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BASES DA CULTURA OCIDENTAL – RESUMO – AP2 (AULA 13 ATÉ AULA 20) O TEATRO ANTIGO - AULA 13 Na Grécia antiga, o teatro está inserido em um conjunto de manifestações religiosas: Os gregos honravam seus deuses de várias maneiras. Uma delas consistia em lhes consagrar oferendas perecíveis , que podiam ir de um simples bolo ao sacrifício de dezenas de bois , ou oferendas duráveis , que variavam de uma pobre estátua em terracota à construção de suntuosos templos de mármore. Outra forma era oferecer-lhes espetáculos de cantos , de músicas ou de danças . Uma terceira era organizar concursos nos quais artistas e atletas rivalizavam em diversas provas , conforme regras previamente definida. A organização de tais manifestações e a participação nelas como concorrente ou espectador eram consideradas como elementos essenciais do helenismo. DIONÍSIO Os festivais dramáticos atenienses estão intimamente associados ao deus Dionís io. Ele é o deus da videira, do vinho, do delirio mistico e do teatro, celebrado em animadas procissões que seriam a origem da comédia; deus de origem rural e, por isso, popular. Está associado à fertilidade , o que é corroborado pelas falofórias (procissões em que se levava um grande falo em honra ao deus) que havia, por exemplo, nas Dionisias Rurais. Ele aparece, em certas, representações, acompanhado de sátiros e mênades. Os sátiros e as mênades representam o exagero, inclusive sexual, tanto masculino como feminino, resultante da influência dionisíaca. SÁTIROS E MÊNADES Os SÁTIROS são seres míticos que estão ligados ao culto de Dionísio e que são representados como um misto de homem e cavalo ou de homem e bode , tendo orelhas e cauda longa. Na iconografia, aparecem geralmente com o membro sexual em ereção e, por vezes, em proporção exagerada. As MÊNADES são mulheres miticas que serviam a Dionísio. A forma grega μαινάδες está ligada ao verbo μαίνομαι (mainomai - estar possuido por um delírio divino; estar louco) e ao substantivo μavía (manía - delírio profético ou divino; loucura). É deste último que derivam as nossas palavras "mania". A ESTRUTURA FÍSICA E MATERIAL DO TEATRO O NOME TEATRO O termo "teatro" vem do grego Оέαтρоν (théatron), que está ligado ao verbo eɛάoμαι (theáomai), que significa "observar", e ao substantivo eέa (théa), que significa "observação". OέαTρov (théatron) quer dizer "lugar de observação", "observatório". É exatamente o primeiro conceito que os gregos tinham de teatro: um lugar qualquer aonde se ia para observar algo. Primitivamente, o théatron não era um prédio ou uma estrutura mais elaborada. Poderia ser um lugar simples, já existente na cidade, uma praça, por exemplo, na qual o povo se reunia para assistir a um espetáculo. (De forma gratuita) Há uma diferença crucial entre auditório e observatório. Auditório é o lugar aonde você vai para ouvir (do verbo latino "audio", ouvir). Observatório é o lugar aonde você vai para observar. E o que exatamente se observava no teatro? O espetáculo, ou seja, aquilo que é objeto de observação. TEATRO É DRAMA, POESIA, AÇÃO. Ao contrário dos outros gêneros poéticos que imperava apenas o som e, portanto, a audição, no gênero dramático importa a imagem e, logo, a visão. O fato de o teatro depender da visão explica muito de seu sucesso, já que, de nossos cinco sentidos, a visão é aquele que melhor nos permite conhecer e que nos dá muito prazer. Modernamente, é possível observar um fato que ilustra bastante isso. O rádio era um meio de comunicação de massa. Com a televisão, que traz a imagem e que apela, portanto, para nossa visão, esta se tornou o meio de comunicação de massa por excelência. O teatro, era para os gregos aquilo que a TV é para nós: um meio de comunicação e de diversão em massa. O teatro não foi feito para ser lido, foi feito para ser visto . Não há surpresa se ele é tido como um gênero literário (isto é, para ser lido), pois o mesmo ocorreu com a poesia, que em suas origens era endereçada a um auditório, era feita para ser ouvida, pois era recitada ou cantada. E a peça teatral, na verdade, era um poema que devia ser acompanhado de música, dança e imagens. Todo esse conjunto não era algo estático, pois tinha movimento, tinha ação. E os gregos usavam para esse conceito o termo opáμμa (drámma), que deu o nosso "drama". Por isso se diz que o teatro pertence ao gênero dramático. O teatro é drama, isto é, "ação"; teatro é poesia em movimento, em ação. A ESTRUTURA DE UM TEATRO TÍPICO DA GRÉCIA ANTIGA O proscênio ocupa o lugar do palco (proscênio, aliás, é sinônimo, em português, de palco) e que a skené equivale à parte que está atrás das cortinas em nossos teatros , ou seja, às coxias. O teatro, théatron, onde o público ficava e de onde se via a ação corresponde às arquibancadas. MÁSCARAS E FIGURINO Máscara, em grego, diz-se πрóζшπоv (prósоpon), composto de πрóç (prós), "diante de", e wy (óps), olho. Isto é, "aquilo que está diante dos olhos (de outro)", ou seja, o rosto, a face e, no teatro, o rosto artificial, a máscara. Os atores usavam roupas características , o que hoje chamaríamos de figurino, e máscaras . Por vezes usavam revestimento para criar uma barriga ou nádegas maiores . Esses elementos permitiam a caracterização e, portanto, a melhor identificação dos personagens. Era fundamental que o público, parte do qual estava muitas vezes distante do proscênio, pudesse identificar facilmente os personagens . As máscaras permitiam, também, criar efeitos semelhantes à nossa moderna maquiagem, com cores, presença ou ausência de cabelo (para simular a calvície), de barba, traços indicando velhice ou juventude etc. Podia cobrir apenas o rosto ou