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DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 499 berdade de associação. Eles abrem, de um lado, a possibil idade de uma participação no processo de formação da vontade legislativamente re levante e, de outro lado, enquanto direitos fundamentai s, impõem res trições à competência do legis lador. Na medida em que possam ser exercidos para finalidades outras que não a participação no processo de formação da vontade legislativamente relevante , os dire itos funda mentais dizem respeito somente a esse último aspecto. Isso já demons tra que direitos fundamentais, quando garantem o procedimento demo crático, expressam uma confiança em sua racional idade; mas também que essa confiança não é i l imi tada. Nesse sentido, há tanto u ma cone xão intrínseca quanto u ma relação de tensão entre os direitos funda mentais e o princípio democrático. IV - DIREITOS A PRESTAÇÃO EM SENTIDO ESTRITO (DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS) 1 . Conceito e estrutura Direitos a prestação em sentido estrito são direitos do indivíduo, em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de meios financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no merca do, poderia também obter de particulares. Quando se fala em direitos fundamentais sociais, como, por exemplo, direitos à assistência à saú de, ao trabalho, à moradia e à educação, quer-se primariamente fazer menção a direitos a prestação em sentido estrito. É necessário diferenciar entre direitos a prestações previstos de forma expressa, como aqueles encontrados em uma série de Consti tu ições estaduais, e direitos a prestação atribuídos por meio de inter pretação. Às vezes a expressão "dire itos fundamentais sociais" é re servada para os primeiros, enquanto os últimos são denominados como "direitos fundamentais a prestações"2º7 ou " interpretações sociais dos direitos de l iberdade e igualdade".208 A diferença entre os direitos a prestações expressamente garantidos e aqueles atribuídos por meio de 207. Jõrg Lücke, ·'Soziale Grundrechte ais Staatszielbestimmungen und Gesetz gebungsauftrage", AôR l 07 ( 1 982 ) , p. 3 1 . 208. Wolfgang Martens. "Grundrechte im Leistungsstaat'', VVDStRL 30 ( 1 972), p. 1 2 . soo TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS i nterpretação é, sem dúvida, importante. Já, no que diz respeito a seu conteúdo,209 sua estrutura2 1º e seus problemas,2 1 1 há uma ampla coin c idênci a entre ambas as categorias. Isso justifica designar todos os direitos a prestações em sentido estrito como "dire itos fundamentais sociais" e, no interior da c lasse dos dire itos fundamentais sociais , di ferenciar entre aqueles expressamente garantidos e aqueles atribuídos por meio de i nterpretação. 2 1 2 J á se demonstrou que a Constituição alemã, com pouquíssimas exceções, não contém direitos fundamentais soc iais formulados de ma neira expressa; mesmo assim discute-se, com grande empenho e vee mência,2 1 3 se, e em caso afirmativo, quais direitos fundamentais sociais são por ela garantidos.2 14 Essa polêmica, suficientemente alimentada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, é uma polêmica sobre a obrigação ou vedação de se atribuir2 1 5 aos dispositivos de direi tos fundamentais normas que garantam direitos fundamentais sociais . Saber se uma tal atribuição é obrigatória do ponto de v ista do direito constitucional ou se é, do mesmo ponto de vista, vedada, depende de se saber se as melhores razões jurídico-constitucionais mil i tam a favor da obrigatoriedade ou da vedação. A qualidade das razões só pode ser de terminada quando se sabe para quê elas são razões. Por i sso, é necessá rio, em primeiro lugar, analisar os candidatos a essa atribuição. As normas a serem atribuídas aos disposit ivos de direitos funda mentais sob a rubrica "direitos fundamentais soc iais" são de tipos os mais distintos. A partir de pontos de vista teórico-estruturais, elas po dem ser diferenciadas com base em três critérios. Em primeiro lugar, pode-se tratar de normas que garantam dire itos subjetivos ou normas que apenas obriguem o Estado de forma objetiva. Em segundo lugar, elas podem ser normas vinculantes ou não-vinculantes - neste último 209. Idem. p. 30. 2 1 O. Ernst-Wolfgang Bóckenfórde. "Die sozialen Grunclrechte irn Verfassungs gefüge". in Ernst-Wolfgang Bóckenforde et ai. (Orgs . ) . So:ia/e Grundrechte, Hei l delberg: Mül ler, 1 98 1 , p. 1 2. 2 1 1 . Jórg Paul Mül ler, Soziale Grundrechte in der Verj'assung?, 2il ecl . , Base ! : Helbing & Lichtenhahn. 1 98 1 , p . 1 66. 2 1 2 . Cf. Josef l sensee, ;.Verfassung ohne soziale Grunclrechte", p. 373. 2 1 3 . Cf. a bibl iografia em Karl Hernekamp (Org . ) . So�.iale Grundrechte. Berl in : de Gruyter, 1 979, pp . 235 e ss. 2 14. Cf. , neste capítulo, 1 . 3 . 2 1 5 . Sobre o conceito de atribuição, cf. Capítulo 2 , 1 1 .2 . DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 50 1 sentido seriam elas enunciados programáticos. Uma norma deve ser considerada como "vinculante" se for possível uma análise de sua v iolação por meio do Tribunal Constitucional Federal . As normas podem, por fim, fundamentar direitos e deveres definitivos ou prima facie, isto é, regras ou princípios. Se se combinam esses critérios, obtêm-se oito normas de estrutura bastante diversa, que podem ser representadas da seguinte forma: v i nculante não-v inculante subjetivo objetivo subjetivo objetivo def. p . f. def. p .f. def. p .f. def. p .f. 1 2 3 4 5 6 7 8 A proteção mais intensa é garantida pelas normas v inculantes que outorgam direitos subjetivos defin it ivos a prestações ( 1 ) ; a proteção mais fraca, pelas normas não-v inculantes que fundamentam apenas um dever estatal objetivo prima facie à real ização de prestações (8 ) . As diversas teses teórico-normativas que são sustentadas no âmbito elos direitos fundamentais sociais devem ser compreendidas à luz da tabela acima. Quatro exemplos: de acordo com Hesse, ela "compreen são dos direitos fundamentais como normas objeti vas supremas" re sulta "para o legislador ( . . . ) uma obrigação (posi ti va) ele fazer de tudo para realizar os direitos fundamentais, mesmo que não haja para tanto um d ireito subjetivo elo ciclaclão".2 1 6 Com isso, quer-se fazer referência a obrigações objeti vas primafacie v inculantes (4). von Mutius classi fica o "direito de participação" originário, suscitado na primeira deci são numerus c/ausus, como "pretensões constitucionais a prestações'', que devem ser compreendidas como leges imperfecta, como "meros enunciados programáticos".2 1 7 Isso pode ser interpretado no sentido 2 1 6 . Konrad Hesse. ··Grundrechte: Bestand und Bedeutung .. , in Ernst Benda et ai. (Orgs. ) , Handhuch des Ve1fassu11gsrechts, Berl in : de Gruyter, 1 983, p. 95. 