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50 U m o lh ar in te gr ad o so br e a so ci ed ad e co nt em po râ ne a 51 www.ulbra.br/ead Sociedade e Contemporaneidade A guerra televisiva diz presente no contexto de nossa realidade cotidiana. UM OLHAR INTEGRADO SOBRE A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Por Prof.(a) Maria Clara Ramos Nery O atentado de 11 de setembro traduz-se como um marco histórico no contexto do sé- culo XXI. É importante que compreendamos seus aspectos. É importante que compreenda- mos seus múltiplos aspectos. Compreender a sociedade contemporânea envolve trabalharmos com conceitos sociológicos es- pecíficos que nos permitam traduzir adequadamente a complexidade da socieda- de atual. A realidade social não fala de si mesma. Os são os cientistas sociais que a desvelam e a traduzem, através de sistemas concei- tuais científicos. Neste capítulo vamos partir das teorias clássicas para tentarmos dar um passo além das delas, na busca de uma visão sistêmica mais complexa e adequada à compreensão de uma sociedade que não apresentava as atuais características que no tempo em que viveram Durkheim, Marx e Weber. Para tanto, propo- mos abordar os seguintes conceitos: sistema social e subsistema social e realizarmos uma abor- dagem sobre a questão simbólica e a constituição da sociedade, e, ao estabe- lecermos essa relação, de- monstrarmos alguns traços típicos da sociedade pós- moderna em que vivemos; do mundo em que vivemos, que é complexo e plural, e no qual o universo dos sím- bolos parece ocupar uma dimensão e impor- tância antes inexistentes. UM OLHAR INTEGRADO UM OLHAR INTEGRADO Antes Depois Fo nt e 1 : S to ck .X ch ng ® Fo nt e 2 : S to ck .X ch ng ® U m o lh ar in te gr ad o so br e a so ci ed ad e co nt em po râ ne a Sociedade e Contemporaneidade 52 www.ulbra.br/ead justificativas para conferir-se centralidade e di- mensão histórica a esse fato, provem do da cons- tatação de que, a partir dele, manifestaram-se tendências ante então latentes de mudanças antes não percebidas. Esse atentado, portanto, repre- sentou um momento num processo de crise em desenvolvimento. Afirma Vizentini: em primeiro lugar, até agora não se fez as perguntas adequadas sobre a questão, e centrou-se a reflexão em aparências dema- siado óbvias. Em segundo lugar, o propó- sito da resposta americana já é bem claro um ano depois: o início de uma longa inter- venção na Ásia, que pouco tem a ver com o atentado em si mesmo, ou com a “guerra ao terrorismo”. Por fim, o nó da questão encontra-se no próprio Ocidente e em seus problemas internos, sendo o Oriente Médio apenas uma extensão do problema.3 O autor ainda chama a atenção para a ne- cessidade de uma análise mais aprofundada da questão, especialmente em se considerando que se revelou um problema presente no mundo Oci- dental decorrente dos desafios que se impuseram às potências capitalistas desenvolvidas, e as di- ficuldades que se apresentaram como conseqü- ência do impacto das políticas neoliberais apli- cadas pelos governos desses países nas décadas de 1980 e 1990. Chomsky4 salienta que estamos a viver um novo tipo de guerra, no qual as armas encontram-se, agora, apontadas em direções di- ferentes. Vizentini clarifica este aspecto quando afir- ma que: é cada vez mais difícil crer que os primi- tivos “homens das cavernas” afegãs ti- vessem condições de, sozinhos, idealizar e executar um atentado tão complexo e eficaz. Além do mais, em termos simbóli- cos, os sinais enviados através desse ato A queda do Muro de Berlim foi um marco histórico, político e geopolítico que marcou o fim precoce do século XX. Já o atentado terrorista de 11 de setembro parece anunciar-se como primei- ro ato político do século XXI. Tratava-se agora de uma potência mundial, a maior de todos os tempos, ser atingida, pela primeira vez desde o ataque a Pearl Harbour, na Segunda Guerra Mun- dial, por um inimigo externo. Até aquele momento, portanto, os EUA não haviam enfrentado uma agressão externa, embo- ra fosse um potencial agressor menosprezado. Por isso, este acontecimento é um fato histori- camente marcante. Pensadores