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@amorporleitura-Café Coado na Calcinha - Yule Travalon

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CAFÉ COADO NA CALCINHA - A mãe de todas as
conspirações -
 
Yule Travalon
 
“Ser criado, gerar-se, transformar 
O amor em carne e a carne em amor; nascer 
Respirar, e chorar, e adormecer 
E se nutrir para poder chorar 
Para poder nutrir-se; e despertar 
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir 
E começar a amar e então sorrir 
E então sorrir para poder chorar. 
E crescer, e saber, e ser, e haver 
E perder, e sofrer, e ter horror 
De ser e amar, e se sentir maldito 
E esquecer tudo ao vir um novo amor 
E viver esse amor até morrer 
E ir conjugar o verbo no infinito...”
 
Vinicius de Moraes em “O Verbo no Infinito”.
Sumário
Sumário
Agradecimentos
Introdução
Nota da Revisora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Epílogo 1
Final
Epílogo 2
Sobre Yule
Agradecimentos
Que conto polêmico, né? E controverso. Pelo título você imagina que vai ser uma
pornochanchada surrealista e quando lê... percebe que era isso mesmo, ou pior, só que com
um pouquinho de bom senso – graças a Deus.
Agradeço a Deus, meus pais, meus melhores amigos João Britto, Brena Luz, Thiago
Souza e Lucas Oliveira. E a Manoel, por seu carinho, opiniões e encorajamento.
Gabriel Oliveira (G. R. Oliveira – Conte-me Seus Sonhos & Doce Pecado), obrigado
por seu tempo, suas críticas e apontamentos. Lembra-se que nos conhecemos através de
Giulia? E cá estamos nós, um ano depois, vendo o livro nascer. De 40 páginas para 400! Essa
amizade não apenas me fez bem como pessoa, mas à minha literatura também. Espero poder
estar retribuindo a altura.
Charmaine Heringer que me disse que um livro devia ser escrito do conto apenas e
somente se eu tivesse algo mais a contar. E eu não o escrevi até que tivesse algo grande, bem
grande, irônico e debochado para contar! Obrigado, Char, por enxergar em mim o que eu
duvidava. Foi através dos seu primeiro “sim” que passei a ignorar todos os “não”. E há muito
de você, para você e por você nesse livro. Espero que leia, sinta e perceba.
Agora tenhamos, por favor, um minutinho para agradecer a duas grandes autoras que
eu sou fã e que me deram a honra de ler o conto. Talvez elas nunca leiam o livro, mas foi a
motivação, o feedback e a força que me deram que tornou isso possível.
Anne Krauze (Um Amor de CEO & Enlaçados), sua literatura me fez sonhar e me deu
um parâmetro de qualidade que eu queria seguir. Mesmo que escrevamos coisas
completamente diferentes, sua literatura leve, fluida e com personagens bem construídos e que
sabem cativar me enlaçaram. Obrigado por ser uma das minhas divas inspiradoras, obrigado
por existir e escrever (cadê o livro novo, hein dona Krauze?), e obrigado por me notar.
Evy Maciel (Com Amor, Greg & Garoto Problema) que com seu feedback totalmente
inesperado do meu conto me fez dar um cataploft twist carpado para trás. Evy é, além de uma
escritora cheia de criatividade e boa qualidade, uma pessoa ímpar. Atenciosa, gentil e sabendo
captar o melhor da gente, Evy é um desses achados maravilhosos que a vida nos permite
esbarrar – na verdade foi ela quem esbarrou em mim, por que ela já era inspiração antes de
imaginar que um café podia ser coado na calcinha e virar livro. E como não bastava ser esse
unicórnio mágico da literatura, um dia ela decidiu aparecer e dizer: “gente, eu sou a Tara Lynn
O’brien, tá? Vocês achavam que sabiam tudo sobre mim? Vocês não sabem é nada, cabou
2017”. Obrigado, Evy.
Aos meus queridos amigos autores que me deram muita força e estiveram ao meu lado,
Rodolpho Sousa (Tom Adamz – Dr. Prazer & Lúcifer) pela ajuda dicas, Icaro Trindade
(Garoto à Venda) pela capa do conto, por essa capa e pelas boas conversas, R. B. Mutty
(Barriga de Aluguel por Acaso); Josiane Veiga (Procura-se uma Esposa & O Rei Águia),
essa máquina de escrever, uma alma aquariana singela, que no meio do furacão da confusão do
meu conto, me disse: “você é uma pessoa corajosa” e ficou ao meu lado enquanto meio mundo
criticava o conto sem sequer ter lido um parágrafo; Bárbara P. Nunes (O Vilão em Mim) uma
pessoa madura que aprendi a respeitar na primeira conversa; Nana Simons (O Monstro em
Mim & O Monstro Rendido) essa diva de romances corajosos, intensos e uma pessoa que
batalha bastante para trazer algo incrível para a Amazon; Lety Friederich (O Mistério de
Logan Bennet & a série Segredos Mortais) Alec Silva (Anamélia e A Guerra dos Criativos)
que além de escrever livros maravilhosos de fantasia sempre me estende a mão quando
preciso; e por fim e não menos importante, uma nova diva em meu panteão, recentemente
devorei seus livros e ainda estou no chão, por que a Amazon só tem a ganhar com tantos
talentos diferenciados e com escrita cheia de qualidade. Anne Marck (Dom, Damien & Luz da
Manhã) que com uma simplicidade, diálogos cheios de emoção e personagens que nos enchem
os olhos, me fizeram parar muitas vezes de escrever esse livro para ir devorar os seus. E valeu
super a pena.
Agradeço também aos outros amigos autores e aos que não conheço ainda, mas tenho
extrema admiração. É por culpa de vocês que a Amazon cresce e leva sonhos, histórias e
conforto para muitas pessoas. Obrigado por existirem e fazerem parte dessa nova geração de
grandes autores. Poder estar entre vocês é uma honra.
E à minha maravilhosa revisora Daniela Vazzoler que com sua sensibilidade e boa
vontade pegou o espírito da obra e deixou o material impecável para que chegasse às suas
mãos.
E as leitoras? Eu poderia esquecê-las?
Sabem quantas vezes eu abandonei esse arquivo, quis apaga-lo e recomeçar a história
do zero porque não sentia que ela estava à altura? Muitas.
Escrevo para vocês e eu sei a responsabilidade disso. Eu exijo de mim algo de
qualidade, algo que possa acrescentar-lhes algo e fazer seu tempo valer à pena. Por isso
demorei, mil desculpas. Tive de reescrever e repensar esse livro um milhão de vezes até que
ele chegasse aos seus olhos.
Obrigado por confiar em meu trabalho. Obrigado por esperar. Obrigado por me dar
mais essa chance. Espero que leiam, se divirtam e levem um pouquinho da Giulia com vocês.
Meus profundos e sinceros agradecimentos a Chris Campos, Lu Maccari, Elisângela
Rocha, Flavia Adriano, Maria Eduarda Dornelles, Fabiana Sousa, Cristiane Reis, Tai Carvalho,
Vania Cristina, Débora Knob, Edna Nascimento, Eliszsb, Andrea, Regina, Eva Figueira,
Rosana, Fernanda Faustino, Yka Nick, Adri Balan, Claudia Rejane dos Santos, Risia Moura,
Dany Sousa, Maria São Pedro Souza, Mariana Cristofolete, Nidiegy, C. L, Rebeca de Arruda,
Kimberly Kelly, Roberta Natasha Cezario Vieira, Fabiana Carvalho Leme, Lú Oliveira, Mary
Oliveira, Nathália Novikovas, Cleomara Alves, W. F. Endlich, Pri Assis (obrigado pela
resenha maravilhosa!), Karina Altobelli, Solaine Chioro (e aquela resenha maravilhosa), Rose
Oliveira, Lais Pereira e todas as outras que não consegui encontrar o nome.
Sem vocês não seria possível ter chegado até aqui. E espero vê-las do outro lado da
montanha sagrada!
Beijo no coração e boa leitura a todos e a todas!
Yule.
Introdução
Antes de começarmos, uma palavrinha.
“Café Coado na Calcinha” (o conto) nasceu de uma brincadeira. E após sua
repercussão eu percebi que tinha uma grande chance em mãos: escrever algo divertido
(comédia romântica) unido a algumas conspirações.
Infelizmente eu não senti que tinha a maturidade para escrever essa história ano
passado – mesmo com tantos pedidos e insistências. Então fiz dos meus livrosanteriores “Nas
Mãos do CEO”, “Resistindo ao Passado” e “Um CEO em Minhas Mãos” o laboratório para
esse.
Eu gosto de escrever sobre poder. E Café Coado na Calcinha é sobre vários níveis de
poder. Enquanto “Nas Mãos do CEO” e sua continuação “Um CEO em Minhas Mãos” tratam
do poder das grandes construtoras e empreiteiras no palco da corrupção brasileira e
“Resistindo ao Passado” apresenta a influência de banqueiros e a bancada ruralista, “Café
Coado na Calcinha” é a mãe de todas essas conspirações.
Temos aqui a mídia e o seu discurso revestido de verdade e como plano de fundo uma
conspiração muito maior do que todas as anteriores! Muito mais do que isso: temos uma
história de amor e Giulia Nolasco, que segundo G. R. Oliveira, é a minha melhor personagem
até hoje.
Primeiro esclareçamos o detalhe cronológico: Os três livros “Nas Mãos do CEO”,
“Café Coado na Calcinha” e “Resistindo ao Passado” são paralelos. Ou seja, os
acontecimentos estão ocorrendo ao mesmo tempo em três palcos de poder, sendo que eles se
unem no leilão ofertado pelos Leão. Então, sim, você encontrará aqui alguns personagens
como a Wilhermina, Ricardo e Mikhael.
Segundo esclareçamos a divisão deste livro: Este livro está dividido em quatro atos. O
primeiro ato se chama “Café Coado na Calcinha”, o segundo se chama “Os Incendiários” e o
terceiro se chama “Montanha Sagrada” e há, por fim, o ato final. Por que dividi assim? Ficou
mais fácil de escrever e fica mais fácil de entender onde eu quis chegar. Imaginei esse livro
como uma ópera, de modo que a história vai ficando mais intensa e mais intensa até o realismo
se fundir com o surrealismo e expressionismo – essa era a ideia.
Terceiro esclareçamos o fim da conspiração: Esse é o meu último livro sobre
conspiração política (assim espero). Eu ainda tenho o roteiro de um livro que trate sobre o
tráfico de drogas (onde Guilherme Coelho e Thaís Pimenta seriam os protagonistas), mas esse
assunto ao mesmo tempo que é delicado, é perigoso. Ademais, a sensação que me fica agora, é
que eu bati tanto nessa mesma tecla conspiratória e girei em torno dos mesmos personagens
que me pareceu que a criatividade tinha ido embora.
