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Na cama com meu inimigo- Chris Prado

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Prévia do material em texto

NA CAMA COM MEU INIMIGO
Copyright © 2021 Chris Prado
 
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, personagens e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a citação da
fonte.
Plágio é crime.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184
do Código Penal.
Obra registrada na CBL.
 
Capa e diagramação: Chris Prado
Revisão e betagem: Erik Baccin
Revisão final: Chris Prado
Banco de imagens: Pixabay,, Freepick, Depositphotos
 
Classificação indicativa: 18 anos. Esta obra apresenta conteúdos de sexo explícito em algumas
cenas.
 
___________________
 
Dados catalográficos
Prado, Chris
1ª Edição
Na cama com meu inimigo
São Paulo, 2021
1. Literatura Brasileira. 2. Romance. 3. Literatura contemporânea
 
Angelina é uma mulher marcada pela dor de presenciar a morte de um ente querido. Em
busca de vingança, ela só quer ver a cabeça de Murilo Navarro, o assassino de seu irmão, em uma
bandeja.
Murilo é um homem ambicioso, frio e calculista que aprendeu desde criança a se virar para
sobreviver e que não medirá esforços para concretizar seus objetivos.
CEO de uma rede de boates, ele é genro de Caleb Tomazini, um empresário inescrupuloso
que fez fortuna através de negócios lícitos e ilícitos, incluindo tráfico de drogas.
Apesar de casado, há tempos que o relacionamento de Murilo com a esposa não passa de
uma fachada. Assim, ambos colecionam amantes, obedecendo apenas a uma condição: que nenhum
dos dois leve qualquer caso extraconjugal à sério ou que exponha em público o casamento falido.
Condição que ele se vê prestes a quebrar ao conhecer Angelina, uma mulher exuberante e
provocadora que atiça sua libido e o atrai mais do que qualquer outra.
O que Murilo não imagina é que a bela moça tem planos bem diferentes para ele. De
preferência, vê-lo estirado em um caixão.
Angelina, por sua vez, precisará de muito foco para não ser descoberta em suas intenções ou
se deixar seduzir pelo charme de seu maior inimigo.
Um jogo se mentiras, poder e sedução que vai esquentar, não apenas o clima, mas a cama de
ambos.
 
NOTA DA AUTORA
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTUO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
EPÍLOGO
EM BREVE
LEIA TAMBÉM
AGRADECIMENTOS
SOBRE A AUTORA
 
Olá, leitores (as) queridos (as).
Apesar de fazer uma parte de uma série (Vingança e Sedução), este livro é totalmente
independente. A série será composta por histórias que exploram este tema, porém não há ligação
entre um livro e outro.
Esta história não é recomendada para menores de 18 anos por conter cenas de sexo explícito.
Aproveito para dizer que há informalidades nos diálogos com o objetivo de deixar o texto mais
próximo da fala real. Então, eventualmente, vocês encontrarão palavras como “tá” e “pra”, que optei
por não grafar em itálico para não poluir o texto.
Não fiz playlist para esta história, entretanto, em algumas cenas onde os personagens
estão ouvindo música, vocês irão se deparar com este símbolo ♫ , que, ao ser clicado, levará para
a canção no Youtube, caso desejem escutá-la.
Sejam bem-vindos(as) e tenham uma excelente leitura.
Um grande abraço,
 