também o crânio e era amarrada com fios ou correias na parte posterior da cabeça. As máscaras permitiam que entrassem em cena personagens femininos . No teatro grego, os atores são sempre homens e os personagens femininos eram por eles representados . O uso de máscaras viabilizava tecnicamente a presença de "mulheres" na cena. Havia, ainda, outra função importante: a pluralidade de personagens . No teatro grego clássico, havia somente três atores para toda a peça (fora o coro, que ficava na orquestra e podia contar com cerca de uma ou duas dezenas de componentes). Os três atores faziam um revezamento nos diversos papéis que havia em cada peça. GÊNEROS DO TEATRO NA GRÉCIA ANTIGA TRAGÉDIA GREGA Do grego, o termo tragédia (tragoedia) é formado pelas palavras, ―tragos‖ (bode) e ―oidé‖, (canção). Seu significado é ―canção ao bode‖, pois nas celebrações a Dionísio (Canto ao Bode), um bode era sacrificado para oferenda e, além disso, os homens se vestiam de sátiros . É o gênero teatral mais antigo de todos, que se baseava nas histórias trágicas e mitológicas , como o medo, a morte, o terror. Ou seja, a tragédia é um gênero artístico que representa uma peça teatral (ou poema) com um final infeliz. As tragédias gregas eram compostas geralmente por cinco atos . Uma das importantes características que a diferenciam da comédia eram os personagens. Assim, na tragédia os personagens eram deuses, reis e heróis, enquanto na comédia eram homens comuns. Os mais importantes dramaturgos gregos desse gênero foram: Ésquilo Sófocles Eurípides . COMÉDIA GREGA Do Grego, o termo comédia (komoidia), significava um ―espetáculo divertido‖. Trata-se, portanto, de um gênero teatral crítico baseado em sátiras , e que abordava diversos aspectos da sociedade grega de maneira cômica. Vale lembrar que ela era considerada pelos clássicos como um gênero menor em relação à tragédia. Os júris da comédia não eram aristocratas , como na tragédia. Dessa forma, eles eram formados por três pessoas da plateia. Para o filósofo grego Aristóteles, a tragédia era um gênero maior, que representava os homens "superiores".Já a comédia representava os fatos cotidianos e, por isso, era apresentada por homens "inferiores", ou seja, os cidadãos da Pólis. Dos dramaturgos desse gênero, destaca-se Aristófanes . Peças Teatrais Gregas: Édipo Rei, de Sófocles Prometeu Acorrentado, de Ésquilo As Troianas, de Eurípides As Vespas, de Aristófanes TRAGÉDIA X COMÉDIA A tragédia tem uma temática tradicional, mítica. Busca seus temas em uma fonte bastante antiga. Explora sempre os grandes mitos . A comédia, ao contrário, tem uma temática atual (embora possa eventualmente servir-se do mito tradicional como ponto de partida para o ridículo). Explora, frequentemente, a atualidade e a novidade, inovando constantemente seu arcabouço temático. Essa diferença é ironicamente vista como uma dificuldade para o comediógrafo, que não tem a sua disposição toda uma série de temas prontos. DO MITO À RAZÃO – O SURGIMENTO DA FILOSOFIA – AULA 14 A cultura grega arcaica oral, na qual a poesia ocupa um espaço importante, principalmente a épica, conservando e transmitindo, entre gerações, um arcabouço tradicional cheio de mitos. O mito é uma narrativa organizada, oral e tradicional, com um primeiro nível de explicação do mundo, de fenômenos da natureza e de elementos da vida humana, não é necessariamente contrário à razão, pois como narrativa oral está ligado ao Xoyos (lógos), um discurso baseado na razão que se manifesta em palavras. O mito nasce devido à propensão natural por buscar explicações para tudo aquilo que nos cerca e que nos acontece . Mito e filosofia não se opõem radicalmente, antes provêm de uma raiz comum: o desejo de saber. Por isso, Aristóteles , filósofo grego do séc. IV a. C. e discípulo de Platão, em sua obra intitulada Metafísica (1, 982b 12-19), afirma que aquele que ama os mitos é, de certo modo, filósofo, isto é, um amante da sabedoria. De acordo com Aristótoles, o desejo pelo saber não provém de uma cultura, mas é inato ao gênero humano. Todo e qualquer ser humano tem o desejo inato de saber. FATORES ENVOLVIDOS PARA O PENSAMENTO FILOSÓFICO NA GRÉCIA A situação geográfica – a navegação, o comércio com outros povos e a colonização que os gregos realizam em diferentes regiões do Mar Mediterrâneo (na Jônia, na Península Itálica, também chamada de Magna Grécia) permitem contato com outras civilizações. O ambiente intelectual do séc. VII - a poesia dos séculos VII e VI aborda frequentemente temas ligados à existência humana; os questionamentos e angústias expressos na poesia constituem uma série de temas que se tornarão questões centrais da filosofia grega; A influência da religião - a religião grega propagada nos diversos cultos de mistérios transmite alguns conceitos que serão utilizados pelos primeiros filósofos, o conceito de natureza; o conceito de divino como imanente a todos os seres; o eterno retorno; a lei cósmica ou destino. As teogonias - representam um passo importante, pois constituem uma tentativa de explicar a origem dos deuses e do mundo e o funcionamento da realidade natural e humana; a explicação mítica, como vimos, não deixa de ser uma forma primitiva de filosofia; A sabedoria gnômica – circulava entre os gregos um certo número de sentenças de cunho moral e político atribuídas aos Sete Sábios; os temas abordados nas máximas, bem como as soluções para problemas teóricos e práticos que elas apresentam, formam um arcabouço adequado para o desenvolvimento da investigação filosófica. A condição social e econômica de uma parcela da população que lhe permitia um certo lazer ou ócio, isto é, um tempo livre para dedicar-se a atividades