sociais críticos da sociedade atual caracterizaram-no como uma reação na “oprimido” assume o papel de agres- sor direto de seu opressor. Segundo Chomsky, “Aqueles que vêm sendo mencionados como os prováveis autores dos atentados são uma espé- cie de categoria à parte, mas indubitavelmente, obtêm apoio de uma reserva de ressentimen- to e raiva contra as políticas americanas postas em prática na região, que por sua vez são uma continuidade da ação política dos antigos domi- nadores europeus”1. Nesse sentido, enfatiza-se uma razão histórica para tal fato, sem que, ne- cessariamente os defensores desse enfoque me- nosprezem o caráter de atrocidade do atentado. O mundo efetivamente alterou-se com tal fato? Numa tentativa de resposta, à primeira vista seria adequado responder que não. Mas, pare- ce evidente que é demasiado relevante e carre- gado de significados simbólicos, o fato de uma potência hegemônica como os EUA sofrer uma agressão externa, partido de um inimigo poten- cialmente muito mais fraco, e demonstrando com isso, uma vulnerabilidade e uma fragilidade até então impensadas. Segundo Vizentini2, uma das A marca violenta da instabilidade: o 11 de setembro e a guerra dele resultante 52 U m o lh ar in te gr ad o so br e a so ci ed ad e co nt em po râ ne a 53 www.ulbra.br/ead Sociedade e Contemporaneidade do Conselho de Segurança da ONU. O atentado às torres gêmeas, nesse sentido, ofereceu aos EUA um pretexto para “legitimar” a guerra con- tra Saddan Hussein, como prioridade das rela- ções internacionais. No entanto, esse fato se anuncia como que contraditório, pois a luta contra o terrorismo não parece envolver especificamente os ditames das políticas internacionais, mas a “combinação de ação policial, serviços de inteligência e políticas socioeconômicas destinadas a eliminar as causas do fenômeno e não através de operações milita- res convencionais”8. Outro aspecto relevante quanto ao atentado diz respeito ao fato de que também ficou de- monstrado que os EUA reservam para si mesmos o exclusivo direito de agir à revelia das leis inter- nacionais, inaugurando uma tentativa de imposi- ção do “unilateralismo” como visão estratégica do governo Bush para o papel dos Estados Uni- dos na arena mundial. Afirma Vizentini: [...] a economia estadunidense desacelera- va seu crescimento, e os mercados inter- nacionais e bolsas de valores ingressavam numa era de instabilidade, agravada pelo colapso econômico-financeiro de vários países. Então o século XXI inicia com um governo fraco e deslegitimado, o que é agravado por atitudes unilaterais. Em se- guida, ocorre o 11 de setembro, chocando e traumatizando a população americana e do Primeiro Mundo, mas dando aos EUA uma nova iniciativa. Seguem-se medidas de segurança com custos insuportáveis, cer- ceamento das liberdades civis e um reforço violento parecem ser demasiado sutis para ter sido pensados por cérebros dotados de uma lógica tão rasteira; até porque a res- posta seria a possível eliminação do Gru- po Al Qaeda e do regime talibã. Sem ade- rir a teorias conspirativas, é importante lembrar que, dois dias antes do atentado, o Comandante Massud foi assassinado. Este líder da Aliança do Norte seria, num governo pós talibã, um homem indepen- dente. Portanto, isto sugere que a guerra já estava planejada antes dos atentados e que o futuro governo deveria ser dócil ao Ocidente, como de fato o foi.5 Precisamos ter presente a lógica aplicada por este autor quanto a esta questão, e neste sen- tido, entendermos o atentado de 11 de setembro como uma “resposta” a uma guerra não anuncia- da e que o atentado simplesmente a precipitou. Essa guerra foi a Guerra do Golfo, que uniu as potências mundiais, com o aval da ONU, na rea- ção à invasão do Kwait pelo o Iraquegovernado pelo ditador Saddam Hussein. Haveria, portanto, uma lógica “perversa” em todo o processo que levou ao atentado, pois, segundo Vizentini6, a guerra contra o Iraque era uma forma de isolar posteriormente o Irã, que, por sua vez, aliou-se à China e à Rússia, esta- belecendo um contraponto geopolítico regional aos países que impulsionaram as políticas neo- liberais