E ela não foi. Tenho muitos outros roteiros prontos, a maioria deles de histórias clichês,
outras comédias românticas, algumas histórias com teor mais existencialista e transcendental
(você vai perceber que há um toque disso nesse livro).
Então aqui eu encerro a era História Brasilis para entrar em terrenos diferentes, cheios
de filosofia, psicologia e questionamentos sobre a modernidade em que vivemos – e acredite,
você verá muito disso aqui.
Agradeço de profundo coração por terem me acompanhado até aqui. E desculpem-me a
demora em lançar esse livro.
Pode não parecer, mas eu não só fui escrevendo aleatoriamente... esse livro tem muita
pesquisa e não para apenas na área política. Eu fui na cabala judaica e seus estudos sobre a
“árvore da vida” para poder construir parte da trama, reassisti a alguns clássicos como “V” de
Vingança, Laranja Mecânica, Matrix e outros para poder construir essa obra.
Então, o que é “Café Coado na Calcinha”? Uma comédia romântica? Ficção
Científica? Um romance para maiores de 18? Um livro de piadas? Um livro amador filosófico?
Espiritualista? Debochado? Com pinceladas de magia?
Descubra você o que esse livro é. E me conte depois!
Nota da Revisora
Esta obra segue a norma culta da língua, mas para preservar a autenticidade do autor,
prestigiando seu estilo intimista, mantive a linguagem coloquial. Então verá alguns mas, se, e ,
etc., utilizados fora de seu habitual uso dentro da norma culta. Durante a leitura, ficará bem
claro que manter a forma coloquial fez toda a diferença. O autor possui estilo próprio e sua
escrita é dinâmica, autêntica. Aprecie a leitura, dispa-se de “pré-conceitos” e descubra por que
Yule Travalon é um autor Best Seller.
Dani Vazzoler.
 
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da
vida real terá sido mera coincidência. Ou não. Ou foi mesmo, vai saber.
 
Aviso: nenhum político corrupto ou qualquer outro tipo de animal foi maltratado ou ferido
durante a realização deste livro.
 
Ato I – Café Coado na Calcinha Ópera: Carmen – Habanera:
“L'amour est un oiseau rebelle"
Prólogo
Giulia Nolasco
Qual era o seu sonho de criança?
Algumas pessoas dirão que seus sonhos eram ser bombeiro e salvar vidas em risco, ser
professor e ensinar as crianças – o futuro do país –, ou ser médico e curar alguma doença que
sequer é conhecida hoje em dia.
Ah, o meu sonho?
Trabalhar na tevê e ver o circo pegar fogo.
E adivinha só? Eu consegui! Mas acho que foi do jeito errado...
Se você ligar na tevê agora e ir para o canal 1, corre o risco de me ver.
Sou uma atriz badalada, famosa nas redes sociais, namorada de um jogador estrelado
de futebol? Não, sejamos mais modestos, por favor. Sou uma apresentadora que tem cabelo de
cantor de rock e que fala com um fantoche verde e amarelo? Não, seria engraçado, mas
definitivamente não. Então será que sou a moça do tempo, que fica com um pauzinho
apontando para o vazio e alertando pancadas de chuva e golpes políticos em forma de
vendavais? Ih, é hora de descer um pouquinho mais, se possível, na boquinha da garrafa.
Se notar bem, você verá a bancada do jornal da manhã, seu apresentador e
apresentadora. Ótimo! O dia mal começou e eu já estou ao vivo, liga a tevê aí mãe! Coloquei
fogo no parquinho!
—... A gasolina receberá um novo aumento — a apresentadora que se chama Kátia,
cabelos negros e rosto oval volta-se para George, seu colega. Tenta disfarçar o estranhamento,
mas é nítido que algo está errado.
George a encara, um sorriso de canto desponta em seus lábios, ele está se divertindo.
Puxa a caneca com o símbolo da emissora e toma um gole ou dois rapidamente.
— Assim como a conta de energia, Kátia. E o ministro da fazenda diz que se as
propostas do atual governo não passarem, os impostos aumentarão — diz sério, sóbrio. George
é forte, tem aquele porte másculo, um jeito imponente de ficar sentado na cadeira e olhar para
a câmera. E também um jeito cretino de assediar as funcionárias.
Sua mão forte vai para baixo da mesa. Ele chega a tocar em meus cabelos, mas eu
afasto o rosto. Ele insiste, leva seu dedo indicador para os meus lábios, simula um gesto
indecente. Eu mordo o dedo dele com tanta força que sinto que ele quase peidou. Obviamente
conferi mais tarde a cara que ele fez em um vídeo na internet, e céus, se eu pudesse salvaria
aqueles poucos segundos como descanso de tela!
— O governo tem sido mordaz — ele diz entredentes. Tenta puxar o dedo, mas só piora
a situação porque eu sou pior que um cão raivoso. Sua voz sai abafada, o diretor do programa
faz um gesto para que ele fale mais alto. — A crise abocanhou o dinheiro do país — ele quase
chora, se contorce na cadeira e olha para baixo como se estivesse implorando por Deus para eu
largar sua mão.
É bom ele começar a rezar pro capeta também!
— Ou seria a corrupção? — Kátia devolve, mas é censurada pelo diretor que faz um
gesto para que corte qualquer assunto que envolva corrupção.
Vamos combinar? Você acordou de manhã, sabe que vai pegar aquele ônibus sofrido
para ir ao trabalho, está com a cara toda amassada e sequer está vendo as imagens nessa caixa
mágica – até porque você está escovando os dentes, passando manteiga no pão, gritando com
as crianças pela sétima vez para que se levantem para ir à escola... – você quer mesmo ouvir
falar de corrupção?
É claro que não.
Mas a caixa mágica cheia de cores e informações rápidas grita alto, da sala, e dita o que
você deve saber, acreditar, o que você deve entender sobre o mundo, política, cultura, saúde ou
sobre si mesmo.
Bem-vindo ao mundo moderno, amigão!
Ah sim, você quer que eu explique o que eu estou fazendo debaixo da bancada do
jornal da manhã, mordendo o dedo desse apresentador engraçadinho e arruinando o programa
matinal da família brasileira?
Vou resumir rapidão, por que essa parte não é tão engraçada ou interessanteassim:
teve uma festa maravilhosa ontem – fui. Conheci o cara dos sonhos, meu Deus, trocamos
tantos olhares que no fim da festa eu já não sabia qual olhar era o meu ou o dele.
Não ficamos juntos muito tempo, eu não sei seu nome, só sei que ele é o meu sonho de
princesa Barbie funcionária do CEO gostosão cinquenta tons de se você gozar em menos de
trinta minutos eu nem vou tirar a roupa.
Aí eu perdi o horário, passou da meia noite, minha carruagem virou abóbora, cinderela
voltou de táxi para casa – morrendo de medo, diga-se de passagem –, dormi pouco, peguei
aquela condução básica que o motorista parece estar levando bicho para o abate, cheguei aqui
nos Estúdios Alfa, o complexo de estúdios da Rede Alfa de Televisão, a maior emissora do
país.
Corri para os meus afazeres. Cheguei aqui no estúdio J e fui assediada por esse babaca,
que não feliz em me encurralar e tentar me tocar onde o sol não bate, me jogou para debaixo da
mesa quando toda a produção chegou para começar o seu, o meu, o nosso maravilhoso jornal
da manhã.
Bom dia, meu Brasilzão!
Acorda, caralho!
Vai chover imposto novo, aumento da gasolina e taxa extra de luz.
E quer saber? Ninguém vai fazer nada! Não ouviremos o som de nenhuma panela!
— Intervalo! — o diretor grita, avança feito um leão até a bancada e puxa George pelo
colarinho, furioso. — Mas o que você...?
Ele interrompe a própria frase ao me ver. Eu aceno com o melhor sorriso que tenho às
seis da matina após ser perturbada por um babaca que já cansou de ouvir não. O diretor me
encara como se fosse me rasgar no dente. Eu o encaro como quem não tem medo de arrancar o
dedo dele também.
— GIULIA!!! — ele grita, para que meu nome ecoe por todo aquele complexo
monumental e meu nome apareça de plano de fundo em uma novela, um reality show, um
outro programa qualquer...
Ah, sim, Giulia sou eu. Giulia Nolasco. Prazer.
Agora que estamos todos devidamente apresentados e sabemos que se não fosse para
causar eu nem me levantava para vir trabalhar, vamos começar essa ópera.
Aliás, aceita um cafézinho?
Capítulo 1
Giulia Nolasco
Bom, para fins de entrosamento, pegar amizade e entendimento do que se trata essa
história, irei me apresentar de modo mais formal possível – até parece, né?
Nós somos Giulia Nolasco, Creuza e Ternurinha. Calma, eu não sou bipolar, na
verdade talvez eu seja, quero dizer, não sou. Giulia é o meu nome e como você verá mais
adiante eu sou a incrível moça do café.
Eu até diria que Creuza e Ternurinha fazem parte da minha mente, mas a psicologia
moderna diz que a mente não existe, então para fins acadêmicos e científicos, uma vez que
esse corpus narrativo pode ser tão importante quanto a história de sei lá, o Império Romano,
não direi que são a minha mente e sim a minha consciência.
Todos nós temos uma consciência. Uma voz que por instinto ou tentativa de manter a
sanidade chamamos de “eu”. O “eu” sussurra dentro da nossa cabecinha, dizendo diversas
coisas como “você está horrorosa”, “parece que um pombo cagou na sua cabeça”, “você não é
capaz, suficiente e não terá sucesso”.
Pronto, você acabou de conhecer a Creuza. A Creuza é o meu “eu” amargo, chato, de
TPM e com vontade de grafitar spray de pimenta na cara dos babacas.
Já a Ternurinha, como o próprio nome diz, é o lado doce, afável, quando você se
permite comer aquele brigadeiro delicioso e olha para o céu, sentindo os anjos do senhor
tocarem suas harpas celestiais e dançarem junto com Ivete Sangalo e Margareth Menezes em
sua micareta particular que você chama de cabeça. Sabe quando você tira uma nota maior do
que a que esperava? Quando aquele macho 10/10 te dá aquela secada que você precisa se
hidratar na boca dele? Quando você consegue ver a beleza da vida mesmo em um dia nublado
e cheio de ventania?
Ótimo! Agora que nós seis estamos apresentadas – sim, você, eu, a minha Creuza e a
sua Creuza, a minha Ternurinha e a sua Ternurinha se conhecem, trocaram uns beijinhos no
rosto e aquele olhar singelo de que uma pode puxar o cabelo da outra se necessário – vamos ao
que realmente interessa!