 
— Vamos, filho da puta! Confessa logo onde está seu cúmplice e a grana antes que eu comece
a quebrar seus dedos. — Vejo Dinho, um dos capangas mais leais do meu sogro, vociferar para um
rapaz loiro amarrado a uma cadeira e com o rosto já inchado de levar porradas. Um filete de sangue
escorre pelo canto de sua boca.
Fecho a porta da sala atrás de mim e me aproximo dos dois. Dinho, um homem de rosto
anguloso, olhos escuros e cabelos pretos cheios de gel penteados para trás, me encara, franzindo o
cenho. Logo imagino que ele preferiria continuar sozinho com o interrogatório.
Homem de confiança de Caleb Tomazini, ele é apelidado de “carrasco” e é conhecido pelos
seus métodos “persuasivos”, digamos assim, de arrancar informações dos inimigos.
Porém, desta vez, quem está à sua frente não é exatamente um inimigo, mas o barman de uma
das casas noturnas que administro.
O rapaz é suspeito de ter roubado a grana da venda de Ecstasy e outras coisinhas a mais em
nosso estabelecimento, o que é considerado uma traição, um ato imperdoável, segundo as diretrizes
que o meu sogro estabeleceu aos seus negócios sujos.
Imbecil, é a única palavra que vem à minha mente ao parar ao lado dos dois.
— Dinho, deixe comigo — ordeno para o “carrasco”.
— Ele está quase abrindo o bico, Murilo. Por que não volta pro escritório e deixa eu fazer o
meu trabalho? — Sua voz tem uma ponta de sarcasmo.
Venço a distância que nos separa com um passo e o encaro de cima. Dinho tem uma estatura
mediana e sou uns quinze centímetros mais alto do que ele, além de mais jovem e mais forte. Posso
ser intimidador quando quero.
— Vou fingir que não escutei o que você disse. — Fuzilo-o com olhar. — Me espere lá fora,
e isso é uma ordem!
Dinho fecha novamente a cara e me dá as costas, saindo pela porta que entrei.
A sala mal-iluminada e pegajosa onde estamos fica em um galpão fora dos limites da cidade.
Conhecido como “churrascaria”, por conta da existência de um incinerador no local, são poucas as
pessoas que costumam sair vivas ou inteiras daquele lugar.
— Marcelo, me escute com atenção. Ninguém rouba os Tomazini e permanece impune. Se
quiser sair vivo daqui, é melhor dizer onde estão seus parceiros e a grana.
— Senhor Navarro, por favor acredite em mim. Não fui eu. Não fui eu que roubei o dinheiro
— ele murmura e me olha como que implorando para acreditar em suas palavras.
Travo os meus dentes e agarro os cabelos de Marcelo, puxando sua cabeça para trás.
— Não se faça de idiota. As câmeras pegaram você entrando no escritório e saindo de lá
com uma mochila bem gorda. Agora me diga como foi que conseguiu a senha do cofre e onde está a
maldita grana.
— Não, por favor, estão enganados. Eu não queria, não queria roubar nada. Eu já disse pro
outro cara que estava aqui. Eu ia entregar a mochila pro senhor, mas quando saí na rua, fui atacado.
— Entregar para mim? — indago com estranheza. — Que história é essa?
Largo os cabelos dele rudemente e o encaro de frente. Marcelo tem um dos olhos quase
fechados por conta de um hematoma e lágrimas descem pelo seu rosto.
— Eu... eu só fiz o que o Tavares mandou. Ele me chamou e liberou a entrada para os
escritórios, então me disse para ir até sua sala e pegar a mochila que estava ao lado da mesa, nem
olhei o que tinha dentro, juro.
— Tavares, o chefe da segurança?
— Sim, senhor. Ele falou que o senhor estaria me esperando no carro no estacionamento
atrás da boate e pediu urgência, mas assim que botei os pés fora do prédio, dois caras me seguraram
e fui jogado dentro de um carro. Arrancaram a mochila de mim e um deles me apontou uma arma.
Achei que ia morrer...
— Mas eles te liberaram. Conveniente isso, não acha? — Seguro o queixo dele com força.
— Não. Eu... eu fiquei apavorado e quando diminuímos a velocidade por causa do trânsito,
abri a porta e pulei do carro. Pode olhar o meu braço. — Ele aponta com o olhar na direção do
ombro. — Eu me ralei todo e torci o pé.
Dou um sorriso irônico e o solto.
— Então, você pega algo em minha sala, é sequestrado, pula do carro em movimento e
simplesmente resolve voltar para sua casa? — Balanço a cabeça com a ingenuidade do rapaz. — Por
que não nos procurou?
— Não pensei direito. Só sei que quando me vi livre, saí correndo. Fui pra casaporque não
tinha outro lugar pra ir, não sabia o que fazer. Fiquei com medo de ter feito besteira... Me desculpe,
eu não sabia, juro por tudo que é sagrado. — Ele engole em seco. — Então aquele homem, o homem
que estava aqui, invadiu a minha casa e me trouxe pra cá. Por favor, senhor Navarro, acredite em
mim.
Estreito os olhos e me afasto alguns passos em direção a uma bancada de madeira próxima.
— Pois é... Pode ter certeza de que fez uma grande besteira — concordo e percorro meu
olhar pela mesa de “instrumentos” que Dinho costuma usar para fazer suas vítimas falarem. Torço o
nariz. Aquele lugar fede a urina, suor e sangue.
Volto a fitar Marcelo. Conheço-o há dois anos. Fui eu que o contratei para trabalhar na boate.
O rapaz nunca deu sinais de que poderia nos enganar e participar de um roubo, mas sempre existe a
possibilidade de se deixar seduzir pelo dinheiro fácil. Assim como há a possibilidade de ele estar
dizendo a verdade.
Opto pela minha intuição e vou até ele, que me encara assustado. Desamarro seus pés, faço-o
se levantar e o empurro de encontro a uma banheira velha cheia de água que cheira a podre.
— Por favor — Marcelo implora. — Eu não fiz de propósito. Por favor...
— Eu acredito em você — digo e forço o rosto dele para dentro da água fétida e turva.
O barman se debate sob a minha mão e deixo que ele levante a cabeça para respirar
enquanto tosse. Jogo-o no chão. Sei que Dinho está escutando por trás da porta e preciso fazer
Marcelo gritar.
Dez minutos depois, saio da sala.
— E então? — Dinho me olha com desdém.
— O garoto não sabe de nada. Deixe-o ir pra casa.
— Acredita mesmo na história dele? — Os olhos de Dinho parecem cuspir fogo.
— Acredito. Ele não arriscaria a vida assim só para proteger os cúmplices. No fim, não
levaram mais do que R$ 20 mil. A parcela dele seria ínfima. Tavares deu azar. Creio que ele não
calculou que o tesoureiro iria antecipar a coleta do dinheiro.
— Esse Tavares assinou a própria sentença de morte. Mas seu barman não pode ir pra casa.
Não depois do que fizemos com ele.
Encaro-o sério.
— Não se preocupe com isso. Libere-o, entendeu?
Dinho dá um sorriso de lado.
— Depois do golpe do casamento, você virou rato de escritório e ficou muito molenga,
Murilo. Não serve mais pra isso, não.
Aquelas palavras fazem o meu sangue subir e o agarro pela gola.
— Cala a boca, desgraçado, ou vou te mostrar quem é o molenga aqui! Marcelo é meu
funcionário e não quero a polícia batendo na minha porta por causa do sumiço dele. Já temos
problemas demais. Ele não vai nos denunciar. Eu garanto.
— Garante como? — Dinho me empurra e eu o solto.
— Isso é problema meu. O seu problema é encontrar o Tavares e recuperar a grana —
vocifero. — Agora faça o que eu mandei e não me questione mais!
Saio do galpão sabendo que o que Dinho mais deseja é enfiar uma bala nas minhas costas,
mas ele não tem coragem o bastante para fazer isso com o genro do chefe dele. Não é louco. Ainda
mais que meu motorista, e também segurança particular, quase sempre está comigo.
Após eu me tornar CEO de um dos braços do Grupo Tomazini, sofri duas tentativas de
assalto por parte de bandidos azarados que não faziam ideia de quem eu era. A primeira foi no
trânsito. Era madrugada quando uma dupla de motoqueiros parou ao meu lado em um semáforo e me
apontou uma arma.
Provavelmente eles miraram o carro importado e acharam que poderiam levar vantagem. Só
não esperavam que o vidro fosse à prova de balas e que eu ia jogar o carro para cima deles.