de enfrentamento aos desafios da glo- balização. Da mesma forma, o virtual controle Iraquiano sobre a região causaria danos à eco- nomia européia, pois a Europa é dependente do petróleo do Golfo Pérsico, o que, como conseqü- ência debilitaria o Euro, moeda continental nova e que concorre com o dólar no mercado cambial global. A guerra funcionou como um pretexto que, em dando “certo”, atenderia aos interesses americanos, mas não só, no mundo. Segundo Vizentini7, a resposta norte-ame- ricana ao atentado gerou conseqüências mais sérias, a partir do momento em que levou insta- bilidade à região. A posterior invasão do Afega- nistão e do Iraque, como atitudes unilaterais dos Estados Unidos, inclusive contra a vontade de seus aliados na guerra de libertação do Kuwait de anos antes, fez com que os EUA estejam en- frentando um decréscimo do apoio vindo da Eu- ropa, dos países Árabes e dos demais membros E a potência mundial adquire o direito de ma- tar, sem considerar as diferenças culturais existentes entre os povos do mundo. Fo nt e 3 : S to ck .X ch ng ® U m o lh ar in te gr ad o so br e a so ci ed ad e co nt em po râ ne a Sociedade e Contemporaneidade 54 www.ulbra.br/ead das atitudes belicistas e unilateralistas, que não param de surpreender a comunidade internacional. No entanto, tudo isso deu à administração americana um eixo definido de política externa, embora com crescente resistência mundial, começando por seus próprios aliados. Assim, como tudo na his- tória, o balanço posterior é ambíguo. Por um lado, a autoconfiança da população foi derrubada, e a crença internacional de que a segurança americana era inexpugnável já não existe, embora pouco se fale disso no momento. Num quadro de instabilidade econômica doméstica e global, se revelam igualmente fraturas internas nos EUA e no Ocidente.9 As incertezas provocadas pela presença de uma nação poderosa marcam o contexto presen- te, e a ambigüidade se projeta sobre as tendências inauguradas pela entrada no século XXI. Assis- timos a emergência de guerras mais dramáticas do que as anteriores; o crescimento do papel dos meios de comunicação como fator interveniente nas relações econômicas e políticas; a globaliza- ção como fonte geradora de desemprego estrutu- ral; a transição da produção industrial tradicional para a economia de serviços e o deslocamento das indústrias tradicionais para os países perifé- ricos; a instabilidade financeira internacional e a adoção da democracia liberal na maioria dos pa- íses, como conseqüência da falência do chamado socialismo real. O que torna o 11 de setembro um fato não isolado no contexto da sociedade Ocidental? A noção de sistema social, também nos per- mite a formulação adequada de uma resposta a esta questão. Devemos compreender o conceito de sistema social como um conjunto interdepen- dente de elementos culturais e estruturais.10 Tra- ta-se de uma totalidade constituída de partes con- catenadas, no interior do qual cada parte, sendo semi-autônoma numa dimensão da sua função, é dependente das outras partes como componente de um sistema que é. O conceito de sistema social envolve a com- preensão de que estamos utilizando um funda- mental princípio sociológico que propõe que o todo é maior do que a soma das partes. São im- portantes as palavras de Johnson, quando afirma que: [...] as partes que entram na composição de um sistema social são menos importan- tes do que o próprio sistema e as relações que o constituem; a menos, é claro que aconteça que as partes sejam sistemas sociais. Assim, seres humanos individuais são analiticamente sem importância, ex- ceto em relação à posição que ocupam em sistemas sociais. Este fato, porém, não os deixa fora do contexto sociológico, uma vez que virtualmente tudo que experimentamos e fazemos, relaciona-se de alguma maneira com as limitações impostas pelos sistemas sociais.11 Nas palavras de Johnson, podemos verificar que sistema social é um conceito nos permite assumir uma noção estrutural e estruturante do nosso objeto, pois ele diz respeito a elementos materiais e imateriais interdependentes, isto é, à forma como diversas partes que