intelectuais e à cultura do espírito. OS "7" SÁBIOS Titulo dado a alguns homens públicos da Grécia antiga - politicos, legisladores, filósofos - considerados sábios pelas máximas que lhes eram atribuidas e que preconizavam um caminho de conduta moral. Há várias listas de "Sete Sábios" que circulam em momentos distintos na Grécia, de modo que os Sete Sábios, segundo as diferentes combinações, acabam por somar cerca de duas dezenas de nomes. Alguns nomes, como Tales de Mileto e Sólon, aparecem regularmente nas diferentes listas, outros nomes podem variar. Platão, filósofo ateniense dos séc. V e IV a. C., apresenta, em seu diálogo Protágoras (343), a lista seguinte, acrescentando que eles teriam se reunido em Delfos para oferecer suas máximas como uma dádiva ao deus Apolo: 1. Tales de Mileto; 2. Pitaco de Mitilene; 3. Bias de Priene; 4. Sólon de Atenas; 5. Cleóbulo de Lindos; 6. Mison de Queneia; 7. Quilon de Esparta. A DEFINIÇÃO DE FILOSOFIA E SUA CONTRIBUIÇÃO • O processo de definição do que era filosofia foi lento e gradual, fruto do amadurecimento espiritual e humano dos gregos. • A criação do termo "filosofia" é atribuída a Pitágoras . O fato não pode ser corroborado e a primeira ocorrência atestada do termo "filósofo" estaria em um fragmento atribuído a Heráclito de Éfeso, no início do séc. V a. C. (cf. VERNANT, 2007, p. 605) • A filosofia era chamada antes de sabedoria. A palavra "filosofia" é recente, mas sua realidade - a sabedoria – é bem antiga. A razão para a criação de um novo termo seria a humildade, como destaca Santo Agostinho “(..) ele [=Pitágoras], tendo sido perguntado sobre o que se declarava, respondeu que era um filósofo, isto é um estudioso ou amante da sabedoria, porque proclamar- se sábio parecia muitíssimo arrogante.” O surgimento da filosofia beneficiou a história, as matemáticas e algumas outras ciências particulares. Nasce a prosa. Até então, toda e qualquer composição literária era feita em verso. Com os novos campos do saber, surge não apenas uma prosa técnico-científica, mas também uma prosa retórico-literária. E o mito como explicação da realidade vai, pouco a pouco, perde ndo espaço para os novos saberes que surgiram. RELAÇÕES FILOSÓFICAS – FILOSOFIA X CIÊNCIA - AULA 15 OPINIÃO E CIÊNCIA, EDUCAÇÃO E IGNORÂNCIA De acordo com São Tomás de Aquino, Ciência é um conhecimento certo, implica uma certeza de conhecimento adquirida por meio de uma demonstração. Distingue-se portanto da opinião, pois a ciência é a certeza do conhecimento. Ela nos faz conhecer as coisas por meio de suas causas. Ter a ciência de algo é ter um conhecimento perfeito. Opinião é o assentimento que se dá a uma das possíveis soluções por parecer ser a mais provável, temendo-se que a solução oposta seja a verdadeira. Não se tem certeza, na verdade se tem medo de que a posição contrária seja a verdadeira. Platão concentra sua filosofia na distinção entre opinião e a ciência, estabeleceu, na sua obra República, a diferença entre o filósofo e o filódoxo (amante da opinião). PLATÃO E SUA ABORDAGEM FILOSÓFICA. Os temas abordados pelo filósofo são bastante diversos e abrangem diferentes ramos da filosofia: política, ética, metafísica, teoria do conhecimento. Ele usa o diálogo como meio de investigação filosófica. Sua teoria das Formas ou das Ideias revela que elas são os verdadeiros seres e o nosso mundo material é apenas uma cópia dessa realidade superior e imaterial. As formas imateriais fazem parte de um dos núcleos da filosofia de Platão . Por isso usa-se o adjetivo "platônico" como sinônimo de "imaterial", de "não concreto‖. Ele recorre a vários exemplos da Matemática e da Geometria para ilustrar o desenvolvimento de suas teorias. A ALEGORIA DA CAVERNA – PLATÃO Mito da caverna é uma metáfora criada pelo filósofo grego Platão . A história é uma tentativa de explicar a condição de ignorância em que vivem os seres humanos , aprisionados pelos sentidos e os preconceitos que impedem o conhecimento da verdade . Também conhecida como Alegoria da Caverna ou Caverna de Platão, esta história está presente no Livro VII da obra A República. O texto é uma série de diálogos escritos por Platãosobre o conhecimento, a linguagem e a educação para a construção de um Estado ideal. O Mito da Caverna é um dos textos filosóficos mais debatidos e conhecidos pela humanidade. Nele, estão as bases do pensamento platônico, o conceito de senso comum em oposição ao senso crítico e à busca pelo conhecimento verdadeiro. A vida dentro da caverna representa o mundo sensível, aquele experimentado a partir dos sentidos, onde reside a falsa percepção da realidade. Enquanto a saída da caverna representa a busca pela verdade , o chamado mundo inteligível, alcançado apenas pelo uso da razão. O ÓCIO: CONDIÇÃO PARA A FILOSOFIA O homem só se dedicou à filosofia de modo mais direto e regular após ter conseguido reunir aquilo que era necessário não apenas para sobreviver, mas o que era essencial também para o seu conforto e bem-estar. Para dedicar-se à filosofia, a humanidade teve de atingir certo grau de conforto material, que, por sua vez, colaborava para a tranquilidade de espírito necessária para a investigação filosófica. Enquanto o homem precisava conseguir diariamente sua sobrevivência, buscando comida, caçando ou plantando, e obter proteção para seu corpo, fosse contra as condições climáticas – frio, calor e as intempéries, fosse contra seus predadores, não lhe sobravam energias físicas nem mentais para investir na filosofia. Todas as suas forças eram direcionadas à árdua tarefa de sobreviver. Quando o ser humano conseguiu reunir os elementos básicos que lhe permitiam sobreviver, voltou seus esforços para alcançar