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Distúrbios da Hemostasia Primária

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Haíssa Maria Augusto Soares
Distúrbios da Hemostasia Primária
Os distúrbios da hemostasia primária ocorrem por 3 mecanismos: fragilidade da parede vascular, alterações plaquetárias e alterações no fator de Von Willebrand (FvW). A manifestação mais comum é o sangramento mucocutâneo com petéquias, gengivorragia, epistaxe, hematêmese, melena, hematúria e menorragia ou sangramento imediatamente após pequenos traumas.
Fragilidade da Parede Vascular
Mais causado por alterações microvasculares de causa inflamatória ou não. Na investigação devemos procurar púrpura palpável (com fibrina, edema ou infiltração), sinais inflamatórios ou alteração de exames laboratoriais.
· Púrpura não inflamatória palpável -
· Disproteinemia: crioglobulinemia, doença de Waldenström (depósito de IgM);
· Púrpura trombótica: necrose por varfarina, deficiência de proteína C e S, livedo reticularis, síndrome do anticorpo fosfolípide;
· Púrpura embólica: êmbolo de cristal de colesterol;
· Púrpura inflamatória palpável ou não - 
· Pioderma gangrenoso: alteração do sistema imunológico;
· Púrpura de Henoch-Schönlein: infecções de vias aéreas superiores, medicamentos, alimentos e exposição ao frio. É a principal causa de vasculite na infância, mas comum em meninos. Ocorre vasculite leucocitoclástica por depósito de complemento e imunocomplexos. Há púrpura palpável simétrica, ausência de plaquetopenia ou alteração da coagulação, artralgia ou artrite, dor abdominal e nefrite. O diagnóstico é clínico e é uma doença autolimitada;
· Infecção: meningococcemia, rickéttsia, sarampo;
· Eritema multiforme: infecção por Mycoplasma, adenovírus ou CMV ou medicamentos como sulfas, fenitoína a AINEs;
· Púrpura inflamatória palpável - 
· Poliarterite nodosa: infecção estreptocócica, parvovírus B19, HIV, HBV, TB, DII, trombose de veia cava inferior;
· Vasculites associadas ao ANCA: Weneger, Churg-Strauss;
· Púrpura não inflamatória não palpável - 
· Hipersensibilidade a medicamentos: depósito de imunocomplexos;
· Diminuição da integridade vascular: púrpura senil, excesso de glicocorticoide, deficiência de vitamina C, doença do tecido conectivo
Alteração Quantitativa das Plaquetas
A trombocitopenia é caracterizada por contagem de plaquetas inferior a 150.000/mm³. As principais causas são diminuição da produção, aumento da destruição e sequestro esplênico e, a depender da causa, vamos ter a indicação de tratamento. Sangramento significativo em geral não ocorre em contagens plaquetárias acima de 10.000 ou 20.000/mm³. 
· Diminuição da produção - pode ser congênita ou adquirida
· Carência de vitamina B12 e ácido fólico: causas importantes de plaquetopenia, geralmente acompanhada de anemia e/ou leucopenia;
· Doenças primárias da medula óssea: distúrbio na produção dos megacariócitos, anemia aplásica, mielodisplasia, leucemias, tumores, agressão por quimioterapia ou radioterapia;
· Megacariopoiese ineficaz: produção de megacariócitos anômalos;
· Quadros infecciosos: HIV, HCV, EBV;
· Excesso de destruição - 
· Púrpura trombocitopênica idiopática: formação de anticorpos antiplaquetários, pode se associar com outras doenças autoimunes ou pode ser idiopática;
· Destruição mecânica: hemólise por próteses valvares, hemangioma cavernoso, aneurisma de aorta ou aterosclerose;
· Consumo: quadros inflamatórios ou infecciosos;
· Medicamentos: heparina, quinidina, ácido valpróico, sulfas, interferon e vacina da catapora;
· Púrpura aloimune: presença de aloanticorpos por transfusão ou transmissão materno-fetal;
· Trombocitopenia aloimune neonatal: mãe produz anticorpos IgG que ultrapassam a placenta e destroem as plaquetas em formação. Devemos manter as plaquetas entre 30.000 e 50.000 para evitar sangramento intracraniano. O quadro reverte-se em 1 a 4 semanas, enquanto isso deve-se transfundir plaquetas compatíveis com as da mãe e/ou administrar imunoglobulina. Taxa de recorrência em gestações subsequentes é de 75 a 90%;
· Sequestro esplênico - pacientes com esplenomegalia podem reter até 90% das plaquetas circulantes no baço. A causa mais importante é hepatopatia crônica com hipertensão portal e esplenomegalia congestiva. No hiperesplenismo temos esplenomegalia, aumento da destruição de plaquetas, leucócitos e hemácias e aumento de precursores medulares.
A púrpura trombocitopênica idiopática (PTI) é a causa mais comum de plaquetopenia em crianças. É uma doença autoimune que pode ser aguda (3 meses), persistente (3 a 12 meses) ou crônica (mais de 12 meses) e cursa com destruição plaquetária imunologicamente mediada. O diagnóstico é de exclusão.