compõem um todo se encontram ajustadas umas em relação às outras.12 Outro aspecto importante a verificarmos no conceito de sistema social aplicado á análise da sociedade contemporânea, é que ele abrange dimensões totalizantes da realidade. Se tomar- mos como referência Parsons13, verificamos que ele estabelece uma concepção do sistema social como um novo enfoque analítico sobre a relação indivíduo e sociedade, que envolve o real e o sim- bólico simultaneamente, pois ambos afetam pro- fundamente a vida e a ordem social, no sentido mesmo de dirigir o que as pessoas pensam, sen- tem ou fazem sob influência do ambiente social, num contexto em que os meios de comunicação A instabilidade no mundo se instaura em fun- ção de uma única mente que não consegue trabalhar com as diferenças e determina- ções culturais no mundo em complexidades. 54 U m o lh ar in te gr ad o so br e a so ci ed ad e co nt em po râ ne a 55 www.ulbra.br/ead Sociedade e Contemporaneidade avançam sobre os espaços da mediação social. Neste sentido, encontramo-nos influenciados, também, por um sistema de valores, de fatos e de normas, que permite a integração social, na me- dida em que nossas ações são constituídas pelas estruturas sociais e pelos processos que em maior ou menor grau incorporam nossas intenções e vão fazer parte integrante das situações concre- tas que são traduzidas nas instituições sociais. Sob esse ponto de vista, o atentado terrorista de 11 de setembro pode ser visto por novos e diversos ângu- los complementares e integrados? Como acontecimento, o atentado influiu drasticamente na estrutura das próprias relações internacionais e do poder político entre as nações e dentro das nações. Mas também, influiu nas representações que indivíduos e grupos criam ao interpretarem a realidade social que os cerca, com base nas condições presentes num ambiente que supera as intenções e forças motivacionais dos denominados atores sociais. Quais as conseqüências do atentado? A partir dele, instaura-se um processo de insegurança e de incertezas no psiquismo indi- vidual, não apenas das pessoas mais diretamen- te atingidas, no momento em que se percebe que quaisquer alvos ligados aos interesses das potências-alvo, em qualquer lugar do mundo. O sentimento de insegurança de quem se encontra à mercê dos fatos, a mercê das circunstâncias, introduz um traço estrutural e psicossocial mar- cante de nossa contemporaneidade. O psiquismo individual e coletivo passa a ficar marcado por uma contingência inusitada determinada pela conexão das vidas humanas em sentido macro, como parte integrante do sistema social global novo, e em sentido micro, na medida em que essa dimensão da realidade passa a fazer parte da vida cotidiana de indivíduos e grupos. Com base em Parsons14, os subsistemas constituem-se de quatro elementos: subsistema social, subsistema cultural, subsistema político e subsistema econômico. Segundo Nery15, o sub- sistema social possui como componente de sua estruturação o conjunto de normas e de regras presentes no contexto das sociedades. O subsis- tema cultural baseia-se nos valores pertinentes aos componentes da estrutura social, e a própria conservação dos modelos culturais. O subsis- tema político, que Parsons16 classifica como de personalidade, tem seu componente estrutural a coletividade e envolve finscoletivos. No subsis- tema econômico que o autor classifica como or- ganismo de comportamento, encontra-se a fun- ção primária de adaptação ao ambiente em sua totalidade. Os indivíduos e grupos internalizam todo um sistema de normas com as quais se identificam e estabelecem o que podemos denominar de reper- tórios de ações individuais e coletivas. Os sub- sistemas culturais envolvem a organização dos valores, idéias, hábitos e crenças, bem como as normas e também A imagem ao lado nos fala con- sequentemente do contexto da complex idade, c o m p l e x i d a d e nas ciências na- turais e exatas e complexidade existente também no campo das re- lações sociais. Fo nt e 1 5: A rq ui vo U lb ra EA D E a civilização é ferida de morte por ele- mentos que ela mesma, em seu processo civi- lizador, criou, ficando