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Robert Alexy - Teoria dos Direitos Fundamentais páginas 499 à 519

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DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 499 
berdade de associação. Eles abrem, de um lado, a possibil idade de uma 
participação no processo de formação da vontade legislativamente re­
levante e, de outro lado, enquanto direitos fundamentai s, impõem res­
trições à competência do legis lador. Na medida em que possam ser 
exercidos para finalidades outras que não a participação no processo 
de formação da vontade legislativamente relevante , os dire itos funda­
mentais dizem respeito somente a esse último aspecto. Isso já demons­
tra que direitos fundamentais, quando garantem o procedimento demo­
crático, expressam uma confiança em sua racional idade; mas também 
que essa confiança não é i l imi tada. Nesse sentido, há tanto u ma cone­
xão intrínseca quanto u ma relação de tensão entre os direitos funda­
mentais e o princípio democrático. 
IV - DIREITOS A PRESTAÇÃO EM SENTIDO ESTRITO 
(DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS) 
1 . Conceito e estrutura 
Direitos a prestação em sentido estrito são direitos do indivíduo, 
em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de meios 
financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no merca­
do, poderia também obter de particulares. Quando se fala em direitos 
fundamentais sociais, como, por exemplo, direitos à assistência à saú­
de, ao trabalho, à moradia e à educação, quer-se primariamente fazer 
menção a direitos a prestação em sentido estrito. 
É necessário diferenciar entre direitos a prestações previstos de 
forma expressa, como aqueles encontrados em uma série de Consti­
tu ições estaduais, e direitos a prestação atribuídos por meio de inter­
pretação. Às vezes a expressão "dire itos fundamentais sociais" é re­
servada para os primeiros, enquanto os últimos são denominados como 
"direitos fundamentais a prestações"2º7 ou " interpretações sociais dos 
direitos de l iberdade e igualdade".208 A diferença entre os direitos a 
prestações expressamente garantidos e aqueles atribuídos por meio de 
207. Jõrg Lücke, ·'Soziale Grundrechte ais Staatszielbestimmungen und Gesetz­
gebungsauftrage", AôR l 07 ( 1 982 ) , p. 3 1 . 
208. Wolfgang Martens. "Grundrechte im Leistungsstaat'', VVDStRL 30 ( 1 972), 
p. 1 2 . 
soo TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
i nterpretação é, sem dúvida, importante. Já, no que diz respeito a seu 
conteúdo,209 sua estrutura2 1º e seus problemas,2 1 1 há uma ampla coin­
c idênci a entre ambas as categorias. Isso justifica designar todos os 
direitos a prestações em sentido estrito como "dire itos fundamentais 
sociais" e, no interior da c lasse dos dire itos fundamentais sociais , di­
ferenciar entre aqueles expressamente garantidos e aqueles atribuídos 
por meio de i nterpretação. 2 1 2 
J á se demonstrou que a Constituição alemã, com pouquíssimas 
exceções, não contém direitos fundamentais soc iais formulados de ma­
neira expressa; mesmo assim discute-se, com grande empenho e vee­
mência,2 1 3 se, e em caso afirmativo, quais direitos fundamentais sociais 
são por ela garantidos.2 14 Essa polêmica, suficientemente alimentada 
pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, é uma polêmica 
sobre a obrigação ou vedação de se atribuir2 1 5 aos dispositivos de direi­
tos fundamentais normas que garantam direitos fundamentais sociais . 
Saber se uma tal atribuição é obrigatória do ponto de v ista do direito 
constitucional ou se é, do mesmo ponto de vista, vedada, depende de se 
saber se as melhores razões jurídico-constitucionais mil i tam a favor da 
obrigatoriedade ou da vedação. A qualidade das razões só pode ser de­
terminada quando se sabe para quê elas são razões. Por i sso, é necessá­
rio, em primeiro lugar, analisar os candidatos a essa atribuição. 
As normas a serem atribuídas aos disposit ivos de direitos funda­
mentais sob a rubrica "direitos fundamentais soc iais" são de tipos os 
mais distintos. A partir de pontos de vista teórico-estruturais, elas po­
dem ser diferenciadas com base em três critérios. Em primeiro lugar, 
pode-se tratar de normas que garantam dire itos subjetivos ou normas 
que apenas obriguem o Estado de forma objetiva. Em segundo lugar, 
elas podem ser normas vinculantes ou não-vinculantes - neste último 
209. Idem. p. 30. 
2 1 O. Ernst-Wolfgang Bóckenfórde. "Die sozialen Grunclrechte irn Verfassungs­
gefüge". in Ernst-Wolfgang Bóckenforde et ai. (Orgs . ) . So:ia/e Grundrechte, Hei l­
delberg: Mül ler, 1 98 1 , p. 1 2. 
2 1 1 . Jórg Paul Mül ler, Soziale Grundrechte in der Verj'assung?, 2il ecl . , Base ! : 
Helbing & Lichtenhahn. 1 98 1 , p . 1 66. 
2 1 2 . Cf. Josef l sensee, ;.Verfassung ohne soziale Grunclrechte", p. 373. 
2 1 3 . Cf. a bibl iografia em Karl Hernekamp (Org . ) . So�.iale Grundrechte. Berl in : 
de Gruyter, 1 979, pp . 235 e ss. 
2 14. Cf. , neste capítulo, 1 . 3 . 
2 1 5 . Sobre o conceito de atribuição, cf. Capítulo 2 , 1 1 .2 . 
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 50 1 
sentido seriam elas enunciados programáticos. Uma norma deve ser 
considerada como "vinculante" se for possível uma análise de sua 
v iolação por meio do Tribunal Constitucional Federal . As normas 
podem, por fim, fundamentar direitos e deveres definitivos ou prima 
facie, isto é, regras ou princípios. Se se combinam esses critérios, 
obtêm-se oito normas de estrutura bastante diversa, que podem ser 
representadas da seguinte forma: 
v i nculante não-v inculante 
subjetivo objetivo subjetivo objetivo 
def. p . f. def. p .f. def. p .f. def. p .f. 
1 2 3 4 5 6 7 8 
A proteção mais intensa é garantida pelas normas v inculantes que 
outorgam direitos subjetivos defin it ivos a prestações ( 1 ) ; a proteção 
mais fraca, pelas normas não-v inculantes que fundamentam apenas 
um dever estatal objetivo prima facie à real ização de prestações (8 ) . 
As diversas teses teórico-normativas que são sustentadas no âmbito 
elos direitos fundamentais sociais devem ser compreendidas à luz da 
tabela acima. Quatro exemplos: de acordo com Hesse, ela "compreen­
são dos direitos fundamentais como normas objeti vas supremas" re­
sulta "para o legislador ( . . . ) uma obrigação (posi ti va) ele fazer de tudo 
para realizar os direitos fundamentais, mesmo que não haja para tanto 
um d ireito subjetivo elo ciclaclão".2 1 6 Com isso, quer-se fazer referência 
a obrigações objeti vas primafacie v inculantes (4). von Mutius classi­
fica o "direito de participação" originário, suscitado na primeira deci ­
são numerus c/ausus, como "pretensões constitucionais a prestações'', 
que devem ser compreendidas como leges imperfecta, como "meros 
enunciados programáticos".2 1 7 Isso pode ser interpretado no sentido 
2 1 6 . Konrad Hesse. ··Grundrechte: Bestand und Bedeutung .. , in Ernst Benda et 
ai. (Orgs. ) , Handhuch des Ve1fassu11gsrechts, Berl in : de Gruyter, 1 983, p. 95. 