Vivemos em um mundo complexo. E para ser bem sucedida uma empresa precisa de
diversos tipos de funcionários em sua hierarquia: o chefe, o cara que pensa ser o chefe, os
membros do conselho, os diretores de departamento, os empregados que realmente fazem o
trabalho por todos esses idiotas, os seguranças que protegem o patrimônio, as secretárias que
catalogam e organizam tudo, e, por último e não menos importante: eu. Quero dizer, a moça do
café.
É claro que eu não faço isso por prazer. Quem, afinal de contas, acorda numa linda
manhã de segunda-feira e diz: “Que dia maravilhoso! Meus planos atuais são finalizar a
minha monografia sobre análise de discurso político e focar em minha prioridade, aquilo que
me distingue da humanidade, que me fará ser lembrada por séculos: ser a melhor moça do
café desse país”.
Não. Nem pensar. Ninguém faz isso. Muito menos eu que sou uma das melhores alunas
do curso de jornalismo na federal.
Mas aí você pode se perguntar: “Mas Giulia, por que não atriz? Por que não
jornalista na bancada do jornal mais famoso desse país? Quiçá uma moça do tempo, dona
Giulia? Por que não platina esse cabelo e vai conversar com um fantoche verde e ensinar
receitas para os telespectadores?”. Ah, minha cara, eu te respondo: “não fiz o requisito”.
E quando eu digo que não fiz o requisito, preciso que você entenda que eu vim vestida
com a minha melhor roupa para essa entrevista. Pousei o meu currículo impecável na mesa do
cara do RH e já cantei vantagem porque meus concorrentes eram um bando de retardados,
colegas meus que sequer estudam. Então estava no papo, né? E-r-r-a-d-o!
Como você deve saber, existe uma coisa chamada teste do sofá que não tem muito a
ver com pular em cima do móvel para ver se ele não quebra, tampouco ver se o assento é
confortável.
Estou me referindo a colocar a mão naquilo e aquilo na mão... Fazer cara de que “uhul
nunca vi um pau tão grande em toda a minha vida!”, fingir o melhor orgasmo da sua vida para
ser uma incrível estagiária e ganhar dois salários mínimos – enquanto os idiotas dos teus
colegas homens que colam da tua prova na faculdade vão ganhar tipo cinco salários mínimos,
porque eles simplesmente ganham mais do que você por terem um pinto no meio das pernas.
Uhul, quanta qualificação, hein? Estão de p-a-l-h-a-ç-a-d-a: parabéns.
E, como você deve ter imaginado, eu não botei aquilo na mão não. E dei um tapa no
braço do entrevistador quando ele ousou tentar se aproximar dos meus peitos.
Então a brilhante, genial e cheia de futuro Giulia Nolasco perdeu a vaga de estagiária
do jornal mais importante desse país para ser a humilde, servente e inquieta moça do café.
Uma colher de açúcar ou duas?
Daí você, pessoa curiosa assim como eu, me pergunta: “Mas Giulia, então por que
você ainda está aí?”.
Infelizmente o mercado de trabalho é muito competitivo. Caso você não seja rico ou
tenha um padrinho em sua área de atuação, esqueça o comodismo, a escada é longa e é preciso
subir cada um dos degraus.
Você – se tiver a mesma sorte que eu – irá começar por baixo. Bem baixo. Abaixe mais
um pouco as expectativas, por favor. Mais um pouquinho dentro do poço, até ver a Samara do
Chamado em posição fetal. Isso, aqui mesmo, no meio da pata da vaca quando ela pisa no
próprio cocô.
Some essa realidade a um país em crise, a aposentadoria dos seus pais que está atrasada
e uma dezena de pacotes de miojo no armário: eis, caros telespectadores, de onde surgiu a
incrível, a inestimável, a insubstituível moça do café!
- E é claro que, como supracitado, sempre fora o meu sonho trabalhar na tevê.
Obviamente que na realidade, ao me sentar na bancada de qualquer jornal eu teria de falar
sobre o aumento dos impostos, gente sendo pega com dinheiro na cueca saindo impune e
demais anomalias que assombram essa terra tupiniquim... mas o meu sonho secreto era sentar
na bancada do jornal mais renomado e olhar direto para a câmera após uma longa pausa e
dizer: “o primeiro a ser comido vai ser o senadorMarves”. Que delícia. Boa noite, Brasil. -
Voltemos à trágica ópera que eu chamei de: La Giulliata.
Como todos nós sabemos, o mercado de trabalho exige ter experiência. E eu que sequer
saí da faculdade tenho a única e incrível experiência PhD em fazer um bom café. E não se
espante, para preencher essa vaga eu precisei provar que tinha inglês fluente, que era
comunicativa, sorridente e claro, tinha seios e bunda grande.
Fui contratada num piscar de olhos – não para ser estagiária do gostosão grisalho do
jornal da noite, mas para ser a personagem simpática que sorri, balança os seios e diz: “Aceita
um café, senhor?”.
A parte mais fácil do meu trabalho: fazer o café. A mais difícil: lidar com o assédio
advindo dos homens dessa emissora de meu Deus e dos que comumente passam por aqui, e
não estou falando dos galãs globais não, mas dos pé de chão que vem parar aqui.
Homens têm o incrível dom de ignorar o fato de você ser gente com sentimentos,
sonhos e frustrações. Eles tipicamente pintam a mulher apenas como um pedaço de carne – e
no meu caso, um pedaço de carne que andava sensualmente até eles, para servir-lhes. O sorriso
vinha acompanhado. O olhar de moça indefesa e ingênua era regra contratual. Ah, o senhor
quer mais uma colher de açúcar para adoçar o paladar? (É mais ou menos aqui que abaixo o
rosto e balanço os seios sutilmente).
— Um café aqui! — ordena o diretor do jornal matinal, fuzilando-me com os olhos e
até ergue a revista amassada que está segurando, indicando que pode me bater se quiser, de tão
furioso que está.
— Mais café para mim — Kátia pede docemente.
— Sirva-me — George me lança aquele sorriso descarado. Tenho vontade de abrir a
garrafa térmica e derramar em sua cabeça. Idiota!
— Escuta aqui — o diretor do programa me puxa pelo braço, meu corpo vai com toda
intensidade para cima do dele. — Eu estou cheio das suas trapalhadas, garota! Ou você faz o
serviço corretamente ou a mando para o olho da rua! Faça a merda dessa oportunidade que te
deram valer à pena! Você sabe quantas pessoas matariam para ter o seu emprego?
— Sei — murmuro, não escondo que estou infeliz, mas tento me manter firme.
— Depois conversamos — ele torna a ameaçar-me com o olhar e solta o meu braço.
Está marcado, vermelho, arde um pouco. Massageio rapidamente e olho para trás,
vendo a maquiagem de Kátia sendo retocada rapidamente, a de George também. Aliás, ele
alisa a bunda da maquiadora que finge que nada está acontecendo.
Ela, assim como eu, tem umas contas para pagar e acusar um homem de qualquer coisa
parece crime, quando na verdade não é; em contrapartida assédio sexual é crime e os homens
tratam como se não fosse.
— Me sirva, sua imprestável! — George ralha, encara-me como se fosse o próprio
diretor e pudesse me bater também.
Ah, coitado. George mune-se de um falso poder para se sentir forte, imponente,
indestrutível. E aí está seu calcanhar de Aquiles: o ego.
— Entramos em dez segundos! — o diretor berra.
— Me sirva — ele exige.
Abro a garrafa térmica e coloco café na caneca dele.
— Oito... Giulia sai daí senão eu te puxo pelos cabelos... seis...
— Boa garota — George dá uma piscadela.
Termino de despejar o líquido que já elevou a economia deste país a outro patamar há
alguns anos e derramo sem querer – veja bem, que conste nos autos que foi sem querer, viu? –
na virilha dele.
Todas nós sabemos que o ego masculino está mais ou menos localizado perto do pinto.
— Sua pu...!
— Três...
Antes do dois já estou fora do foco da câmera. Kátia sorri e retorna à pauta, enquanto
seu queridíssimo colega de bancada se contorce, tenta manter a pose e abafa todos os gemidos
possíveis. Quando Kátia lhe passa a palavra, sua voz sai fina como se tivesse inalado gás hélio.
— Meu trabalho aqui acabou. Estou indo para o estúdio ao lado — dou satisfação ao
diretor daquela área.
— Some daqui antes que eu te tire à força! — ele ameaça.
Dou-lhe as costas, seguro bem o meu carrinho de café, empino a minha bunda e saio
rebolando. Fazendo com que metade do estúdio se esqueça de um apresentador fazendo caretas
para fitar um traseiro mexendo de um lado para o outro.
Essa figura alegórica que empurra o carrinho parece que está dirigindo uma empresa
importante; aproxima-se felinamente de cada ser humano como se estivesse prestes a fechar
um bom negócio, e melhor, tem acesso a qualquer sala dos prédios, inclusive as mais
importantes.
Conhece os diretores por vista, acena para o chefe com um sorriso de garota inocente e
vai embora como quem não quer nada. O chefe, como sempre, está ocupado demais para olhá-
la nos olhos e desocupado o suficiente para observá-la de costas.
A vida tem dessas, né?
Essa figura emblemática, adorável e insubstituível se chama Giulia Nolasco: uma moça
de 1,70 de altura, longos cabelos negros descendo em caracóis, olhos expressivos cor de avelã
e boca marcada por um batom vermelho.
Credo, que sinistro falar de mim mesma em terceira pessoa.
Mas você há de me perdoar, esse lugar tem muitos espelhos e sempre que posso paro
um segundo para conferir o visual que prende a atenção desses homens. Para a minha completa
sorte eu sou sagaz, dissimulada e sei mentir bem. Para o meu completo azar, sou inteligente,
perspicaz e consigo decifrar esses cretinos com um olhar.
Eu poderia ser a apresentadora do jornal mais importante desse país.
Mas eles sabem que eu posso ser muito perigosa, então aqui estou eu, seguindo parte
do meu sonho, só que numa posição quase humilhante.
Obviamente que já ouvi uma dezena de vezes que aquele teste pode ser agendado
quando eu quiser... mas eu não estou aqui para ser testada não. Aturo esse inferno para poder
pagar as contas e ajudar meus pais, se não fosse isso, tinha adiado o sonho de infância para sei
lá Deus quando.
— Dez minutos de descanso — agradeço aos céus quando retorno para a cozinha e vejo
as meninas trabalhando a todo vapor, arrumando carrinhos com petiscos, bebidas e
desaparecendo porta a fora.
— Giulia, chegou um negócio para você — Amanda, minha colega, diz. Entrega no
armário de cada menina envelopes lacrados.
O que seria? Fui promovida? Enfim me darão a oportunidade de ser estagiária no Jornal
da Noite? Será que de incrível moça do café a partir de agora serei conhecida como a moça do
cappuccino descafeinado sem lactose zero por cento de gordura? Meu Deus do céu!