sem rumo certo para seguir adiante. U m o lh ar in te gr ad o so br e a so ci ed ad e co nt em po râ ne a Sociedade e Contemporaneidade 56 www.ulbra.br/ead os símbolos, com os quais indivíduos e grupos orientam sua existência individual e coletiva, es- tabelecendo os meios e os fins de suas ações. É importante ter claro que ao compartilharmos os elementos presentes no subsistema cultural é que temos a constituição da estrutura social.17 Pode-se verificar, então, que há uma relação de interdependência entre os subsistemas, social, cultural, político e econômico, na medida em que toda e qualquer sociedade pode ser compreendi- da como resultado da interação destes subsiste- mas.18 Com base no conceito de subsistemas so- ciais, verificar as funções de cada um no gran- de sistema social globalizado contemporâneo. O subsistema político, no contexto da socie- dade atual, envolve assegurar o sistema de re- presentatividade democrática através do qual são deliberados os fins coletivos. O subsiste- ma econômico envolve a garantia de eficiência econômica das nações, o que também envolve melhoramento adaptativo. O subsistema social tem por finalidade a garantia da integração e da coesão social; envolve a integração e social, especialmente na interface como o subsistema econômico. E, o subsistema cultural envolve o processo de socialização dos valores culturais e representações coletivas da realidade, função antes cumprida pelos rituais e pela tradição, e hoje fortemente influenciado pelos meios tecno- lógicos de comunicação através de redes digitais. Como se poderia, então, estabe- lecer uma relação entre os sub- sistemas sociais e o fato histórico de 11 de setembro? Com relação ao subsistema político, que envolve a questão da democracia tal como de- fendida representada historicamente pelos EUA, assim como componente da retórica do enfren- tamento ao terrorismo, convém observar-se que a própria postura norte-americana nas relações internacionais colocou em questão alguns valo- res básicos da democracia, na medida em que os EUA desrespeitaram pressupostos da ordem jurí- dica internacional e consubstanciados pela ONU. Os fins políticos determinados pelos interesses norte-americanos foram impostos aos interesses coletivas da maioria dos países Ocidentais, in- clusive pondo em risco o equilíbrio das relações internacionais. Com relação ao subsistema eco- nômico, a o desempenho norte-americano, pelo próprio custo da guerra com o Iraque, tem sido questionado, dada sua fragilidade, claramente comprovado pela queda do dólar gerada pelo dé- ficit público. No que concerne ao subsistema cultural, no qual se expressa o imaginário coletivo da so- ciedade global emergente, suas representações e valores, assiste-se a explosão da diversidade despertada pelo contato das diferentes culturas com as informações em profusão nas redes de comunicação, revelando uma evidente dificulda- de dos EUA para lidar com essa pluralidade, que se apresenta com parte do novo subsistema social mundial em formação. O surgimento de novos tipos de conflitos violentos como o que emerge com o terrorismo e a reação que ele desperta, in- troduz um componente desestabilizador das re- lações interculturais que poderiam da origem a um novo sistema pacífico e estável de relações internacionais. Pensarmos acerca do poder simbólico e da constituição da sociedade é pensarmos acerca dos elementos constituintes do que denominamos E o mundo está de luto, pelas guerras e instabilidades nele existentes. Fo nt e 1 6: S to ck .X ch ng ® /M on ta ge m U lb ra Ea d 56 U m o lh ar in te gr ad o so br e a so ci ed ad e co nt em po râ ne a 57 www.ulbra.br/ead Sociedade e Contemporaneidade de subjetividades. A subjetividade individual é construída socialmente. A projeção de um siste- ma social global novo remete-nos à necessidade sua sustentação pelo equilíbrio do todo, nas aspi- rações individuais dos integrantes desse sistema em todas as suas esferas e dimensões. Dubar19 trabalha a constituição da identida- de como sendo fundamentalmente originária do processo de socialização, e, neste sentido, a so- cialização