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artigo Jogos teatrais na pedagogia do teatro - Ingrid Dormien Koudela

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1 
 
 
JOGOS TEATRAIS NA PEDAGOGIA DO TEATRO 
 
Profª. Dra. Ingrid Dormien Koudela – ECA/USP 
 
 
 
 
Mentira? 
A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer. 
Mentiras. 
Lili vive no mundo do faz de conta. Faz de conta que isto é um 
avião. Zzzzzzun... Depois aterrissou em pique e virou trem. Tuc tuc tuc tuc 
... Entrou pelo túnel chispando. Mas debaixo da mesa havia bandidos. 
Pum! Pum! Pum! Pum! O trem descarrilhou. E o mocinho? Meu Deus! 
Onde é que está o mocinho? No auge da confusão, levaram Lili para a 
cama, à força. E o trem ficou tristemente derribado no chão, fazendo de 
conta que era mesmo uma lata de sardinha. 
 
Em lugar de uma introdução, eu gostaria de tecer comentários sobre 
esse poema de Mario Quintana (Quintana, 1983) que há muito me acompanha 
no trabalho de teatro e jogo com crianças e jovens e em contextos de formação 
de professores. 
 
O JOGO SIMBÓLICO 
 
Lili tem por volta dos quatro anos. Em sua brincadeira de faz-de-conta 
ela transforma uma lata de sardinha em avião e trem. Em seu jogo de imitação 
o corpo todo está envolvido no processo de transformação simbólico da 
experiência. Eventos fabulosos são invocados como o trem que entra pelo 
túnel e o aparecimento de mocinhos e bandidos. 
 
Sua imitação acontece como que por acaso, como uma ação 
improvisada. Seu pensamento não se organiza por um pré-planejamento de 
ações. Ela não aproxima aqueles eventos apenas pela fala, pelo relato verbal. 
Sua inteligência opera com significados que vão muito além da lógica no 
sentido estrito, incorporando a intuição e a sensibilidade que operam no nível 
sensório-corporal. 
 
Lili é levada para a cama, o jogo cessa. Talvez esteja na hora de dormir 
e um adulto lhe impôs suas regras. 
 
O JOGO TEATRAL 
 
Faço um recorte, focando uma criança de onze anos, aluna minha de 
quinta série de teatro. Lemos o poema de Mario Quintana em sala de aula e 
propus a seguinte pergunta que visava avaliar o processo educacional com os 
jogos teatrais, pela verificação do entendimento de alguns conceitos básicos, 
utilizados enquanto terminologia naquele semestre. 
 2 
 
Qual a diferença entre a brincadeira de faz-de-conta da Lili e o teatro? 
 
Na brincadeira ela se divertia, enquanto no teatro a gente cria. Cada 
idéia na brincadeira pode ser uma criação para se encenar um teatro. 
Quando ela brincava, ela deixava sua imaginação ir pro faz-de-conta, e 
isso acontece no teatro quando você deixa sua imaginação fazer uma boa 
cena. Na brincadeira você quer mostrar para si mesma a sua imaginação 
e no teatro você mostra sua imaginação para si mesma e para os outros. 
 
A expressividade da criança é uma manifestação sensível da inteligência 
simbólica egocêntrica. Pela revolução coperniciana (Piaget, 1975) que se opera 
no sujeito ao passar de uma concepção de mundo egocêntrica para uma 
concepção descentrada do Eu, as operações concretas iniciam o processo de 
reversibilidade do pensamento. Esse princípio irá operar uma transformação 
interna na noção de símbolo na criança. Integrada ao pensamento, a 
assimilação egocêntrica do jogo simbólico cede lugar à imaginação criadora. 
 
Através de uma correlação com a conceituação piagetiana, a maior 
contribuição de Vigotski reside no favorecimento de processos que estão 
embrionariamente presentes, mas que ainda não se consolidaram. No jogo 
teatral, a consciência do faz-de-conta é gradativamente trabalhada em direção 
à articulação de uma linguagem artística – o teatro. 
 
A intervenção do coordenador de jogo é fundamental, ao desafiar o 
processo de aprendizagem de reconstrução de significados. No jogo teatral, as 
propostas de avaliação do coordenador devem deixar de ser retrospectivas (o 
que o aluno é capaz de realizar por si só) para se transformarem em 
prospectivas (o que o aluno poderá vir a ser). A avaliação passa a ser 
propulsora de processos de aprendizagem. 
 
Este princípio de avaliação promove, com particular felicidade, a 
construção das formas artísticas. No jogo teatral, através do processo de 
construção da forma estética, a criança e o jovem estabelecem com seus pares 
uma relação de trabalho em que a fonte da imaginação criadora – o jogo 
simbólico – é combinada com a prática e a consciência da regra de jogo, a qual 
interfere no exercício artístico coletivo. 
 