2 1 7 . Albert v. Mutius, "Grundrechte ais 'Te i lhaberechte ' - zu den verfassungs­
rechtlichen Aspekten des numerus clausus", VerwArch 64 ( 1 973) , p. 1 93. 
502 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
de um direito subjetivo defi n it ivo não-vinculante (5) . 2 1 8 O Tribunal 
Constituc ional Federal fala de um "direito a ser admitido no curso 
universitário de sua escolha'' , que, embora conferido, em princípio, ao 
c idadão que tenha concluído o ensino médio, está sob a "reserva do 
possível" .2 1 9 Como será ainda analisado em detalhes, esse direito deve 
ser v isto como um direito subjetivo prima facie vinculante (2). Por 
fim, um direito subjetivo definit ivo v inculante ( 1 ) é o direito a um 
mínimo existencial .220 
Às diferenças estruturais somam-se diferenças substanciais. Espe­
cialmente importante é a diferença entre um conteúdo minimalista e 
um maximalista.22 1 O programa minimalista tem como objetivo garan­
tir "ao indivíduo o domínio de uma espaço v ital e de um status soci al 
mínimos",222 ou seja, aquilo que é chamado de "direitos mín imos" e 
" 'pequenos ' direitos sociais".223 Já um conteúdo maximalista pode ser 
percebido quando se fala de uma "realização completa" dos direitosfundamentais,224 ou quando se caracteriza o direito à educação como 
"pretensão a uma emancipação i ntelectual e cultural voltada à indivi­
dualidade, à autonomia e à plena capacidade pol ítico-social".225 
A diversidade acima esboçada dá ensejo à supos ição de que o 
problema dos direitos fundamentais soc iais não pode ser resumido a 
uma questão de tudo-ou-nada. Parece inevitável que diferenciações 
2 1 8 . Já os "'enunciados programáticos vinculantes"", suscitados por Krebs, pode­
riam ser vistos como normas que fundamentam deveres objetivos prima facie vincu­
lantes. Cf. Walter Krebs. Vorhehalt des Geser:es und Grundrechte. Berl in : Duncker 
& Humblot. 1 975. p. 92. 
2 1 9 . BVerfGE 43, 29 1 ( 3 1 4-3 1 5 ) 
220. Sobre isso, cf., neste capítulo, 1 . 2 . 
22 1 . Sobre essa d isti nção, cf. , com diversas referências adicionais, Rüdiger 
Breuer, "Grundrechte ais Anspruchsnormen", p. 95. 
222. Luzius Wildhaber, "Soziale Grundrechte", p. 385. 
223. Jõrg Paul Mül ler, Soziale Grundrechte in der Ve1jússung:'. p. 1 83 ; cf. 
também Jõrg Lücke. "Soziale Grundrechte ais Staatszielbestimmungen und Gesetz­
gebungsauftriige'", p. 1 8 . 
224. Karl H. Friauf. ""Zur Rol le der Grundrechte im I nterventions- und Lei­
stungsstaat"'. DVBI 86 ( 1 97 1 ) , p. 676; Walter Krebs, Vorbeha/t des Geset;,es und 
Grundrechte. p. 1 22 . 
225. Lutz R. Reuter, "Soziales Grundrechte auf B i ldung?", DVB! 89 ( 1 974), p. 
1 2 ; cf. também K laus Grimmer, Demokratie und Grundrechte, p. 259; Klaus-Dieter 
Heymann/Ekkehart Ste in , "Das Recht auf B ildung", AüR 97 ( 1 972) , pp. 1 89 e ss. 
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 503 
sejam feitas. 226 A partir desse pano de fundo, é necessária uma breve 
análise dos argumentos favoráveis e contrários aos "direitos funda­
mentais sociais". A expressão "dire itos fundamentais sociais" será 
uti l izada como um supraconceito para as normas dos tipos ( 1 ) a (8) . 
O objetivo é o desenvolvimento de uma proposta, baseada na teoria 
dos princípios227 e na i déia guia de caráter formal apresentada ante­
riormente,228 que leve em consideração tanto os argumentos favorá­
veis quanto os contrários. 
2. Sobre os argumentos contrários e favoráveis 
aos direitos fundamentais sociais 
O principal argumento a favor dos direitos fundamentais sociais é um 
argumento baseado na liberdade. Seu ponto de partida são duas teses. 
A primeira sustenta que a l iberdade jurídica, isto é, a permissão 
jurídica de se fazer ou deixar de fazer algo, não tem valor sem uma li­
berdade fática (real) , isto é, a possibil idade fática de escolher entre as 
alternativas permitidas.229 A formulação dessa tese é bastante geral. Mas 
ela é ao menos necessariamente correta se interpretada de forma a que 
l iberdade jurídica de a de real izar, ou não, a ação h não deixa de ter 
valor - no sentido de ser inútil - para a se a, por razões fáticas, não tem 
a possibil idade de escolher entre a realização e a não-realização de h.230 
226. Sobre a necessidade de diferenciações. cf. Dieter Lonrenz. "Bundesver­
fassungsgericht und soziale Grundrechte", JBI 1 98 1 , pp. 1 9-20; Walter Schmidt, 
"Soziale Grundrechte im Verfassungsrecht der Bunclesrepubl ik Deutschland", p. 22; 
Rücliger B reuer, "Grundrechte ais Anspruchsnormen", p. 93. 
227. Cf. Capítulo 3, 1 . 2 . 
228. Cf., neste capítulo, I . 5 . 
229. Sobre os conceitos ele l i berdade jurídica e l iberdade fática, cf. Capítulo 
4, 1 1 .2.2. 
230. As reflexões a segui r demonstram a necessidade de inúmeras diferencia­
ções na tese geral segundo a qual a l iberdade jurídica não teria valor sem uma l iber­
dade fática. ( 1 ) O fato de todos terem a l iberdade jurídica ele escolher entre h e ..,17 
pode ter valor para a, ainda que ele próprio não tenha a possibi l idade fática de realizar 
essa escolha, pois a se benefic ia do fato de que os outros têm essa possibil idade de 
escolha; (2) Uma l iberdade jurídica de a pode ter valor para ele, mesmo que a não 
tenha, no presente, a poss ib i lidade fática de exercer essa l iberdade, porque ele tem a 
chance de poder exercê-la no futuro: (3) a pode considerar corno valiosa sua l iberda­
de jurídica de escolher entre h e -,fi ainda que essa l iberdade seja inút i l para ele. em 
razão de uma ausência de l iberdade fática. Ele considera, então, a l iberdade jurídica 
504 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
É a essa constatação que Lorenz von Ste in faz referência quando afir­
ma: "A l iberdade é real apenas para aquele que tem as condições para 
exercê-la, os bens materiais e intelectuais que são pressupostos da 
autodeterminação",23 1 ou quando o Tribunal Consti tucional Federal 
decide que "o d irei to de l iberdade não teria valor sem os pressupostos 
fáti cos para o seu exercício".232 
A segunda tese defende que, sob as condições da moderna socie­
dade i ndustrial , a l iberdade fática de um grande número de titulares de 
dire itos fundamentais não encontra seu substrato material em um "es­
paço v ital por eles controlado";233 ela depende sobretudo de ativ idades 
estatais. 234 Com algumas qualificações adic ionais,235 é possível con­
cordar também com essa tese. 
como um fim em si mesmo; (4) A necessidade de inúmeras diferenciações adicionais 
decorre do fato de as l iberdades fáticas freqüentemente não serem uma questão de 
tudo-ou-nada, mas uma questão de grau. Assim, supondo leve uma vida normal, é 
possível que para a a l iberdade jurídica de escolher entre h e •h seja i núti l mas que 
ele, caso abra mão de muito daqui lo que é considerado como parte de uma vida nor­
mal, tenha a possibil idade fática dessa escolha. 