Rasguei o envelope rapidamente, em frenesi, afinal de contas dez minutos de descanso
passam como num piscar de olhos, e lá estava a minha carta de alforria.
Virei atriz? Terei de platinar o cabelo? Vou ser a moça do tempo?
Não, senhoras e senhores. Eu e uma dúzia de meninas acabamos de receber o glorioso
aviso prévio.
Capítulo 2
Leonardo Fontes
Como era bom estar de volta!
E as boas vindas começaram na viagem de volta de Londres para o Brasil. Mal entrei
na aeronave fui abordado por uma moça ruiva muito gentil, que tocou em meu braço e pediu
com seus olhos expressivos: — O senhor poderia por favor me ajudar a colocar essa mala aqui
em cima?
— É claro! — abri o meu melhor sorriso, puxei sua mala, tendo o cuidado de sentir a
maciez de sua mão e colocar a bagagem na parte superior. — Pronto, me chame quando estiver
desembarcando para que eu possa ajudá-la...
— Imagino que você poderia me ajudar antes...
Ah sim, eu poderia. E como eu poderia!
Aquela experiência foi mágica. Mal vi o tempo passar. Minha cabine na primeira classe
ferveu e acredito que boa parte das turbulências durante o voo foram causadas pelo agito de
nossos corpos se revirando e se perdendo no prazer, enquanto todos os outros passageiros
estavam desesperados.
O avião não caiu. Ela, por outro lado, caiu diversas vezes em cima de mim. Foi a
melhor turbulência do mundo.
Quando a nave pousou em solo pátrio tive a sensação de que eu tinha tomado a decisão
certa.
Além de me despedir da deliciosa ruiva sem nome – que aliás, eu nunca faço questão
de saber o nome delas –, algo dentro de mim dizia que as aventuras não haviam acabado. O
Brasil era novamente o novo mundo e eu um descobridor com mapa, referênciase coragem
para ir e vir.
Essa sensação era engraçada. O Brasil era como um velho conhecido que eu não via há
anos. Quando fui embora, parti com a certeza de que nunca mais retornaria, que construiria
uma vida monumental lá fora, que me curaria do passado.
Mas aqui e agora, diante de um dos estúdios abandonados da Alfa, a emissora de
televisão da minha família, sinto o coração acelerar como se estivesse me preparando para uma
corrida.
Entro em silêncio para não ser notado. Avanço devagar pelo corredor até um grande
galpão bem arejado. Várias portas vão ficando para trás até encontrar um estúdio também
abandonado, mas em boas condições.
Há um longo espelho na parede e o chão parece perfeitamente limpo. Duas mochilas
estão escoradas em um canto. Dois homens, os meus melhores amigos, estão sentados no chão.
Um em posição de lótus, o outro de cabeça para baixo pousada em um pano, com as palmas
das mãos tateando o chão e pernas jogadas para cima na parede.
Há algumas semanas eu não sabia que voltaria. Eu não queria voltar.
Mesmo que uma voz interior dissesse que minha história havia acabado ali e que não
havia mais nada para mim neste pobre país tão maltratado, outra voz, ainda mais forte, dizia
que minha jornada deveria recomeçar. Ainda havia muito para viver.
— Tudo o que existe, existe agora — Ítalo diz. É o que está de cabeça para baixo. —
No agora não há medo, não há tristeza, não há preocupação — sua voz sai como uma
melodia. — Tudo o que você precisa para vencer, você já o possui no agora. Tudo o que você
precisa ser para conquistar seus sonhos, você já o possui nesse momento. Tudo o que você se
tornará quando atingir a glória, você já o é...
Meus olhos brilham. Respiro fundo e esse mero detalhe é capaz de despertar Ítalo de
seu transe meditativo, fazê-lo arregalar seus olhos azuis e tombar para trás ao me ver.
Marco leva um susto, é claro, ao ouvir o tombo do amigo. Sai do transe meditativo,
avança para ver o estado de Ítalo no chão e dá uns tapas em seu rosto.
— Você está bem? Consegue respirar? — Marco pergunta, aperta o queixo de Ítalo.
— Eu tive uma visão — Ítalo coça os olhos. — Como se... como se...
— Cof cof — pigarreio, para chamar-lhes a atenção.
— Não era uma visão — Ítalo diz e se levanta rapidamente, como se nunca houvesse
tomado aquele tombo e batido com as costas no chão. — Leonardo!
Não escondo a alegria ao ouvir o meu nome sair de seus lábios. Vou alguns passos na
direção deles e vejo um Marco boquiaberto e um Ítalo extremamente extasiado.
— É você mesmo? Conversamos mais cedo! Não nos contou que estava vindo
embora... — Marco reflete, se levanta, vem em minha direção e aperta a minha mão. —
Deixou a barba crescer, está com cara de galã de novela — ele brinca.
— O galã aqui é você — aperto sua mão e a trago para o meu peito, ele se aproxima e
encosta o punho no dele também. Nos cumprimentamos assim desde, sei lá, muitos anos.
Marco Bittencourt é de fato um galã das novelas da emissora. Jovem, alto e com boa
pinta, ele consegue de boca fechada arrancar suspiros de quem o vê atuando nos diversos
papeis que lhes são dados.
— Você voltou mesmo! — Ítalo é mais enérgico, menos contido, quase me derruba
com o abraço. E eu tenho a maior alegria em retribuir o aperto, porque ele, assim como Marco,
são como meus irmãos.
— Vim te contar minhas aventuras na Índia, Suíça e Londres... — murmuro e afago
seus cabelos platinados. — Isso vai render uma boa novela — encerro a frase com um sorriso.
Ítalo Travalon, além de meu costureiro pessoal, é um ghost writer de sucesso. Não leva
a fama pelas narrativas que cria, entrega-as nas mãos dos autores famosos da casa e vê suas
histórias serem televisionadas.
E eu? Bom, eu, Leonardo Lavelle Fontes sou o filho do dono de todo esse Império. O
cara que decidiu ir embora porque não se achava foda o suficiente para dirigir esse grande
carro. Que precisou de um tempo após ver a própria mãe atirar na cabeça e assim abandonar a
família, deixando mensagens e pistas que eu nunca consegui decifrar.
— Você está com cheiro de mulher — Marco corta o meu barato. — Andou
aprontando antes de nos ver, não é, seu safadinho?
— Eu estou aqui, bem diante de você, e a sua preocupação é se me encontrei com uma
mulher antes? — retruco e arqueio a sobrancelha. — Sim, eu me encontrei com algumas —
tive de rir.
— Você disse que ia voltar mais espiritualizado... — Marco retruca.
— Eu disse que ia voltar espiritualizado, não capado — tenho que rir, seguro na cabeça
dos dois e os puxo para mais um abraço. — Me desligar de tudo isso foi tão bom... eu me sinto
novo em folha...
— O que o teu pai achou do teu retorno? — Ítalo me examina com seus olhos azuis
inquisidores.
— Ele ainda não sabe — umedeço os lábios, tento conter o riso. — Quero fazer-lhe
uma surpresa. E, afinal de contas, quando cheguei vocês estavam meditando sobre viver o
agora e estão me questionando sobre o passado, futuro e meu pai? Que droga de meditação é
essa que não muda vocês?
— Uh, ele é o Buda agora para vir falar de nossa meditação — Ítalo debocha.
— Então vamos pensar no agora, senhor Fontes — Marco passa a mão por cima do
meu ombro.
— Então você sabe o que isso significa — Ítalo semicerra os olhos e continua me
encarando.
Mentalmente faço uma contagem regressiva que vai do 3 até o 1 e dizemos os três, em
alto e bom som: — Hoje é dia de maldade, bebê!
 
Não precisamos pegar fila, mal chegamos em uma das maiores e mais luxuosas boates
do Leblon e entramos sem que o segurança tenha de conferir nome na lista.
É claro que Marco precisa tirar foto com as fãs, dar uns selinhos, pegar uns números.
Eu tento passar despercebido, mas não dá. Marco é um ímã de atenção, Ítalo montado de drag
queen parece um carro alegórico, e eu, sem abrir a minha boca, sou um ímã de poder.
Os olhos se voltam para mim e os cochichos são inevitáveis. Tento acenar para uns
conhecidos que imediatamente vem me cumprimentar.
— Meu Deus, o patrão voltou! — Fernando, um outro galã global brinca e me dá um
abraço. — Veio colocar a emissora nos trilhos?
— Ótimo ver você também, cara — sigo meu caminho.
A boate está lotada. A música quase ensurdece e as luzes coloridas de led mostram a
pista de dança movimentada. Há pessoas circulando por toda parte. Modelos, atores, a nata da
elite carioca se perdendo numa noite de diversão.
— Olha o patrão — por onde passo tenho que escutar isso.
Simplesmente aceno, dou um sorriso, mantenho sempre a postura firme, embora tente
fingir descontração. Diferente de Marco, nenhuma mulher se aproxima de mim, mas flertam de
longe. O que é muito bom, eu gosto de ser o caçador.
— Li seu novo roteiro — informo a Ítalo que já está com bebida na mão e balançando a
longa cabeleira de um lado para o outro. — Gostei muito da história.
— Ah não! — ele ralha e me encara sério. — Nada de trabalho! Você prometeu que ia
se divertir, se jogar, você merece!
Balanço a cabeça, fingindo que vou seguir o ritmo da música, mas assim que Ítalo se
vira e começa a dançar desvairadamente, eu paro, encosto os cotovelos no bar e fico olhando
para frente.
Não tenho pressa em retribuir os olhares que recebo. Primeiro analiso se vale a pena
perder algum tempo com as figuras famosas – um passo em falso e eu seria alvo das revistas de
fofoca, e isso não pegaria bem para o futuro CEO da Alfa.
No mais, depois de ter viajado por todo o mundo e ficado com mulheres únicas, estar
em um ambiente como esse é chato, todas se parecem muito iguais.
Nenhuma me apresenta aquele brilho especial, aquela sensação de que mesmo se eu
enchesse a cara, esquecesse meu próprio nome, lembraria de sua fisionomia no dia seguinte.
— Ítalo, você... — viro-me para o lado, mas onde está aquele descarado?
Após uma rápida rastreada, vejo Ítalo agarrado com seu namorado, um cara todo
tatuado, lotado no departamento de jornalismo da Alfa. Sorrio, todos estão se divertindo, talvez
eu também devesse me jogar com a primeira bela criatura de Deus que aparecer em meu
caminho.
Viro-me em direção ao bar e meus olhos esbarram em umabeleza ímpar, do outro lado
da pista. É mais baixa que eu, talvez 1,70 de altura. Morena, olhos grandes, aquele semblante
iluminado de gente que te faz rir em menos de cinco segundos. Totalmente agitada, se
balançando feito uma louca, se divertindo com uma amiga que não consegue acompanhar tanta
animação.
É essa. Não penso duas vezes, vou em sua direção.