Derrubei-os da moto, peguei a arma que um deles havia deixado cair e desarmei o outro. Então os
botei para correr, não sem antes machucá-los um pouco.
O segundo assalto foi na casa que, às vezes, divido com Cléo, minha esposa. Pobres ladrões
infelizes. Suas vidas de crimes acabaram no momento em que resolveram me perturbar no sossego do
meu lar.
Depois disso, meu sogro insistiu para que eu não andasse mais sozinho. Ele dizia que, por ter
me tornado um membro da família, eu devia deixar o “trabalho sujo” para os empregados.
Quanta ironia. Eu havia sido, por muitos anos, um empregado de Caleb e feito seu “trabalho
sujo”. Antes de ser seu segurança pessoal, trabalhei diretamente com Dinho. Cometi atos
questionáveis, surrei e peguei pesado com inúmeros indivíduos por informação. Nunca tive dó de
bandido e vivi meus momentos de “carrasco” também, mas nenhuma das minhas supostas “vítimas”
era flor que se cheirasse, muito menos inocente, como Marcelo.
Fato é que Dinho me odeia e até hoje se ressente por eu ter me tornado hierarquicamente
superior a ele. Fazer o quê, se a filha do patrão não resistiu ao meu charme e caiu de amores por
mim.
Tudo premeditado, claro.
Quando percebi que Cléo arrastava uma asa para mim, não deixei a oportunidade escapar.
Seduzi a mulher e me casei com ela na melhor das intenções. Só que não.
Sempre sonhei ser um homem poderoso e cheio da grana. Quem nunca? E Cléo era a minha
melhor chance para chegar aonde eu precisava.
Quando comecei a trabalhar diretamente na segurança particular do pai dela, meu intuito era
ganhar a confiança dele e subir na hierarquia. Almejava ser, um dia, chefe da segurança geral do
Grupo. Porém, sem que eu esperasse, meu destino tomou outro rumo.
Felizmente, a vida me agraciou com um rosto bonito, olhos azuis e um sorriso matador.
Assim, não demorou para Cléo me notar e, deste modo, ela foi meu passaporte de entrada para a
família Tomazini.
Não posso dizer que foi tudo fingimento em nosso caso. A mulher era realmente bonita e o
sexo foi espetacular por uns bons meses.
Caleb Tomazini ficou possesso quando soube que eu estava comendo a filha dele, mas, diante
da insistência dela em me ter em sua cama, ele parou de nos pressionar.
Contudo, como nunca existiu amor de verdade e como Cléo sempre foi uma mulher
caprichosa e sedenta por novidade, seu interesse por mim começou a diminuir com o tempo. Ao
perceber que isso estava acontecendo, achei melhor agir antes que nosso relacionamento começasse
a esfriar.
Não podia deixar que ela terminasse comigo. Eu precisava entrar para a família de uma vez
por todas, então usei alguns contatos para mandar fazer uma cartela de pílulas anticoncepcionais com
placebo.
Algumas semanas depois, Cléo engravidou e, para evitar comentários maldosos por parte da
elite da sociedade, nos casamos em uma cerimônia arranjada às pressas, mas com toda a pompa que
os ricos amam. Saímos até na capa de uma revista de celebridades.
Infelizmente, ou não, Cléo perdeu a criança aos quatro meses de gestação por problemas
naturais.
Não me senti feliz ou triste com o fato, pois não conseguia e nem consigo, atualmente, me ver
como pai. Não está no meu sangue, creio. Tampouco minha esposa pareceu se abalar na época.
Penso até que ela tenha ficado aliviada por não precisar mais carregar um filho por nove
meses. Lembro-me dela reclamando de que a gravidez a deixaria gorda, feia, com estrias, que não
iria amamentar para não ficar flácida, que não estava pronta pra ser mãe etc.
Enfim, após o aborto espontâneo, posso dizer que nosso casamento ainda permaneceu
razoável por mais de um ano. Porém chegou uma hora que não deu mais.
Olhando para trás, vejo que nosso relacionamento foi, como dizem por aí, apenas fogo de
palha. Apesar do sexo ser interessante, para todo o resto, nossos santos não batiam e não
suportávamos mais a presença um do outro. Passamos a dormir, então, em quartos separados e não
demorou para que Cléo começasse a me trair.
Eu estava pouco me lixando para isso, mas fiquei puto com o fato da minha imagem estar em
jogo. Ninguém quer ser taxado publicamente como corno e eu não daria o gosto do divórcio para
Cléo.
Tínhamos um acordo pré-nupcial onde, se fosse eu a entrar com o pedido de separação, não
levaria nada, nem um tostão. Ao passo que se fosse ela, eu receberia uma bolada grande. Óbvio que
eu não abriria mão da grana.
Para a minha sorte, minha esposa é uma mulher orgulhosa que preza pela perfeita imagem da
família feliz e, no fim, concordamos em manter o casamentode fachada. Penso que ela também
gostava de desfilar comigo nas festas como se eu fosse um acessório. Sinceramente, eu não me
importava. O que valia para ela, também valia para mim.
Seguindo o exemplo de minha esposa, passei a dar minhas escapadas e, após algumas
discussões, fizemos um acordo no qual poderíamos manter relacionamentos extraconjugais desde que
os mantivéssemos em segredo e que não fossem duradouros. Ou seja, desde que não nos
envolvêssemos sentimentalmente com nossos amantes.
Por mim, estava perfeito. Sempre gostei de ter várias mulheres em minha cama, e poder me
libertar das correntes que o casamento impôs foi excelente.
Assim, tornou-se habitual, tanto eu quanto Cléo, mantermos nossas camas aquecidas com
outras pessoas. Geralmente comprávamos o silêncio delas com dinheiro ou com chantagem. Afinal,
grana, poder e influência não faltam para os Tomazini, tampouco para mim, depois que me tornei um
agregado da família.
Deste modo, após alguns anos de casamento e de ganhar definitivamente a confiança de
Caleb, cheguei ao topo da Luminous, empresa do Grupo Tomazini que controla os estabelecimentos
do ramo de entretenimento da corporação.
Como CEO, meu trabalho é gerir as boates e casas de shows espalhadas por todo o país.
Faço isso da capital, o que me ocupa bastante tempo, mas estou sempre viajando para visitar os
outros estabelecimentos.
Sob minha gestão, a rede cresceu e tem trazido ótimos lucros, legalmente falando, mas devo
acrescentar que as casas noturnas também fazem parte de um esquema de distribuição e venda de
drogas comandado pelo meu sogro.
Aliás, sobre os negócios ilícitos de Caleb, tenho conhecimento de que ele está metido em
lavagem de dinheiro, licitações fraudulentas, suborno e na venda de drogas sintéticas, como Ecstasy
e metanfetaminas, que são vendidas nas boates da Luminous. Então, sei bem o que acontece lá
dentro, mas não me envolvo.
Contudo, uma coisa posso garantir: a grana proveniente das vendas dessas porcarias é alta e
tenho certeza de que o buraco é mais fundo e mais sujo do que parece.
Meu sogro é um homem desconfiado e controlador, e nunca deixou eu me aproximar muito de
seus negócios ilegais. Na verdade, por muito tempo eu não quis saber das merdas dele. Entretanto,
chegou a hora de sair da moita. Sei que tenho uma ótima oportunidade nas mãos e não pretendo
desperdiçá-la. Minha intenção é descobrir até onde Caleb Tomazini tem enfiado seus tentáculos.
Afinal, informação é poder.
Entro no carro que está me aguardando na porta do galpão e seguimos para a sede do Grupo
Tomazini.
Meu sogro marcou uma reunião comigo e não faço ideia do que ele quer. Inspiro fundo e olho
pela janela. O galpão em questão fica em um sítio a alguns quilômetros da cidade e tudo o que vejo
passar são árvores e pequenos campos de cultivo.
Definitivamente, odeio aquele lugar. Apenas espero que Dinho cumpra minhas ordens e deixe
Marcelo em paz. O rapaz já recebeu uma boa lição.
Quanto ao Tavares, o segurança por trás do roubo, esse certamente terá um destino bem
dolorido quando Dinho o tiver em suas mãos. Sei que o “carrasco” não demorará a encontrá-lo e não
descansará enquanto não souber como o sujeito descobriu a senha do cofre.
Por mim, tanto faz. Um bandido a menos na face da Terra não fará diferença.
 