constitui os indivíduos ao mesmo tem- po em que define o perfil das instituições sociais. É no processo de interação que os indivíduos se constituem, pois nele encontramos a presença do compartilhar sentidos e significados, que uma vez internalizados possibilitam a construção de específicos repertórios de ações individuais e coletivas, que, por sua vez, acabam por constituir subjetividades e identidades. As formas de produção simbólica são im- portantes e significativas para compreendermos a sociedade. Devemos compreender que todo símbolo representará algo para além de si mes- mo. Pensarmos o poder simbólico e a constitui- ção da sociedade é pensarmos na representação que fazemos da sociedade, nas formas como esta sociedade é representada em nós mesmos. A so- ciedade não se constitui simplesmente em sua di- mensão concreta que pode ser traduzida por suas instituições sociais, mas também, se constitui de sistemas culturais, tal como vimos anteriormen- te, que sofrem modificações na dinâmica presen- te no social. Estamos vivendo um período que se deno- mina de pós-modernidade. Neste período da his- tória humana as condutas individuais e coletivas, assim como a mediação das relações sociais, é fortemente influenciada pela presença abrangen- te, ubíqua e permanente dos meios de comunica- ção, que constituem parte inseparável do ambien- te no qual se dá a construção das representações individuais e grupais. Assistimos a perda de for- ça da fé na universalidade da razão humana, a dissociação entre saberes especializados e o sa- ber do senso comum, que, por sua vez, refletem os deslocamentos de poder e a fragmentação que contagiam o saber científico, instaurando-se um contexto de descontinuidades e conflito20. Segundo Martelli, “O pós-moderno, a nos- so ver é exatamente isto: a re-interpretação de significados a símbolos presentes tanto na tra- dição como na modernidade e até no arcaico, mas de maneira seletiva e mediata sem ilusões sobre a existência de atalhos míticos em dire- ção ao“paraíso perdido” e guiada pela inten- ção de formar a vida cotidiana mais dotada de sentido”21. A complexidade das relações sociais é po- tencializada, pois os elementos da modernidade e da pós-modernidade coexistem na esfera cultu- ral cultura e nos modelos referenciais de indiví- duos e grupos e nas suas representações sociais, porque a força motriz desse processo reside nas descontinuidades entre as linhas referenciais fornecidas pela sucessão de gerações.22 Neste sentido, tudo tende a misturar-se o tempo todo, produzindo efeitos “micro” e “macro” sociais, tais como: des-historização de experiências; des- localização das relações sociais; sentido de imo- bilidade como resultado da experiência de acele- ração contínua o tempo todo e da rotinização da novidade técnica; des-realização; fragmentação da identidade; deslocalização; desenraizamento; transitoriedade; sensação de não-pertencimento;deslocalização da experiência e incapacidade do fornecimento de representações sociais adequa- das à hipercomplexidade.23 Podemos observar que encontramo-nos na sociedade dos símbolos, fazendo com que tenhamos a presença de novas representações sociais a todo instante. Aconteci- mentos com o 11 de setembro, por exemplo, em alguns instantes provocam alterações profundas na representação socialmente construída em re- lação à presença dessa potência, como realidade ou como imagem projetada em todo o mundo. Para analisarmos alguns traços marcantes da pós-modernidade que levam à nova consti- tuição da sociedade desse novo momento histó- Nunca imagi- namos que tal fato poderia acontecer em nossa sociedade civilizada. U m o lh ar in te gr ad o so br e a so ci ed ad e co nt em po râ ne a Sociedade e Contemporaneidade 58 www.ulbra.br/ead rico, portanto, é interessante observarmos o que nos diz Gadea24, por exemplo, ao afirmar que no âmbito das formas como as pessoas pensam e definem suas respectivas situações vitais e as conseqüentes concepções da ordem social, des- cobrimos que a forma de percepção do tempo é praticamente dirigida pela contingência; pela eventualidade como orientação temporal das condutas. A