Mas sou interrompido pela mão de Marco que me puxa pelo braço.
— Aí, irmão — ele se aproxima do meu ouvido. — Vem pro camarote. Onde já se viu
rei se misturar com a plebe? — ele ri.
— Aqui está bom para mim — mantenho o meu foco na morena.
— Cara, esse camarote está cheio de mulher. O Fernando está lá e disse que tem umas
vinte. Te deixo ficar com umas cinco, por que sou teu parceiro, as outras quatorze são minhas,
e vamos deixar umazinha pro Fernandinho — Marco ri. — Olha lá — ele mostra. — Tá vendo
aquela loira? Tá te olhando um tempão e você aí olhando para a plebe! Ali é filha de
empresário, meu parceiro. Mulher que tem nível para você!
Se fosse o antigo Leonardo, aquela tentação seria forte o suficiente para esquecer o
meu alvo principal e seguiria cegamente sem olhar para trás.
Mas o novo Leonardo não apenas vivia. Ele existia.
E tinha foco.
E o meu foco era a morena de olhos avelã que dançava como se tivesse levado um
choque e obrigava a multidão a abrir espaço para ela brilhar.
Depois dessa viagem para sair da vida robótica, cada pedaço do meu corpo estava vivo.
Eu ouvia algo forte dentro de mim. Eu era capaz de perceber um brilho ao redor das pessoas.
E aquela moça ali, louca, desvairada, balançando a cabeça sem se importar com o
julgamento alheio, não tinha apenas uma luz. Parecia um farol, um holofote gigantesco capaz
de cegar a todos. E eu o barco que ia em sua direção.
Era ela.
Por uma noite, talvez? Por uma semana? Apenas por alguns minutos?
Eu não sabia. Mas eu sentia lá no fundo que precisava ir em sua direção.
— Foca na loirona, cara! — Marco segurou minha cabeça e virou na direção dela.
Nesse instante, aliás, ela virou de costas, deu para ver bem aquele bumbum gigante.
Cheguei suar frio.
— Não gosto mais de loiras.
— Meu irmão, eu tenho uma lista que diz o contrário! — Marco retrucou, como se seu
argumento fosse realmente bom.
— Quem disse que eu realmente gostava delas? — sorrio como um bom menino do Rio
sabe fazer e me desvencilho do aperto de Marco. — Nessa noite eu sou das morenas, meu
irmão. Quero dizer, daquela morena — seguro na cabeça dele e viro em direção à garota que...
ué, onde ela está?
— Tá delirando? Já está tão bêbado que está vendo coisa? — Marco se diverte. — A
loirona, cara...
— Vai se divertir, Marco — dou uns tapas fraternais nas costas dele e volto para o bar,
ainda vigiando o perímetro, tentando encontrar aquela figura de brilhar os olhos.
— Oi — uma moça simpática aparece, pousa o cotovelo no balcão que é bem longo e
balança os peitos. Desculpa, não tem como não olhar.
— Oi — respondo e sorrio.
— Não quer me pagar uma bebida? — ela devolve o sorriso.
— É claro — volto-me para o barman e faço um sinal para que ele dê a bebida que a
moça quiser.
— Você não é o...?
Mas a deixo para trás, não é ela, nem de longe é ela.
— Cadê você, hein? — abro um sorriso de canto e continuo vasculhando todo o
perímetro. Não é possível que ela tenha decidido ir embora justamente agora!
Fui para o camarote e saí rapidamente, porque a tentação era grande. Do andar de cima
vigiei toda a pista. Tentei procurá-la feito uma águia. Para meu deleite, quando voltei minha
atenção para o bar, lá estava ela! E olhando para cima! Bem para mim.
Trocamos um sorriso sincero de quem sabe que pode levar uns tapas e sabe ainda mais
que quem irá deixar sua bunda ardendo sou eu. Ela leva o canudo a boca e bebe aquele
coquetel que pela cara que ela fez parecia delicioso. Fiquei tentado em bebê-lo em seu corpo.
— Fica aí — mandei e fiz um sinal com a mão.
Ela inclinou o rosto para o lado, como se não estivesse a fim de obedecer.
— Fica aí — movi os lábios devagar, encarando-a com muita seriedade e desci as
escadas vigiando-a.
A bela criatura pousou as costas no balcão e sorriu como se seu tempo valesse dinheiro
e que era melhor eu descer rápido, então eu tentei. Sim, eu tentei, porque conseguir de fato...
— Ocupado demais para retornar minhas ligações?
Deus, não. Deus, por favor. Nunca te pedi nada, pai, por favor, desmaterializa essa
mulher da minha frente.
— Bem ocupado — me desvencilhei da mão de Verônica, uma ficante fixa que quase
se tornou namorada, é, eu sei, um erro que não se repetirá.
Tentei seguir o meu caminho, mas ela não ia deixar.
— Eu fui atrás de você, sabia? Mas a Índia é muito grande... você estava na Índia, não
é? — ela me inquire, é pior que Ítalo.
— A Índia não é um bairro do Rio de Janeiro, Verônica. É grande, tem muita gente,
muitas cidades — reviro os olhos e tento seguir. A moça que dança de forma espevitada ainda
me aguarda.
— Eu...
— Você está demitida, Verônica — não era o melhor lugar, nem mesmo o melhor
momento. Mas eu mandei e-mails, gravei uma mensagem e enviei, disse que não dava mais,
que nossa relação tinha se tornado uma confusão. Mas ela insistia. — Não é você, sou eu —
falo o famoso clichê, volto-me rapidamente para a loira e seguro em seus ombros. — Você é
incrível, é inteligente, esperta, durona. Mas eu não sou o cara para você, sinto muito...
— Leo... — ela tenta argumentar.
— Sabe qual foi a última coisa que a minha mãe disse antes de morrer?
Ela fica com uma longa interrogação na testa.
— “Siga os seus sonhos”.
Isso resumia a minha vida nos últimos meses. Eu só queria seguir meus sonhos
cegamente, viver tudo o que eu sonhei desde criança. Viajar para lugares magníficos, viver na
pele novas culturas, estar nas mãos do desconhecido. Mochilei a Europa, passei um bom tempo
no oriente, conheci pessoas formidáveis.
Algo mágico acontece quando você se lança ao desconhecido, em lugares onde não
conhece ninguém: com o tempo você percebe quem são as pessoas certas. Entende que pode
realizar grandes coisas com cada pessoa que encontrar pelo caminho, então é mister selecionar
quais grandes coisas serão realizadas, sem saber em si quais elas serão...
E aquela garota, a maluca que dançava como se o mundo fosse acabar, que me olhou
com desdém quando mandei ela ficar no lugar e que ainda me esperava no bar, era o tipo de
pessoa que eu havia selecionado para viver algo grandioso, seja por cinco minutos, uma noite
ou a vida inteira. Eu ia deixar para descobrir isso com ela.
— Eu preciso seguir os meus sonhos, Verônica — beijei-lhe a testa. — Foi bom te ver!
— Espera! — sua voz ficou para trás.
No empurra-empurra da dança frenética, dos casais apaixonados que se pegavam e da
multidão que transitava, consegui chegar ao bar.
Mas onde estava aquela...?
Quando me virei abruptamente, acabei esbarrando em sua mão, e a bebida que estava
em seu copo molhou o cós da minha camisa esporte fino e início da calça.
— Meu Deus! — ela se assustou de imediato, puxou um guardanapo e começou a
esfregar em minhas vestes. — Me desculpa! Moço, foi sem querer, me desculpa...
— Relaxa — toquei em seu queixo e o ergui em minha direção.
Era ela. Ela. Meu coração retumbou como se eu ainda estivesse diante do rio Ganges
vendo famílias mergulharem no rio sagrado. Minhas mãos gelaram, assim como ocorreu
mesmo quando eu estava de luvas, na presença do glorioso monte Everest. Era ela.
Tateei seu rosto e respirei fundo, vendo no brilho dos seus olhos a minha excitação,
meu delírio, o sentimento de que algo glorioso nos aguardava.
— Moço, não foi a minha intenção, meu Deus, essa roupa deve custar três vezes meu
salário — ela continuou me limpando.
E eu hipnotizado. Não sabia se havia me perdido nos grandes olhos, no cabelo tão
sedoso, nos lábios que não paravam de se movimentar e pedir desculpas.
— Não se desculpe — pedi. — Eu teria feito o mesmo ao te ver, me perdi em sua
beleza de longe...
Por um momento ela parou de se desculpar e continuou me encarando, admirada e
chocada com minhaspalavras. A mão também continuou esfregando minhas vestes, mas por
descuido deixou de esfregar no fim da camisa e começou em cima da minha virilha.
Ela só se tocou do que estava fazendo quando percebeu que tinha um volume crescendo
ali – aliás, eu estava tão distraído que percebi junto com ela.
— Meu Deus! — ela se afastou, assustada.
— Nunca chamaram assim, mas eu gostei — tive de rir.
Ela ficou vermelha, riu descontroladamente, fez menção de voltar a limpar minha
camisa, mas quando tentou se aproximar, percebeu que não era o melhor movimento. Olha, eu
não reclamaria...
Mas uma nova mulher apareceu para cortar o nosso barato.
— Miga, sua louca, estamos atrasadas!
A moça olhou para a amiga, uma mulher negra com black power volumoso e aquele
olhar confiante de quem sabe lidar com todo tipo de gente.
— Que horas são?
— Já passou da meia noite! Deve ser uma hora da manhã! — a amiga disse alarmada.
Pronto, a linda moça de olhos grandes e cabelos em ondas entrou em frenesi, puxou a
carteira, levantou-se e saiu correndo junto com a amiga. E eu atrás delas.
— Estamos fritas! Vamos ter de pegar um táxi lá fora! — a amiga que ia na frente
comentou.
— Tudo bem... — a outra respondeu, ainda olhou para trás para conferir se eu havia
ficado no bar. Eu não poderia. Mesmo que meu corpo tivesse ficado lá, minha imaginação a
teria perseguido até o desconhecido. — Cara, sua roupa! Me desculpa... foi sem querer... eu
sinto muito...
Aproveitei que ela havia feito uma rápida pausa para se desculpar, segurei em sua mão.
Não como se segura na mão de um colega ou de um familiar. Nossos dedos se encaixaram, tive
de puxá-la para mim e controlar minha respiração.
O encaixe dos nossos corpos também era perfeito.
— Eu sinto muito por não termos mais tempo essa noite... — murmurei.
Seus olhos grandes me examinaram. Não de uma forma inquisitorial, tampouco do jeito
que as outras mulheres normalmente me encaravam. Era genuíno, diferente, de alguma forma
ela parecia entender a minha inquietação.
Eu não queria parecer um maluco, mas pela primeira vez em toda a minha vida eu
havia perdido todo o controle de mim mesmo para uma completa desconhecida.
