuidador, do contexto econômico presente do cuidador e por último das suas relações sociais atuais.
3.1 O cotidiano e o processo de envelhecimento
Abordaremos nesse trabalho a categoria “cotidiano” com a intenção de conhecer o dia-a-dia dos cuidadores de idosos, com a intuito de extrair a partir de seus relatos do cotidiano, as percepções e imagens que os familiares tem sobre sua atuação como cuidador e as repercussões sociais dessa atuação. As referencias teórico-metodológicas para usar o cotidiano como metodologia de reflexão dessa pesquisa, tem como apoio as produções e reflexões de Paes (2003) e Netto e Brant (2012). Esses últimos expõe a vida cotidiana da seguinte maneira:
... é aquela vida dos mesmos gestos, ritos e ritmos de todos os dias: é levantar nas horas certas, dar conta das atividades caseiras, ir para o trabalho, para a escola, para a igreja, cuidar das crianças, fazer o café da manhã, fumar o cigarro, almoçar, ... Nessas atividades, é mais o gesto mecânico e automatizado que as dirige que a consciência. (NETTO e BRANT, 2012, p.23).
Realmente se paramos para olhar a vida dos cuidadores de maneira mecânica, como os próprios autores dizem, iremos encontrar muitas dessas atividades presentes no seu dia a dia, porem buscamos encontrar através desses enredos o que Paes (2003) vai chamar de “significantes”:
Segundo Paes (2003, p. 29), ao passear por caminhos que cruzam “rotina e ruptura”, a sociologia do cotidiano passa um pente-fino na paisagem social, em busca dos significantes mais do que dos significados.Em seu percurso, mantém-se aberta a tudo que acontece, mesmo quando, aparentemente, nada ocorre. “O verdadeiro desafio que se coloca à sociologia do quotidiano é o de revelar a vida social na textura ou na espuma da “aparente”
rotina de todos os dias, como a imagem latente de uma película fotográfica” (PAES, 2003, p. 31).
Ao deslizar seu olhar pelo social, o estudo da vida cotidiana procura capturar a realidade que é única e transitória, convertendo o cotidiano em permanente surpresa (p. 26). Nesse itinerário, o observador é desafiado o tempo todo a imaginar, a descobrir e a construir a realidade que observa. (...) No entanto, “a realidade social não é facilmente acessível ao investigador, pronta a entregar-se ao primeiro sinal de galanteio” (PAES, 2003, p. 27).
De acordo com Paes (2003, p. 32), a fonte primeira de todo conhecimento é o cotidiano, é o vivido, o autor fala também que a alma da sociologia do cotidiano não se encontra nos fatos, estes são apenas o que é visível, mas sim, no modo como se acerca desses fatos, ditos cotidianos, o modo como os interroga e os revela. É a partir dessa fonte que buscaremos conhecer para além dos fatos relatados pelos cuidadores, ou seja, ver o que não é visível no imediatismo do olhar sobre o cotidiano.
Outra característica importante sobre o estudo do cotidiano é que para uma melhor compreensão da temática, não devemos buscar defini-lo como se define um objeto, pois: “a posse do real é uma verdadeira impossibilidade e a consciência epistemológica desta impossibilidade é uma condição necessária para entendermos alguma coisa do que se passa no cotidiano”. Ou seja, não podemos querer enquadrar o cotidiano por meio de conceitos feitos, pois não é possível devido a sua realidade ser muito dinâmica, sendo assim, impossível conceituá-la. O que podemos é aceitar esta condição de constante mudança e a partir desta dinâmica buscar compreender alguns fatos (PAES, 2003, p. 28).
Segundo Paes (2003, p.17), a sociologia da vida cotidiana pode ser caracterizada por uma “lógica de descoberta”, que se afasta da lógica do preestabelecido. Para este autor, a perspectiva metodológica que toma o cotidiano como alavanca para o conhecimento,
...condena os percursos de pesquisa a uma viagem programada, guiada pela demonstração rígida de hipóteses de partida, a uma domesticação de itinerários que facultam ao pesquisador a possibilidade de apenas ver o que os seus quadros teóricos lhe permitem ver (PAES, 2003, p. 17).
“O que se passa no cotidiano é „rotina‟, costuma-se dizer” (PAES, 2003, p. 28). Ao significado de cotidiano é possível associar a ideia de presente, daquilo que acontece todos os dias e que implica emrotina de repetição. À rotina relaciona-se a ideia de caminho, de rota, que, por sua vez, pode estar ligada semanticamente à ruptura, a corte, a rompimento. Foi, pois, nesta perspectiva que ligamos as interações sobre as formas como os cuidadores familiares da pesquisa adequaram suas vidas para cuidar de seus parentes idosos, estruturando
suas rotinas a partir de sua atuação de cuidador, partindo de seus relatos de experiências do cotidiano.