2 1 7 . Albert v. Mutius, "Grundrechte ais 'Te i lhaberechte ' - zu den verfassungs rechtlichen Aspekten des numerus clausus", VerwArch 64 ( 1 973) , p. 1 93. 502 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS de um direito subjetivo defi n it ivo não-vinculante (5) . 2 1 8 O Tribunal Constituc ional Federal fala de um "direito a ser admitido no curso universitário de sua escolha'' , que, embora conferido, em princípio, ao c idadão que tenha concluído o ensino médio, está sob a "reserva do possível" .2 1 9 Como será ainda analisado em detalhes, esse direito deve ser v isto como um direito subjetivo prima facie vinculante (2). Por fim, um direito subjetivo definit ivo v inculante ( 1 ) é o direito a um mínimo existencial .220 Às diferenças estruturais somam-se diferenças substanciais. Espe cialmente importante é a diferença entre um conteúdo minimalista e um maximalista.22 1 O programa minimalista tem como objetivo garan tir "ao indivíduo o domínio de uma espaço v ital e de um status soci al mínimos",222 ou seja, aquilo que é chamado de "direitos mín imos" e " 'pequenos ' direitos sociais".223 Já um conteúdo maximalista pode ser percebido quando se fala de uma "realização completa" dos direitosfundamentais,224 ou quando se caracteriza o direito à educação como "pretensão a uma emancipação i ntelectual e cultural voltada à indivi dualidade, à autonomia e à plena capacidade pol ítico-social".225 A diversidade acima esboçada dá ensejo à supos ição de que o problema dos direitos fundamentais soc iais não pode ser resumido a uma questão de tudo-ou-nada. Parece inevitável que diferenciações 2 1 8 . Já os "'enunciados programáticos vinculantes"", suscitados por Krebs, pode riam ser vistos como normas que fundamentam deveres objetivos prima facie vincu lantes. Cf. Walter Krebs. Vorhehalt des Geser:es und Grundrechte. Berl in : Duncker & Humblot. 1 975. p. 92. 2 1 9 . BVerfGE 43, 29 1 ( 3 1 4-3 1 5 ) 220. Sobre isso, cf., neste capítulo, 1 . 2 . 22 1 . Sobre essa d isti nção, cf. , com diversas referências adicionais, Rüdiger Breuer, "Grundrechte ais Anspruchsnormen", p. 95. 222. Luzius Wildhaber, "Soziale Grundrechte", p. 385. 223. Jõrg Paul Mül ler, Soziale Grundrechte in der Ve1jússung:'. p. 1 83 ; cf. também Jõrg Lücke. "Soziale Grundrechte ais Staatszielbestimmungen und Gesetz gebungsauftriige'", p. 1 8 . 224. Karl H. Friauf. ""Zur Rol le der Grundrechte im I nterventions- und Lei stungsstaat"'. DVBI 86 ( 1 97 1 ) , p. 676; Walter Krebs, Vorbeha/t des Geset;,es und Grundrechte. p. 1 22 . 225. Lutz R. Reuter, "Soziales Grundrechte auf B i ldung?", DVB! 89 ( 1 974), p. 1 2 ; cf. também K laus Grimmer, Demokratie und Grundrechte, p. 259; Klaus-Dieter Heymann/Ekkehart Ste in , "Das Recht auf B ildung", AüR 97 ( 1 972) , pp. 1 89 e ss. DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 503 sejam feitas. 226 A partir desse pano de fundo, é necessária uma breve análise dos argumentos favoráveis e contrários aos "direitos funda mentais sociais". A expressão "dire itos fundamentais sociais" será uti l izada como um supraconceito para as normas dos tipos ( 1 ) a (8) . O objetivo é o desenvolvimento de uma proposta, baseada na teoria dos princípios227 e na i déia guia de caráter formal apresentada ante riormente,228 que leve em consideração tanto os argumentos favorá veis quanto os contrários. 2. Sobre os argumentos contrários e favoráveis aos direitos fundamentais sociais O principal argumento a favor dos direitos fundamentais sociais é um argumento baseado na liberdade. Seu ponto de partida são duas teses. A primeira sustenta que a l iberdade jurídica, isto é, a permissão jurídica de se fazer ou deixar de fazer algo, não tem valor sem uma li berdade fática (real) , isto é, a possibil idade fática de escolher entre as alternativas permitidas.229 A formulação dessa tese é bastante geral. Mas ela é ao menos necessariamente correta se interpretada de forma a que l iberdade jurídica de a de real izar, ou não, a ação h não deixa de ter valor - no sentido de ser inútil - para a se a, por razões fáticas, não tem a possibil idade de escolher entre a realização e a não-realização de h.230 226. Sobre a necessidade de diferenciações. cf. Dieter Lonrenz. "Bundesver fassungsgericht und soziale Grundrechte", JBI 1 98 1 , pp. 1 9-20; Walter Schmidt, "Soziale Grundrechte im Verfassungsrecht der Bunclesrepubl ik Deutschland", p. 22; Rücliger B reuer, "Grundrechte ais Anspruchsnormen", p. 93. 227. Cf. Capítulo 3, 1 . 2 . 228. Cf., neste capítulo, I . 5 . 229. Sobre os conceitos ele l i berdade jurídica e l iberdade fática, cf. Capítulo 4, 1 1 .2.2. 230. As reflexões a segui r demonstram a necessidade de inúmeras diferencia ções na tese geral segundo a qual a l iberdade jurídica não teria valor sem uma l iber dade fática. ( 1 ) O fato de todos terem a l iberdade jurídica ele escolher entre h e ..,17 pode ter valor para a, ainda que ele próprio não tenha a possibi l idade fática de realizar essa escolha, pois a se benefic ia do fato de que os outros têm essa possibil idade de escolha; (2) Uma l iberdade jurídica de a pode ter valor para ele, mesmo que a não tenha, no presente, a poss ib i lidade fática de exercer essa l iberdade, porque ele tem a chance de poder exercê-la no futuro: (3) a pode considerar corno valiosa sua l iberda de jurídica de escolher entre h e -,fi ainda que essa l iberdade seja inút i l para ele. em razão de uma ausência de l iberdade fática. Ele considera, então, a l iberdade jurídica 504 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS É a essa constatação que Lorenz von Ste in faz referência quando afir ma: "A l iberdade é real apenas para aquele que tem as condições para exercê-la, os bens materiais e intelectuais que são pressupostos da autodeterminação",23 1 ou quando o Tribunal Consti tucional Federal decide que "o d irei to de l iberdade não teria valor sem os pressupostos fáti cos para o seu exercício".232 A segunda tese defende que, sob as condições da moderna socie dade i ndustrial , a l iberdade fática de um grande número de titulares de dire itos fundamentais não encontra seu substrato material em um "es paço v ital por eles controlado";233 ela depende sobretudo de ativ idades estatais. 