Pela milésima vez, vou até o espelho do banheiro para ver como estou. Ansiosa, verifico que
a raiz dos meus cabelos já estão com mais de um centímetro, logo precisarei dar um jeito neles.
Tenho-os castanhos, mas gosto de dar uma nuance levemente avermelhada nas madeixas, por isso os
tonalizo.
Enfim, cabelos: OK, maquiagem: OK, roupa: ...fico em dúvida.
Já troquei duas vezes de terninho e ainda não sei se devo ir com o conjunto de saia e terno
creme que estou usando ou se o azul com calça seria o mais adequado. Já tentei o preto também, mas
não caiu no meu gosto.
Fecho os olhos, inspiro fundo e solto o ar de uma vez. Preciso me acalmar.
— Vai dar tudo certo, Angelina — digo para mim mesma.
Quero acreditar que sim, pois espero por esse momento há mais de cinco anos. Durante todo
esse tempo me preparei para esse dia e agora que estou prestes a iniciar a última e mais importante
etapa do meu plano, meu coração está a mil.
Passo os dedos pelo colarinho branco da minha camisa e decido ir com aquele conjunto
mesmo. Escolho um par de brincos prateados, borrifo um pouco de perfume nos pulsos e estou
pronta, duas horas antes da entrevista...
Não posso chamar o Uber ainda. É muito cedo. Não consegui dormir direito por causa da
ansiedade e desde às cinco da manhã estou de pé, andando de um lado para o outro igual a uma
barata tonta e repassando o que devo dizer quando estiver frente a frente com ele.
Fecho os punhos com força. Não sei se é de nervoso ou de raiva. Pego o meu celular e abro o
aplicativo de fotos. Procuro o álbum que denominei “RIP” e observo a imagem do homem que povoa
meus pesadelos desde que o vi assassinar meu irmão a sangue frio.
Murilo Navarro, maldito! O desgraçado que acabou com o que restava da minha família sorri
na foto. Mas esse sorriso logo terá um fim, isso eu prometo.
Por que eu ando com uma foto do homem que eu odeio no celular? Penso que é para
alimentar a minha raiva e a minha sede de vingança. Para me lembrar da promessa que fiz a mim
mesma anos atrás, quando descobri quem ele era ao folhear uma revista de celebridades na sala de
espera do dentista.
Volto para o quarto e me sento na cama enquanto um nó se forma na minha garganta, pois me
lembro daquele dia que o reconheci na revista como se tivesse sido ontem...
Cinco anos atrás
 