Observando o discurso do cotidiano dos familiares cuidadores de idosos de dois bairros periféricos urbanos, nos usos que eles fazem de seus tempos, na fala que utilizam para expressar a reflexão de suas atividades rotineiras, é possível notar que, mesmo naquilo que se repete todos os dias, ou seja, no cotidiano, ocorrem mudanças e reinvenção do modo de viver, para poder adequar às necessidades dos idosos, dentre os imprevistos, os problemas de saúde que aparecem frequentemente devido à idade avançada. Não estamos generalizando que quem tem muitos anos de vida necessariamente tenha muitos problemas de saúde, mas geralmente com o advindo dos anos vividos acumulamos junto problemas de saúde.
Ainda que o envelhecimento não seja sinônimo de doença, não se pode negar que, à medida que as pessoas vivem mais, ampliam-se também as suas chances de desenvolver doenças cuja prevalência aumenta significativamente com o passar da idade, como, por exemplo, as demências (SANTOS, 2010, p. 16).
Outro aspecto importante e significante sobre a vida cotidiana, que Paes, Neto e Brant abordam é a sua contrariedade, ou melhor,a dialética, pois ao mesmo tempo em que a palavra cotidiano lembra rotina, repetição, nela também está presente: “... um espaço onde o acaso, o inesperado, o prazer profundo de repente descoberto num dia qualquer, eleva os homens dessa cotidianidade, retomando a ela de forma modificada”( NETTO & BRANT, 2012, p. 14).
E realmente foi buscando conhecer o cotidiano dos cuidadores de idosos que o inesperado passou a ser real. Ao iniciar a pesquisa, buscávamos encontrar sujeitos que expressassem a sua atuação como cuidador de forma muito árdua e penosa; esperávamos que eles dissessem o quanto era complicado e difícil cuidar de um parente idoso dependente funcional, mas, o inesperado apareceu em meio ao cotidiano, a rotina.
Cuidadora Maria:
... Eu tenho o dever e a obrigação de cuidar dela.
É com muito carinho, é um bebê. O que ela fez comigo, eu agora estou fazendo com ela; tem que ver com carinho, com amor...
Ela é a minha mãe, tem que cuidar, e cuidar com carinho e amor, é um dever da gente. Sentimento de filha, de gratidão, né, pelo que ela fez por mim. O amor, né, porque a gente tem que ter amor pela mãe da gente.
Cuidadora Marta: “É minha obrigação, e além do mais eu sou quem tem que cuidar dela, porque ela num cuidor, né. Agora chegou a hora, eu tô fazendo a minha obrigação mais nada... e nem é um trabalho, nem nada. A gente faz com prazer...”
Cuidadora Madalena:
Na minha opinião, eu vejo, assim, ela é minha vó, mãe do meu pai mas independente se fosse a mãe do meu pai ou a mãe da minha mãe, pra mim eu vejo, assim, é gratidão... Eu tenho que fazer também o que ela fez por mim. E faria tudo de novo.
Eu gosto de cuidar da minha vó.
Amor, carinho que eu tenho por ela, eu faço tudo pela minha vozinha.
Ao observarmos as falas das cuidadoras, vemos que o ato de cuidar de seu parente idoso é algo que foi ocorrendo sutilmente, se desenvolvendo através de experiências pessoais deste membro da família, determinado pela cultura. Já mencionamos anteriormente que o ato de cuidar tem forte influência da cultura em que vivemos e no nosso país temos a cultura dos membros adultos cuidarem dos mais novos e mais velhos, sendo que a proximidade física conta muito na escolha do familiar que cuidará do idoso. Todos os nossos cuidadores expressaram ter uma proximidade física bem curta com seus parentes idosos no dia a dia.
Outro ponto que nos chamou bastante atenção nas falas das cuidadoras foi o significado de “dever”, “obrigação” e “gratidão” citadas como determinante para essa aceitação de ser cuidadora, ou seja, tais palavras são interpretadas como uma forma de retribuição pelos cuidados já recebidos dos idosos, portanto um dever moral que se era esperado delas, segundo as práticas socioculturais de seu meio ligado, também, a um compromisso que foi construído ao longo da convivência familiar.
O que verificamos, em meio ao cotidiano, com essas análises das falas das cuidadoras sobre ser cuidador de um familiar idoso que é dependente funcional é que por mais que não seja uma posição que elas tenham desejado ou que não requeira renuncias, elas expressão também que desempenham com sentimentos positivos, como de gratidão, amor, cuidado, entre outros.
Paes (2003) fala da seguinte maneira sobre o que esperar quando se tem como campo de análise o cotidiano: “... o cotidiano é um lugar privilegiado da análise sociológica na medida em que é revelador, por excelência, de determinados processos do funcionamento e da transformação da sociedade e dos conflitos que a atravessam (p.72).
Ou seja, o cotidiano nos revelou outro olhar sobre a maneira como os familiares cuidadores definiam a sua atuação como cuidador. A seguir, pais explicam os motivos para que possamos entender o quanto o cotidiano é inovador e que a rotina também é um espaço dinâmico

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