234 Com algumas qualificações adic ionais,235 é possível con cordar também com essa tese. como um fim em si mesmo; (4) A necessidade de inúmeras diferenciações adicionais decorre do fato de as l iberdades fáticas freqüentemente não serem uma questão de tudo-ou-nada, mas uma questão de grau. Assim, supondo leve uma vida normal, é possível que para a a l iberdade jurídica de escolher entre h e •h seja i núti l mas que ele, caso abra mão de muito daqui lo que é considerado como parte de uma vida nor mal, tenha a possibil idade fática dessa escolha. 23 1 . Lorenz von Stein, Geschichte der so�ialen Bewegung in Frankreich von 1 789 bis au/unsere Tage, v. 3 (Ausg. Salomon), München : Orei Masken, 1 92 1 ( nova edição, Darmstadt, 1 959), p. 1 04. 232. BVer/GE 33, 303 (33 1 ). 233. Ernst Forsthoff, Verfassungsprobleme des Sozialstaats, Münster: Aschen dorff, 1 954, p. 6. 234. Cf., por todos, Ernst-Wolfgang Bóckenfórde, Sraat, Gese/lschaft, Freiheit, Frankfu11 am Main: S uhrkamp, 1 976, pp. 76-77 ; do mesmo autor, "Die sozialen Grundrechte im Verfassungsgefüge", pp. 8-9; Ulrich Scheuner. "Die Funktion der Grundrechte im Sozialstaat", DÔV 24 ( 1 97 1 ) , p. 5 1 1 . 235. Importante é o alerta de Schwabe (Jürgen Schwabe, Probleme der Grun drechrsdogmatik, pp. 257 e ss.) , segundo o qual, embora seja possível constatar uma perda de "espaço vital controlado", se se compara o tipo ideal do burguês do século XIX com o c idadão médio atual, a tese baseada nessa perda suscita algumas dificul dades se se compara o cidadão médio dos séculos XIX e XX. Isso certamente justifi ca uma objeção contra fundamentar a necessidade de direitos fundamentais sociais a partir de uma mudança na si tuação de vida do c idadão médio cio século XX em com paração com a do c idadão médio do século XIX, mas não justifica uma objeção contra fundamentar essa necessidade com base na si tuação do indivíduo na sociedade i ndustrial . E é preciso ir ainda além. Também nas sociedades não industrial izadas é possível que o "espaço v i tal controlado" de inúmeros cidadão seja tão pequeno que dê ensejo à proposta de se garantir sua situação por meio de direitos fundamentais sociais. Mas isso não é contrário à constatação de que nas sociedades industriais são necessárias ações estatais para impedir uma desvinculação muito ampla entre a l iber dade jurídica garantida e a l iberdade fática de mu itos. DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 505 Mas essas teses não podem ser mais que apenas u m ponto de par tida de um argumento a favor dos direitos fundamentais sociais. Isso é faci lmente perceptível a partir da constatação de que, mesmo sem aceitar a existência dos direitos fundamentais sociais, seria não apenas possível aceitar ambas as teses como, também , conceber a criação de uma l iberdade fática corno algo desejado pela Constituição. Seria ne cessário apenas aceitar urna repartição de tarefas entreos direitos fun damentais e o processo político, de acordo com a qual aos primeiros caberia zelar pela l iberdade juríd ica; e aos segundos, pela l iberdade fática.236 Por isso, para complementar o argumento baseado na l iber dade é necessário demonstrar por que a liberdade fática deve ser ga rantida diretamente pelos direitos fundamentais. Para que isso seja fundamentado não é suficiente afirmar que os direitos fundamentais devem garantir a l iberdade, que a l iberdade fá tica também é l iberdade e que, por isso, os d ireitos fundamentais de vem garantir também a l iberdade fática. A questão é justamente essa: saber se os direitos fundamentais também devem garantir a l iberdade fática. Portanto, para justificar a atribuição de direitos fundamentais sociais com o auxílio de um argumento baseado na l iberdade é neces sário também fundamentar por que a l iberdade garantida pelos direi tos fundamentais inclui a l iberdade fática. Neste ponto, dois são os principais argumentos que podem ser util izados. O primeiro baseia-se na importância da l iberdade fática para o i ndivíduo. Para util izar apenas três exemplos, para o indivíduo é de i mportância v ital não v iver abaixo do mín imo existencial , não estar condenado a um desemprego de longo prazo e não estar excluí do da vida cultural de seu tempo. É certo que, para aquele que se encontra em uma tal s ituação de necessidade, os direitos fundamen tais não são totalmente sem valor.237 É exatamente aquele desprovido de meios que pode valorizar especialmente aqueles d ireitos fundamen tai s que, por exemplo, o protegem contra o trabalho forçado e outras situações semelhantes e aqueles que lhe dão a possibi l idade de me lhorar sua situação por meio do processo político. Contudo, não é 236. Cf. Hans H. Klein, Die Grundrechte im demokratischen Staat, pp. 48 e ss. 237. Cf. Albert B leckmann, Allgemeine Grundrechtslehren, p. 1 62. 506 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS possível negar que, para ele, a eliminação de sua s ituação de neces s idade é mais importante que as l iberdades jurídicas, que a ele de nada servem, em razão dessa situação de necessidade, e que, por isso, são para ele uma "fórmula vazia".238 Se a esse cenário se adiciona o fato de que a razão de ser dos direitos fundamentais é exatamente a de que aqui lo que é especialmente importante para o i ndivíduo, e que pode ser juridicamente protegido, deve ser juridicamente garantido, então, o primeiro argumento para a proteção no âmbito dos dire i tos fundamentais está completo. O segundo argumento está diretamente l igado ao primeiro. De acordo com ele, a l iberdade fática é constitucionalmente importante não apenas sob o aspecto formal da garantia de coisas especialmente importantes, mas também sob o aspecto substancial . O Tribunal Cons titucional Federal interpretou o catálogo de direitos fundamentais co mo expressão de um s istema de valores, "em cujo centro se encontra o livre desenvolvimento da personalidade humana e de sua dignidade no seio da comunidade social".239 À luz da teoria dos princípios,240 i sso deve ser interpretado de forma a que o catálogo de direitos fundamen tais expresse, dentre outros, princípios que exijam que o indivíduo possa desenvolver l ivremente sua dignidade na comunidade social, o que pressupõe uma certa medida de l iberdade fática. A conclusão i ne vitável é a de que os direitos fundamentais , se seu escopo for o l ivre desenvolvimento da personalidade humana, também estão orientados para a l iberdade fática, ou seja, também devem garantir os pressupos tos do exercício das l iberdades jurídicas,24 1 sendo, assim, "não apenas a regulação das possibilidades jurídicas, mas também do poder de agir fático".242 A questão é saber se essa hipótese, que encontra fundamen- 238. Ernst-Wolfgang Bóckenforde, Staat, Gese/lschaft, Freiheit, p. 77. 239. BVerjGE 7, 1 98 (205 ) . 