Era uma segunda-feira e eu tinha ido ao consultório para fazer uma limpeza nos dentes. Como
de costume, havia chegado cedo. Enquanto aguardava a minha vez, comecei a folhear uma revista de
moda que não me prendeu por muito tempo, então troquei-a por outra de celebridades.
Um casal de noivos estampava a capa e, ao observá-los melhor, meu mundo repentinamente
parou, meu coração saltou à boca e o ar fugiu dos meus pulmões.
O noivo... Aquele rosto... Aquele era o rosto que me perseguia nos meus piores pesadelos,
que transformava minhas noites em um inferno, nas quais eu acordava suando e gritando. O som dos
tiros, a imagem do meu irmão caindo no chão... Aquilo ainda me assombrava, seja em sonhos ou
acordada.
Já fazia anos que eu havia presenciado o assassinato do meu irmão, mas nunca havia
conseguido me esquecer do rosto do homem que o executara. E quando o vi na capa da revista, levei
um choque.
Com as mãos tremendo, comecei a folhear o periódico até encontrar a matéria do casamento.
Observei atentamente as outras fotos, que só corroboraram a minha suspeita. Era ele mesmo, o
assassino. Procurei pelo nome do casal e descobri que o noivo se chamava Murilo Navarro.
Na verdade, a matéria não focava muito nele, dizia apenas que ele trabalhava na empresa da
família da noiva quando se apaixonaram e blábláblá, uma história de “Ciderelo” às avessas.
Senti nojo, repulsa, ódio.
Ainda percorria as fotos com os olhos quando, subitamente, todos aqueles sentimentos
estouraram em mim e amassei a revista furiosamente. Joguei-a no chão com força e mergulhei minha
cabeça entre as mãos.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu não conseguia acreditar no que tinha descoberto.
Não era possível que um monstro como aquele estava se dando bem na vida depois de ter feito da
minha uma merda.
A recepcionista da clínica se aproximou de mim e perguntou se estava tudo bem, se eu queria
um copo d’água.
Olhei-a como uma alienada. Minha mente não estava ali e eu não conseguia pensar direito.
Não me lembro se respondi à pergunta dela, só me lembro de ter me levantado, catado a revista do
chão e saído de lá sem passar no dentista.
A partir desse dia, não consegui mais ter uma vida normal. Tudo o que fiz, todo o meu
projeto de vida, foi direcionado para me aproximar daquele homem a fim de acabar com a vida dele.
Eu só queria fazê-lo pagar por tudo. Pelo que ele fez ao meu irmão e por todo o sofrimento que me
fez passar durantetodos aqueles anos.
O pior é que nem com a polícia eu podia contar. Minha maior revolta era que ninguém
acreditou em mim quando disse o que tinha acontecido na época do assassinato, nem minha família,
nem os investigadores.
Eles disseram que não havia sangue, não havia balas ou cartuchos vazios no local que
indiquei, não havia corpo. As câmeras de segurança da empresa que ficava na rua não mostravam
nada de anormal e, diante da falta de provas, incluíram meu irmão na lista de desaparecidos, e só...
Não houve investigação de homicídio.
Por ser ainda uma adolescente, fui morar com meus tios, já que meus pais haviam falecido há
anos e quem cuidava de mim era o meu irmão.
Convivi com aquele sentimento de frustração, perda, raiva e impotência dos meus 16 aos 20
anos, até o dia que reconheci Murilo na foto. Foi quando toda essa energia guardada se transformou
em um plano.
Não. Eu não ia esperar ele sair de um restaurante e meter uma bala ou dar uma facada em seu
peito. Acima de tudo, eu nunca fui burra e não queria ser presa. Eu faria aquele sujeito sofrer, queria
vê-lo sentir dor, queria olhar nos olhos dele e dizer por que ele iria morrer. Eu teria a minha
vingança e não seria pega, assim como ele havia se safado do seu crime por tantos anos.
Passei a pesquisar a família da noiva e verifiquei que o pai dela tinha uma empresa, ou
melhor, um grupo de empresas e, ao que parecia, o assassino desgraçado ainda trabalhava para eles.
Eu sabia que uma jovem qualquer como eu só conseguiria me aproximar o bastante para executar o
meu intento de duas formas: ou pela sedução, o que era complicado, já que o filho da puta era
casado, ou através de um contato mais impessoal, como o trabalho.
Assim, inscrevi-me no programa de novos talentos do Grupo Tomazini e cruzei os dedos
para ser chamada. Eu cursava Administração de Empresas na faculdade e estava mesmo precisando
de um estágio.
Meus tios, com os quais eu ainda morava na época, tinham uma pequena papelaria de bairro
e eu os ajudava fora do horário das aulas, contudo o curso exigia que eu estagiasse na minha área e
me senti vitoriosa quando me chamaram para uma entrevista após dois enervantes meses de espera.
Finalmente a sorte havia me sorrido. Além de unir o útil ao necessário, eu estava dando o primeiro
passo rumo ao meu acerto de contas.
Tempo presente
 
O celular toca e interrompe as minhas lembranças. Vejo que é Raquel, a secretária do
departamento financeiro da TM Química, onde ainda trabalho, e minha melhor amiga.
— Oi, Kel — atendo.
— Oi, Angie, E aí, mulher? Já está indo para a entrevista?
— Não. Não quero chegar com muita antecedência.
— Nervosa?
— Um pouco — confesso.
— Não se preocupe. Esse cargo é seu. Todo mundo aqui conhece sua competência. Não foi
à toa que o diretor te indicou para a posição. — Raquel tenta me passar confiança e eu sorrio.
— Eu sei, mas controlar a ansiedade não é fácil.
Ela ri.
— Imagino, ainda mais que a entrevista vai ser com o deus grego.
— Que deus grego?
— Não se faça de tonta, Angie, Murilo Navarro é o chefe que toda mulher gostaria de ter.
Lindo, gostoso…
— E casado! — completo. — E para sua informação, não acho ele bonito.
— Tá louca, amiga! O homem é uma delícia, com aqueles olhos azuis, corpo malhado,
sorriso divino...
Reviro os olhos enquanto a escuto.
— Tá, tá certo! Como se você o conhecesse pessoalmente — ironizo.
— Não preciso conhecê-lo pessoalmente pra saber que ele é um gato, basta olhar as fotos.
Ele e a esposa vivem aparecendo em revistas de gente rica. No mês passado, saiu uma matéria
mostrando a propriedade que eles têm em uma ilha no litoral do Rio de Janeiro, você não viu?
— Sim, eu vi — respondo meio aérea. Mal sabe ela que eu acompanho aquele homem de
perto há muitos anos.
Meu intuito sempre foi trabalhar no Grupo Tomazini para me aproximar dele. Contudo, para
o meu azar, quando fui contratada como estagiária, acabei indo parar na TM Química, há quilômetros
de distância de Murilo, que trabalhava no escritório central.
Algum tempo depois, eu me efetivei no departamento financeiro como assistente júnior e ele
se tornou Chefe Executivo, ou CEO, da Luminous, outra empresa do Grupo. Assim, permanecemos
geograficamente distantes e nunca tive a oportunidade de vê-lo pessoalmente, nem de longe.
Meus planos pareciam cada vez mais longe de se concretizar e eu já estava quase jogando a
toalha quando surgiu aquela vaga de gerente financeiro na empresa dele. Vi, então, que aquela seria a
minha melhor chance e resolvi aplicar para a posição.
No Grupo Tomazini, para os cargos de supervisor, gerente e diretor, antes de procurarem
alguém de fora, a vaga é aberta para que os funcionários das próprias empresas do Grupo se
candidatem. Eu sabia que era qualificada, pois passei por várias funções dentro do departamento e
conheço todos os processos relacionados ao cargo. Mas tive dúvidas se a minha experiência de
cinco anos na área seria o suficiente para ser escolhida.
Fui conversar com o meu chefe direto, o diretor financeiro da TM, e me surpreendi quando
ele me apoiou, dizendo que faria a minha indicação pessoalmente ao presidente.
Fiquei muito feliz em saber que meus esforços estavam dando frutos e aguardei angustiada
enquanto meu currículo era analisado. Confesso que tremi na base quando o big-boss, o chefão todo
poderoso Caleb Tomazini, me chamou em seu escritório para conversar.
Para o meu alívio, aparentemente ele gostou das minhas referências e voltei a me sentir
confiante. Entretanto, ao final da entrevista, o Sr. Tomazini me informou que ainda teria que passar
pela aprovação do genro, afinal, era ele quem comandava diretamente a Luminous e seria o meu
chefe.
Pois bem, aqui estou eu agora, prestes a me encontrar com Murilo Navarro. Se eu for aceita,
ficarei, finalmente, mais próxima do meu alvo, do assassino do meu irmão.
Esta será a entrevista definitiva e eu preciso causar uma boa impressão.
— Angie? Angie? Tô falando com você, tá me escutando. Tudo bem, aí? — Kel me
questiona.
— Ah, sim… Tudo… O que você disse? Desculpe, eu estava distraída. — Realmente... eu
não tinha escutado nada do que ela tinha dito.
— Eu falei que ser casado é só um detalhe. Dizem, à boca miúda, que o casamento de
Murilo Navarro com a mulher não vai bem, apesar de aparentarem o contrário.
Ergo uma sobrancelha. É impressionante como Raquel sabe de todas as fofocas da empresa.
— Pode ser, mas isso não me interessa nem um pouco — respondo levemente irritada. — O
que me interessa mesmo é a minha carreira.
— Uau! Essa é a Angelina que eu conheço. É isso aí, amiga, nada de misturar negócios
com prazer. — Ela gargalha. — Boa sorte, xuxu. Você vai se sair bem.
— Espero que sim... Vou chamar o Uber agora, Kel, preciso desligar — digo consultando as
horas no relógio.
— Está certo. Manda ver, garota, que esse cargo já é seu.
Eu rio e nos despedimos.
Raquel e eu nos tornamos amigas quando eu ainda era uma simples estagiária na empresa.
Nem parece que já faz cinco anos que estou lá. Devo confessar que, apesar das minhas segundas
intenções ao procurar um emprego no Grupo, gosto demais do que faço.
Aprendi muito, cresci dentro da empresa e agora estou prestes a subir mais um degrau em
minha carreira. Só eu sei o quanto batalhei e me esforcei para chegar aonde estou. Tudo isso
independente da minha sede de vingança, ou por causa dela...
Às vezes, me sinto confusa em minhas ambições, em meus objetivos. Tem horas que não sei
se o que estou fazendo é por mim ou para obter justiça para o meu irmão. Fico em dúvida sobre mim
mesma, sobre quem eu sou ou o que eu quero. Parece que estou constantemente usando uma máscara
para esconder minhas intenções e me sinto uma fraude.
É angustiante, mas foi o caminho que escolhi. E é por isso que ando com a foto de Murilo
Navarro em meu celular. Para eu não me esquecer nunca do motivo que me trouxe até ali.
Volto a minha atenção para o celular e abro o aplicativo para chamar o motorista. Está na
hora de ir.
 