A DISCIPLINAÇÃO DOS CORPOS 
 
Voltemos para Lili. Ela tem agora dez anos a mais e é de se supor que 
não mais entrará para o mundo do faz-de-conta com tanta facilidade. Talvez 
nem mesmo entre seus amigos, entre seus pares. O jogo e a imitação são 
submetidos, no decorrer da vida adulta, ao controle. 
 
De acordo com Foucault (Foucault, 1988), com o advento do 
desenvolvimento técnico-industrial, foi iniciada, desde o século XVIII, uma fase 
na qual a praxis pedagógica desenvolveu uma variedade de métodos para 
disciplinar o ser humano em função de uma produtividade mais efetiva. Esses 
métodos tiveram por objetivo o controle da atividade corporal e a submissão de 
 3 
suas forças pela regulação do tempo e do espaço. As necessidades corporais 
passam a ser reprimidas durante o tempo do trabalho e podem ser satisfeitas 
exclusivamente nas pausas previstas. 
 
Na escola, o tempo é fragmentado, sem que haja qualquer relação com 
o conteúdo e as necessidades de professores e alunos. Durante a aula, os 
corpos devem ser disciplinados. 
 
As estratégias de dominação do corpo, porém, não se limitam a 
pedagogos. O poder sobre os corpos constitui o próprio instrumento da 
dominação. Aí reside a lógica que reduz o homem a uma engrenagem 
descartável dentro de uma máquina gigantesca. Sem essa censura corporal o 
mecanismo de produção na civilização moderna não funcionaria. Este princípio, 
imposto a duras penas durante os séculos XVIII e XIX, resulta para nós como 
resistência corporal, tornando-se necessário reconquistar o contato perdido. 
 
A ESCOLA E O ÓCIO 
 
Nas comunidades primitivas os homens se apropriavam coletivamente 
dos meios de produção e nesse processo se educavam e educavam as novas 
gerações. Mas também nasceu nas sociedades antigas e medievais uma 
classe ociosa que como conseqüência desenvolveu um tipo de educação 
diferenciada, destinada aos grupos dominantes, cuja função era preencher o 
tempo livre de forma digna. 
 
Na sua origem grega, a palavra escola equivale a lazer, tempo livre, 
ócio. O ginásio era o local dos exercícios físicos, o lugar dos jogos. Essa 
educação diferenciada desenvolvida de forma sistemática por instituições 
específicas era, no entanto, reservada à minoria, à elite. A maioria, que pelo 
trabalho garantia a produção de sua existência, continuava a ser educada de 
forma assistemática, pela experiência de vida, cujo centro era o trabalho. 
 
A educação hoje não pode ficar atrelada a um conceito de educação 
para o trabalho. E me nos ainda podemos excluir a arte do conceito de 
produção. Ao contrário, a educação e a arte exigem a ampliação do conceito 
de educação, incorporando diversidades existentes na civilização tecnológica. 
 
 Estaríamos sendo assim propensos a considerar a escola como espaço 
para o exercício do ócio? 
 
Contrariamente à concepção que define uma linha divisória entre 
seriedade e jogo, entre trabalho e prazer, entre estudo e divertimento, 
buscamos argumentar que contemporaneamente podemos resgatar o teatro e 
o jogo como fatores educacionais. O princípio pode ser buscado desde Platão, 
sendo que a sugestão de transformar a educação (política) em uma questão de 
estética é defendida pelos filósofos desde a Antiguidade (Koudela, 1992). 
 
Advogamos, portanto que o jogo e o teatro constituem uma chave para 
uma transformação da escola brasileira hoje e buscamos demonstrar que este 
princípio se inicia desde a Educação Infantil. 
 4Na psicogênese da linguagem e do jogo na criança a função simbólica 
aparece por volta dos dois anos e promove uma série de comportamentos que 
denotam o desenvolvimento da linguagem e da representação. Piaget enumera 
cinco condutas de aparecimento mais ou menos simultâneo, enumeradas na 
ordem de complexidade crescente: imitação diferida, jogo simbólico ou jogo de 
ficção, desenho ou imagem gráfica, imagem mental e evocação verbal (língua)- 
(Piaget, 1982). 
 
A evolução do jogo na criança se dá por fases que constituem estruturas 
de desenvolvimento da inteligência: jogo sensório-motor, jogo simbólico e jogo 
de regras (Piaget, 1975). O jogo de regras aparece por volta dos sete/oito anos 
como estrutura de organização do coletivo e se desenvolve até a idade adulta 
através dos jogos esportivos, xadrez etc. 
 
O jogo teatral passa necessariamente pelo estabelecimento do acordo 
de grupo, por meio de regras livremente consentidas entre os parceiros. O jogo 
teatral é um jogo de construção com a linguagem artística. Na pratica com o 
jogo teatral, o jogo de regras é princípio organizador do grupo de jogadores 
para a atividade teatral. O trabalho com a linguagem desempenha a função de 
construção de conteúdos, por intermédio da forma estética. 
 