240. Cf. Capítulo 3, I .2. 24 1 . Cf. Peter Saladin, "Die Funktion der Grundrechte in einer revidierten Verfassung", ZSR N.F. 87 ( 1 968) , p. 353: "A garantia de uma l iberdade ele ação i ndivi dual autônoma somente é honesta e frutífera se, ao mesmo tempo, forem garantidos os pressupostos mais essenciais para a ut i l ização dessa l iberclacle, se o constituinte não cuida apenas ela garantia ela liberté mas também da garantia da capacité". 242. Peter Hii.berle, "Das B undesverfassungsgericht im Leistungsstaat: Die Nu merus-clausus-Entscheidung vom 1 8 .7 . 1 972", DÔV 25 ( 1 972), p . 73 1 . DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 507 tos adic ionais no princípio do Estado Social243 e no princípio da igual dade fática,244 consegue resist ir aos argumentos contrários. Dentre as inúmeras objeções contra os direitos fundamentais so c iais, as principais podem ser agrupadas em dois argumentos comple xos, um formal e um substancial. O argumento formal aponta para um d ilema: se os dire itos funda mentais sociais forem v inculantes, eles deslocam a política social da competência parlamentar para a competência do tribunal constitucio nal; se eles não forem vinculantes, eles i mplicam uma violação da cláusula de v inculação do art. 1 º, § 3º, da Constituição alemã. O pon to de partida desse argumento é a tese de que os direitos fundamentais sociais ou não são justiciáveis ou o são apenas em pequena medida.245 Essa tese pode se basear no fato de que os objetos da maioria dos di reitos fundamentais sociais são extremamente indeterminados. Qual é, por exemplo, o conteúdo de um direito fundamental ao trabalho? A escala de possíveis interpretações vai desde um dire ito utópico de todos a qualquer trabalho que se deseje, em qualquer lugar e em qual quer momento, até um direito compensatório a um auxílio-desempre go. Mas qual deve ser o valor desse auxílio? Os problemas dos outros direitos fundamentais sociais não são muito diferentes. Até mesmo no caso do d ireito fundamental social mais s imples, o direito a um míni mo existencial, a determinação de seu exato conteúdo suscita algumas d ificuldades.246 Mas dificuldades na definição do exato conteúdo de direitos bem como, em geral, a precisa determinação de conceitos dos mais indeterminados não são tarefas incomuns para a jurisprudência e para a Ciência do Direito. Por isso, ao lado da i ndefinição semântica 243. Cf. Karl H. Friauf, "Zur Rolle der Grundrechte im lnterventions- und Lei stungsstaat", p. 676; Eberhard Grabitz, Freiheit und Verfassungsrecht, pp. 4 l e ss. 244. Cf. Capítulo 8 , VI.2. Cf. também Gerhard Leibholz, Strukturprub/eme der madernen Demokratie, 3" ed., Karlsruhe: C. F. Mül ler, 1 967 ( reimpr. Frankfurt am Main : Atheniium Fischer, 1 974), p. 1 3 1 . 245. Cf. Jõrg Paul Mül ler, So;.iale Grundrechte in der Veifassung!, pp. 5-6 e 20 e ss.; Christian Starck, "Die Grundrechte des Grundgesetzes", p. 24 1 : Theodor Tomandl , Der Einbau sozialer Grundrechte in das positive Recht, Tübingen: Mohr. 1 967, pp. 1 7- 1 8 : Georg Brunner, Die Problematik der so::)a/en Grundrechte, pp. 1 7- 1 8 : Karl Korinek, "Betrachtungen zur juristischen Problematik sozialer Grundrech te", i n Katholische Sozialakademie Ósterreichs (Orgs. ) , Die sozialen Grundrechte, Wien: KSÓ, 1 97 1 , p. 1 2. 246. Cf. A lbert B leckmann , Allgemeine Grundrechts/ehre, p. 1 64. 508 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS e estrutural dos direitos fundamentais sociais , a tese do déficit de jus ticiab i l idade tem que agregar u ma outra forma de indefin ição: a im possib i l idade de se chegar, com os meios específicos do d ireito, a uma determinação exata do conteúdo e da estrutura dos d ireitos fundamen tais soc iais formulados abstratamente. Ela tem que sustentar que o di reito não fornece critérios suficientes para tanto. Por que, se o direito não fornece esses critérios suficientes, então, a dec isão sobre o con teúdo dos direitos fundamentais sociais é uma tarefa da política.247 Mas isso significaria que, segundo os princípios da separaçãode po deres e da democracia, a decisão sobre o conteúdo dos d ireitos funda mentais soc iais estaria inserida não na competência dos tribunais, mas na do "legislador diretamente legitimado pelo povo'' . 248 249 A partir dessa idéia, no âmbito dos dire itos fundamentais sociais os tribunai s poderiam decidir somente após o legislador j á haver decidido. O argumento baseado na competência ganha um peso especial em virtude dos efeitos financeiros dos direitos fundamentais sociais . Por causa dos grandes custos finance iros assoc iados à sua realização, a existência de direitos fundamentais sociais abrangentes e ex igíveis judicialmente conduziria a uma determinação juríd ico-constitucional de grande parte da política orçamentária.250 Visto que o Tribunal Cons titucional Federal teria que controlar o respeito a essa determinação, a política orçamentária ficaria em grande medida nas mãos do tribunal constitucional, o que é incompatível com a Constituição. Aquele que quiser evitar esse resultado insustentável e, mesmo assim, manter-se fiel à idéia de direitos fundamentais sociais tem ape nas uma saída, caso queira se manter nos l imites do argumento formal. As normas que garantem direitos fundamentais sociais teriam que ser compreendidas como normas não-v i nculantes, i sto é, normas não su jeitas ao controle do Tribunal Constitucional, ou seja, normas que cor- 247. Cf. Dietrich Wiegand, "Sozialstaatsklausel und soziale Tei lhaberechte", DVBl 89 ( 1 974), p. 660. 248. Cf. a fórmula na decisão sobre ruído de aviões, B Ve1JGE 56. 54 ( 8 1 ). 249. Cf., por exemplo, Wolfgang Martens, "Grundrechte irn Leistungsstaat", pp. 35-36; Ernst-Wolfgang Bockenfürde, "Die sozialen Grundrechte im Verfassungsge füge", pp. l 1 - 1 2 ; Konrad Hesse, "Bestand und Bedeutung der Grundrechte", p. 434; Eberhard Grabitz, Freiheit und Verfassungsrecht, p. 46. 