23 1 . Lorenz von Stein, Geschichte der so�ialen Bewegung in Frankreich von 
1 789 bis au/unsere Tage, v. 3 (Ausg. Salomon), München : Orei Masken, 1 92 1 ( nova 
edição, Darmstadt, 1 959), p. 1 04. 
232. BVer/GE 33, 303 (33 1 ). 
233. Ernst Forsthoff, Verfassungsprobleme des Sozialstaats, Münster: Aschen­
dorff, 1 954, p. 6. 
234. Cf., por todos, Ernst-Wolfgang Bóckenfórde, Sraat, Gese/lschaft, Freiheit, 
Frankfu11 am Main: S uhrkamp, 1 976, pp. 76-77 ; do mesmo autor, "Die sozialen 
Grundrechte im Verfassungsgefüge", pp. 8-9; Ulrich Scheuner. "Die Funktion der 
Grundrechte im Sozialstaat", DÔV 24 ( 1 97 1 ) , p. 5 1 1 . 
235. Importante é o alerta de Schwabe (Jürgen Schwabe, Probleme der Grun­
drechrsdogmatik, pp. 257 e ss.) , segundo o qual, embora seja possível constatar uma 
perda de "espaço vital controlado", se se compara o tipo ideal do burguês do século 
XIX com o c idadão médio atual, a tese baseada nessa perda suscita algumas dificul­
dades se se compara o cidadão médio dos séculos XIX e XX. Isso certamente justifi­
ca uma objeção contra fundamentar a necessidade de direitos fundamentais sociais a 
partir de uma mudança na si tuação de vida do c idadão médio cio século XX em com­
paração com a do c idadão médio do século XIX, mas não justifica uma objeção 
contra fundamentar essa necessidade com base na si tuação do indivíduo na sociedade 
i ndustrial . E é preciso ir ainda além. Também nas sociedades não industrial izadas é 
possível que o "espaço v i tal controlado" de inúmeros cidadão seja tão pequeno que 
dê ensejo à proposta de se garantir sua situação por meio de direitos fundamentais 
sociais. Mas isso não é contrário à constatação de que nas sociedades industriais são 
necessárias ações estatais para impedir uma desvinculação muito ampla entre a l iber­
dade jurídica garantida e a l iberdade fática de mu itos. 
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 505 
Mas essas teses não podem ser mais que apenas u m ponto de par­
tida de um argumento a favor dos direitos fundamentais sociais. Isso 
é faci lmente perceptível a partir da constatação de que, mesmo sem 
aceitar a existência dos direitos fundamentais sociais, seria não apenas 
possível aceitar ambas as teses como, também , conceber a criação de 
uma l iberdade fática corno algo desejado pela Constituição. Seria ne­
cessário apenas aceitar urna repartição de tarefas entreos direitos fun­
damentais e o processo político, de acordo com a qual aos primeiros 
caberia zelar pela l iberdade juríd ica; e aos segundos, pela l iberdade 
fática.236 Por isso, para complementar o argumento baseado na l iber­
dade é necessário demonstrar por que a liberdade fática deve ser ga­
rantida diretamente pelos direitos fundamentais. 
Para que isso seja fundamentado não é suficiente afirmar que os 
direitos fundamentais devem garantir a l iberdade, que a l iberdade fá­
tica também é l iberdade e que, por isso, os d ireitos fundamentais de­
vem garantir também a l iberdade fática. A questão é justamente essa: 
saber se os direitos fundamentais também devem garantir a l iberdade 
fática. Portanto, para justificar a atribuição de direitos fundamentais 
sociais com o auxílio de um argumento baseado na l iberdade é neces­
sário também fundamentar por que a l iberdade garantida pelos direi­
tos fundamentais inclui a l iberdade fática. 
Neste ponto, dois são os principais argumentos que podem ser 
util izados. O primeiro baseia-se na importância da l iberdade fática 
para o i ndivíduo. Para util izar apenas três exemplos, para o indivíduo 
é de i mportância v ital não v iver abaixo do mín imo existencial , não 
estar condenado a um desemprego de longo prazo e não estar excluí­
do da vida cultural de seu tempo. É certo que, para aquele que se 
encontra em uma tal s ituação de necessidade, os direitos fundamen­
tais não são totalmente sem valor.237 É exatamente aquele desprovido 
de meios que pode valorizar especialmente aqueles d ireitos fundamen­
tai s que, por exemplo, o protegem contra o trabalho forçado e outras 
situações semelhantes e aqueles que lhe dão a possibi l idade de me­
lhorar sua situação por meio do processo político. Contudo, não é 
236. Cf. Hans H. Klein, Die Grundrechte im demokratischen Staat, pp. 48 e ss. 
237. Cf. Albert B leckmann, Allgemeine Grundrechtslehren, p. 1 62. 
506 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
possível negar que, para ele, a eliminação de sua s ituação de neces­
s idade é mais importante que as l iberdades jurídicas, que a ele de 
nada servem, em razão dessa situação de necessidade, e que, por isso, 
são para ele uma "fórmula vazia".238 Se a esse cenário se adiciona o 
fato de que a razão de ser dos direitos fundamentais é exatamente a 
de que aqui lo que é especialmente importante para o i ndivíduo, e que 
pode ser juridicamente protegido, deve ser juridicamente garantido, 
então, o primeiro argumento para a proteção no âmbito dos dire i tos 
fundamentais está completo. 
O segundo argumento está diretamente l igado ao primeiro. De 
acordo com ele, a l iberdade fática é constitucionalmente importante 
não apenas sob o aspecto formal da garantia de coisas especialmente 
importantes, mas também sob o aspecto substancial . O Tribunal Cons­
titucional Federal interpretou o catálogo de direitos fundamentais co­
mo expressão de um s istema de valores, "em cujo centro se encontra 
o livre desenvolvimento da personalidade humana e de sua dignidade 
no seio da comunidade social".239 À luz da teoria dos princípios,240 i sso 
deve ser interpretado de forma a que o catálogo de direitos fundamen­
tais expresse, dentre outros, princípios que exijam que o indivíduo 
possa desenvolver l ivremente sua dignidade na comunidade social, o 
que pressupõe uma certa medida de l iberdade fática. A conclusão i ne­
vitável é a de que os direitos fundamentais , se seu escopo for o l ivre 
desenvolvimento da personalidade humana, também estão orientados 
para a l iberdade fática, ou seja, também devem garantir os pressupos­
tos do exercício das l iberdades jurídicas,24 1 sendo, assim, "não apenas 
a regulação das possibilidades jurídicas, mas também do poder de agir 
fático".242 A questão é saber se essa hipótese, que encontra fundamen-
238. Ernst-Wolfgang Bóckenforde, Staat, Gese/lschaft, Freiheit, p. 77. 
239. BVerjGE 7, 1 98 (205 ) . 
240. Cf. Capítulo 3, I .2. 
24 1 . Cf. Peter Saladin, "Die Funktion der Grundrechte in einer revidierten 
Verfassung", ZSR N.F. 87 ( 1 968) , p. 353: "A garantia de uma l iberdade ele ação i ndivi­
dual autônoma somente é honesta e frutífera se, ao mesmo tempo, forem garantidos 
os pressupostos mais essenciais para a ut i l ização dessa l iberclacle, se o constituinte 
não cuida apenas ela garantia ela liberté mas também da garantia da capacité". 