um estado de vida melhor, no qual estivessem presentes não apenas as condições mínimas de sobrevivência, mas um nível satisfatório de conforto e bem-estar. SÓCRATES E OS REVESES DA JUSTIÇA – VIDA E MORTE – AULA 16 Filósofo ateniense, mestre de Platão. Todo seu ensinamento foi oral, nos diálogos . O que se sabe dele foi passado por Platão, Xenofonte e outros autores posteriores. Nasceu por volta de 470 a. C. e morreu em 399 a. C., aos 70 anos. Viveu em Atenas no período em que Péricles governava Atenas (século de ouro / período clássico), e que prosperavam a arquitetura, as artes e a literatura. Por causa de seu ensino, seria acusado de desrespeitar os deuses da cidade e de corromper a juventude. Sua filosofia é vista, na boca, por uma parte da cidade, como uma ameaça aos valores e instituições que até então vigoravam. SOFISTICA Protágoras foi o primeiro a propor um ensino mediante pagamento : não existia antes dele uma instituição semelhante; os sofistas, no entanto, não encontraram uma clientela pronta: precisaram fazê-la nascer, persuadir o público a recorrer a seus serviços ; o sofista ia de cidade em cidade em busca de alunos, levando consigo aqueles que ele já conseguiu. Para se tornarem conhecidos , mostrar a excelência de seu ensino, dar amostras grátis de seu conhecimento, os sofistas faziam uma exibição, seja na cidade à qual os conduz seu itinerário, seja em um santuário pan-helênico como Olímpia. Pode ser um discurso cuidadosamente pensado ou, uma improvisação brilhante sobre um tema proposto, uma discussão livremente iniciada de qualquer coisa que possa ser sabida, a critério do público. Sócrates não é classificado um mestre nesse sentido . Ele não faz discípulos, propriamente falando, mas sim companheiros de diálogo e se nos referimos aos "discípulos de Sócrates", isso se faz por comodidade de expressão e deve ser entendido de um modo bem específico. A Apologia de Sócrates composta por Platão seria o discurso de defesa que o filósofo apresentou no processo que contra ele foi movido e que o condenou à morte. Ele afirma claramente que nunca teve discípulos e mostra que havia aqueles que ensinavam os homens mediante pagamento - os sofistas. O PROCESSO DE SÓCRATES Ele foi processado e condenado à morte . Isso ocorreu em 399 a. C. A atuação de Sócrates na vida política da cidade talvez tenha tido influência na condenação . Sócrates menciona algumas atitudes suas que poderiam ter desagradado a alguns, pois ele reagiu a injustiças que iam ser perpetradas. "Peço-vos que não vos irriteis comigo por vos dizer esta verdade. Pois não há homem que esteja a salvo, se legitimamente se opuser a vós ou a qualquer maioría, para impedir muitas injustiças ou ilegalidades na cidade. É necessário que aquele que luta pelo que é justo o faça como cidadão particular e não como homem público, se quiser ficar a salvo algum tempo (...)" Sócrates, mais de uma vez, contrariou interesses e arriscou sua vida pela justiça e pelo bem. O filósofo nos ensina como o homem deve comportar-se tanto em sua vida privada quando publicamente. Mostra que aquele que comete injustiça prejudica somente a si mesmo. Sócrates é acusado de: a) não cultuar os deuses da cidade, introduzindo novas divindades; b) corromper a juventude. A primeira acusação é manifestamente de cunho religioso . Atenas cultua os deuses tradicionais da religião grega. Sócrates teria negado sua existência e apresentado novas divindades. Ele teria corrompido a juventude , ao afastá-la da religião tradicional, induzido os jovens a adotarem novos valores e um novo modo de vida. O processo contra Sócrates inaugura, portanto, um longo embate entre fé e razão, entre religião e ciência, que durará vários séculos até encontrar uma solução satisfatória. A COMÉDIA NUVENS, DE ARISTÓFANES O título da peça, Nuvens , é tomado do coro. Em Nuvens, o coro é composto de nuvens, que são as divindades que Sócrates vai revelar a um outro personagem, Estrepsíades. Temos aqui o paralelo com a acusação que motivou o processo , ou seja, que ele introduziu novas divindades na cidade. Na comédia, elas são representadas pelas "nuvens". Aristófanes é o único detrator antigo de Sócrates a ser mencionado. O processo ocorreu em 399 a. C.. A comédia de Aristófanes foi representada em 423 a. C.. São quase 25 anos que separam a peça do processo, tempo em que, de acordo com o filósofo, ele teria sido constantemente caluniado junto aos cidadãos atenienses. O fato de Sócrates ser ridicularizado em uma comédia encenada diante de uma multidão de espectadores mostra bem que era ele um indivíduo bastante conhecido da cidade , de modo que qualquer um pudesse identificar o Sócrates personagem com o Sócrates real. As Nuvens é uma peça teatral do grande autor grego Aristófanes . A obra busca satirizar e atacar os sofistas que ocupavam a Ágora ateniense com suas discussões puramente retóricas, relativistas e sem fim prático , uma discussão pela discussão. Aristófanes escolhe — por mais irônico que pareça a contradição— o filósofo Sócrates como o representante desse grupo e usa-o como espantalho para atacar os sofistas . LIÇÕES E CRÍTICAS A peça tem como objetivo a crítica dos sofistas que regiam a discussão pública da época, mostrando o quão ardilosos, enganadores, mentirosos e ateus eram. E junto dessa crítica, passa ao público, a mensagem de que quem enganar e tentar tirar vantagem dos outros, receberá uma punição na mesma moeda. Com isso, o autor passa uma lição à uma sociedade ameaçada pelo relativismo e hedonismo; lição essa que parece mais válida do que nunca no mundo contemporâneo que retorna com tais ideias. A DEFESA DE SÓCRATES A vocação filosófica de Sócrates nasce de uma