profusão de imagens, informações e demandas, leva à priorização do presente cons- tante; do aqui e do agora, do imediatismo a reger as condutas de indivíduos e grupos. Já a relação com o transcendente; com o divino, nesse con- texto faz emergir a crise da razão e um novo pro- cesso de reencantamento do mundo. Como busca da felicidade traduz-se como concepção lúdica da vida; e, a organização social vê surgir uma “nova-comunidade”, na qual os vínculos sociais também são determinados pela contingência e pela eventualidade. Vivemos, então, num contexto de instabili- dades na sociedade dos simulacros, dos símbolos. Nesse contexto, talvez numa dimensão sequer es- perada por seus protagonistas, o 11 de setembro se constituiu num símbolo de questionamento de uma estrutura de poder até então inquestionável, mas também numa reflexão mais abrangente so- bre a própria condição humana numa sociedade que é capaz de produzir um acontecimento como esse, ao mesmo tempo “medieval”, na figura dos guerreiros suicidas de Bin Laden, e pós-moderno nos contornos, formas e dimensões que assumiu. Já no âmbito da ordem social emergem as diferenças, a heterogeneidade, o reconhecimen- to social, o respeito; reivindicados como princí- pios galvanizadores de uma nova afetividade, no sentido de que nos juntamos por proximidades, por sociabilidades; por identidades. No que diz respeito aos princípios de legitimação da reali- dade, emergem diversas “realidades” construídas pela multiplicidade de sujeitos e suas múltiplas representações do mundo tal como percebidas nos vários ambientes em cada um constrói suas identidades mutantes e multifacetadas. A múlti- pla combinação de relações possíveis entre esses “personagens” dá origem a um mundo de relações reais e virtuais hipercomplexas e multidimensio- nais, revelando uma faceta da pós-modernidade que envolve a ausência da função integradora de agregação social. Num contexto com essas características, o 11 de setembro é mais do que um marco histórico apenas. Se, por um lado, ele expressa dimensões do passado incrustado no presente; como os ve- lhos conflitos entre o Oriente e o Ocidente, entre dominadores e dominados, entre imperialistas e colônias, ainda que sob outras formas, não seria possível compreendê-lo em todas as suas facetas e implicações se reduzíssemos um acontecimento dessa magnitude e significado, à simplicidade di- cotômica do bem contra o mal, que cada uma vê como quer na dinâmica de conflitos como esse. Há mais, muito mais do que as vãs filosofias do passado são capazes de perceber, por trás de um acontecimento como o 11 de setembro. Se qui- sermos e soubermos construir os instrumentos de análise adequados à sua compreensão, talvez possamos, fechando o foco no atentado mesmo, identificar todos, ou quase todos, os ingredientes que caracterizam o sistema social do mundo em transformação. De onde viemos? Talvez saiba- mos. Mas, diante de um mundo assim, so- mente novas interrogações encon- tramos quando nos perguntarmos: Quem somos? Onde estamos? Para onde vamos? 58 U m o lh ar in te gr ad o so br e a so ci ed ad e co nt em po râ ne a 59 www.ulbra.br/ead Sociedade e Contemporaneidade E, talvez estejamos diante do espelho a dizer o seguinte: Espelho, espelho meu, existe alguém mais civilizado do que eu? 1 CHOMSKY, 2003, p. 13. 2 VIZENTINI, 2002. 3 Ibid., p.173. 4 CHOMSKY, 2003. 5 VIZENTINI, 2002, p.175. 6 Ibid. 7 Id. 8 Ibid., p. 174. 9 Ibid., p. 175. 10 JOHNSON, 1997. 11 Ibid., p. 209. 12 BIROU, 1982. 13 PARSONS, 1968. 14 Ibid. 15 NERY, 2007. 16 PARSONS, op. cit. 17 QUINTANEIRO, 2002. 18 PARSONS, op. cit. 19 DUBAR, 2005. 20 MARTELLI, 1995. 21 Ibid., p. 419-420. 22 Ibid. 23 Id. 24 GADEA, 2007. Talvez um dia, tentando re- solver as graves questões que es- tão a nos inquietar, consigamos a paz necessária para darmos respostas as nossas mais signi- ficativas questões humanas. Talvez um dia as novas gerações desenvolvam suas me- lhores dimensões e consigam cuidar de nosso mundo huma- no desta forma que nos retrata a foto: Font e 17: Stoc k.Xc hng® Fo nt e 1 8: S to ck .X ch ng ®
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