242. Peter Hii.berle, "Das B undesverfassungsgericht im Leistungsstaat: Die Nu­
merus-clausus-Entscheidung vom 1 8 .7 . 1 972", DÔV 25 ( 1 972), p . 73 1 . 
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 507 
tos adic ionais no princípio do Estado Social243 e no princípio da igual­
dade fática,244 consegue resist ir aos argumentos contrários. 
Dentre as inúmeras objeções contra os direitos fundamentais so­
c iais, as principais podem ser agrupadas em dois argumentos comple­
xos, um formal e um substancial. 
O argumento formal aponta para um d ilema: se os dire itos funda­
mentais sociais forem v inculantes, eles deslocam a política social da 
competência parlamentar para a competência do tribunal constitucio­
nal; se eles não forem vinculantes, eles i mplicam uma violação da 
cláusula de v inculação do art. 1 º, § 3º, da Constituição alemã. O pon­
to de partida desse argumento é a tese de que os direitos fundamentais 
sociais ou não são justiciáveis ou o são apenas em pequena medida.245 
Essa tese pode se basear no fato de que os objetos da maioria dos di­
reitos fundamentais sociais são extremamente indeterminados. Qual 
é, por exemplo, o conteúdo de um direito fundamental ao trabalho? A 
escala de possíveis interpretações vai desde um dire ito utópico de 
todos a qualquer trabalho que se deseje, em qualquer lugar e em qual­
quer momento, até um direito compensatório a um auxílio-desempre­
go. Mas qual deve ser o valor desse auxílio? Os problemas dos outros 
direitos fundamentais sociais não são muito diferentes. Até mesmo no 
caso do d ireito fundamental social mais s imples, o direito a um míni­
mo existencial, a determinação de seu exato conteúdo suscita algumas 
d ificuldades.246 Mas dificuldades na definição do exato conteúdo de 
direitos bem como, em geral, a precisa determinação de conceitos dos 
mais indeterminados não são tarefas incomuns para a jurisprudência e 
para a Ciência do Direito. Por isso, ao lado da i ndefinição semântica 
243. Cf. Karl H. Friauf, "Zur Rolle der Grundrechte im lnterventions- und Lei­
stungsstaat", p. 676; Eberhard Grabitz, Freiheit und Verfassungsrecht, pp. 4 l e ss. 
244. Cf. Capítulo 8 , VI.2. Cf. também Gerhard Leibholz, Strukturprub/eme der 
madernen Demokratie, 3" ed., Karlsruhe: C. F. Mül ler, 1 967 ( reimpr. Frankfurt am 
Main : Atheniium Fischer, 1 974), p. 1 3 1 . 
245. Cf. Jõrg Paul Mül ler, So;.iale Grundrechte in der Veifassung!, pp. 5-6 e 
20 e ss.; Christian Starck, "Die Grundrechte des Grundgesetzes", p. 24 1 : Theodor 
Tomandl , Der Einbau sozialer Grundrechte in das positive Recht, Tübingen: Mohr. 
1 967, pp. 1 7- 1 8 : Georg Brunner, Die Problematik der so::)a/en Grundrechte, pp. 1 7-
1 8 : Karl Korinek, "Betrachtungen zur juristischen Problematik sozialer Grundrech­
te", i n Katholische Sozialakademie Ósterreichs (Orgs. ) , Die sozialen Grundrechte, 
Wien: KSÓ, 1 97 1 , p. 1 2. 
246. Cf. A lbert B leckmann , Allgemeine Grundrechts/ehre, p. 1 64. 
508 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
e estrutural dos direitos fundamentais sociais , a tese do déficit de jus­
ticiab i l idade tem que agregar u ma outra forma de indefin ição: a im­
possib i l idade de se chegar, com os meios específicos do d ireito, a uma 
determinação exata do conteúdo e da estrutura dos d ireitos fundamen­
tais soc iais formulados abstratamente. Ela tem que sustentar que o di­
reito não fornece critérios suficientes para tanto. Por que, se o direito 
não fornece esses critérios suficientes, então, a dec isão sobre o con­
teúdo dos direitos fundamentais sociais é uma tarefa da política.247 
Mas isso significaria que, segundo os princípios da separaçãode po­
deres e da democracia, a decisão sobre o conteúdo dos d ireitos funda­
mentais soc iais estaria inserida não na competência dos tribunais, mas 
na do "legislador diretamente legitimado pelo povo'' . 248 249 A partir 
dessa idéia, no âmbito dos dire itos fundamentais sociais os tribunai s 
poderiam decidir somente após o legislador j á haver decidido. 
O argumento baseado na competência ganha um peso especial 
em virtude dos efeitos financeiros dos direitos fundamentais sociais . 
Por causa dos grandes custos finance iros assoc iados à sua realização, 
a existência de direitos fundamentais sociais abrangentes e ex igíveis 
judicialmente conduziria a uma determinação juríd ico-constitucional 
de grande parte da política orçamentária.250 Visto que o Tribunal Cons­
titucional Federal teria que controlar o respeito a essa determinação, 
a política orçamentária ficaria em grande medida nas mãos do tribunal 
constitucional, o que é incompatível com a Constituição. 
Aquele que quiser evitar esse resultado insustentável e, mesmo 
assim, manter-se fiel à idéia de direitos fundamentais sociais tem ape­
nas uma saída, caso queira se manter nos l imites do argumento formal. 
As normas que garantem direitos fundamentais sociais teriam que ser 
compreendidas como normas não-v i nculantes, i sto é, normas não su­
jeitas ao controle do Tribunal Constitucional, ou seja, normas que cor-
247. Cf. Dietrich Wiegand, "Sozialstaatsklausel und soziale Tei lhaberechte", 
DVBl 89 ( 1 974), p. 660. 
248. Cf. a fórmula na decisão sobre ruído de aviões, B Ve1JGE 56. 54 ( 8 1 ). 
249. Cf., por exemplo, Wolfgang Martens, "Grundrechte irn Leistungsstaat", pp. 
35-36; Ernst-Wolfgang Bockenfürde, "Die sozialen Grundrechte im Verfassungsge­
füge", pp. l 1 - 1 2 ; Konrad Hesse, "Bestand und Bedeutung der Grundrechte", p. 434; 
Eberhard Grabitz, Freiheit und Verfassungsrecht, p. 46. 
250. Cf. , por todos, Christian Starck, "Staatliche Organisation und staatliche 
Finanzierung", p. 5 1 8 . 
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 509 
respondam às posições (5) a (8 ) na tabela apresentada anteriormente. 
Mas normas de direitos fundamentais não-vinculantes são inconci l iá­
veis com a cláusula de v inculação do art. 1 u, § 3º, da Constituição.25 1 
Se o argumento formal for procedente, a aceitação de direitos funda­
mentais sociais fracassa frente ao dilema: deslocamento inconstitucio­
nal de competências ou v iolação da cláusula de v incu lação. 