250. Cf. , por todos, Christian Starck, "Staatliche Organisation und staatliche Finanzierung", p. 5 1 8 . DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 509 respondam às posições (5) a (8 ) na tabela apresentada anteriormente. Mas normas de direitos fundamentais não-vinculantes são inconci l iá veis com a cláusula de v inculação do art. 1 u, § 3º, da Constituição.25 1 Se o argumento formal for procedente, a aceitação de direitos funda mentais sociais fracassa frente ao dilema: deslocamento inconstitucio nal de competências ou v iolação da cláusula de v incu lação. O argumento substancial contra os direitos fundamentais sociais sus tenta que eles são incompatíveis - ou, ao menos, colidem - com normas constitucionais materiais. Na medida em que essas normas constitucio nais materiais garantam direitos de l iberdade, o argumento substancial é um argumento vinculado à l iberdade contra os direitos fundamentais sociais sustentados em um argumento vinculado à liberdade.252 A coli são entre d irei tos fundamentais socia i s e direitos ele l iber dade é espec ialmente c lara no caso do d ire i to ao trabalho. Em uma economia de mercado, o Estado tem controle apenas l imitado sobre o objeto desse dire ito.253 Se ele quisesse sati sfazer diretamente um direito de cada desempregado a um posto de trabal ho, ele teria que ou empregar todos os desempregados nos serviços públ icos existen tes, ou restringir ou e l iminar o poder econômico pri vado de dispor sobre postos de trabalho. A pri mei ra sol ução, pelo menos como so lução geral , está fora de questão, pois conduziria, nas condições ex istentes , s implesmente a um desemprego d i sfarçado pelo serv iço público. A segunda conduziria ou a uma extensa restrição da compe tênc ia dec isória da economia privada, ou a uma e l iminação dessa forma de economia. Mas i sso s ignificaria, entre outras coi sas, inter- 25 1 . Cf. Christian Starck, "Die Grundrechtc eles Grundgesetzes", p. 24 1 : Hans H. Klein, Die Grundrechre im demokratischen Sraat, pp. 58-59; Albert von Mutius, "Grundrechte ais 'Teilhaberechte ' ' " , p. 1 93 . 252. Sobre a tese de que os di reitos fundamentais soc iais se encontram em urna relação ele i ncompat ib i l idade com os dire i tos c lássicos de l iberdade, cf. Hans Huber, "Soziale Verfassungsrechte"7", in Ernst Forsthoff (Org. ) , Rechtssraarlichkeit und So;:,ia!sraatlichkeir, Dannstadt: Wissenschaftl iche Buchgesel lschaft, 1 968, p. 9; Wolfgang Martens. "Grundrechte irn Leistungsstaat". p . 33 : Hans H . Klein, Die Grundrechre im demokrarischen Sraar. pp. 64-65 : do mesmo autor. · 'Ein Grundrecht auf sauberes Urnwelt?", pp. 657 e s s . ; Ernst Forsthoff, Der Sraar der /11du.11riege sellschafi, pp. 73 e 78; Herbert Scharnbeck, Grundrechte und Sozialordnung, Ber l in : Duncker & Humblot. 1 969, pp. 1 27- 1 28 . 253 . Cf. Georg Brunner. Die Proh/emarik der srôalen Gm11drechre. pp. 1 4- 1 5 . 5 1 0 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTA IS venções nos dire i tos fundamentais daqueles que di spõem da pro priedade produtiva. 254 Col isões entre direitos fundamentais sociais de uns com direitos de liberdade de outros não surgem somente quando o Estado controla apenas indiretamente uma pequena parcela do objeto do d ireito em uma economia de mercado, como é o caso do direito ao trabalho. To dos os direitos fundamentais sociais são extremamente custosos. Para a realização dos direitos fundamentais sociais o Estado pode apenas distribu ir aqui lo que recebe de outros, por exemplo na forma de im postos e taxas.255 Mas i sso sign ifica que os freqüentemente suscitados l imi tes da capacidade de realização do Estado não decorrem apenas dos bens distribuíve is existentes, mas sobretudo daquilo que o Estado, para fins distributivos, pode tomar dos proprietários desses bens sem violar seus direitos fundamentais . Com freqüência fala-se não apenas em uma col isão entre dire itos fundamentais soc iais de uns e direitos de l iberdade de outros, mas também de uma col i são entre direitos fundamentais sociais e direitos de l iberdade do mesmo titular de direitos. Nesse sentido, afirma-se que um direito ao trabalho implica um dever de trabalhar.256 Embora a vinculação entre um direito ao trabalho e um dever de trabalhar seja 254. Cf. Theoclor Tomandl, Der Einba11 so:ialer Cmndrechte in das positive Recht, pp. 30-3 1 : Georg Brunner. Die Proble111atik der so:ialen Crundrechte, pp. 14 e ss: Christian Starck. '·Sraatliche Organisation une! staatl iche Finanzierung··, p. 5 1 9; cio mesmo autor, "Die Grunclrechte eles Grunclgesetzes". p. 24 l ; Josef I sensee. "Yerfassung ohne soziale Grunclrechte", pp. 379-380; Rupert Scholz, '"Das Recht auf Arbeit". in Ernst-Wolfgang Bi:ickenforcle et ai. (Orgs . ) . So�iale Crundrechte. Heiclelberg: Mül ler. 1 98 1 , pp. 84-85; Jõrg Lücke. ·'Soziale Grunclrechte ais Staats zielbestimmungen une! Gesetzgebungsauftrage". p. 39. Que uma realização plena do direito ao trabalho não é possível sem uma intervenção nos direitos fundamentais cios proprietários cios meios ele produção é algo que os próprios defensores desse direito também reconhecem. Cf. . por exemplo. Wolfgang Daubler. "Recht auf Arbeit verfassungswidrig?", in Uclo Achten et ai. (Orgs . ) , Recht au/ Arbeit: eine politische Heraus/orderung. Neuwied: Luchterhancl, 1 978, p. 1 7 1 , o qual propõe que essa in tervenção seja fundamentada por meio do art. 15 ela Constitu ição. Em geral sobre o direito ao trabalho. cf. Hans Ryffel/Johannes Schwartlancler (Orgs.) , Das Recht des Menschen aud Arbeir. Kehl et ai. : Engel , 1 983. 255. Cf. Carl Schmitt, "Nehmen/Teilen/Weiden'', i n Carl Schmitt, Ve1jássungs rechtliche Au/ú:itze. p. 503 ; Walter Leisner. '"Der Eigentümer ais Organ der Wirt schaftsverfassung", DOV 28 ( 1 975) , p. 74. 256. Cf. Josef Isensee. ·'Yerfassung ohne soziale Grunclrechte". p. 380. DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITI VAS 5 1 1 freqüente,257 ela não é necessária. U m Estado que introduza u m direi to ao trabalho pode abdicar de um dever de trabalhar, mesmo que esteja interessadoem que o máximo possível de c idadãos trabalhe. O interesse em trabalhar, sobretudo o interesse em um salário, pode ser, para um número suficiente de cidadãos , um i ncentivo suficiente para exercer o direito ao trabalho. No entanto, algo distinto pode ser ver dadeiro se o direito ao mín imo existencial já coloca o i nd ivíduo em uma situação na qual o exercício do direito do trabalho deixa de ser atrativo para ele. Por fim, devem ser mencionadas as colisões de direitos funda mentais sociais com outros direitos fundamentais sociais, bem como as colisões entre direitos fundamentais socia is e interesses coletivos. Um exemplo das primeiras é a colisão entre um direito ao trabalho e um direito ao meio ambiente. Já as colisões entre direitos fundamen tais sociais e interesses coletivos, como, por exemplo a defesa nacio nal, decorrem do fato de que a real ização de ambos exige uma parte considerável do orçamento, ou seja, decorrem do já mencionado efei to financeiro dos direitos fundamentais sociais . 