consulta feita ao oráculo de Delfos por seu amigo Querefonte, que queria saber se havia alguém mais sábio do que o filósofo. O oráculo respondera que não, mas que Sócrates era o mais sábio de todos. Ele, então, vê- se em uma delicada situação: por um lado, sabia que não tinha nenhuma sabedoria; por outro lado, compreendia que o Apolo, que falara através do oráculo, não podia mentir. Apolo estava, obviamente, certo e Sócrates precisava compreender em que consistia sua sabedoria. Aqui nasce sua vocação e ele põe-se a conversar comtodo e qualquer homem que se pretenda sábio, ou seja, tido como tal. Ao mostrar que aqueles que pensavam ser sábios na verdade nada sabiam, Sócrates ganha muitos inimigos . E, assim, vê-se que a sabedoria humana é de pouco ou nenhum valor e que o verdadeiro sábio é aquele que sabe que nada sabe, ou seja, que reconhece a fragilidade e a limitação da sabedoria humana. O senso de dever e de justiça é fundamental para Sócrates . O homem não deve preocupar- se em viver ou morrer, mas em fazer o que é justo e cumprir com o seu dever. No caso dele, Apolo o incumbiu de filosofar. ANO ZERO: O NASCIMENTO DE CRISTO E A EXPANSÃO DO CRISTIANISMO – AULA 17 O nascimento de Jesus é um evento tão fundamental na história da humanidade , ainda mais na cultura ocidental, que serviu como marco para um calendário que se tornou universalmente conhecido e que é mesmo aceito e adotado , ao menos para efeitos civis, em certas culturas não cristãs. A importância desse acontecimento pode ser resumida em duas siglas: a. C. (antes de Cristo) e d. C. (depois de Cristo). Estudiosos entendem ser motivações antirreligiosas que estão na raiz dessas siglas. É a ideia de que Cristo, sendo o centro de uma religião, feriria membros de outras religiões ou ateus . Contudo, é importante nos atentar ao fato de que Cristo, ainda que não seja aceito do ponto de vista religioso, é um personagem histórico, real, cuja vida e os ensinamentos marcaram a cultura ocidental. O cristianismo é um elemento bimilenar essencial de nossa cultura. Mesmo os que não são cristãos comemoram datas como o Natal (nascimento de Cristo) e a Páscoa (ressurreição de Cristo). Essas festas fazem parte da cultura ocidental e têm mesmo uma enorme importância econômica. AS FONTES DA VIDA E DO ENSINAMENTODE CRISTO Bíblia o termo vem do grego BiBXia (biblía), "livros", que é o plural de Bushiov (biblion(, "livro". O termo está ligado a pipos (biblos), que significa "papiro", planta de origem egípcia a partir da qual se faziam folhas - os papiros - para escrever • A Bíblia compõe-se de duas grandes partes , que estão divididas pelo nascimento de Cristo: (1) o Antigo Testamento, que narra a historia do povo judeu e contém os preceitos da religião judaica, constituindo o cerne da cultura da qual Jesus faz parte ; (2) o Novo Testamento, que contém a narrativa da vida de Jesus, seus ensinamentos e os de seus apóstolos. O Antigo testamento foi escrito em hebraico, contendo algumas passagens em aramaico. O Novo testamento foi escrito em grego, mais especificamente no dialeto comum que então vigorava: a koiné. Os fatos essenciais da vida e do ensinamento de Cristo estão conservados nos quatro evangelhos que fazem parte do Novo Testamento. A PREGAÇÃO DE JESUS A pregação de Jesus dá-se por parábolas, por admoestações e por sermões. Por vezes, ele serve- se do diálogo. O mais fundamental, no entanto, é seu agir, que confirma e completa suas palavras. A coerência entre a pregação e o modo de viver ou a ação é fundamental. As palavras voam, os exemplos arrastam. A desconexão entre o falar e o agir é danosa. A coerência entre o falar e o agir é fundamental na mensagem de Cristo , o que deixa claro que sua pregação é de caráter moral: ensinar aos homens como viver e agir de acordo com a Justiça e a vontade de Deus. Cristo não está preocupado com teorizações e abstrações de cunho filosófico . O contexto em que Ele se insere é religioso. Sua pregação é voltada para ensinar os homens a viver a vida de acordo com a vontade de Deus . Por isso, seu modo de expressão não é complexo, não exige grandes esforços intelectuais para ser compreendido. Está ao alcance de todos, ou melhor, de todos aqueles que estejam abertos à verdadeira Sabedoria, que não é deste mundo. A busca de uma sabedoria mundana seria um empecilho para chegar-se à verdadeira Sabedoria, pois complica o que é simples e nos faz presunçosos de um saber que não é nosso por direito, mas que nos é dado gratuitamente e do qual podemos ser apenas partícipes. A ideia de que a Sabedoria é acessível aos simples, ao mesmo tempo em que é negada aos sábios deste mundo está expressa mais de uma vez nos evangelhos. CRISTIANISMO E A CULTURA GRECO-ROMANA Paulo estava em Atenas, a Atenas de Sócrates, de Platão e de Aristóteles . A Atenas da filosofia, da sofistica, da retórica, das ciências, da busca pelo saber. Porém, a cidade estava entregue à idolatria, realidade multissecular da religião politeísta e naturalista dos gregos antigos. Ele discute com filósofos que reagem à sua pregação e o chamam de "tagarela". O texto grego diz ζπερμоóуo (spermológos), ou seja, "falador", "tagarela", "fofoqueiro", "frivolo". Paulo é levado ao Areopago (Colina de Marte) é uma colina perto da Acrópole onde, em temos antigos, um conselho tinha se reunido. O conselho tornou-se o conselho da cidade de Atenas e, nos tempos romanos, era a corte que supervisionava a moral, a religião e a educação. Nos tempos de Paulo, a corte se reunia no Pórtico Real, na região do mercado, abaixo da Acrópole. Paulo usou este ponto de contato para começar seu discurso sobre o Deus que fez o mundo, que não é esculpido em pedra ou confinado