O argumento substancial contra os direitos fundamentais sociais sus­
tenta que eles são incompatíveis - ou, ao menos, colidem - com normas 
constitucionais materiais. Na medida em que essas normas constitucio­
nais materiais garantam direitos de l iberdade, o argumento substancial 
é um argumento vinculado à l iberdade contra os direitos fundamentais 
sociais sustentados em um argumento vinculado à liberdade.252 
A coli são entre d irei tos fundamentais socia i s e direitos ele l iber­
dade é espec ialmente c lara no caso do d ire i to ao trabalho. Em uma 
economia de mercado, o Estado tem controle apenas l imitado sobre 
o objeto desse dire ito.253 Se ele quisesse sati sfazer diretamente um 
direito de cada desempregado a um posto de trabal ho, ele teria que 
ou empregar todos os desempregados nos serviços públ icos existen­
tes, ou restringir ou e l iminar o poder econômico pri vado de dispor 
sobre postos de trabalho. A pri mei ra sol ução, pelo menos como so­
lução geral , está fora de questão, pois conduziria, nas condições 
ex istentes , s implesmente a um desemprego d i sfarçado pelo serv iço 
público. A segunda conduziria ou a uma extensa restrição da compe­
tênc ia dec isória da economia privada, ou a uma e l iminação dessa 
forma de economia. Mas i sso s ignificaria, entre outras coi sas, inter-
25 1 . Cf. Christian Starck, "Die Grundrechtc eles Grundgesetzes", p. 24 1 : Hans 
H. Klein, Die Grundrechre im demokratischen Sraat, pp. 58-59; Albert von Mutius, 
"Grundrechte ais 'Teilhaberechte ' ' " , p. 1 93 . 
252. Sobre a tese de que os di reitos fundamentais soc iais se encontram em 
urna relação ele i ncompat ib i l idade com os dire i tos c lássicos de l iberdade, cf. Hans 
Huber, "Soziale Verfassungsrechte"7", in Ernst Forsthoff (Org. ) , Rechtssraarlichkeit 
und So;:,ia!sraatlichkeir, Dannstadt: Wissenschaftl iche Buchgesel lschaft, 1 968, p. 9; 
Wolfgang Martens. "Grundrechte irn Leistungsstaat". p . 33 : Hans H . Klein, Die 
Grundrechre im demokrarischen Sraar. pp. 64-65 : do mesmo autor. · 'Ein Grundrecht 
auf sauberes Urnwelt?", pp. 657 e s s . ; Ernst Forsthoff, Der Sraar der /11du.11riege­
sellschafi, pp. 73 e 78; Herbert Scharnbeck, Grundrechte und Sozialordnung, Ber­
l in : Duncker & Humblot. 1 969, pp. 1 27- 1 28 . 
253 . Cf. Georg Brunner. Die Proh/emarik der srôalen Gm11drechre. pp. 1 4- 1 5 . 
5 1 0 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTA IS 
venções nos dire i tos fundamentais daqueles que di spõem da pro­
priedade produtiva. 254 
Col isões entre direitos fundamentais sociais de uns com direitos 
de liberdade de outros não surgem somente quando o Estado controla 
apenas indiretamente uma pequena parcela do objeto do d ireito em 
uma economia de mercado, como é o caso do direito ao trabalho. To­
dos os direitos fundamentais sociais são extremamente custosos. Para 
a realização dos direitos fundamentais sociais o Estado pode apenas 
distribu ir aqui lo que recebe de outros, por exemplo na forma de im­
postos e taxas.255 Mas i sso sign ifica que os freqüentemente suscitados 
l imi tes da capacidade de realização do Estado não decorrem apenas 
dos bens distribuíve is existentes, mas sobretudo daquilo que o Estado, 
para fins distributivos, pode tomar dos proprietários desses bens sem 
violar seus direitos fundamentais . 
Com freqüência fala-se não apenas em uma col isão entre dire itos 
fundamentais soc iais de uns e direitos de l iberdade de outros, mas 
também de uma col i são entre direitos fundamentais sociais e direitos 
de l iberdade do mesmo titular de direitos. Nesse sentido, afirma-se 
que um direito ao trabalho implica um dever de trabalhar.256 Embora 
a vinculação entre um direito ao trabalho e um dever de trabalhar seja 
254. Cf. Theoclor Tomandl, Der Einba11 so:ialer Cmndrechte in das positive 
Recht, pp. 30-3 1 : Georg Brunner. Die Proble111atik der so:ialen Crundrechte, pp. 
14 e ss: Christian Starck. '·Sraatliche Organisation une! staatl iche Finanzierung··, p. 
5 1 9; cio mesmo autor, "Die Grunclrechte eles Grunclgesetzes". p. 24 l ; Josef I sensee. 
"Yerfassung ohne soziale Grunclrechte", pp. 379-380; Rupert Scholz, '"Das Recht 
auf Arbeit". in Ernst-Wolfgang Bi:ickenforcle et ai. (Orgs . ) . So�iale Crundrechte. 
Heiclelberg: Mül ler. 1 98 1 , pp. 84-85; Jõrg Lücke. ·'Soziale Grunclrechte ais Staats­
zielbestimmungen une! Gesetzgebungsauftrage". p. 39. Que uma realização plena do 
direito ao trabalho não é possível sem uma intervenção nos direitos fundamentais 
cios proprietários cios meios ele produção é algo que os próprios defensores desse 
direito também reconhecem. Cf. . por exemplo. Wolfgang Daubler. "Recht auf Arbeit 
verfassungswidrig?", in Uclo Achten et ai. (Orgs . ) , Recht au/ Arbeit: eine politische 
Heraus/orderung. Neuwied: Luchterhancl, 1 978, p. 1 7 1 , o qual propõe que essa in­
tervenção seja fundamentada por meio do art. 15 ela Constitu ição. Em geral sobre o 
direito ao trabalho. cf. Hans Ryffel/Johannes Schwartlancler (Orgs.) , Das Recht des 
Menschen aud Arbeir. Kehl et ai. : Engel , 1 983. 
255. Cf. Carl Schmitt, "Nehmen/Teilen/Weiden'', i n Carl Schmitt, Ve1jássungs­
rechtliche Au/ú:itze. p. 503 ; Walter Leisner. '"Der Eigentümer ais Organ der Wirt­
schaftsverfassung", DOV 28 ( 1 975) , p. 74. 
256. Cf. Josef Isensee. ·'Yerfassung ohne soziale Grunclrechte". p. 380. 
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITI VAS 5 1 1 
freqüente,257 ela não é necessária. U m Estado que introduza u m direi­
to ao trabalho pode abdicar de um dever de trabalhar, mesmo que 
esteja interessadoem que o máximo possível de c idadãos trabalhe. O 
interesse em trabalhar, sobretudo o interesse em um salário, pode ser, 
para um número suficiente de cidadãos , um i ncentivo suficiente para 
exercer o direito ao trabalho. No entanto, algo distinto pode ser ver­
dadeiro se o direito ao mín imo existencial já coloca o i nd ivíduo em 
uma situação na qual o exercício do direito do trabalho deixa de ser 
atrativo para ele. 
Por fim, devem ser mencionadas as colisões de direitos funda­
mentais sociais com outros direitos fundamentais sociais, bem como 
as colisões entre direitos fundamentais socia is e interesses coletivos. 