3. Um modelo de direitos fundamentais sociais Considerados os argumentos contrários e favoráveis aos dire i tos fundamentai s soc iai s , fica c laro que ambos os lados d ispõem de argumentos de peso. A solução cons i s te em um modelo que leve em cons ideração tanto os argumentos a favor quantos os argumentos con trários. Esse modelo é a expressão da idéia-guia formal apresentada anteriormente,258 segundo a qual os direitos fundamentais da Consti tuição alemã são posições que, do ponto de v ista do direito constitu c ional, são tão importantes que a deci são sobre garanti-las ou não garanti-las não pode ser s implesmente deixada para a maioria parla mentar s imples. Em relação ao problema que aqui se anal isa, isso significa que a todos são conferidas posições no âmbito dos direitos a prestações , na forma de d ireitos fundamentais sociais, que, do ponto de v ista do direito constitucional , são tão importantes que a deci são 257. Cf., por exemplo, art. 24 da Constituição da República Democrática da Alemanha, de 1 968. 258. Cf. , neste capítulo, 1 .5 . 5 1 2 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS sobre garanti-las ou não garanti-las não pode ser s implesmente deixa da para a maioria parlamentar simples. De acordo com essa fórmula, a questão acerca de quais direitos fundamentais sociais o indivíduo definitivamente tem é uma questão de sopesamento entre princípios. De um lado está, sobretudo, o princí pio da l iberdade fática.259 Do outro lado estão os princípios formais da competência decisória do legislador democraticamente legitimado e o princípio da separação de poderes, além de princípios materiais, que dizem respeito sobretudo à liberdade jurídica de terceiros, mas também a outros direitos fundamentais sociais e a interesses coletivos. O modelo não determina quais direitos fundamentais sociais de fin it ivos o indivíduo tem. Mas ele diz que ele pode ter alguns e o que é relevante para sua existência e seu conteúdo. A resposta detalhada a essa questão é tarefa da dogmática de cada um dos direitos funda mentais sociais. Mesmo assim, é possível dar, aqui, uma resposta geral. Uma posição no âmbito dos direitos a prestações tem que ser v ista como definit ivamente garantida se ( 1 ) o princípio da l iberdade tática a exigir de forma premente e se (2) o princípio da separação de pode res e o princípio democrático (que inclui a competência orçamentária do parlamento) bem como (3) os princípios materiais colidentes (es pecialmente aqueles que dizem respeito à liberdade jurídica de outrem) forem afetados em uma medida relativamente pequena pela garantia constitucional da posição prestacional e pelas decisões do tribunal cons tituc ional que a levarem em consideração. Essas condições são neces sariamente satisfeitas no caso dos direitos fundamentais sociais míni mos, ou seja, por exemplo, pelos direitos a um míni mo existenci al , a uma moradia s imples, à educação fundamental e média, à educação profissionalizante e a um patamar mínimo de assistência médica. A seguir serão analisadas algumas objeções ao modelo aqui defendido. Mesmo os direitos fundamentais sociais mínimos têm, especial mente quando são muitos que deles necessitam, enormes efeitos finan ceiros. Mas isso, isoladamente considerado, não justifica uma conclusão contrária à sua existência. A força do princípio da competência orça mentária do legislador não é i l imitada. Ele não é um princípio absolu- 259. Se também o princípio da igualdade fát ica exigir um direito a prestações (cf. Capítulo 8. YI.3) , então. há uma dupla fundamentação. DIREITOS A AÇÕES ESTATAI S POSITIVAS 5 1 3 to.260 Direitos individuais podem ter peso maior que razões político financeiras. Nesse sentido, na decisão sobre o auxílio-moradia para os beneficiários da assistência social o Tribunal Constitucional Federal ampl iou - com impacto financeiro - o círculo daqueles que teriam direito a essa prestação, com o objetivo de el iminar um tratamento des igual;261 e em uma decisão sobre a duração da prisão preventiva o tribunal obrigou o Estado a criar os meios necessários para evitar uma prisão preventiva desproporcionalmente longa.262 Todos os direitos fundamentais da Constituição alemã restringem a competência do le gis lador,263 e muitas vezes eles o fazem de forma incômoda para o próprio legislador; às vezes até mesmo sua competência orçamentária é atingida pelos direitos fundamentais , como direitos com claros efei tos financeiros. A extensão do exercício dos direitos fundamentais sociais aumen ta em crises econômicas. Mas é exatamente nesses momentos que po de haver pouco a ser distribuído. Parece plausível a objeção de que a ex istência de direitos fundamentais sociais defin it ivos - ainda que mí nimos - tornaria impossível a necessária flexibi l idade em tempos de crise e poderia transformar uma crise econômica em uma crise cons titucional. 264 Contra essa objeção é necessário observar, em primeiro lugar, que nem tudo aqui lo que em um determinado momento é con siderado como direitos sociais é exigível pelos direitos fundamentais sociais mín imos; em segundo lugar, que, de acordo com o modelo aqui proposto, os necessários sopesamentos podem conduzir, em circuns tâncias distintas, a direitos defin it ivos distintos; e, em terceiro lugar, que é exatamente nos tempos de crise que a proteção constitucional, ainda que mínima, de posições sociais parece ser imprescindível . Também contra o modelo aqu i proposto pode ser levantada a objeção de uma justiciabi lidade deficiente. Essa objeção deve ser re- 260. Sobre esse conceito, cf. Capítulo 3, 1 .7 .2 . 26 1 . BVerfGE 27. 220 (228 e ss. ) . 262. BVerfGE 36, 264 (275 ) . Cf. também Jürgen Schwabe, Prob/eme der Grundrechtsdogmmik, p. 266. Um exemplo de uma decisão, no âmbito dos direitos clássicos de defesa, com claros efeitos financeiros no campo das receitas é aquele oferecido pela decisão do Tribunal Constitucional Federal sobre empréstimo compul sório. Cf. BVe1jGE 67, 256 (274 e ss. ) . 263. Cf. Capítulo 4, II .3 .6 .2 . 264. Cf. Josef Isensee, "Verfassung ohne soziale Grundrechte", pp. 38 1 -382. 