Remexo-me no banco do carro para encontrar uma posiçãomais confortável. São 9h30 da
manhã e já me sinto exausto. Acordei ainda de madrugada com uma ligação do “tesoureiro” dizendo
que o cofre estava vazio.
Jonas é um dos homens de Caleb e não é o tesoureiro oficial da Luminous. Não faz parte da
minha equipe do departamento financeiro. Ele é chamado assim porque é responsável por recolher o
dinheiro vivo que é arrecadado com a venda de drogas na boate. Ele também fecha o caixa com o
gerente e separa em malotes o que é legal do que não é, levando tudo ao cofre após o fechamento do
expediente.
Uma vez na semana, ele coleta o dinheiro dos entorpecentes e, tenho certeza, leva
diretamente para o meu sogro. Não sei o que o velho faz com a grana. Apenas sei que se juntar todo o
montante arrecadado com drogas de todas as boates e casas da rede, dá uma quantia vultuosa.
Desconfio também que meu sogro não está envolvido apenas na venda ao consumidor final,
mas que ele fabrica essas drogas sintéticas em algum lugar que ainda não descobri onde é. E se isso
for verdade, certamente ele distribui o produto para as organizações criminosas que o espalha por
todo o país. Nesse caso, o dinheiro que vem das boates seria apenas uma gota no oceano perto do
que realmente Caleb ganha.
Enfim, depois da ligação de Jonas, fui para o escritório, onde ele e Dinho já me esperavam.
Checamos as gravações das câmeras internas de segurança e vimos Marcelo entrando e saindo da
minha sala às 3h da madrugada, um pouco antes do fechamento da boate.
Aquilo era estranho, pois a porta que une o escritório à boate tem o acesso controlado. Para
abri-la é preciso de um cartão magnético que poucas pessoas o possuem, e Marcelo certamente não
era uma delas.
Dinho saiu imediatamente atrás do rapaz e, duas horas depois, me ligou, dizendo que o estava
levando para o galpão. Achei melhor ir para lá também antes que o “carrasco” resolvesse enfiar uma
bala na cabeça dele. Eu queria entender o que tinha levado um funcionário que nunca deu nenhum
trabalho a fazer aquilo.
Parte da história se explicou quando Marcelo contou que havia sido o chefe da segurança a
liberar o acesso dele ao escritório. Tavares era um dos homens que tinham o tal cartão de acesso e,
provavelmente, alterou os vídeos das câmeras também, para não aparecer entrando e saindo da sala
antes de Marcelo.
O que eu ainda não entendo é como ele conseguiu a senha do cofre. Na minha sala não há
câmeras, então não dá para saber o que aconteceu lá dentro. Isso só saberei quando Dinho confrontar
Tavares, e eu não tinha dúvidas de que ele faria isso.
Todo aquele movimento logo cedo me deixou tenso. Não pelo dinheiro levado, que era uma
merreca, mas pela situação em si. Marcelo era só uma vítima e não merecia ser punido, mas não é
fácil lidar com Dinho e com as insanidades dele. O homem é um sociopata, porém respeita a
hierarquia. Por isso, sei que preciso ser firme com ele se quiser manter o controle.
Desço do carro no estacionamento do escritório central do Grupo Tomazini e pego o
elevador, indo diretamente ao andar onde fica a sala do meu sogro.
A secretária dele sorri ao me ver chegar.
— Bom dia, senhor Navarro! O senhor Tomazini já está lhe esperando, pode entrar.
— Obrigado, Kátia. — Pisco ao passar por ela e a moça suspira. Sorrio internamente. Me
diverte o efeito que causo nas mulheres.
Adentro o escritório de Caleb e o vejo sentado de costas em sua enorme cadeira giratória.
Ele se vira ao perceber minha chegada. Meu sogro já tem quase 60 anos, é baixo, tem os cabelos
grisalhos, uma barriga saliente e me lembra um pato quando anda. Entretanto, apesar de parecer um
senhor simpático, é um tubarão nos negócios e controla o Grupo com mãos de ferro.
Dono de mais de meia dúzia de empresas, cada uma possui seu próprio Chefe Executivo, ou
CEO, que presta contas a ele através de relatórios e reuniões mensais. A Luminous, a qual comando,
é apenas uma delas.
Hoje não é dia de reunião, por isso não entendo por que ele me chamou ali.
— Bom dia, Murilo. — Ele me olha de alto a baixo, provavelmente reprovando meu jeito de
me vestir.
Posso ser um executivo, porém não gosto de terno e gravata; prefiro deixá-los para festas ou
ocasiões mais formais. No dia a dia, tenho um estilo mais casual. Até uso camisas de vez em quando,
mas costumo arregaçar as mangas até os cotovelos, como estou agora.
— Bom dia, Caleb — chamo-o pelo primeiro nome, como faço desde que me casei com sua
filha. — E então, por que estou aqui? — Paro em pé à frente dele.
— Por que não se senta primeiro? — Ele aponta para a cadeira.
— Não, obrigado — recuso e ele sorri, pois me conhece. A verdade é que não gosto de me
sentar na cadeira do visitante. Posso parecer arrogante, mas prefiro ocupar o outro lado da mesa. —
Meu dia começou cedo e tenho dezenas de coisas a fazer ainda. Qual é a urgência, afinal? Não podia
ter apenas me ligado?
Caleb fica sério e estreita os olhos para mim.
— É muito impertinente, Murilo. Se não fosse o meu genro, já teria sido demitido. Sabe
disso, não é?
— Não sou apenas seu genro, também sou competente no que faço. Aumentei
consideravelmente seus lucros nos últimos anos, e você também sabe disso.
— Concordo, mas não é insubstituível — ele provoca.
Minha paciência não está lá aquelas coisas hoje, mas não retruco, não quero prolongar
aquela discussão. Meu sogro gosta de me tirar do sério e, às vezes, tenho vontade de mandá-lo para
puta que o pariu, contudo, gostando ou não, ele ainda é o meu chefe e pode mesmo me demitir.
Sorrio meio de lado e aguardo que Caleb elucide o motivo de ter me chamado.
— Kátia, traga um café para nós — ele pede pelo interfone e se levanta. — Soube que teve
um problema hoje — comenta e caminha até o sofá que fica bem no meio de sua sala, em um espaço
normalmente utilizado para pequenas reuniões onde também há uma mesinha e outras duas poltronas.
Acompanho-o e nos sentamos de frente um para o outro.
— Sim, mas já está sendo resolvido.
— Tenho certeza de que sim. Quanto levaram?
— Uns vinte mil — respondo.
Caleb faz um gesto com a mão, demonstrando desprezo.
— Não paga nem uma boa garrafa de vinho. Mas vou te dizer uma coisa, rapaz. Dinho ligou
aqui não faz muito tempo e está puto que você interferiu. Se quer um conselho, deixe-o fazer o
trabalho dele.
— Como eu disse ao Dinho, não quero a polícia batendo à minha porta por causa do sumiço
de um dos meus funcionários.
— E quanto você ofereceu a esse moço para que fique de bico fechado?
— Vinte mil.
Meu sogro me olha fixamente.
— Ou seja, se recuperarmos o dinheiro, ficará elas por elas?
— Se o Dinho não saísse espancando e torturando os suspeitos antes de interrogá-los de
forma mais amigável, não teríamos essa despesa — alfineto. — Meu barman foi usado por outro
cara, não sabia que estava participando de um roubo.
Ele balança a cabeça em negativa.
— Espero que saiba o que está fazendo... — diz enquanto Kátia entra na sala e nos serve o
café. — Então você se esqueceu mesmo que tinha um compromisso aqui hoje?
Encaro-o interrogativamente.
— Que compromisso?
— A entrevista, Murilo, para o lugar do seu gerente financeiro que se aposenta no mês que
vem.
— Ah, sim... — concordo ao me lembrar da bendita entrevista. Regina, a minha assistente,
havia incluído o compromisso em minha agenda há mais de uma semana, mas com toda a confusão
daquela manhã, acabei me esquecendo completamente. — Dei uma olhada no currículo da moça e
pedi para o Correia, advogado do Grupo, checar os antecedentes dela. Parece que está tudo OK, mas
só testando na prática para saber se ela vai me servir.
— Já conversei com a senhorita Castro outro dia. Ela basicamente começou na TM Química.
Antes trabalhava com os tios em uma loja ou algo assim. Não vejo problemas. É só mantê-la longe
dos meus “outros negócios” que está tudo certo.
— Falar é fácil, mas na posição que ela vai ocupar, sempre haverá a possibilidade de ela
descobrir alguma coisa.
— Se a garota descobrir. Só existem dois caminhos. Ou ela entra no barco conosco ou...
Dinho cuida dela.
Junto as sobrancelhas. Odeio quandoCaleb trata da vida dos outros com esse desprezo.
— Enfim, acho que vai gostar da moça. — Meu sogro curva os lábios de forma sacana. — É
um colírio para os olhos.
— Parece que se esquece de que sou casado, Caleb, com sua filha, aliás — ironizo.
Ele ri.
— Parece que me toma por tolo, Murilo. Sei muito bem que você e Cléo não dividem mais a
cama há anos. Nunca achei que esse casamento fosse dar certo, mas minha filha sempre foi teimosa, e
você... — Ele me analisa com desprezo. — Soube direitinho como dar o golpe.
Travo minha mandíbula. Já ouvi aquele discurso diversas vezes nos últimos anos.
— Cléo não está presa a mim. Ela pode pedir o divórcio se quiser — rebato. —Garanto que
o valor da indenização que consta no contrato pré-nupcial não representa nada para vocês.
— É por isso que digo que minha filha é uma teimosa. Não entendo por que ela continua com
você.
— Simples. Porque formamos o casal perfeito. Ela pode se exibir comigo nos eventos
sociais, nas revistas e, ao mesmo tempo, ter quem ela quiser na cama.
— Assim como você. — Ele debocha. — E é por isso que digo que vai gostar dessa moça...
— Caleb se levanta de onde está e volta para a sua cadeira de presidente. — Mas vamos deixar de
discussões inúteis. Não me interessa a vida sexual de vocês. Já são adultos e sabem se resolver.
Nesse momento, Kátia retorna à sala.
— A senhorita Castro já chegou.
— Ótimo, mande-a entrar — responde meu sogro.
Permaneço sentado, aguardando a tal moça. Estou sem saco para entrevistas. Quero terminar
logo com isso e sair para comer alguma coisa, pois não tomei meu café da manhã e meu estômago
ronca de fome.
 