Um exemplo das primeiras é a colisão entre um direito ao trabalho e 
um direito ao meio ambiente. Já as colisões entre direitos fundamen­
tais sociais e interesses coletivos, como, por exemplo a defesa nacio­
nal, decorrem do fato de que a real ização de ambos exige uma parte 
considerável do orçamento, ou seja, decorrem do já mencionado efei­
to financeiro dos direitos fundamentais sociais . 
3. Um modelo de direitos fundamentais sociais 
Considerados os argumentos contrários e favoráveis aos dire i­
tos fundamentai s soc iai s , fica c laro que ambos os lados d ispõem de 
argumentos de peso. A solução cons i s te em um modelo que leve em 
cons ideração tanto os argumentos a favor quantos os argumentos con­
trários. Esse modelo é a expressão da idéia-guia formal apresentada 
anteriormente,258 segundo a qual os direitos fundamentais da Consti­
tuição alemã são posições que, do ponto de v ista do direito constitu­
c ional, são tão importantes que a deci são sobre garanti-las ou não 
garanti-las não pode ser s implesmente deixada para a maioria parla­
mentar s imples. Em relação ao problema que aqui se anal isa, isso 
significa que a todos são conferidas posições no âmbito dos direitos a 
prestações , na forma de d ireitos fundamentais sociais, que, do ponto 
de v ista do direito constitucional , são tão importantes que a deci são 
257. Cf., por exemplo, art. 24 da Constituição da República Democrática da 
Alemanha, de 1 968. 
258. Cf. , neste capítulo, 1 .5 . 
5 1 2 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
sobre garanti-las ou não garanti-las não pode ser s implesmente deixa­
da para a maioria parlamentar simples. 
De acordo com essa fórmula, a questão acerca de quais direitos 
fundamentais sociais o indivíduo definitivamente tem é uma questão 
de sopesamento entre princípios. De um lado está, sobretudo, o princí­
pio da l iberdade fática.259 Do outro lado estão os princípios formais da 
competência decisória do legislador democraticamente legitimado e o 
princípio da separação de poderes, além de princípios materiais, que 
dizem respeito sobretudo à liberdade jurídica de terceiros, mas também 
a outros direitos fundamentais sociais e a interesses coletivos. 
O modelo não determina quais direitos fundamentais sociais de­
fin it ivos o indivíduo tem. Mas ele diz que ele pode ter alguns e o que 
é relevante para sua existência e seu conteúdo. A resposta detalhada 
a essa questão é tarefa da dogmática de cada um dos direitos funda­
mentais sociais. Mesmo assim, é possível dar, aqui, uma resposta geral. 
Uma posição no âmbito dos direitos a prestações tem que ser v ista 
como definit ivamente garantida se ( 1 ) o princípio da l iberdade tática 
a exigir de forma premente e se (2) o princípio da separação de pode­
res e o princípio democrático (que inclui a competência orçamentária 
do parlamento) bem como (3) os princípios materiais colidentes (es­
pecialmente aqueles que dizem respeito à liberdade jurídica de outrem) 
forem afetados em uma medida relativamente pequena pela garantia 
constitucional da posição prestacional e pelas decisões do tribunal cons­
tituc ional que a levarem em consideração. Essas condições são neces­
sariamente satisfeitas no caso dos direitos fundamentais sociais míni­
mos, ou seja, por exemplo, pelos direitos a um míni mo existenci al , a 
uma moradia s imples, à educação fundamental e média, à educação 
profissionalizante e a um patamar mínimo de assistência médica. A 
seguir serão analisadas algumas objeções ao modelo aqui defendido. 
Mesmo os direitos fundamentais sociais mínimos têm, especial ­
mente quando são muitos que deles necessitam, enormes efeitos finan­
ceiros. Mas isso, isoladamente considerado, não justifica uma conclusão 
contrária à sua existência. A força do princípio da competência orça­
mentária do legislador não é i l imitada. Ele não é um princípio absolu-
259. Se também o princípio da igualdade fát ica exigir um direito a prestações 
(cf. Capítulo 8. YI.3) , então. há uma dupla fundamentação. 
DIREITOS A AÇÕES ESTATAI S POSITIVAS 5 1 3 
to.260 Direitos individuais podem ter peso maior que razões político­
financeiras. Nesse sentido, na decisão sobre o auxílio-moradia para os 
beneficiários da assistência social o Tribunal Constitucional Federal 
ampl iou - com impacto financeiro - o círculo daqueles que teriam 
direito a essa prestação, com o objetivo de el iminar um tratamento 
des igual;261 e em uma decisão sobre a duração da prisão preventiva o 
tribunal obrigou o Estado a criar os meios necessários para evitar uma 
prisão preventiva desproporcionalmente longa.262 Todos os direitos 
fundamentais da Constituição alemã restringem a competência do le­
gis lador,263 e muitas vezes eles o fazem de forma incômoda para o 
próprio legislador; às vezes até mesmo sua competência orçamentária 
é atingida pelos direitos fundamentais , como direitos com claros efei­
tos financeiros. 
A extensão do exercício dos direitos fundamentais sociais aumen­
ta em crises econômicas. Mas é exatamente nesses momentos que po­
de haver pouco a ser distribuído. Parece plausível a objeção de que a 
ex istência de direitos fundamentais sociais defin it ivos - ainda que mí­
nimos - tornaria impossível a necessária flexibi l idade em tempos de 
crise e poderia transformar uma crise econômica em uma crise cons­
titucional. 264 Contra essa objeção é necessário observar, em primeiro 
lugar, que nem tudo aqui lo que em um determinado momento é con­
siderado como direitos sociais é exigível pelos direitos fundamentais 
sociais mín imos; em segundo lugar, que, de acordo com o modelo aqui 
proposto, os necessários sopesamentos podem conduzir, em circuns­
tâncias distintas, a direitos defin it ivos distintos; e, em terceiro lugar, 
que é exatamente nos tempos de crise que a proteção constitucional, 
ainda que mínima, de posições sociais parece ser imprescindível . 
Também contra o modelo aqu i proposto pode ser levantada a 
objeção de uma justiciabi lidade deficiente. Essa objeção deve ser re-
260. Sobre esse conceito, cf. Capítulo 3, 1 .7 .2 . 
26 1 . BVerfGE 27. 220 (228 e ss. ) . 
262. BVerfGE 36, 264 (275 ) . Cf. também Jürgen Schwabe, Prob/eme der 
Grundrechtsdogmmik, p. 266. Um exemplo de uma decisão, no âmbito dos direitos 
clássicos de defesa, com claros efeitos financeiros no campo das receitas é aquele 
oferecido pela decisão do Tribunal Constitucional Federal sobre empréstimo compul­
sório. Cf. BVe1jGE 67, 256 (274 e ss. ) . 