a algum templo, e que controla os tempos e os lugares onde as pessoas vivem. Mas ao mencionar ressurreição, foi objeto de zombaria. Esse é um dos primeiros encontros que temos registrados entre o cristianismo e a cultura paga greco-romana. Há uma menção explicita à filosofia. E, portanto, mais um capítulo da complexa questão das relações entre fé e razão. Com Sócrates, a razão foi levada ao tribunal em nome da fé. Aqui, a fé é objeto de escárnio por parte da razão. Filosofia e cristianismo são realidades diferentes , a primeira baseia-se apenas na razão, o segundo é uma religião e leva em conta o que é revelado por Deus . E a razão pode ser particularmente útil aos gentios, que podem, através dela, descobrir a verdadeira religião (FRAYLE, 1986, p. 64- 65). O próprio Paulo, com palavras expressas e com sua conduta e exemplo, abre caminho a outra solução mais favorável às relações de boa harmonia entre a filosofia e o cristianismo. Em seu discurso no Areopago alude à estátua dedicada ao deus desconhecido para dizer a seus ouvintes: "quem ergo ignorantes colitis, hunc ego annuntio vobis" [O que vocês adoram sem o conhecer, eu o anuncio a vocês]. Nessas palavras estava implícito o reconhecimento da razão humana para descobrir o verdadeiro Deus. ―Ele não despreza, nem rebaixa o alcance das forças da razão humana, mas antes a considera útil para os gentios que carecem da fé‖. A reta filosofia pode ser útil para trazer os gentios para a fé; a falsa filosofia, ao contrário, representa um perigo, por induzir ao erro. SANTO AGOSTINHO – VIDA E MORTE – AULA 18 Bispo de Milão, doutor da Igreja e personalidade essencial no processo de conversão de Agostinho Santo Ambrósio nasceu por volta de 340 d. C., em Trier, uma cidade da Gália, hoje, situada no território alemão. Seu pai era um importante funcionário do Império e Ambrósio seguirà seus passos. Estudou em Roma, onde aprendeu grego e dedicou-se a disciplinas como Direito, Retórica e Literatura. Por volta do ano 370, foi indicado governador de uma província romana (Aemilia et Liguria) cuja sede ficava em Milão (norte da Itália). Ele exerceu essa função até 374 d. C., quando foi aclamado bispo pelo povo, mesmo sem ser batizado. Sua eleição teria ocorrido quando tentou resolver o problema da sucessão episcopal que tumultuava Milão, dividida entre católicos e hereges arianos . Foi, então, batizado, doou todos os seus bens aos pobres, dedicou-se aos estudos de Teologia e de exegese bíblica, ajudado por seu conhecimento de grego. Arianismo É uma heresia que foi defendida por Ário (séc. III-IV) e que foi condenada pelo primeiro concílio de Niceia, em325 d. C.. O cerne da questão era a Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo). Preconizava que o Filho, por ser "criado" pelo Pai, tinha uma natureza inferior, não podendo ser considerado Deus do mesmo modo que o Pai. FASES DA VIDA A vida de Santo Agostinho é dividida em três grandes fases : 1. A primeira é a narrada nas Confissões, indo do nascimento de Agostinho até sua conversão e a morte de sua mãe (354-386/387); 2. A segunda compreende o período que vai de sua conversão e da morte de Santa Mônica até sua sagração episcopal (386/387-ca. 396); 3. A terceira vai do período de sua atividade como bispo de Hipona, até sua morte (ca. 396- 430). Ele nasceu em 13 de novembro de 354 d. C., na cidade de Tagaste, na Numídia, uma das províncias romanas na Africa. Morreu em 28 de agosto de 430, na cidade de Hipona, a moderna Anaba argelina, não longe da fronteira da Tunísia. A BUSCA INTENSA PELA VERDADE Ele é levado ao maniqueísmo por causa de um exacerbado racionalismo. Agostinho queria encontrar explicações racionais para tudo. Por isso, seduziu-se por falsas promessas de um conhecimento racional que poderia explicar todas as coisas, inclusive o que pertence ao domínio da fé. Maniqueísmo É uma religião gnóstica fundada por Mani (séc. III d. C.) na antiga Pérsia. Ela baseava-se em uma cosmologia que preconizava a luta entre o bem - o mundo espiritual da luz - e o mal - o mundo material da escuridão. A religião organizava-se na forma de uma igreja e seus membros eram divididos entre os eleitos e os ouvintes, categoria em que ficou Santo Agostinho durante sua ligação com a seita. Seus adeptos seguiam uma série de práticas ascéticas visando à purificação e à salvação. Os maniqueus acusavam a fé cristã de ser um monte de fábulas boas para serem aceitas por velhinhas, porém, sem sentido algum, que eram aplicadas aos homens através do medo, de uma autoridade ameaçadora e terrível. Agostinho passou cerca de nove anos seguindo o maniqueísmo, ainda que não tenha integralmente a ele aderido. Ficou em um estágio que era qualificado de "ouvinte" (auditor), por ter percebido que eles eram muito dedicados a atacar as doutrinas alheias, mas pouco aptos a demonstrar as suas próprias. CULTURA GRECO-ROMANA E CRISTIANISMO – SANTO AGOSTINHO – AULA 19 O SISTEMA DE ESTUDO NA ÉPOCA DE AGOSTINHO Havia uma primeira etapa em que a criança era alfabetizada, aprendia a ler, escrever e contar. Em uma etapa posterior, o aluno era levado a aprofundar-se no domínio da língua utilizando textos clássicos como material didático , o que lhe permitia um acesso à literatura, à mitologia etc. Por exemplo, o poema épico maior da literatura latina, a Eneida, de Virgilio, que faz alusão à errância de Eneias e ao suicídio de Dido. Os alunos tinham de memorizar trechos da Eneida. O papel da memória ainda é fundamental em uma sociedade que já era, há alguns séculos, letrada.. Agostinho insiste na maior importância das primeiras letras diante da alta literatura. Esquecer como ler e escrever seria muito mais prejudicial do que não se