— Me desculpe, eu não quero parecer um assediador ou um desses...
E ela me calou com um beijo. Nenhuma posição de lótus, nenhum mantra, nenhum
mudra poderia ter me nocauteado tão em cheio e me feito transcender.
O mundo parou naqueles três segundos que tivemos, em que nossos lábios tentaram
viver a história de uma vida inteira por nós dois, e eu tive de deixá-la ir porque a amiga a
puxou pelo braço e ela desapareceu pela porta.
Sem me dizer nome, número de telefone, nada.
— Conhece aquela mulher? — perguntei ao segurança, que só viu o rastro da minha
ninfa que se jogou em um táxi e sumiu da festa para invadir meus sonhos.
— Não senhor.
— Dá um jeito de descobrir quem é — meti a mão no bolso e tirei mil reais, coloquei
no bolso dele.
— Ela roubou algo seu, senhor Fontes? — o segurança me encarou, pálido.
— Minha completa atenção e devoção — tive de rir.
Eu ainda não sabia, mas ela também tinha roubado um pequeno fragmento do meu
coração.
— Descobrirei quem ela é — o segurança deu uma piscadela e voltou sua completa
atenção para a longa fila.
Céus, eu não tinha ideia do quão bom seria estar de volta!
E mesmo não tendo fortes motivos para ficar, algo em mim dizia que eles iriam
aparecer logo mais.
Capítulo 3
Giulia Nolasco
— Você sabe que não podemos — ela vira o rosto de forma dramática, olha para o
vazio, pendendo entre seu desejo ardente e a honra de sua família.
— Mas você sabe que nós queremos — Ulisses sussurra no ouvido dela, a mão forte
em sua cintura, os dedos se fecham e apertam sua carne, trazendo-a para os seus braços sem
que ela perceba. Quando der em si, estará perdida em seu beijo.
— Ulisses — Mariana murmura, o lábio treme, seus olhos brilham com intensidade.
— Você quer, diga-me que quer ser minha, inteiramente minha, Mari.
Minha mãe aperta o acolchoado do sofá com força, eu quase dou gritinhos de
excitação. Deus do céu, esse Marco Bittencourt é um homão da porra! Eu desmaiaria com uma
cena dessas!
— Eu quero, Ulisses, eu quero — ela se entrega.
Como eu poderia julgá-la? No lugar dela eu já estaria sem roupa.
Ah, você ainda está aí? Gosta de assistir uma desgraça alheia, não é?
Voltemos ao cerne da história.
O Brasil sempre gostou de sediar coisas gringas e em 2014 não foi diferente. Tivemos a
honra e fomos presenteados com o direito de ter em nosso país um evento que estava
bombando lá fora: a crise financeira.
O capitalismo tem dessas, né menina? Em escala nacional de repente há desvalorização
da moeda, diminuição do PIB, desemprego... e como nesse maravilhoso país tropical ninguém
quer jogar no easy, adicionamos a essa deliciosa mistura uma crise política também.
Em escala menor, temos o aviso prévio.
É óbvio que quando uma empresa passa por uma crise ela corta gastos. E na maioria
das vezes você que é o gasto, não o gerente que vive coçando o saco, o diretor que não faz
nada ou aquele funcionário fantasma super bem indicado por gente importante que só recebe o
salário no final do mês e não aparece nem para bater ponto.
Eu já sabia que isso ocorreria. O departamento de jornalismo e entretenimento da
emissora cortou de seus quadros os membros de produziam pouco, devagar e de forma
inconstante. Diminuíram os seguranças, as secretárias, algumas moças do café rodaram
também. Bárbara, uma cinquentona com três filhos para criar, foi a primeira.
Por um milagre divino eu sobrevivi a esse primeiro corte.
Então decidiram diminuir os departamentos, unir diretorias, realocaram os chefes para
cargos figurativos, mas que ainda assim lhes era permitido receber muito bem sem fazer nada.
Demitiram mais funcionários, artistas não tiveram contrato renovado e dessa vez não tocaram
em meu café.
Agora, menina, rodei.
E enquanto lavo os pratos aqui em casa eu bufo de raiva, lembrando que servi de objeto
sexual para um bando de marmanjo, para no fim ser descartada inescrupulosamente – eita que
palavra bonita – como todas as outras.
Fui dormir com raiva. Suspirando pelo delícia do Marco Bittencourt, irritada por ser
alvo de descarte. Nós somos assim, não é? Só percebemos que tudo passou dos limites quando
a água bate em nossa bunda. E infelizmente veio um maremoto que me quebrou as pernas.
Se dormi? Ah, você ainda não percebeu? Agora a pouco era novela das dez, agora já
são quatro e meia da manhã, baby, levante-se, vamos tomar banho e correr porque o mundo
não para quando queremos parar!
Passei a noite toda de olhos bem abertos, eu precisava achar uma saída de alguma
forma.
É claro que eu não iria passar fome. Boa parte do trabalho daqueles estagiários
medíocres do departamento de jornalismo da Alfa era feito por mim de madrugada, então eu
podia contar com esse dinheiro.
Também podia procurar emprego em outro lugar, dar monitoria, fazer trabalhos
acadêmicos... mas a parte mais triste e que mais me afetava era dizer adeus à emissora.
Eu amava aquele lugar, era como estar em casa. Eu ficava boba, sonhadora, fitando a
lente da câmera enquanto os programas eram gravados... sim, vez ou outra derramei o café,
mas era porque eu estava nas nuvens vivendo o meu grande sonho.
Mas sabe o que dói mais?
Eu enviei uma dezena de e-mails alertando sobre os problemas de equipe, o
funcionamento da emissora em si; os gastos desnecessários, que era possível otimizar o
serviço, tornar tudo mais fácil e viável; aprimorar o conteúdo sem gastar tanto, produzir
programas mais interativos, divertidos, curtos e ainda assim com conhecimento – fui
completamente ignorada.
Isso sem contar o descaso com as mães solteiras, as mulheres mais velhas, as todas nós
que dormíamos tarde cansadas e acordávamos exaustas antes do sol nascer para servir os
figurões... completamente descartadas, e sob o pretexto da falsa crise, onde era impossível
pagar o funcionário, mas todos os chefes de departamento estavam trocando suas Ferrari por
novas.
Sim, eu sairia daquelaempresa, mas não o faria sem fazer um bom barulho!
Sair igual uma louca descabelada e quase perder o metrô? Check. Pegar uma nova
condução para chegar a emissora? Check. Ser parada no primeiro jardim por uma moça
estranha vestida de cigana? Check.
A mulher me segurou pelo braço e puxou-me em sua direção. Encarou-me, mas parecia
em completo transe. Seria sono? Ou cachaça?
— Posso ler a sua mão, querida? — ela perguntou.
Era uma senhora, devia ter seus quarenta e cinco anos. Os cabelos negros estavam
soltos e esvoaçavam junto a brisa e sua vestimenta era como a de uma cigana: um longo
vestido vermelho de mangas longas, um xale repousado ao ombro, os pés descalços pisando no
chão como se pudesse flutuar.
Estava adornada de joias douradas: braceletes, colares e uma pequena pedra púrpura na
testa. Ela girou o dorso da minha mão direita e examinou as linhas presentes na palma.
Respirei fundo e olhei para os lados, meio constrangida, meio atordoada ao imaginar
quais seriam as palavras que ela proferiria. Preparei-me para o baque. Tentei apressá-la com
um olhar, eu estava ficando para trás.
Mas tudo o que ela fez foi sorrir docemente e me encarar com a sobrancelha erguida.
De alguma forma aquilo me acalmou. Trocamos olhares reticentes por alguns segundos, até
que ela dissesse: — Você sairá do seu emprego... — ela começou.
Puxei a palma da mão para conferir. Em que maldita linha ela havia tido tal revelação?
Boquiaberta, olhei até mesmo as linhas finas, as menores, as que eram ligeiramente
interrompidas...
— Pedirá demissão — ela concluiu.
— Ah, então a senhora se engana — retruquei em um tom docemente irônico. — Na
verdade eu fui demitida mesmo.
A cigana segurou firme em meu punho e analisou a palma novamente. Devolveu-me.
Puxou a esquerda e prologou-se ali.
— Sim, criança, você foi demitida. És subalterna. Cheia de violência e revolta como o
mar, mas ao mesmo tempo, contenta-se em ser um pequeno aquário. Não realizas todo o
potencial que tens porque não quer. Não toma medidas drásticas. Não acredita em si mesma.
Trocamos olhares demorados. Eu sabia que ela estava certa... ela, entretanto, não sabia
se eu pegaria a minha bolsa e daria uma pancada nela e sairia correndo. Mas continuei a ouvi-
la atentamente, já que não é todo dia que uma cigana te para no meio do jardim do seu
emprego e decide descascar a sua alma.
— Se você estivesse no lugar de seus superiores, pequena criança, efetuaria um
trabalho surpreendente. Intriga e inveja a tiraram de seu ganha pão — ela comentou e encarou-
me, solícita. — Mas esse não é o seu fim. O destino lhe guarda um presente. Ainda serás
solicitada nesse lugar e será de sua escolha pedir a demissão. A mão esquerda diz sobre o
passado e tudo aquilo que já foi. A mão direita diz sobre o presente e tudo aquilo que é e será.
E eis como é: sua cabeça ferve para se vingar.
Assustei-me e puxei a mão de volta. Encarei-a, um pouco aflita e assustada, por
imaginar que aquela mulher havia lido algum dos meus pensamentos naquele curto período de
tempo.
— Como você sabe disso? — perguntei-lhe, a sobrancelha hasteada. Os olhos vagando
pelo jardim que voltava a ficar movimentado lentamente, preocupada em ser vista pelo meu
superior e ser arrastada aos puxões.
A cigana riu. Puxou de alguma fenda do vestido um velho baralho. Fez questão de
embaralhar em minha frente e abrir o leque para que eu escolhesse uma carta.
Fiz sem pressa, deixando o meu coração ser a trilha sonora. Puxei a carta do Rei de
Copas e a entreguei.
— O seu chefe é um moço de pele branca, cabelos negros, olhos azuis e um porte
atlético. Ele abrirá os seus caminhos. Faça o seguinte: numa noite de sexta-feira, dia de Vênus,
na primeira hora em que a lua reinar sozinha nos céus, vista uma calcinha vermelha, precisa ser
nova. Antes do primeiro sol do sábado, dia de Saturno, o Senhor dos Senhores, tire a calcinha e
a guarde até a segunda-feira, o dia em que você irá coar o café nessa calcinha.
— Coar o café? — perguntei intrigada. Como ela sabia, caralho?