De há muito as pinturas de Peter Brugel, o Velho (1525-1569) vem me 
acompanhando. Inicialmente o que buscava era a cidade medieval com suas 
praças, seus folguedos, seus jogos, suas brincadeiras. 
 
A pintura Jogos Infantis (Children´s Plays) foi utilizada por mim de 
forma recorrente como modelo de ação para a construção do repertório de 
jogos populares de professores e alunos em cursos de licenciatura em Artes 
Cênicas. 
 
Os atuantes jogam jogos contemporâneos que resgatam de sua infância. 
Ao mesmo tempo em que este resgate aponta para um passado nem tão 
distante, a imagem da praça medieval na pintura de Brugel nos permite tomar 
uma distância histórica frente ao jogo tradicional. 
 
Quem são aqueles brincantes? Como estão vestidos? Por que tem 
aquela expressão fisionômica? São adultos ou crianças? Os jogos, as 
brincadeiras, as crianças nem sempre foram as mesmas e nem sempre o 
serão! A pintura nos permite tomar consciência do tempo, historicizando assim 
a obra. 
 
No método de Jogos Teatrais os jogos tradicionais e/ou populares 
constituem a base mais ampla para a investigação com a linguagem do teatro. 
Por outro lado, os jogos tradicionais servem como aquecimento e integração do 
coletivo teatral durante o processo de ensaios, segundo Spolin (SPOLIN, 
2007). O repertório de jogos de rua pode ser encenado, sendo que as regras 
de jogo e os versos e músicas dos jogos tradicionais constituem-se em texto 
espetacular. 
 
 5 
OS JOGOS TEATRAIS NA SALA DE AULA 
Através dos jogos teatrais, os professores terão a oportunidade de 
experimentar esse poderoso instrumento de educação que é o teatro. 
Na relação com a dimensão artística do espetáculo, que se processa no 
aqui/agora, através da presença física e sensorial da forma de arte, os alunos 
têm uma experiência de fruição estética. 
Essa experiência será tanto mais rica quanto maior a familiaridade com 
a linguagem da representação dramática. Inatas no ser humano, a 
manifestação espontânea da inteligência e a capacidade de representação 
dramática, podem ser embotadas ou desenvolvidas na forma de jogos teatrais, 
introduzidos no sistema de ensino. 
Através dos jogos teatrais, os alunos podem ser alfabetizados na 
linguagem da representação dramática, ao mesmo tempo em que aprendem a 
fazer a leitura das formas cênicas que nascem na ação improvisada, através da 
contínua interação entre palco e platéia, inicialmente formada pelo grupo-
classe. 
A experiência da fruição estética do espetáculo teatral será 
enormemente enriquecedor para o processo de jogos teatrais, acrescentando 
uma nova dimensão ao trabalho em sala de aula. 
A expressividade dramática evidencia a tendência do ser humano para a 
representação, experimentando papéis e vivendo situações extra-cotidianas. A 
capacidade de representação dramática está presente tanto nos jogos de faz-
de-conta quanto num espetáculo de teatro representado por atores 
profissionais, assumindo diferentes formas que se desenvolvem através de um 
processo evolutivo e construtivo, da criança até o artista adulto. 
Enquanto que o jogo de faz-de-conta, em suas formas iniciais, é 
totalmente improvisado ao sabor da imaginação dramática da criança, o 
espetáculo teatral, embora também necessite da espontaneidade, da 
improvisação e da intuição, resulta de um processo de criação e construção 
intencional, exigindo domínio da linguagem específica que só se completa com 
a presença do público. 
Entre o jogo de faz-de-conta da criança e o teatro como espetáculo a ser 
apreciado por uma platéia é possível criar inúmeras gradações, promovendo 
atividades que relacionam o fazer e a leitura e apreciação do espetáculo. 
 
Referencias bibliográficas: 
BRUEGEL, Peter Children´s Plays. Óleo sobre tela 118x161 cm. Kunsthistorisches Museum, 
Leipzig. 
FOUCAULT, Michel VIGIAR E PUNIR Rio: Vozes, 1988. 
KOUDELA, Ingrid D. JOGOS TEATRAIS S.P.: Ed. Perspectiva, 2011. 
 
PIAGET, Jean A PSICOLOGIA DA CRIANÇA S.P.: DIFEL, 1982. 
 
-------------- O JULGAMENTO MORAL NA CRIANÇA S.P.: 
 Mestre Jou.1977. 
 
---------------- A FORMAÇÃO DO SIMBOLO NA CRIANÇA Rio: Zahar, 1975. 
 6 
 
QUINTANA, Mario LILI INVENTA O MUNDO, Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. 
 
 
SPOLIN, Viola JOGOS TEATRAIS NA SALA DE AULA Tradução e Introdução: 
 Ingrid Dormien Koudela S.P.: Perspectiva, 2007. 
 
VYGOTSKY, L. S. A FORMAÇÃO SOCIAL DA MENTE S.P: Martins Fontes, 1989.

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