lembrar do que narram os poetas. AS CIÊNCIAS DA LINGUAGEM EM SANTO AGOSTINHO Santo Agostinho era um orador e professor de retórica. Ele trabalhava, portanto, com os diversos elementos da linguagem. Dele, temos dois textos sobre gramática, um sobre dialética e outro sobre retórica, todos curtos, sobretudo se comparados com os grandes tratados agostinianos. Em seu De Grammatica, ele menciona as oito partes do discurso (De Gram., I, 2): "As partes do discurso são oito: nome, pronome, verbo, advérbio, particípio, conjunção, preposição, interjeição". A teoria das oito partes do discurso é bastante difundida entre os gramáticos latinos contemporâneos a Santo Agostinho. Donato (séc. IV d. C.), cuja Ars Grammatica será amplamente utilizada durante a Idade Média, adota o mesmo esquema (KEIL, 1864, p. 355): "Quantas são as partes do discurso? Oito. Quais são elas? Nome, pronome, verbo, advérbio, particípio, conjunção, preposição, interjeição." TEATRO E LITERATURA EM SANTO AGOSTINHO Santo Agostinho, quando criança, deleitava-se com a literatura latina. Com a literatura grega - ele menciona especificamente Homero -, a experiência foi traumática, não pela literatura em si, mas pela barreira da língua grega. A paixão pelas histórias narradas por Virgílio na Eneida era tal, que ele sofria se por qualquer razão o impediam de lê-las. Em sua juventude, amava profundamente o teatro . Agostinho, portanto, passou sua infância, adolescência e juventude, fruindo do prazer que a literatura clássica e os espetáculos teatrais lhe proporcionavam. Ainda que sua mãe fosse cristã e que tivesse recebido, em sua infância, os rudimentos dessa fé, sua formação cultural era estritamente pagã e os hábitos que dela derivavam também. O prazer que experimentava no cênico e no lúdico retroalimentava suas paixões. As reflexões que Agostinho desenvolve sobre a literatura e o teatro que espelham uma visão muito diversa de sua vivência juvenil. A busca pela verdade o conduzira por caminhos tortuosos, mas o fizera chegar a um porto seguro, do qual contempla sua vida passada com uma visão crítica. Ele pode, então, enxergar as contradições que vivenciou em sua própria carne, ao deleitar-se com certas leituras e espetáculos. Um elemento importante é a constatação de que essas artes criam uma realidade virtual, artificial e falsa, que se torna uma fuga para os homens e os faz agir de modo contraditório e inapropriado. DICOTOMIA REAL X IRREAL Essa dicotomia entre a realidade virtual criada pela literatura e o mundo real foi vivenciada pelo próprio Agostinho. O mundo irreal ou virtual, muitas vezes, é vivido com mais intensidade que o mundo real, damos mais importância do que nossa própria vida e vivemos esta como se estivéssemos entorpecidos. Com o teatro, temos a mesma dicotomia e a mesma inversão que encontramos na literatura. O palco é um mundo virtual e é para lá que nós, do mundo real, olhamos e nosso olhar nos projeta dentro dessa outra realidade que se torna mais real e mais importante do que o que efetivamente acontece em nossas vidas. É um jogo agitado de emoções. Buscamos, no teatro, sensações extremas e sofrimentos que não queremos experimentar na vida. Quanto mais ele se expõe a cenas que reproduzem paixões, injustiças, corrupção, violência, tanto mais insensível se torna diante desses mesmos fatos na vida real. A constante exposição ao sofrimento fictício encenado nos teatros vai, paulatinamente, tirando sua sensibilidade diante das desgraças da vida real. CULTURA GRECO-ROMANA X CRISTIANISMO Agostinho analisa longamente vários acontecimentos e infortúnios da história romana anterior ao cristianismo, para mostrar que seus deuses nunca fizeram nada para evitar sua ruína e que os romanos fizeram guerras injustas contra outros povos para expandir seu poderio. Como os romanos sofreram incontáveis e enormes desgraças antes do advento de Cristo, deveriam censurar suas próprias divindades e não Aquele cujo nome os poupou da fúria dos bárbaros durante o saque. E, sem dúvida, a corrupção dos costumes dos romanos, que colocaram o prazer e as riquezas acima das virtudes, tem um papel importante na queda do Império. Santo Agostinho demonstra um enorme conhecimento da história, da mitologia, da literatura, dos costumes, das instituições e dos valores dos antigos romanos. O texto que desenvolve ao longo de sua Cidade de Deus é prova de que ele era um verdadeiro romano, imbuído do mais autêntico espírito clássico - sua formação em oratória era uma prova disso ao qual se acrescentou a cultura crista e tudo aquilo que ela trazia de novidade e maravilha. Em Agostinho, fundem-se perfeitamente essas duas grandes tradições da Antiguidade: a civilização greco-romana e a cultura judaico-cristă.DE BOÉCIO A SANTO ISIDORO DE SEVILHA – AULA 20 BOÉCIO: O ÚLTIMO DOS ROMANOS E O PRIMEIRO DOS MEDIEVAIS Boécio nasceu em Roma, em 480 d. C., 50 anos após a morte de Santo Agostinho. Era cristão e de família romana proeminente , tendo exercido altos cargos administrativos. Estudou em Roma e, provavelmente, em Atenas, onde aprendeu bem o grego e teve uma sólida formação em literatura e filosofia. Por volta de 520 d. C., tornou-se chefe de governo e administrador da corte de Teodorico, rei dos ostrogodos (um povo bárbaro), que estabeleceu um reino na Itália, no território que antes pertencia aos romanos. Teodorico era seguidor da heresia ariana, que era combatida pelo imperador Justiniano. Por isso, ele manda prender Boécio, que era católico, assim como o papa João I, por suspeitar que fossem simpatizantes ou mesmo aliados de Justiniano. O papa morre na prisão, provavelmente de fome. É no cárcere que Boécio redige aquela que é certamente sua mais