263. Cf. Capítulo 4, II .3 .6 .2 . 
264. Cf. Josef Isensee, "Verfassung ohne soziale Grundrechte", pp. 38 1 -382. 
5 1 4 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
jeitada com base na constatação de que os problemas de justiciabil i­
dade que surjam no âmbito desse modelo não se distinguem, em sua 
essência, daqueles que existem no caso dos direitos fundamentais tra­
dicionais .265 Não raro os problemas do sopesamento no âmbito dos 
direitos de l iberdade são bastante complexos e sua solução pode ter 
grandes conseqüências para a v ida social . Em geral , pode-se dizer: a 
existência de um direi to não pode depender exclusivamente de sua 
justic iabi l idade, não importa como ela seja definida; pelo contrário, se 
um direito existe, ele é justiciável. O fato de os direitos fundamentais 
sociais dependerem de uma configuração infraconstitucional não é uma 
objeção decisiva, pois também competências eprocedimentos depen­
dem desse tipo de regulação. O mesmo vale para outros tipos de di­
reitos fundamentais . Razões processuais também não são capazes de 
sustentar a tese da não-justiciabilidade. Como demonstra a jurispru­
dência do Tribunal Constitucional Federal, um tribunal constitucional 
não é, de modo algum, impotente em face de um legislador omisso.266 
O espectro de suas possibil idades processuais-constitucionais vai des­
de a simples constatação de uma inconstitucionalidade,267 passando pe­
lo estabelecimento de um prazo dentro do qual deve ocorrer uma legis­
lação compatível com a Constituição,268 até a determinação judicial 
direta daquilo que é obrigatório em virtude da Constituição.269·27º 
O modelo apresentado é um modelo baseado no sopesamento. É 
característico de todos os modelos baseados no sopesamento que aqui­
lo que é devido prima facie seja mais amplo que aquilo que é devido 
defin i ti vamente. Alguém poderia sustentar que essa construção é i na-
265. Cf. Friedrich Klein, "Vorbemerkung", in Hermann v. Mangoldt/Friedrich 
Klein, Das Bonner Grundgese1�. 1 , A IV 3; Peter Saladin, "Die Funktion der Grund­
rechte in einer revidierten Verfassung", p. 553; Luzius Wildhaber, "Soziale Grund­
rechte", p . 384; Heinhard Steiger, Mensch und Umwelt, pp. 40 e ss . ; Dieter Lorenz, 
'·Bundesverfassungsgericht und soziale Grundrechte", 181 1 03 ( 1 98 1 ) , p. 2 1 . 
266. Cf. Walter Schmidt. "Soziale Grundrechte i m Verfassungsrecht der Bun­
desrepublik Deutschland'', p. 29; Ernst Friesenhahn, "Der Wandel des Grundrechts­
verstandnisses", p. G 1 6. 
267. Cf. BVerjGE 39, 3 1 6 (333) . Sobre a idéia de "subjetivização da constata­
ção", cf. Friedrich Mül ler/Bodo Pieroth/Lothar Fohmann, Leistungsrechte im Norm­
bereich einer Freiheitsgarantie, Berlin: Duncker & Humblot, 1 982, pp. 1 65 e ss. 
268. Cf., por exemplo, BVerjGE 33, 1 ( 1 3) . 
269. Cf. BVerfGE 3 , 225 (237 e ss.) ; 43, 1 54 ( 1 69- 1 70). 
270. Cf. , a esse respeito, forn Ipsen, Rechtsfolgen der Verfassungswidrigkeit 
von Norm und Einzelakt, Baden-Baden: Nomos, 1 980, pp. 1 32 e ss. 
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 5 1 5 
ceitável quando se trata de direitos sociais . Ela conduziria , em primei­
ro lugar, a i lusões e, depois , a frustrações .27 1 Já se refutou anteriormen­
te o argumento baseado na objeção geral à idéia de normas de direitos 
fundamentais que in ic ia lmente protegem algo primafacie que depois , 
por meio de restrições, é excluído da proteção."72 A jurisprudência do 
Tribunal Constitucional Federal sobre o problema do numerus clausus 
é instrut iva para demonstrar que a refutação desse argumento geral 
deve ser estendida também para os direitos fundamentais sociai s . O 
tribunal parte de um direito subjetivo prima facie e vinculante, de 
todo cidadão que tenha concluído o ensino méd io, a ser admitido no 
curso univers i tário de sua escolha. O caráter prima facie desse direito 
é expressado de forma prec isa quando o tribunal afirma que o direito 
é conferido ao seu titular como um direito "em s i"273 e que ele é res­
tringíve l . 274 Fica claro que o direito, enquanto direito primafacie, é um 
dire i to vinculante, e não um simples enunciado programático, quando 
o tribunal afirma que o direito, "em sua val idade normativa, não [po­
de] depender de um menor ou maior grau de possibil idades de real i­
zação" .275 Mas a natureza de dire ito prima facie vinculante implica 
que a c láusu la de restrição desse d ireito - a "reserva do possível, no 
sentido daqui lo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da soc ie­
dade"276 - não pode levar a um esvaziamento do direito. Essa cláusu­
la expressa simplesmente a necessidade de sopesamento desse dire ito. 
No que diz respeito à s imi laridade de todos os direi tos fundamentais 
nesse ponto, é de grande interesse s istemático quando o Tribunal 
Constitucional Federal, na primeira deci são numerus clausus, estende 
aos direitos a prestações então envolvidos a fórmula da "tensão indi­
víduo/comunidade'' , desenvolvida no contexto da l iberdade geral de 
ação.277 Embora o sopesamento não tenha levado, na deci são numerus 
clausus, a um direito defini tivo de todos à admissão no curso univer­
s itário de sua escolha, ao menos levou a um direito defin it ivo a um 
27 1 . Cf. Josef lsensee, "Verfassung ohne soziale Grundrechte", pp. 382-383 : 
Hans H. Rupp. "Yom Wandel der Grundrechte", p. 1 77 . 
272. Cf. Capítulo 6 , II .2 .2. 
273. BVerfCE 43, 29 1 (3 1 5) . 
274. Idem. 
275. Idem. 
276. BVerjGE 43, 29 1 (3 1 4) : 33. 303 (333) 
277. BVerfGE 33 , 303 (334). 
5 1 6 TEOR IA DOS DIREITOS FUNDAM ENTAIS 
procedi mento de seleção que dê chances sufic ientes a todos,m o que 
aponta para a conexão entre os direitos fundamentais sociais e os 
direitos a procedimentos, anal isados anteriormente. Mas, para poder 
mensurar a regulamentação do procedimento com base no direito 
fundamental, é i mprescindível que se parta de um direito primafacie 
v inculante. 
A estrutura argumentativa implicada pelos direitos prima facie é 
rac ional, porque levar a cabo a fundamentação jurídica como um jogo 
de razões e contra-razões é algo racional . Nesse jogo, as razões de 
ambos os lados têm, i soladamente consideradas, algo de excedente. 
Embora nunca seja possível exclu ir a possibi l idade de que alguém 
aceite apenas as razões de um dos lados e, por i sso, chegue a resulta­
dos excessivos, isso não é algo possível apenas no caso dos direitos 
fundamentais sociais , mas também no dos direitos tradicionais de l i ­
berdade. Aquele que aceita apenas o princípio da l iberdade juríd ica 
também chega a resultados excessivos, da mesma forma que aquele 
para o qual existe apenas o princípio da liberdade fática. A constata­
ção de que é possível retirar partes de uma estrutura racional de fun­
damentação para usá-las de forma não-racional não é um motivo para 
que se renuncie a ela em favor de uma estrutura menos racional de 
fundamentação. Aquele que não se deixa convencer, após o necessário 
jogo de razões e contra-razões cio modelo aqui proposto, de que um 
direito fundamental não é definitivamente protegido dific i lmente se 
deixará convencer por alegações como aquelas que sustentam que 
aqui lo que ele pretendia ver defin itivamente protegido pelo direito 
fundamental não o era "desde o iníc io". Portanto, uma renúncia à es­
trutura de fundamentação requerida pela teoria dos princípios também 
não pode ser justificada com o recurso a argumentos pedagógico­
constitucionais, cuja aceitação seria, de qualquer forma, extremamen­
te questionável do ponto de v ista de uma teoria c ientífica. 
