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A CASA DE BONECA, KATHERINE MANSFIELD

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#65
Oi! Você está no Literatura Oral, podcast de leitura comentada e de sugestões literárias. Eu sou Sabrina Siqueira, jornalista com doutorado em literatura.
No último episódio, comentei o romance A Festa, de Ivan Angelo. Hoje vou ler o conto “A casa de boneca”, de Katherine Mansfield, com tradução de Denise Bottmann, que gentilmente autorizou a leitura. Gente, é a primeira vez que eu recebo uma resposta de tradutor, que eu passo fazendo contato com editoras e tradutores pra pedir autorização e fazer a leitura comentada aqui no podcast, e a Denise foi super solícita e gentil em dar a autorização. Muito obrigada, Denise, e parabéns pelo seu trabalho! A edição que eu estou usando é uma compilação de contos selecionados por Guilherme da Silva Braga e saiu pela L&PM Pocket, chamada Os melhores contos de Katherine Mansfield, que reúne 10 contos da escritora.
Antes de começar, peço que tu te inscreva no canal e deixe teu like. 
	Kathleen Mansfield Beauchamp nasceu em Wellington, capital da Nova Zelândia, em 1888. Nessa época, a NZ era colônia britânica. Katherine, nome que ela assina depois a obra literária, nasce em uma família rica. O pai era banqueiro e ela teve 4 irmãos. A NZ era habitada pelo maoris predominantemente, até o século XVIII, quando os europeus chegaram. Diferentemente dos nossos indígenas, que receberam de forma mais pacífica o colonizador europeu, na NZ os maoris lutaram desde as primeiras tentativas de desembarque de europeus. Aconteceram guerras anglo-maoris que duraram anos. Em 1931, o país se torna domínio independente, mas ainda pertence à comunidade britânica e tem a rainha da Inglaterra como chefe de estado, sendo que o poder político é exercido por um parlamento local. Os maoris só adquirem direito de voto em 1956. Em 1995, houve um acordo para pagamento e devolução de terras ocupadas pela coroa britânica. Katherine nasce no contexto político de alternância no poder entre partidos trabalhistas e conservadores, no cargo de primeiro ministro, e parece que tá assim até hoje. Recentemente, o país foi exemplo de gestão da pandemia de Coronavírus, sob o comando da primeira ministra Jacinta Ardern, do partido trabalhista. 
Quando Katherine está com 15 anos vai estudar em Londres. Ela começa a escrever contos em 1906, quando retorna para a NZ, e adota o pseudônimo K. Mansfield. Aos 19 anos muda definitivamente para a Inglaterra, onde faz amizade com os escritores D.H. Lawrence e Virginia Woolf, e depois casa com um editor. Ela publicou artigos em jornais e revistas, e coletâneas de contos. Faleceu super jovem, em 1923, aos 34 anos, por complicações da tuberculose. Katherine deixou contos e poemas que foram publicados postumamente pelo ex-marido.
No conto “A casa de boneca”, aparecem personagens de outro conto famoso de Katherine, o “Prelúdio”, que foi publicado pela editora da Virginia Woolf com o marido, a Hogarth Press. As personagens que voltam a aparecer são as crianças da família Burnell. Uma dessas meninas aparece também em outros contos, que é a protagonista do “A casa de boneca”, a Kezia. Os Burnell são uma família rica que mora em uma área rural, que só tem uma escola. Então as crianças deles, bem como as meninas do juiz e do médico local, estudavam junto com as filhas do quitandeiro e do leiteiro. Mas existe um acordo tácito de que as crianças pobres não devem chegar perto das ricas. Especialmente as filhas da lavadeira, que são as meninas Kelvey. Essas meninas usam roupas feitas dos retalhos que a mãe recebe das famílias ricas. 
A história se desenrola nesse clima de segregação social e o narrador onisciente nos dá o ponto de vista sobretudo da caçula dos Burnell, a Kezia, que ainda é muito pequena, não incorporou o preconceito de classe e tem um olhar poético sobre a vida. Em alguns fragmentos da narrativa, o narrador reproduz as falas preconceituosas dos adultos como em um discurso direto, e reparem que se refere à caçula das meninas pobres, a Else, com o pronome possessivo “nossa”, como se a criança fosse uma propriedade. Cuidado pra não confundir que têm nomes semelhantes: Kezia é a caçula dos Burnell, e Kelvey é o sobrenome das meninas pobres. 
Aparecem 2 palavras diferentes na narrativa, que eu não conhecia: Aniagem, que é um tecido usado na confecção de fardos e sacos; e manilha, que é uma argola que liga tubos de canalização. 
Vamos à leitura:
VINHETA 
“A casa de boneca” é um conto sobre infância, preconceito social e sobre crueldade. Mas não é apenas isso.
A história se passa em um ambiente interiorano ou rural, porque a pessoa que enviou a casa de bonecas havia passado um tempo com eles e retornado à cidade. E tem uma estrada e criação de vacas por perto. Não é especificado o tempo da narrativa, mas pelo registro de que as crianças são buscadas na escola de charrete, sabemos que é uma época em que transporte a motor ainda não é comum. As crianças ricas são pegas de charrete e as pobres, apesar de morarem para o mesmo lado, voltam caminhando. Quer dizer, tem um componente de crueldade na segregação, por parte dos adultos, para com as crianças. 