famosa obra, cuja influência durante a Idade Média foi grande: A Consolação da Filosofia (De Consolatione Philosophiae). Após algum tempo encarcerado, ele finalmente é executado por volta de 525 d. C.. AS CONTRIBUIÇÕES DE BOÉCIO A tradução de algumas obras de Aristóteles para o latim. Seu trabalho de tradutor e de comentador ajudou a criar e a fixar em latim uma parte da terminologia filosófica grega. O emprego de categorias filosóficas à teologia, o que abriria as vias para a constituição de uma ciência teológica apta a explorar racionalmente e sistematicamente seus conceitos e questões. Seus tratados de teologia dão testemunho desse procedimento. Definições de pessoa (substância individual de natureza racional) e a de eternidade (eternidade é a posse ao mesmo tempo total e perfeita de uma vida sem limites), que foram abundantemente empregadas ao longo da Idade Média. A Consolação da Filosofia, que mostra-nos um homem condenado à morte, investigando o sentido da vida humana. CASSIODORO Exerceu várias funções administrativas na corte de Teodorico, sucedeu Boécio após este ter sido preso. Nasceu por volta do ano 485 d. C., no sul da Itália, de família cristã, viveu longamente (morre por volta de 580 d. C., com quase 100 anos). Após exercer os mais altos cargos políticos, Cassiodoro retira-se em sua região de origem e funda um mosteiro, que recebeu o nome de Vivarium, por estar construído junto a um viveiro (vivarium) de peixes. A comunidade que ele erigiu era dedicada ao estudo tanto da literatura cristã quanto da literatura pagã ou profana. Ele pretendia elaborar um sistema educacional que permitisse a conciliação de ambos os tipos de saber, que colaborariam para o bem do homem. CASSIODORO PROCUROU CONSTITUIR UM GRANDE ACERVO BIBLIOGRÁFICO Percebendo que a literatura sagrada (letras divinas) era pouco cultivada, comparada com a literatura profana ou pagã, ele planeja, junto com o Papa Agapito I, fundar, em Roma, um instituto dedicado ao estudo de ambas as literaturas , tomando como modelo as escolas que havia em Alexandria e na cidade de Nisibe (na fronteira turco- síria). Porém, os problemas políticos e as guerras - O imperador bizantino Justiniano invade Roma e a recupera das mãos dos bárbaros - fazem com que o projeto não se concretize . E assim ele parte, abandonando suas ambições políticas, para o sul da Itália, onde funda seu monastério e se vê compelido a escrever suas Instituições , para dar a conhecer tanto a literatura sagrada, quanto a profana, sem preocupar-se com uma linguagem rebuscada e sem buscar originalidade, mas servindo-se do ensinamento e dos ditos dos antigos Suas Instituições estão divididas em 2 livros: a) o primeiro, composto de 33 capítulos , é dedicado à literatura cristă, mormente à Sagrada Escritura e a autores como Santo Ambrosio, Santo Agostinho e São Jerônimo; b) o segundo, dedicado ao saber pagão, às chamadas "artes liberais", é composto de 7 capítulos, dedicados a cada uma das setes artes liberais : (1) gramática, (2) retórica, (3) dialética, (4) aritmética, (5) música, (6) geometria e (7) astronomia. O número de capítulos não é fruto do acaso. Cassiodoro explica no início do livro II que 33 é o número de anos que Cristo tinha quando deu sua vida por nós. Já o número 7 é frequentemente utilizado nas Escrituras para indicar algo continuo e perpétuo. Cassiodoro aborda o estudo da gramática em suas Institutiones. Ele começa por mostrar que o termo "gramática" vem de "letras" Gramática, em grego, é a уpaμμatikǹ téxvη (grammatikè tékhne), a "arte das letras", a "arte do alfabeto" e, por conseguinte, "a arte de ler e escrever". Em seguida, define a gramática (Patrologia Latina, 70, 1152 B): "A gramática é a destreza em bem falar adquirida dos poetas ilustres e dos oradores. Sua função é compor sem erro discurso em prosa e em verso. Sua finalidade é agradar através de uma destreza impecável de refinada elocução ou redação." Ele explora, também, as diferentes classes gramaticais , ou seja, as oito partes do discurso. Não há nenhuma originalidade , pois, como ele mesmo diz, ele se baseia no famoso gramático latino Donato. SANTO ISIDORO DE SEVILHA Santo Isidoro nasceu por volta do ano 560 d. C., no território da moderna Espanha, de família católica, sendo irmão de São Leandro, bispo de Sevilha (cidade do sul da Espanha), a quem sucedeu na cátedra. A biblioteca reunida pelos dois bispos irmãos possuía um rico acervo de manuscritos . Isidoro é, seguramente, um dos principais canais de transmissão da cultura antiga à Idade Média. Sua obra é variada, percorrendo campos como a gramática, a história e a teologia. Suas obras mais conhecidas e que maior impacto tiveram na cultura ocidental são as Etimologias ou Origens (Originum sive etymologiarum libri viginti), uma grande enciclopédia do saber antigo em vinte livros, dedicada aos vários campos do saber, e as Sentenças (Sententiae libri tres), divididas em três livros consagrados a diferentes questões teológicas. As Etimologias , além de cobrirem o âmbito das já consagradas sete artes liberais, dedicam-se a vários outros domínios do saber humano: medicina, direito, teologia, ciências da linguagem, zoologia, geografia, arquitetura, mineralogia, agricultura, economia doméstica etc. O título da obra deve-se ao método utilizado por Santo Isidoro para abordar os diferentes temas explorados: a etimologia. Ele parte da origem de um determinado termo para explicar-lhe o sentido mais profundo. E a parte final da citação nos deixa bem claro o quão importante ele julga o conhecimento da etimologia de uma palavra para conhecer adequadamente o conceito que ela exprime : "se não se conhece o nome, o conhecimento se perde".