A secretária desaparece pela porta da sala do presidente e o meu intestino se contorce de
nervoso, minhas mãos estão escorregadias por causa do suor e meu coração bate acelerado. Cheguei
na sede do Grupo quinze minutos antes do horário marcado e achei que ficaria esperando, mas, pelo
visto, não seria o caso.
Estranhei ter sido encaminhada para o escritório do senhor Tomazini novamente, uma vez que
eu já havia conversado com ele, mas a secretária logo esclareceu que Murilo Navarro estava lá
dentro também.
Puta merda! Logo vou me encontrar cara a cara com o desgraçado e confesso que estou com
medo da minha reação.
A moça de cabelos loiros e impecavelmente maquiada retorna e faz um gesto de mão me
chamando.
— Senhorita Castro, pode entrar.
Levanto-me da cadeira e, de forma discreta, puxo profundamente o ar para dentro dos meus
pulmões, soltando-o devagar.
Digo para mim mesma que, ao entrar lá, preciso mostrar que sou uma profissional firme,
capacitada e confiável. Já repassei centenas de vezes em minha mente as perguntas que eles podem
me fazer e as respostas que eu devo dar. Tenho consciência de que minha postura diante deles será
decisiva para o futuro que tenho em mente.
Passo pela porta e noto de relance o senhor Tomazini recostado na cadeira executiva atrás de
sua mesa, mas a minha atenção se fixa mesmo no homem de 33 anos, porte atlético e cabelos
castanhos sentado displicentemente, com uma perna cruzada sobre a outra, no sofá logo à minha
frente.
Ele me analisa de cima a baixo com seus olhos azuis escuros e paraliso no lugar, após eu ter
dado apenas alguns passos para dentro da sala.
Sinto como se o chão fugisse dos meus pés e o meu coração não está mais acelerado, está
galopando como um cavalo descontrolado e quase saltando para fora da minha boca. Estou tão
nervosa por me encontrar, finalmente, com o homem que tem me assombrado por tantos anos que me
esqueço até de cumprimentá-los.
Murilo Navarro está sério e tem uma leve ruga entre as sobrancelhas. Ao contrário do
homem sorridente que aparece nas revistas, ele parece intimidador.
— Não se preocupe, você se acostuma — diz o senhor Tomazini com uma voz debochada.
Imediatamente saio do transe em que me encontro e volto meu olhar para o presidente do
Grupo, sem entender direito se ele estava falando comigo.
— É comum essa reação nas mulheres quando vêm o meu genro pela primeira vez —
continua ele num tom irônico.
Só então percebo que me encontro pateticamente parada no meio da sala e que os dois devem
ter pensado que eu estava admirando a suposta beleza de Murilo. Sinto o sangue me afoguear o rosto
e me xingo mentalmente. Que puta bola fora que dei logo de cara!
— Ah, desculpe — tento me recompor. — Bom dia, senhor Tomazini, senhor Navarro. —
Dirijo meu olhar para este último e esboço um sorriso cordial. Mais falso, impossível, mas é assim
que terei que agir deste momento em diante.
— Sente-se. — Murilo aponta para uma poltrona logo à frente dele e não parece muito
amigável.
— Obrigada — me acomodo com cuidado no lugar indicado, para que a saia não suba
demais.
O CEO da Luminous se mantém sisudo e seus olhos continuam presos em mim, me
analisando. Sinto o peso desse olhar e engulo em seco.
Eu já imaginava que um executivo do nível dele tivesse uma postura altiva, talvez até
arrogante, mas o jeito frio e analítico que ele me observa me causa arrepios na coluna.
— Quer um café ou uma água? — ele pergunta.
— Uma água seria ótimo. — Sou honesta, pois minha boca está parecendo o deserto do
Saara.
— Kátia! — Me espanto com o tom alto e grave que ele usa para chamar a secretária, que
logo aparece à porta. — Traga uma água para a senhorita.
Estou tensa e minhas mãos suam. Contudo, tento ao máximo não demonstrar meu nervosismo.
Pelo canto do olho, vejo o senhor Tomazini se levantar.
— Senhorita Castro, foi ótimo te ver novamente, mas agora, se me dão licença, preciso
esticar as pernas. Murilo, se quiser pode usar a minha mesa, mas não se acostume demais, pois sabe
bem que esse lugar pertencerá a minha filha futuramente, não a você. — Ele sorri de forma jocosa e
noto que Murilo lhe dirige um olhar duro.
— Não se preocupe. Eu jamais pensaria em tomar o lugar da sua filha ou o seu — Murilo
responde em um tom cínico.
O sorriso do presidente some e ele encara o genro secamente.
— E que continue assim — ele devolve e caminha para a saída.
Meu queixo quase cai. Os dois executivos discutem como se eu não estivesse ali na sala.
Prendo a respiração e não movo nem o dedinho. Gostaria de ser uma estátua nesse momento. Está
claro que eles têm sérios problemas de relacionamento.
O senhor Tomazini sai da sala e vejo que Murilo tem o semblante mais fechado ainda. Ah,
que ótimo! Era tudo o que eu precisava.
— Nada como um pequeno desentendimento familiar para começar bem o dia — ele
comenta. — Você não precisava ter presenciado isso, me desculpe.
— Não, está tudo bem — respondo rapidamente.
Kátia entra na sala com meu copo d’água e quebra o clima tenso. Respiro mais aliviada. A
moça chegou em boa hora. Agradeço e dou alguns goles no líquido fresco, esperando que meu
interlocutor continue logo com a entrevista.
— Certo… Não vamos prolongar isso, OK? — Murilo agora parece impaciente, pois
tamborila com os dedos no braço do sofá. — Já dei uma olhada no seu currículo e me parece bom o
bastante. Está há quatro anos na TM Química, não é?
— Na verdade, cinco. Fiz um ano de estágio antes — corrijo, tentando me focar nas
perguntas feitas e não no meu entrevistador, pois me embrulha o estômago estar tão perto dele.
— Sempre no departamento financeiro?
— Sim. Conheço bem todas as áreas, pois já trabalhei em várias funções nesse tempo que
estou lá.
— Ótimo. Porém devo esclarecer, senhorita Castro, que a Luminous tem um organograma
diferente da TM e que o meu gerente financeiro não cuida apenas de bancos, fluxo de caixa e
balanços, mas também é o meu braço direito na empresa. É ele quem me substitui quando estou fora.
Está preparada para assumir uma função assim?
— Com certeza! — afirmo com veemência. — Tenho experiência o suficiente para assumir
um cargo de responsabilidade. Já cobri a ausência do meu chefe direto várias vezes e quando me
deparo com algo que não conheço, corro atrás para resolver. Nunca deixei nenhum problema
pendente. — Nesse momento, meu lado profissional assume completamente e até me esqueço de que,
à minha frente,está o assassino do meu irmão.
— Certo, vou mandar providenciar a sua transferência. Se puder, quero que já inicie na
próxima segunda-feira. Meu gerente irá se aposentar em algumas semanas e, nesse meio tempo, ele
vai te orientar nas tarefas que eventualmente você não esteja habituada.
— Claro. Muito obrigada pela oportunidade. Garanto que darei o meu melhor.
— É o que eu espero. — Murilo se levanta abruptamente e me dá as costas, caminhando, em
seguida, em direção à porta. — Abrimos o escritório às 9h. Seja pontual — adverte antes de sair da
sala.
Fico ali plantada, sentada sozinha e com o copo d’água ainda nas mãos. Ergo as duas
sobrancelhas e dou um longo suspiro, expirando o ar de uma só vez e relaxando meus músculos. Até
que foi rápido, penso comigo mesma.
Kátia aparece na porta e percebo que é hora de me retirar também. Entrego o copo para ela e
agradeço, antes de pegar o elevador. Ainda estou meio aérea. Como se tivesse acabado de assistir
um filme de terror e não voltado à realidade.
Finalmente conheci Murilo Navarro pessoalmente, mas parece que não assimilei esse fato
direito ainda. Após tanto tempo esperando por essa chance, a sensação é estranha.
Agora o medo toma o lugar da ansiedade. Medo de fazer tudo errado, medo de estar tão perto
dos meus objetivos e não ser capaz de executá-los.
Enquanto tudo está no campo dos pensamentos, é fácil imaginar mil formas de levar a cabo
minha vingança, é fácil achar que será simples, que tudo sairá conforme os planos, que conseguirei ir
até o fim. Entretanto, a realidade é mais assustadora e, sinceramente, tenho dúvidas se darei conta.
 