— Enquanto a água quente entra em processo alquímico com o pó de café, a bebida
favorita do seu chefe, você dirá: “Nenhum homem acima ou abaixo dos céus, nenhum homem
que esteja a minha direita ou a minha esquerda, é forte o suficiente para resistir ao meu
poderoso encanto. Eu te chamo, eu te conclamo: seja servo aos meus pés, viva apenas para o
meu desejo, que o meu corpo ao surgir em teus olhos seja como um lampejo. Seja meu. Viva
para mim. Beije meus pés”. Então sirva-o em sua melhor bandeja e estará feito. Os resultados
virão rapidamente, criança.
Escutei-a, boquiaberta, desconcertada e impressionada. Gravei aquelas palavras o
suficiente para repeti-las por mais dez anos de minha vida.
— Giulia! — Amanda acenou, pelo visto estava à minha procura.
Quando estive pronta para responder à cigana, após absorver todas aquelas
informações, não a encontrei em canto algum. Girei 360º e não havia nem rastros da figura!
Não menos do que de repente, assim como ela havia se aproximado, segurando o meu braço e
me puxado, a cigana desapareceu de minha vista, sem que eu soubesse seu nome, onde
encontrá-la ou como agradecê-la.
— Giulia! — Amanda bateu o pé, cruzou os braços e fuzilou-me com o olhar.
— Já vou! — gritei, consertei a bolsa no braço e marchei em sua direção.
— Você ficou parada sozinha esse tempo todo? — Amanda me julgou, olhando-me dos
pés à cabeça.
Será que ela não tinha visto a cigana?
— Essa emissora só tem gente maluca — foi minha confissão e conclusão.
 
Capítulo 4
Leonardo Fontes
— Hoje é o seu grande dia e tudo o que você consegue pensar é em uma moça da
balada? — Cristiane fica diante de mim e me analisa, enquanto me visto.
Cristiane é minha irmã mais velha, uma das promotoras mais badaladas do Rio de
Janeiro, agora minha assessora. Verônica não recebeu bem a notícia de que seu cargo passaria
para Cris, e eu sinceramente não me importei. Minha necessidade de ter ao meu redor gente
confiável era urgente e Verônica não se enquadrava nesse quesito.
— Uma bela moça de cabelos negros e olhos cor de avelã, dançava freneticamente
bem, dessa estatura — indico a altura com a mão e afasto o tronco quando Cristiane tenta tocar
o meu ombro. — Limpe bem essa mão antes de tocar em meu terno novo — tenho de rir.
Ela lambe os dedos com chantilly, pousa o cupcake na cômoda preta do meu quarto
espaçoso e ao meu total contragosto conserta a gola da minha camisa, depois a gravata.
— O que você quer? Que eu faça um retrato falado dela? — Cris torce o nariz. — Eu
era promoter das festas de artistas, gente conhecida, do nosso meio... Como vou descobrir
quem é essa ilustre desconhecida?
— Dê o seu jeito — é a minha vez de analisá-la e julgá-la. — Se tocar esses lindos
dedinhos sujos de chantilly em minhas roupas novamente eu os arrancarei fora — beijo sua
testa e afago seu cabelo.
— Eu também senti a sua falta, maninho — ela conclui com seu fino tom irônico. — E
parabéns! Agora devo chamá-lo de CEO ao invés de irmãozinho?
Encaro-me uma última vez no espelho. Fazia muito tempo que eu havia trocado o terno
por roupas mais casuais para poder mochilar pelo mundo. E céus, como era bom estar trajado
não apenas como dono de todo o império, mas seu CEO. Respirei fundo e tornei a olhar
Cristiane, perdida nos restos de seu bolinho.
Com um gesto simples com a cabeça indiquei que ela deveria me seguir.
Cheguei ao hall de entrada da mansão e encontrei, jogados no sofá, Ítalo e Marco. Nem
de longe meu semblante transparecia felicidade.
— Você podia andar mais devagar — esbaforida, Cris segura em meu ombro.
— Comece pela boate, se conseguir imagens dela ganha pontos extras. Descubra nome,
onde mora, onde trabalha e estuda, se tem cachorro, papagaio e como faço para encontrá-la —
mando e voltou-me para os dois homens que já estão de pé.
— O que essa criatura tem de tão especial para ele ficar tão louco? — Cris ri para Ítalo
e dá uma apertada no braço de Marco quando sai.
— Eis o grande dia! — Ítalo bate palmas, Marco o acompanha com demora.
Nesseinstante não escondo o sorriso. É doce poder saber que todo esforço, estudo e
uma pitada de sorte do destino sorriram para mim e me trouxeram aqui. De filho do dono da
empresa e diretor do departamento de entretenimento para diretor geral da rede de emissoras
Alfa, ou seja, o CEO.
— Não teria conseguido sem vocês e sem o misterioso G. Nolasco — devo admitir.
— Falando em G. Nolasco, não consegui mais contato com ele. Não responde meus e-
mails, não passou número de telefone, simplesmente deixou de existir...
Chamo Ítalo com o dedo indicador para que se aproxime de mim.
— Faço questão de recompensar o senhor Nolasco. Suas ideias foram valiosas e
puderam dar consistência à minha proposta, que foi aceita pelo conselho — digo e ele
concorda rapidamente. — Mas quero ter uma conversa séria com você.
— Pois não.
— Não minta para mim — peço.
Ítalo arqueia a sobrancelha e eu mostro o que escondia em minhas costas: dois ternos,
ambos pretos. Nos encaramos por alguns segundos até que meu querido amigo platinado volte
a arquear a sobrancelha.
— Diga-me o que eu te pedi.
— Você doou os seus antigos ternos e pediu que eu produzisse pelo menos sete novos.
Eu sei, só consegui produzir um, mas eu não sabia que você tinha retornado...
— Não foi você quem fez esse terno — ergo os dois para que ele veja. — Olhe o da
direita — ele analisa, eu também. É magnífico, parece uma obra de arte, valeria mais do que
um Armani.
Ítalo não conheceu a minha família através de mim. Desde os quinze era aprendiz do
costureiro particular da minha mãe, e em menos de dois anos se mostrou muito mais talentoso
que este, substituindo-o; seus detalhes eram refinados, delicados, ele tinha o dom de
transformar panos e retalhos em gemas de diamantes.
Com o tempo nos tornamos grandes amigos e ele passou a ser muito mais do que meu
costureiro pessoal, o meu melhor amigo, meu irmão, o cara a quem eu confiava absolutamente
tudo.
— Olhe o da esquerda agora — entreguei em suas mãos.
Ítalo imediatamente fez uma cara azeda ao perceber como estava mal feito. Óbvio que
não estava tão horrível quanto eu queria fazer parecer, mas definitivamente não havia sido
feito por ele.
— Eu te tornei diretor do departamento de figurinos da emissora para que você só
supervisionasse os costureiros, pudesse fazer minhas roupas e escrever os seus best-sellers —
ele abaixou o rosto. — Se está sem tempo, peça exoneração do cargo, você sabe que como meu
costureiro ganha dez vezes mais do que como diretor figurinista. E eu preciso de você perto de
mim agora, e dos meus ternos também. Então não terceirize o seu trabalho.
Ele concordou com a cabeça e não me disse nada, jogou o trapo que tinha em mãos
para que Marco segurasse e me ajudou a vestir o terno feito por ele.
— Os seus compromissos são: fazer meus novos ternos e encontrar G. Nolasco para
podermos bonificá-lo por suas ideias. Não serei conhecido pelo cara que roubou ideias de
outro e se tornou diretor geral.
— E o senhor não quer mais nada? As marmitas dentro da mochila para poder comer
de três em três horas? — ele mordiscou o lábio enquanto tentava ser grosso. — Seus ombros
estão mais largos — ele analisou. — Seu peitoral também, o terno está apertado?
— Bingo! — apontei o dedo indicador para ele. — Esse é de um ano e meio atrás,
encontrei perdido no armário. Agora chega de papo furado, tire minhas novas medidas e só
retorne quando encontrar o Nolasco!
— Quem é esse Nolasco? — Marco jogou a peça de roupa que tinha em mãos para trás
e veio em minha direção.
— Um ser enigmático que por algum mistério conseguiu vários e-mails de diretores da
Alfa e lhes enviou reclamações. Leonardo que é um desocupado respondeu e eles trocaram
figurinhas — Ítalo explicou. — Leonardo usou muitas das ideias do Nolasco para apresentar
seu plano de crescimentos...
Marco anuiu.
— E o que você quer que eu faça? — ele deu um passo à frente.
— Você, meu querido galã, vai para um encontro.
— Ah, é disso que eu gosto! — Marco deu um soco no ombro de Ítalo. — Quem eu
vou ter que comer?
Tive de segurar o riso e permanecer imóvel enquanto minhas medidas eram tiradas.
Olhei de soslaio para o relógio da sala para calcular quanto tempo eu ainda tinha, e na verdade,
eu já estava atrasado. Precisava comparecer à reunião que oficializaria minha ascensão.
Eu contava ou não a Marco o que lhe aguardava?
— Vai, fala, quem é a gostosa — ele insistiu.
— Leonardo Leão — prendi a gargalhada ao encarar o desgosto estampado em seu
rosto.
— Ah, vá a merda! Eu aqui crente de que ia ver uma gostosa! — ele protestou.
— Nem tudo na vida é sobre comer alguém — pigarreei.
— Amigo, tudo na vida é sobre comer alguém — Marco me olhou com ódio.
— Então boa sorte com Leonardo Leão — tornei a rir. — Ele vai investir uma grana
em meus projetos em troca de meu apoio no futuro para alguma coisa. Não faça essa cara para
mim — tive de engrossar ainda mais a voz e colocar Marco em seu lugar. — Sinta-se honrado
por ter minha total confiança e ir fechar o acordo com ele.
— Ah, é, aí você me joga para São Paulo enquanto Ítalo fica aqui?
— Que ciumentinho! — Ítalo riu.
— E eu não poderei ir. Tenho novela para gravar.
Chamei Marco com o dedo indicador. Ele sabia que aquilo não significava algo bom.
— Dê o seu jeito — murmurei. — Ou eu te coloco na geladeira e você desaparecerá da
tela por uma década.
— Eu podia ficar por aqui e encontrar a garota. Lembro de tê-la visto rapidamente na
balada... — ele claramente mentiu, mas tomou minha atenção. — Devo conhecer todas as
mulheres do Rio, achar essa não vai ser difícil, dou meu jeito.
— Sua passagem já está comprada — o olhei dos pés à cabeça. — Não me faça
cancelar a passagem de volta — abri um sorriso cínico e aproveitei que minhas medidas já
haviam sido tiradas para andar em passos largos em direção a porta, chamando ambos para
virem comigo.
Descemos até a garagem pelo elevador e não perdi tempo, mas dessa vez passei a ouvi-
los.
— Eu sondei alguns estúdios, como você pediu. Sim, começaram os cortes no
orçamento, mas não me parece que eles estejam obedecendo suas regras à risca... estão
demitindo parte do pessoal de apoio — Ítalo disse.