A divisão social parte dos adultos e as crianças reproduzem o que escutam. É a mãe das Burnell que avisa a mãe das Kelvey que não deixe suas filhas falarem com as dela. E a professora tem um tom de voz diferente para falar com pobres e ricas. É um ambiente em que desde a infância as duas camadas sociais estão definidas e o futuro das pobres está determinado. Mesmo estudando junto das outras, elas deverão ser criadas. A pobreza determina que o lanche delas seja diferente. Elas não têm o direito de falar com as garotas ricas, então, enquanto assistem em silêncio as outras conversarem e comerem sanduíche recheado de carneiro e broas, as pobres comem sanduíche de geleia embrulhado em jornal.
As duas meninas pobres têm comportamentos diferentes entre si. Enquanto a mais velha, Lil, sorri timidamente aos insultos das outras crianças, a mais jovem, Else, que é sempre referida como “nossa” Else, mantém o olhar fixo, não sorri e raramente fala. Diferentemente da caçula dos Burnell, Else parece entender a diferença que faz ela e a irmã serem excluídas. Mesmo assim, ela não resiste ao convite para ver o que todas as meninas da escola queriam ver, a casa de bonecas nova, no quintal. Apesar da consciência de classe, Else é uma criança. 
Dentro da casa dos Burnell, em contrapartida, Kezia também é um pouco excluída. Ela não compartilha do entendimento de todos de que não deve convidar as filhas da lavadeira pra brincar. Ela se dirige ao quintal quando todos estão na sala com as visitas. E também a casa de bonecas é segregada em algum aspecto. Ela é depositada no quintal porque tem cheiro forte de tinta, portanto, não está adequada para estar dentro de casa. Mas, para as crianças mais velhas, ainda com o cheiro de tinta, é um objeto de poder. Os Burnell, na verdade, se sentem superiores a todos naquela localidade, eles desdenham o presente que a visita enviou da cidade e não querem mesmo as colegas bem-nascidas circulando dentro de casa. As crianças só poderiam ver a casa de bonecas enquanto o objeto estivesse no quintal. 
Além de pensarem diferentemente do seu grupo, Kezia com empatia e Else sem a intenção de agradar para pertencer ao grupo dominante, outro aspecto que aproxima as caçulas é a rebeldia. As duas transgridem as regras que são impostas pelos adultos e seguidas pelas crianças mais velhas. Tinha sido uma manhã de atitudes ousadas, com as meninas insultando as colegas pobres, pulando corda alto como nunca tinham feito. Kezia também teria o seu momento de ousadia quando chegasse em casa, fazendo justiça social. Ela ousa chamar as meninas para entrar e ver o brinquedo, mesmo a mãe dela tendo dito que não podia convidar aquelas duas. Como Kezia e Else são as caçulas dos seus grupos, podemos ler uma esperança de mudança nas gerações futuras para a organização social, um futuro em que os dois extratos sociais podem interagir com respeito. As duas se encantam com um objeto na casa de bonecas que parece ter passado despercebidopelas outras: a lamparina. Quando a irmã mais velha, Isabel, está descrevendo a casa para as colegas, ela nem dá bola, talvez nem tenha notado a lamparina. Kezia é quem lembra do objeto. Mas as outras não se importam, não dão a atenção que ela acha que a lamparina vale. Só que tem alguém quietinha escutando, a Else. O objeto que ilumina, na casa de boneca é apenas um detalhe, mas é o que chama atenção dessas duas meninas que parecem ver o mundo sob uma luz diferente. Em Kezia e Else está a semente da mudança, que vai iluminar um novo mundo. 
O conto contrapõe a hipocrisia e a crueldade dos adultos, forçando uma diferenciação entre as pessoas, e a inocência das crianças menores, as duas caçulas que, mesmo sendo diferentes, são, em essência, duas crianças querendo brincar. E isso de ser criança e querer interagir, fala mais alto que qualquer imposição sem sentido. Mas a denúncia social é sutilmente construída na narrativa. A violência e a crueldade da expulsão das crianças do quintal contrasta com a sensibilidade das duas meninas pobres, sentadas à beira da estrada, rememorando a beleza do brinquedo que acabaram de ver clandestinamente. 
Desde a primeira vez que eu li esse conto eu fico intrigada com o pronome possessivo para designar Else. Porque o narrador a chama de “nossa” Else? Será que tem um outro conto da Mansfield em que Else se torna criada dessas personagens, ou convive com elas de outra forma? Pra vocês, o que significa esse “nossa”? Deixem a opinião de vocês nos comentários.
A história termina com o silêncio das excluídas sentadas na estrada, olhando para além dos campos. E mais uma vez há um contraste entre os gritos da tia que as expulsou do quintal, a voz esganiçada das garotas da escola quando humilham as duas, e o silêncio de quem não têm mais nada pra se defender. O autoritarismo é exercido pela imposição do silêncio nessa história. Isabel, a irmã mais velha, é autoritária e determina que é ela que vai contar da casa de bonecas no colégio. As outras duas irmãs respondem com silêncio. As filhas da lavadeira são proibidas de falar com as outras crianças, por serem pobres. São punidas, portanto, com o silêncio. Mas se fazem ouvintes, porque isso ninguém poderia impedir. Por outro lado, o silêncio guarda algo de sagrado. No início do conto, o silêncio é associado a Deus quando passeia com um anjo.
Hoje eu li o conto “A casa de boneca”, de Katherine Mansfield, com autorização da tradutora Denise Bottmann e publicado pela L&PM Pocket. Espero que vocês tenham gostado e queiram descobrir mais sobre essa escritora. 
	Cuidem-se, usem máscara, fiquem bem e até o próximo episódio do Literatura Oral.

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