5 1 4 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS jeitada com base na constatação de que os problemas de justiciabil i dade que surjam no âmbito desse modelo não se distinguem, em sua essência, daqueles que existem no caso dos direitos fundamentais tra dicionais .265 Não raro os problemas do sopesamento no âmbito dos direitos de l iberdade são bastante complexos e sua solução pode ter grandes conseqüências para a v ida social . Em geral , pode-se dizer: a existência de um direi to não pode depender exclusivamente de sua justic iabi l idade, não importa como ela seja definida; pelo contrário, se um direito existe, ele é justiciável. O fato de os direitos fundamentais sociais dependerem de uma configuração infraconstitucional não é uma objeção decisiva, pois também competências eprocedimentos depen dem desse tipo de regulação. O mesmo vale para outros tipos de di reitos fundamentais . Razões processuais também não são capazes de sustentar a tese da não-justiciabilidade. Como demonstra a jurispru dência do Tribunal Constitucional Federal, um tribunal constitucional não é, de modo algum, impotente em face de um legislador omisso.266 O espectro de suas possibil idades processuais-constitucionais vai des de a simples constatação de uma inconstitucionalidade,267 passando pe lo estabelecimento de um prazo dentro do qual deve ocorrer uma legis lação compatível com a Constituição,268 até a determinação judicial direta daquilo que é obrigatório em virtude da Constituição.269·27º O modelo apresentado é um modelo baseado no sopesamento. É característico de todos os modelos baseados no sopesamento que aqui lo que é devido prima facie seja mais amplo que aquilo que é devido defin i ti vamente. Alguém poderia sustentar que essa construção é i na- 265. Cf. Friedrich Klein, "Vorbemerkung", in Hermann v. Mangoldt/Friedrich Klein, Das Bonner Grundgese1�. 1 , A IV 3; Peter Saladin, "Die Funktion der Grund rechte in einer revidierten Verfassung", p. 553; Luzius Wildhaber, "Soziale Grund rechte", p . 384; Heinhard Steiger, Mensch und Umwelt, pp. 40 e ss . ; Dieter Lorenz, '·Bundesverfassungsgericht und soziale Grundrechte", 181 1 03 ( 1 98 1 ) , p. 2 1 . 266. Cf. Walter Schmidt. "Soziale Grundrechte i m Verfassungsrecht der Bun desrepublik Deutschland'', p. 29; Ernst Friesenhahn, "Der Wandel des Grundrechts verstandnisses", p. G 1 6. 267. Cf. BVerjGE 39, 3 1 6 (333) . Sobre a idéia de "subjetivização da constata ção", cf. Friedrich Mül ler/Bodo Pieroth/Lothar Fohmann, Leistungsrechte im Norm bereich einer Freiheitsgarantie, Berlin: Duncker & Humblot, 1 982, pp. 1 65 e ss. 268. Cf., por exemplo, BVerjGE 33, 1 ( 1 3) . 269. Cf. BVerfGE 3 , 225 (237 e ss.) ; 43, 1 54 ( 1 69- 1 70). 270. Cf. , a esse respeito, forn Ipsen, Rechtsfolgen der Verfassungswidrigkeit von Norm und Einzelakt, Baden-Baden: Nomos, 1 980, pp. 1 32 e ss. DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 5 1 5 ceitável quando se trata de direitos sociais . Ela conduziria , em primei ro lugar, a i lusões e, depois , a frustrações .27 1 Já se refutou anteriormen te o argumento baseado na objeção geral à idéia de normas de direitos fundamentais que in ic ia lmente protegem algo primafacie que depois , por meio de restrições, é excluído da proteção."72 A jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal sobre o problema do numerus clausus é instrut iva para demonstrar que a refutação desse argumento geral deve ser estendida também para os direitos fundamentais sociai s . O tribunal parte de um direito subjetivo prima facie e vinculante, de todo cidadão que tenha concluído o ensino méd io, a ser admitido no curso univers i tário de sua escolha. O caráter prima facie desse direito é expressado de forma prec isa quando o tribunal afirma que o direito é conferido ao seu titular como um direito "em s i"273 e que ele é res tringíve l . 274 Fica claro que o direito, enquanto direito primafacie, é um dire i to vinculante, e não um simples enunciado programático, quando o tribunal afirma que o direito, "em sua val idade normativa, não [po de] depender de um menor ou maior grau de possibil idades de real i zação" .275 Mas a natureza de dire ito prima facie vinculante implica que a c láusu la de restrição desse d ireito - a "reserva do possível, no sentido daqui lo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da soc ie dade"276 - não pode levar a um esvaziamento do direito. Essa cláusu la expressa simplesmente a necessidade de sopesamento desse dire ito. No que diz respeito à s imi laridade de todos os direi tos fundamentais nesse ponto, é de grande interesse s istemático quando o Tribunal Constitucional Federal, na primeira deci são numerus clausus, estende aos direitos a prestações então envolvidos a fórmula da "tensão indi víduo/comunidade'' , desenvolvida no contexto da l iberdade geral de ação.277 Embora o sopesamento não tenha levado, na deci são numerus clausus, a um direito defini tivo de todos à admissão no curso univer s itário de sua escolha, ao menos levou a um direito defin it ivo a um 27 1 . Cf. Josef lsensee, "Verfassung ohne soziale Grundrechte", pp. 382-383 : Hans H. Rupp. "Yom Wandel der Grundrechte", p. 1 77 . 272. Cf. Capítulo 6 , II .2 .2. 273. BVerfCE 43, 29 1 (3 1 5) . 274. Idem. 275. Idem. 276. BVerjGE 43, 29 1 (3 1 4) : 33. 303 (333) 277. BVerfGE 33 , 303 (334). 5 1 6 TEOR IA DOS DIREITOS FUNDAM ENTAIS procedi mento de seleção que dê chances sufic ientes a todos,m o que aponta para a conexão entre os direitos fundamentais sociais e os direitos a procedimentos, anal isados anteriormente. Mas, para poder mensurar a regulamentação do procedimento com base no direito fundamental, é i mprescindível que se parta de um direito primafacie v inculante. A estrutura argumentativa implicada pelos direitos prima facie é rac ional, porque levar a cabo a fundamentação jurídica como um jogo de razões e contra-razões é algo racional . Nesse jogo, as razões de ambos os lados têm, i soladamente consideradas, algo de excedente. Embora nunca seja possível exclu ir a possibi l idade de que alguém aceite apenas as razões de um dos lados e, por i sso, chegue a resulta dos excessivos, isso não é algo possível apenas no caso dos direitos fundamentais sociais , mas também no dos direitos tradicionais de l i berdade. Aquele que aceita apenas o princípio da l iberdade juríd ica também chega a resultados excessivos, da mesma forma que aquele para o qual existe apenas o princípio da liberdade fática. A constata ção de que é possível retirar partes de uma estrutura racional de fun damentação para usá-las de forma não-racional não é um motivo para que se renuncie a ela em favor de uma estrutura menos racional de fundamentação. Aquele que não se deixa convencer, após o necessário jogo de razões e contra-razões cio modelo aqui proposto, de que um direito fundamental não é definitivamente protegido dific i lmente se deixará convencer por alegações como aquelas que sustentam que aqui lo que ele pretendia ver defin itivamente protegido pelo direito fundamental não o era "desde o iníc io". Portanto, uma renúncia à es trutura de fundamentação requerida pela teoria dos princípios também não pode ser justificada com o recurso a argumentos pedagógico constitucionais, cuja aceitação seria, de qualquer forma, extremamen te questionável do ponto de v ista de uma teoria c ientífica. Por fim, alguém poderia sustentar que o modelo apresentado re prime, de forma inaceitável , o objetivo em favor do subjetivo. Essa objeção poderia basear-se na tese de Haberle a respeito cio caráter excedente das normas objetivas relevantes no âmbito do direito cons titucional : "Assim, no Estado prestac ional, o direito objetivo relevan te para os direitos fundamentais ' u ltrapassa' o direito (fundamental) 278. Cf. BVerfGE 43, 29 1 (3 1 6 e ss.) . DIREITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITIVAS 5 1 7 subjetivo. Há tarefas constitucionais ( ' princíp ios ' ) 'úteis aos dire i tos fundamentais ' , às quais (ainda) não corresponde qualquer direito sub jetivo".279 Com i sso, Haberle expressa, de forma concisa, o que mu itos querem d izer quando classificam o problema dos dire itos fundamen tais sociais primariamente como um problema de meros deveres obje t ivos do Estado. 