— Como assim?
— Estão diminuindo o pessoal que é essencial. Precisamos das costureiras, dos
faxineiros, acredite, precisamos até das moças do café!
Marco riu.
— A Alfa é muito mais do que uma emissora, Leo. É uma família. Emprega pessoas, e
ainda mais em meio a essa crise, não dá para dispensar todo o pessoal assim, só agrava a
situação. Enquanto empresa a Alfa deveria zelar pelos seus empregados, mesmo que isso custe
caro de início. Vamos seguir a sugestão de Nolasco, juntar departamentos, cortar uns cabeças,
tirar o pessoal que não faz nada... — Ítalo ia dizendo, até que Marco o interpelou.
— E descobrir onde boa parte do dinheiro está sendo gasta. Dinheiro não evapora
assim, as constas estavam lá em cima e de repente declínio?
Tive de rir. Era divertido ver Marco tentando ser tão politizado para chamar a minha
atenção.
— Mais de cinquenta pessoas receberam aviso prévio. Isso é um ultraje, podemos
economizar dinheiro em outras coisas — Marco completou, para orgulhar-me de sua postura.
E me orgulhei.
— Por isso o dinheiro do senhor Leão será bem-vindo — dei uma palmada em seu
ombro.
Não posso mentir, era divertido ver o sorriso se apagar do rosto dele repentinamente e
vê-lo apreensivo.
Quando chegamos à garagem, caminhamos alguns passos tendo uma fileira de carros à
disposição.
— Hein, Leo... você bem que podia me emprestar a Maserati, não é?
Para evitar ouvir um chororô em meu ouvido, tirei o controle do bolso e joguei em sua
direção.
E enquanto eu fazia uma criança feliz que correu para dentro da máquina, já a ligou e
saiu à frente, parei um instante para conspirar com Ítalo.
— Só não me diz que durante todo esse tempo em que eu estive fora eles tiraram
dinheiro de dentro da Alfa para molhar o bolso de algum político corrupto... — olhei para o
horizonte.
— A Alfa tem uma dívida grande de sonegação que o governo nunca cobra — Ítalo
olhoupara o outro lado. — Alguém deve estar recebendo esse dinheiro, certo? Não a Receita
Federal para reverter o dinheiro em benefícios para a população, mas benefícios de algum
partido ou alguém...
— Alguém quem?
— Ainda não sabemos — ele olhou ao redor e colocou as mãos no bolso.
— E quem deu esse dinheiro? O antigo CEO? Há alguém com forte ligação política
dentro da Alfa? — tive de inquirir.
— Eu não tenho todas as respostas, Leo — Ítalo voltou seu rosto para mim. — Mas
não, eles não usariam um alvo óbvio, precisa ser alguém inusitado... iremos descobrir.
— Hoje deveria ser o dia mais feliz da minha vida, enfim por mérito me tornei CEO,
mas eu sei que é uma missão suicida. Estarei cercado de lobos e eles vão me devorar assim que
tiverem chance — praguejei e entrei na Hilux.
Ítalo colocou a cabeça na janela.
— Então é melhor não dar chance. E devorá-los primeiro — ele fez um aceno com a
cabeça e se afastou, iria com o próprio carro.
— Ítalo — o chamei pelo nome. — Tem certeza que você não a viu naquela noite? Não
a reconheceria se a visse de novo?
Nos entreolhamos novamente por alguns segundos, pareceu que ele buscou alguma
lembrança, mas certamente não existia. Ele estava alegre demais, bêbado demais, ocupado
demais para se lembrar da ninfa que havia roubado toda minha atenção.
— Pare de pensar nela — foi a conclusão que ele teve. — Você precisa se ocupar com
coisas reais e imediatas. Tem uma longa cerimônia não apenas na Alfa, mas na Colméia
também — ele olhou para os lados. — Lembre-se: ocupar-se com o passado ou o futuro é
querer sentir dor. Se a garota não existe no presente, ela não pode lhe trazer nada além de dor.
E no final das contas talvez ela não exista, talvez ela seja apenas invenção da sua cabeça, uma
miragem e delírio de bebida e epifania por voltar ao Brasil!
Coloquei meus óculos escuros e liguei o carro. Meditei por um tempo naquelas
palavras e eu tinha de concordar com ele: cavar o passado e espiar o futuro eram formas de
trazer a dor para o presente.
Contudo, no presente, aqui e agora, eu podia senti-la. Seu perfume misturado com o
suor e o olhar distraído vagando pela minha cabeça, sua alegria e êxtase sendo liberados pela
dança como se o mundo fosse um mero detalhe em sua felicidade. E mesmo que a minha
cabeça tentasse reproduzir todos os detalhes daquela noite, a cena mais forte foi um mero olhar
que havíamos dado e sido mais prazeroso de muitos corpos que desfrutei.
Ela era real. Pelo menos para mim. Em mim. Por mim.
— Ela existe, Ítalo. Eu não seria tão foda assim para inventá-la.
Capítulo 5
Giulia Nolasco
As palavras da cigana não saíram de minha cabeça por uma semana. Dia após dia,
desde a hora em que eu acordava, tomava banho, ia ao trabalho, realizava o meu serviço
mecanicamente, ia a faculdade e enfim voltava a letargia. As palavras revestidas de profecia
me assombravam.
Criei o hábito de sair de casa bem mais cedo do que o costume para ficar nos jardins da
Alfa por alguns minutos a espera de uma nova aparição da cigana, mas falhei miseravelmente.
Não havia vestígio da mulher. Ela havia sumido do mapa.
As pessoas já não conseguiam esconder no olhar que me achavam uma maluca
desnorteada quando eu as parava no meio do lugar e perguntava: “Você viu uma cigana por
aí? Muitas joias, cabelo preto, toda sorridente...”, mas nenhum deles parecia se importar.
Eu não sabia o que era mais incômodo: engolir em seco e concordar, infelizmente, que
ela estava certa pelo fato de que eu me sabotava e não me permitia alçar voos maiores –
embora eu não fizesse ideia de como –, e a parte da previsão que estava definitivamente errada.
Ao descrever o meu chefe, ela disse o completo oposto do que ele era. O senhor
Maurício era bem velho, em torno dos 65 anos, tinha olhos acinzentados e aquela barriguinha
de chop. Como poderia ser ele o homem da profecia do “rei de copas”?
E por último, o café.
A minha roupa de serviço não entregava a minha função. Como aquela mulher me
sugeriu algo que parecia completamente ao meu alcance, embora a minha mente me
censurasse?
Eu prestava aquele serviço todos os dias, e como era uma das poucas remanescentes na
cozinha da empresa, tinha total privacidade para fazer algo do tipo sem ser flagrada. Por outro
lado, a moral gritava em meu ouvido: não faça isso! É errado!
Mas não era errado também toda aquela série de demissões, enquanto os chefes de
departamento esbanjavam riqueza? Eles haviam ignorado completamente as minhas ideias
pelo simples fato de eu ser mulher! Isso também não era errado?
— O que você tem a perder? — Kátia Flávia me doou um minuto de seu tempo.
As únicas duas pessoas que eu tinha amizade naquele lugar eram Kátia Flávia, minha
melhor amiga, negra, black power, com aquele olhar singelo de quem não vai levar desaforo
para casa e mãos hábeis – ela é a promissora moça dos figurinos, que consegue executar com
maestria os pedidos de seus superiores.
E o meu outro amigo, John Dreux, foi meu veterano na faculdade de jornalismo. Alto,
corpo atlético, tatuagens do pescoço até... bom, até Deus sabe onde, nunca o vi pelado. Mas
todas as partes do seu corpo que ficavam expostas eram tomadas de figuras coloridas, flores,
tribais e desenhos dos anos 80 e 90.
— A minha dignidade! — bufei, só não dei um tapa na mão dela senão atrapalharia a
sua costura.
— Você já não perdeu a dignidade ao trabalhar nos bastidores para o Bruno e o Kevin?
Estão sendo bem elogiados no departamento de jornalismo. Dizem que são estagiários
promissores, que logo subirão de cargo. E tudo isso graças ao seu trabalho — John morde a
maçã que tem na mão direita, tira a franja preta da frente do rosto e faz um topete provisório.
— Nossa, se vocês são os melhores amigos que consegui nesse lugar, fico me
perguntando para que eu preciso de inimigos.
— Coa o café — Kátia pede, faz uma pausa para me encarar com seus olhos profundos,
para deixar claro que aquilo não é uma sugestão e sim uma ordem.
— A parte mais difícil vai ser coar sem ser vista. Depois disso, amiga, é servir.
Ninguém desconfia de uma garrafa fechada de café... — John segurou o riso.
— Mas e se não der certo? Perco meu tempo, passo por sérios apuros e saio revoltada?
— cruzo os braços, indignada.
— Mas e se der certo? — eles perguntam juntos, trocam olhares de confidentes.
— Meu chefe ficará debaixo dos meus pés — mantenho os braços cruzados.
— Talvez ela te readmita... — Kátia volta a sua costura.
— Talvez você se torne a mais jovem jornalista a apresentar o Jornal da Nação a
noite... coar um café na calcinha é um investimento baixo, melhor do que aquele teste — John
mexe as sobrancelhas, tentando fazer graça.
Preciso dar o braço a torcer e rir um pouco com eles. Falar sobre aquela loucura me
deixou mais leve e tranquila, é claro que não me deu coragem imediata, mas me fez realmente
considerá-la.
A sala de costura estava com metade de seus assentos ocupados, e John e eu ali de
intrusos, distraindo Kátia. Sabíamos que era um risco para ela, por que eu já havia sido
descartada mesmo, nada de pior aconteceria, e John tinha uma estabilidade, conhecia gente
importante, não seria demitido por ir alongar as pernas em um dos estúdios.
— O que é isso? — Kátia fez uma pausa.
No segundo seguinte conseguimos ouvir a voz de dois homens.
— Jesus de Nazaré! — ela deu um salto. — Você precisa sair daqui! Meu chefe está
vindo!
Esbugalhei os olhos. Mais essa agora! O que eu faria?
— Armário — digo por instinto e corro para o armário mais próximo e o abro, mas sem
chances de eu entrar ali, está abarrotado com roupas no cabide, caixas e máquinas de costura
de pequeno porte, sem espaço nenhum para entrar. — E agora?
O tom das vozes aumenta. Eles vão entrar a qualquer momento!
— Onde eu me escondo? — digo aflita.
O resultado você já sabe: debaixo da mesa, como de praxe. John vai para longe e fica
de costas, olhando o mundo lá fora por uma grande janela.
Enfim é possível ouvir nitidamente as vozes.
— Mas o que falta para realizar essa sua nova ideia? — meu Deus, aquela voz!
Máscula, firme,

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