Por fim, alguém poderia sustentar que o modelo apresentado re­
prime, de forma inaceitável , o objetivo em favor do subjetivo. Essa 
objeção poderia basear-se na tese de Haberle a respeito cio caráter 
excedente das normas objetivas relevantes no âmbito do direito cons­
titucional : "Assim, no Estado prestac ional, o direito objetivo relevan­
te para os direitos fundamentais ' u ltrapassa' o direito (fundamental) 
278. Cf. BVerfGE 43, 29 1 (3 1 6 e ss.) . 
DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 5 1 7 
subjetivo. Há tarefas constitucionais ( ' princíp ios ' ) 'úteis aos dire i tos 
fundamentais ' , às quais (ainda) não corresponde qualquer direito sub­
jetivo".279 Com i sso, Haberle expressa, de forma concisa, o que mu itos 
querem d izer quando classificam o problema dos dire itos fundamen­
tais sociais primariamente como um problema de meros deveres obje­
t ivos do Estado. 280 Aqui basta mencionar Hesse, que fala de uma 
obrigação positiva do Estado de "fazer de tudo para realizar os direi­
tos fundamentais , mesmo que não haja para tanto um direito subjetivo 
do cidadão". Dessa maneira, o legis lador receberia, "dos dire itos fun­
damentais , 'diretrizes e impulsos"' . Contudo, disso não seria possível 
conclu ir, em geral, "uma obrigação concreta dos órgãos estatais para 
tomar determinadas medidas", o que significa que o controlejudicial 
encontraria aí os seus l i mites.28 1 
No entanto, o modelo aqu i proposto não é atingido pela crítica da 
não-consideração da importância da faceta objetiva. Ao contrário, ele 
oferece uma base para uma exata compreensão do conteúdo correto da 
tese do excedente do lado objetivo. A chave é a teoria dos princípios. 
De acordo com o modelo proposto, o indivíduo tem um direito 
defi nit ivo à prestação quando o princípio da l iberdade fática tem um 
peso maior que os princípios formais e materiais colidentes, cons ide­
rados em conjunto. Esse é o caso dos direitos mínimos. É possivel­
mente a esse t ipo de direitos míni mos que se quer fazer referência 
quando direitos subjetivos públicos e judicialmente exigíveis a pres­
tações são contrapostos ao conteúdo objeti vo excedente. Em face de 
direitos definitivos que sejam o resultado de um sopesamento, os di­
reitos prima facie correspondentes aos princíp ios - o direito "em si" 
à admissão em curso superior é um exemplo282 - têm sempre algo ele 
excedente. O conceito de excedente não está, portanto, v inculado à 
dicotomia subjetivo/objetivo. 
279. Peter Haberle, "Grundrechte irn Leistungsstaat", p. 108. 
280. Cf., por exemplo, Hans H. Rupp, "Yom Wandel der Grnndrechte'', p. 1 77 : 
Walter Krebs, Vorbehalt des Geset�es und Grundrechte, pp. 1 1 2 e ss. : Ernst-Wolfgang 
Bõckenfürde, "Die sozialen Grundrechte irn Ve1i'assungsgefüge", pp. 1 2 e ss . ; Peter 
Badura. "Das Prinzip der sozialen Grundrechte", pp. 27 e ss. ; Ulrich Scheuner, ' "Die 
Funktion der Grundrechte im Sozialstaat", p. 5 1 3 ; Jõrg Paul Mül lcr, Su�iale Grnnd­
rechte in der Ve1fassung ?, pp. 1 92 e 239 e ss. 
28 1 . Konrad Hesse, "Grundrechte: Bestand und Bedeutung". pp. 95-96. 
282. 8Ve1JGE 43, 29 1 ( 3 1 5 ) . 
5 1 8 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 
Avançar do modelo em direção a um nível objetivo é possível, 
porque a direitos prima facie correspondem deveres prima facie. Es­
ses deveres são deveres estatais primafacie de zelar para que às l iber­
dades jurídicas dos titulares de direitos fundamentais correspondam 
l iberdades fáticas. Mas o plano objetivo que surge dessa forma não é 
um plano meramente objetivo, mas um plano também objetivo. 
Os deveres estatais prima .facie têm, em face dos deveres estatais 
defin i t ivos, um conteúdo claramente excedente. Isso não significa, 
contudo, que eles não sejam v inculantes. Seria um equívoco conside­
rar os deveres prima facie, na parte em que a eles não correspondam 
deveres definit ivos, ou seja, no âmbito excedente, como juridicamen­
te não-vinculantes ou meros enunciados programáticos. A exi stência 
de uma diferença fundamental entre deveres primafacie e deveres ju­
rídicos não-vinculantes é perceptível no fato de que deveres prima 
facie têm que ser considerados no sopesamento, enquanto isso não 
ocorre no caso dos deveres jurídicos não-v i nculantes. Para a não-sa­
tisfação de um dever prima facie é necessário que haja, do ponto de 
vista jurídico, razões aceitáve is ; para a não-satisfação de um dever 
jurídico não vinculante, não. Caso não ex istam razões aceitáveis para 
sua não-satisfação, um dever prima facie pode levar a um dever defi­
nit ivo; um dever não-vinculante nunca poderia fazê-lo. 
Assim, por mais que Haberle tenha razão quando rejeita a "alter­
nativa ou direito subjetivo ou enunciado programático" - a tabela apre­
sentada anteriormente demonstra que essa alternativa é insuficiente283 
-, ele se equivoca quando se volta contra a " identificação entre v incu­
lação jurídica e controle judicial" .284 Sob a Constitu ição alemã, v in­
culação j urídica implica controle judicial . Para que a observação de 
Haberle fosse correta, teria ela que ser compreendida como uma refe­
rência às pecul iaridades de um controle judicial da sati sfação de de­
veres estatai s prima facie objetivos. Essas pecul iaridades são de dois 
tipos. Em primeiro lugar, não pode ser objeto do controle saber se foi 
satisfeito tudo aqui lo que o dever primafacie exige, mas tão-somente 
se foi satisfeito aqui lo que lhe resta, como dever defin i t ivo, em face de 
deveres primafacie col identes. Em segundo lugar, no caso dos princí­
pios colidentes , desempenham um papel decis ivo não apenas os prin-
283. Cf., neste capítulo, IV. 1 . 
284. Peter Haberle, "Grundrechte i m Leistungsstaat", pp. 1 07- 1 08. 
DI REITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITI VAS 5 1 9 
cípios materiais, mas também o s formais , sobretudo o princípio da 
competência do legi s lador democraticamente legitimado. Mas nenhu­
ma dessas pecu l iaridades altera a possibi lidade de que seja objeto do 
controle pelo tribunal constitucional aval iar se, à luz dos princípios 
colidentes, o dever prima facie foi sati sfeito em grau suficiente. 
A competência do tribunal termina nos l imites do definit ivamente 
dev ido. Mas os princípios contêm exigências normativas endereçadas 
ao legislador mesmo além desses l imites. Um legislador que satisfaça 
princípios de direitos fundamentais além do âmbito do definit ivamente 
devido satisfaz normas de direitos fundamentais mesmo se não está 
defi nitivamente obrigado a fazê-lo, e, por isso, não pode ser obrigado 
a tanto por um tribunal constituc ional .

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