A incidência é maior na infância após quadro viral (cerca de 3 semanas) ou vacina, com grandes chances de remissão espontânea. Nos adultos é mais comum em mulheres entre a segunda e quarta décadas de vida e em idosos, com menos chance de remissão clínica. 
No quadro clínico temos petéquias ascendentes, epistaxe, gengivorragia e menorragia. Idosos geralmente apresentam sangramentos mais graves. A PTI é indolor, não palpável e pode ocorrer em qualquer parte do corpo. A contagem de plaquetas pode chegar a 10.000/mm³ com presença de megatrombócitos circulantes.
Podemos iniciar tratamento em casos com plaquetas abaixo de 30.000/mm³, sangramento ativo ou necessidade de intervenção cirúrgica. Ainda podemos levar em consideração o risco de trauma, uso de medicamentos e presença de comorbidades.
A primeira opção terapêutica é o corticoide a fim de reduzir a afinidade dos macrófagos com as plaquetas. A corticoterapia pode ser feito com prednisona, pulsos com dexametasona e pulsos com metilprednisolona. O sangramento geralmente diminui de intensidade após o primeiro dia de corticoide, mas a contagem de plaquetas pode levar 4 semanas para se elevar.
Pacientes com sangramento importante, em pré-operatório, gestantes ou refratários ao uso de corticoide podem se beneficiar do uso de imunoglobulina, com resposta laboratorial em 1 a 5 dias. A transfusão de plaquetas é feita apenas em casos de sangramento ativo e risco de vida iminente, com o dobro da dose usual. Em casos refratários podemos fazer a esplenectomia (após 6 meses de observação). Ainda podemos utilizar, em casos refratários: rituximabe (diminui a síntese de anticorpos), análogos de trombopoetina (melhoram plaquetometria), danazol, ciclofosfamida, azatioprina e ciclosporina.
Alteração Qualitativa das Plaquetas
Congênitos: 
· Síndrome de Bernard-Soulier - menor número de receptores para o FvW e defeito de adesão plaquetária, além de diminuição da contagem plaquetária;
· Tromboastenia de Glanzmann - síndrome hemorrágica rara com déficit na agregação plaquetária;
· Storage pool disease - leva a respostas anormais na produção de prostaglandinas ou liberação de ADP, alterando agregação e ativação plaquetária;
Adquiridos:
· Ingestão de AAS - altera agregação plaquetária ligando-se de forma irreversível à COX-2, com isso aumenta o tempo de sangramento;
· Ingestão de AINEs - inibem reversivelmente a COX;
· Tienopiridinas - agem inibindo o receptor plaquetário de ADP e a agregação plaquetária;
· Inibidores da glicoproteína IIb/IIIa - impede agregação plaquetária;
· Uremia - altera adesão, agregação e secreção de grânulos plaquetários;
Doença de Von Willebrand 
Distúrbio autossômico dominante (tipo 1, mais comum) ou recessivo (tipo 3) que leva a uma redução do FvW levando a uma alteração na adesão plaquetária e diminuição do fator VIII. A DvW pode ser de 3 tipos:
· Tipo 1 - deficiência quantitativa parcial de FvW;
· Tipo 2 - deficiência qualitativa de FvW
· 2A - redução da adesão plaquetária e ausência de grandes multímeros;
· 2B - afinidade pela glicoproteína Ib;
· 2M - redução da adesão plaquetária e presença de grandes multímeros;
· 2N - redução da afinidade do fator VIII coagulante;
· Tipo 3 - deficiência quantitativa completa do FvW;
No quadro clínico temos as manifestações de patologias da hemostasia primária, com exceção do 2N, que se comporta como hemofílico pela deficiência do fator VIII. A perda sanguínea diminui na vigência de estrogênios ou durante a gravidez, que aumentam a produçãode FvW.
Se a suspeita clínica for grande, talvez seja necessário repetição das análises laboratoriais pois há diversos fatores que alteram a quantidade de FvW:
Testes de rastreio - tempo de sangramento (aumentado em todos, menos 2N), tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA - normal ou prolongado a depender do fator VIII) e contagem plaquetária (normal, mas no 2N pode haver plaquetopenia);
Testes específicos - dosagem de fator VIII (diminuído no 2N e tipo 3), dosagem de FvW (normal ou limítrofe no tipo 2 - indivíduos tipo O tem FvW mas baixos do que tipo AB) e atividade de cofator da ristocetina (alteração funcional do FvW - diminuído em todos os tipos);
Testes classificatórios - eletroforese de FvW, aglutinação plaquetária induzida pela ristocetina (aumentada na 2B e diminuída nos demais) e análise genética (pré-natal);
No tratamento devemos evitar o uso de AINEs e anticoagulantes orais. O tratamento é feito com desmopressina (causa aumento do fator VIII e do FvW) e, para casos não responsivos, é possível utilizar o fator VIII liofilizado.

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