280 Aqui basta mencionar Hesse, que fala de uma obrigação positiva do Estado de "fazer de tudo para realizar os direi tos fundamentais , mesmo que não haja para tanto um direito subjetivo do cidadão". Dessa maneira, o legis lador receberia, "dos dire itos fun damentais , 'diretrizes e impulsos"' . Contudo, disso não seria possível conclu ir, em geral, "uma obrigação concreta dos órgãos estatais para tomar determinadas medidas", o que significa que o controlejudicial encontraria aí os seus l i mites.28 1 No entanto, o modelo aqu i proposto não é atingido pela crítica da não-consideração da importância da faceta objetiva. Ao contrário, ele oferece uma base para uma exata compreensão do conteúdo correto da tese do excedente do lado objetivo. A chave é a teoria dos princípios. De acordo com o modelo proposto, o indivíduo tem um direito defi nit ivo à prestação quando o princípio da l iberdade fática tem um peso maior que os princípios formais e materiais colidentes, cons ide rados em conjunto. Esse é o caso dos direitos mínimos. É possivel mente a esse t ipo de direitos míni mos que se quer fazer referência quando direitos subjetivos públicos e judicialmente exigíveis a pres tações são contrapostos ao conteúdo objeti vo excedente. Em face de direitos definitivos que sejam o resultado de um sopesamento, os di reitos prima facie correspondentes aos princíp ios - o direito "em si" à admissão em curso superior é um exemplo282 - têm sempre algo ele excedente. O conceito de excedente não está, portanto, v inculado à dicotomia subjetivo/objetivo. 279. Peter Haberle, "Grundrechte irn Leistungsstaat", p. 108. 280. Cf., por exemplo, Hans H. Rupp, "Yom Wandel der Grnndrechte'', p. 1 77 : Walter Krebs, Vorbehalt des Geset�es und Grundrechte, pp. 1 1 2 e ss. : Ernst-Wolfgang Bõckenfürde, "Die sozialen Grundrechte irn Ve1i'assungsgefüge", pp. 1 2 e ss . ; Peter Badura. "Das Prinzip der sozialen Grundrechte", pp. 27 e ss. ; Ulrich Scheuner, ' "Die Funktion der Grundrechte im Sozialstaat", p. 5 1 3 ; Jõrg Paul Mül lcr, Su�iale Grnnd rechte in der Ve1fassung ?, pp. 1 92 e 239 e ss. 28 1 . Konrad Hesse, "Grundrechte: Bestand und Bedeutung". pp. 95-96. 282. 8Ve1JGE 43, 29 1 ( 3 1 5 ) . 5 1 8 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Avançar do modelo em direção a um nível objetivo é possível, porque a direitos prima facie correspondem deveres prima facie. Es ses deveres são deveres estatais primafacie de zelar para que às l iber dades jurídicas dos titulares de direitos fundamentais correspondam l iberdades fáticas. Mas o plano objetivo que surge dessa forma não é um plano meramente objetivo, mas um plano também objetivo. Os deveres estatais prima .facie têm, em face dos deveres estatais defin i t ivos, um conteúdo claramente excedente. Isso não significa, contudo, que eles não sejam v inculantes. Seria um equívoco conside rar os deveres prima facie, na parte em que a eles não correspondam deveres definit ivos, ou seja, no âmbito excedente, como juridicamen te não-vinculantes ou meros enunciados programáticos. A exi stência de uma diferença fundamental entre deveres primafacie e deveres ju rídicos não-vinculantes é perceptível no fato de que deveres prima facie têm que ser considerados no sopesamento, enquanto isso não ocorre no caso dos deveres jurídicos não-v i nculantes. Para a não-sa tisfação de um dever prima facie é necessário que haja, do ponto de vista jurídico, razões aceitáve is ; para a não-satisfação de um dever jurídico não vinculante, não. Caso não ex istam razões aceitáveis para sua não-satisfação, um dever prima facie pode levar a um dever defi nit ivo; um dever não-vinculante nunca poderia fazê-lo. Assim, por mais que Haberle tenha razão quando rejeita a "alter nativa ou direito subjetivo ou enunciado programático" - a tabela apre sentada anteriormente demonstra que essa alternativa é insuficiente283 -, ele se equivoca quando se volta contra a " identificação entre v incu lação jurídica e controle judicial" .284 Sob a Constitu ição alemã, v in culação j urídica implica controle judicial . Para que a observação de Haberle fosse correta, teria ela que ser compreendida como uma refe rência às pecul iaridades de um controle judicial da sati sfação de de veres estatai s prima facie objetivos. Essas pecul iaridades são de dois tipos. Em primeiro lugar, não pode ser objeto do controle saber se foi satisfeito tudo aqui lo que o dever primafacie exige, mas tão-somente se foi satisfeito aqui lo que lhe resta, como dever defin i t ivo, em face de deveres primafacie col identes. Em segundo lugar, no caso dos princí pios colidentes , desempenham um papel decis ivo não apenas os prin- 283. Cf., neste capítulo, IV. 1 . 284. Peter Haberle, "Grundrechte i m Leistungsstaat", pp. 1 07- 1 08. DI REITOS A AÇÕES ESTATAIS POSITI VAS 5 1 9 cípios materiais, mas também o s formais , sobretudo o princípio da competência do legi s lador democraticamente legitimado. Mas nenhu ma dessas pecu l iaridades altera a possibi lidade de que seja objeto do controle pelo tribunal constitucional aval iar se, à luz dos princípios colidentes, o dever prima facie foi sati sfeito em grau suficiente. A competência do tribunal termina nos l imites do definit ivamente dev ido. Mas os princípios contêm exigências normativas endereçadas ao legislador mesmo além desses l imites. Um legislador que satisfaça princípios de direitos fundamentais além do âmbito do definit ivamente devido satisfaz normas de direitos fundamentais mesmo se não está defi nitivamente obrigado a fazê-lo, e, por isso, não pode ser obrigado a tanto por um tribunal constituc ional .
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