 
É início de outono e o tempo está fresco, do jeito que eu gosto. Porém a minha cabeça está
quente como o inferno. Deixo o escritório central a pé e vou direto à uma padaria nas imediações.
Sei que estou mais mal-humorado do que o de costume, mas é o que acontece quando eu e Caleb nos
encontramos.
Exceto nas reuniões de diretoria, quando os CEOs das outras subsidiárias do Grupo estão
presentes e procuramos manter uma postura profissional e cordial, sempre que temos uma reunião
particular, surge aquele tipo de provocação.
Não nos suportamos, essa é a verdade, e sei que Caleb se arrepende até os ossos de ter me
aceitado como um de seus seguranças particulares, pois foi como conheci Cléo.
Apesar de ter ficado bem irritado quando tomou conhecimento sobre o nosso caso, ele
acabou não dando muita importância, pois achou que seria só mais um capricho da filha e que ela não
tardaria em me dispensar. Porém as coisas caminharam de outro modo e, apesar de ele não me
aceitar, não teve outra alternativa, senão me engolir.
Caleb só me deu o comando da Luminous por questões práticas.
Primeiro que eu não podia continuar como seu segurança, então ele me colocou para
trabalhar no escritório central. Afinal, pegaria mal, publicamente, o genro do presidente ter um cargo
medíocre na empresa.
Assim, tive um extenso treinamento em todas as áreas administrativas do Grupo, desde
marketing até o gerenciamento financeiro e operacional, pois meu sogro havia decidido que, quando
eu estivesse pronto, me colocaria em uma posição mais importante.
Alguns meses depois do casamento, Caleb jogou a Luminous no meu colo.
Na época, a empresa era a única do Grupo que dava prejuízo e ele queria saber se eu seria
capaz de colocá-la nos eixos. Era tudo o que eu precisava, pois pude provar para ele e para os outros
CEOs do Grupo, que torciam o nariz para mim, que eu não era apenas o genro do presidente que
havia ganhado o cargo de mão beijada, mas que era competente como gestor.
Logo que entro na padaria, procuro um lugar perto da janela e me sento.
— O que vai querer, senhor? — O atendente vem pegar meu pedido.
— Café expresso, um pão de queijo e um pão com mortadela — respondo, salivando só de
pensar no sanduíche.
Posso ter cartão black[1] e andar de carro importado, mas adoro um pão com mortadela.
Lembra a minha infância, quando a grana era curta e a minha mãe se desdobrava para pôr comida na
mesa.
Apesar dos meus olhos azuis e da minha atual aparência de playboy, nasci pobre, bem
pobre… Meus pais vieram do interior do sul do país para tentar a sorte na capital, mas não tiveram
muito êxito. O dinheiro era curto e a comida era simples. Então, quando tinha pão com mortadela em
casa, era uma festa.
Não me lembro direito do meu pai, que nos deixou quando eu ainda era muito pequeno.
Segundo a minha mãe, ele não tinha a cabeça no lugar e foi embora para outro estado atrás de um
rabo de saia. Nunca mais o vimos. Nem sei se ainda está vivo, e também não me interessa.
Minha mãe trabalhava como faxineira para sustentar a casa. Saía cedinho e só voltava
quando já estava escuro. O problema é que, depois que eu chegava da escola, ficava sozinho e,
moleque danado que eu era, não saía da rua.
Não foi surpresa eu acabar me envolvendo com pessoas erradas. Aos 14 anos, aprendi a
furtar carteiras de bolsas e mochilas de transeuntes descuidados e, com o dinheiro roubado, ia jogar
fliperama no shopping.
Nunca tive interesse em drogas, para o alívio da minha mãe. Contudo, quase fui pego
algumas vezes em meus pequenos delitos e, numa dessas ocasiões, ao tentar realizar um furto em uma
feira livre perto de casa, tive o azar de ser reconhecido por uma vizinha, que contou à minha mãe o
que eu andava fazendo. Foi a primeira vez que tomei uma surra de chinelo.
Minha mãe era tudo para mim e fiquei tão envergonhado de tê-la desapontado que acabei
tomando um jeito na vida. Mesmo estudando, arrumei um trabalho de carregador num supermercado
do bairro e só saí de lá aos 18 anos, por conta do alistamento obrigatório do Exército, para o qual
acabei convocado.
Após cumprir com o meu dever cívico, me vi sem emprego e também não tinha dinheiro para
continuar meus estudos. Foi quando um antigo colega de bairro me apresentou para o Dinho, que
andava à procura de homens com treinamento em armas para trabalhar com ele.
A princípio, achei que fosse algo relacionado à segurança particular ou vigilância, mas logo
descobri que estava envolvido em algo bem mais perigoso e sujo. Eu não sabia exatamente sobre o
que se tratavam os negócios e, assim como outros homens de Dinho, agia no escuro e apenas cumpria
suas ordens.
Infelizmente, após ter presenciado, e até participado, de algumas de suas ações, eu não podia
mais simplesmente sair do esquema sem colocar em risco a minha vida ou a da minha mãe.
Aliás, ela nunca soube exatamente em que eu trabalhava e falava de mim com orgulho para as
amigas. Eu me sentia culpado por mentir e queria muito arrumar outro emprego, mas já estava metido
em muita sujeira e conhecia Dinho o suficiente para saber que pedir demissão não era uma opção.
Alguns anos depois, logo após eu fazer 24 anos, minha mãe faleceu de insuficiência renal.
Aquilo acabou comigo. Fiquei sem referências e comecei a acreditar que aquele caminho que eu
havia tomado seria o meu destino.
Fiz coisas das quais não gosto de me recordar, reconheço, mas sabia que lidava com
bandidos e, por isso, não lamentava quando algum deles se dava mal. Porém, naquele mesmo ano,
outro incidente envolvendo um amigo meu, me obrigou a olhar para o meu futuro com outra
perspectiva.
Eu não queria mais seguir por aquele caminho que não me levava a lugar nenhum. Resolvi,
então, mandar o meu receio de entrar na lista negra do “carrasco” para puta que o pariu e parti para o
tudo ou nada. Não seria mais um capanga.
Mesmo arriscando ter uma bala enfiada na minha testa, pedi ao Dinho que me dispensasse
dos meus serviços, jurando que ficaria em silêncio sobre tudo o que eu tinha visto até então.
Óbvio que ele não aceitou, mas concordou em me deslocar para um serviço mais leve, porém
de confiança. Assim, fui designado para a segurança particular do chefão, Caleb Tomazini. Foi a
partir daí que a minha vida realmente começou a mudar.
Interrompo meus pensamentos quando meu café e o pão de queijo chegam. Mordo aquela
maravilha quentinha com gosto. Ah, como é bom preencher o furo em meuestômago com alguma
coisa. Em seguida, tomo um gole do meu café e observo o movimento da rua pela janela.
Para a minha surpresa, noto a senhorita que acabei de entrevistar entrar pela porta da padaria
também.
Acompanho-a com os olhos enquanto ela pede alguns minipães de queijo para viagem. Ela os
paga no caixa e sai do estabelecimento. Em seguida, para na calçada e começa a comer os pãezinhos
ao mesmo tempo que mexe em seu celular. Logo chega um carro, que penso ser um Uber, e que a leva
de lá.
Franzo a testa. Devo ter passado uma péssima impressão para aquela moça. Infelizmente ela
me pegou em um dia ruim. Não costumo ser tão carrancudo ou mal-humorado e penso que a assustei,
pois notei que ela estava muito nervosa durante a entrevista. Ainda por cima, ela acabou
presenciando a discussão entre mim e meu sogro.
Bom, ao menos terei tempo para desfazer essa impressão. Estou curioso para saber se a
senhorita Castro é realmente qualificada para o cargo ou se é apenas uma garota bonita que
impressionou os chefes.
Aliás, Caleb não estava errado quando disse que a moça era um colírio para os olhos. Com
aquele corpo esbelto e curvilíneo, cabelos castanhos avermelhados e íris brilhantes em um tom
âmbar, ela é realmente bem bonita.
Algo rodopia em meu estômago e eu sorrio. Não que eu já tenha alguma segunda intenção
com ela, mas se cair na minha rede...
Quando se trata de mulheres, normalmente não tenho nenhuma preferência particular. Desde
que seja gostosa, para mim pode ser loira, ruiva, morena, tanto faz. Mas uma coisa é certa, a minha
mais nova contratada faz bem o meu tipo.
Balanço a cabeça em negativa. Se controle, Murilo, digo para mim mesmo. Deixe a moça em
paz ou acabará sem gerente financeiro. Não estrague as coisas, repreendo-me.
— Seu lanche, senhor. Precisa de mais alguma coisa? — o atendente pergunta ao colocar o
maravilhoso pão fresquinho recheado de mortadela à minha frente.
— Hum, sim, me traz uma Coca-Cola bem gelada, por favor. — Refrigerante é outro vício
meu.
Dois dias depois da minha ida até o escritório central, encontro Dinho me esperando na
Luminous logo de manhã.
— O que quer, Dinho? — questiono ao passar por ele em direção à escada que leva ao andar
superior onde fica a minha sala.
— Vim trazer a grana. — Ele sobe comigo e joga uma mochila preta sobre a minha mesa.
Sento-me sem tocar na mochila. Também prefiro não me inteirar sobre que fim levou Tavares
e o cúmplice dele. Como diz o próprio Caleb: quanto menos tomarmos conhecimento das ações do
Dinho, melhor. Mas preciso saber como eles conseguiram a senha do cofre, que fica dentro de um
armário, atrás da minha cadeira, em um local onde seria impossível alguém de fora da sala observar
qual é a senha digitada.
— E como eles pegaram o dinheiro? — pergunto.
— Parece que o Tavares escondeu uma câmera em algum lugar por aqui.
Dinho circunda a minha mesa e eu me afasto. Logo ele encontra o pequeno equipamento
escondido embaixo da gaveta e direcionado ao cofre.
— Aqui está. — Ele joga o objeto nas minhas mãos e, na sequência, aponta a mochila com o
queixo. — Soube que vai usar a grana pra calar a boca do seu funcionário.
— Sim, exato — confirmo.
— Você devia ter me deixado cuidar do assunto do meu jeito — Dinho resmunga.
Irrito-me por dentro, mas não demonstro.
— Você cuidou do assunto, ou não estaria me trazendo essa mochila. Quanto ao Marcelo,
isso não é mais problema seu.
Ele me olha com desprezo.
— Ouça o que eu digo, Murilo. Se eu fosse você, não ficaria tão confiante com a sua posição
na família ou nessa cadeira. Tudo pode mudar num piscar de olhos. É só a filha do patrão te
dispensar que, no dia seguinte, você já era.
— Essa é a sua opinião. — Quero manter a postura, mas é impossível não responder à
provocação. — Agora, se me der licença, tenho uma empresa para tocar.
— Sabe qual vai ser o dia mais feliz da minha vida? — Ele ergue o dedo em riste para mim.
— O dia que eu puder cortar essa sua crista de galo e te mandar de volta para o buraco de onde
nunca devia ter saído. De preferência, com uma decoração especial no peito. — Dinho bate algumas
vezes com a ponta do indicador em seu próprio peito, insinuando buracos de tiros, e se vira para
deixar a sala.
— Espere sentado, ou melhor, deitado para não se cansar — ironizo e Dinho estaca no lugar.
Sei que está furioso. O “carrasco” não gosta de ser menosprezado. Porém isso pouco me importa,
foi-se o tempo que eu tinha medo de Dinho. Sei como ele age e sei me defender. Tenho posse de arma
autorizada e sei muito bem como usá-la, se necessário.
Sem sequer se virar, ele volta a andar e, ao sair, empurra a porta, que bate com violência na
parede de vidro e drywall[2] fazendo um estrondo.
A minha assistente, Regina, me olha da mesa dela, preocupada, e levanto a mão, indicando
que está tudo bem.
Recosto-me na cadeira giratória e sorrio de lado.
Dinho me subestima, e Caleb também. Menti descaradamente quando afirmei ao meu sogro
que não pretendia tomar o lugar dele na empresa. Quero mais é acabar com o reinado daquele velho
e assumir a liderança do Grupo. Sei que Cléo não tem interesse em comandar nada, ela prefere só
gastar o dinheiro. Então, se eu fizer tudo direito, ela não vai nem desconfiar de que sou eu quem
estará por trás da queda do seu pai.
Volto a minha atenção para os meus afazeres normais e, algum tempo depois, ligo para
Marcelo. Peço para ele vir se encontrar comigo ainda naquela tarde. O barman não tinha ido
trabalhar nos últimos dias, claro, e Samuel, o gerente da boate, já estava de cabelos em pé, louco
atrás dele, ainda mais com a proximidade do fim de semana, quando o movimento aumenta
significativamente.
Marcelo manteve-se em casa, quieto, conforme havíamos combinado naquele dia no galpão.
Na ocasião, após mergulhar a cabeça dele na banheira, eu lhe disse que, se quisesse viver, era
melhor colaborar. Assim, durante dez minutos, eu fingi que batia nele e ele fingia que apanhava,
soltando gemidos e falsos gritos de dor para que Dinho não desconfiasse.
Negociei, então, uma quantia em dinheiro pelo seu silêncio, e ele concordou. Creio que mais
por medo do que pelo dinheiro em si, mas estava valendo.
O dia passa rápido e estou no meio de uma vídeo chamada com o gerente de uma de nossas
filiais, quando sou avisado de que Marcelo já havia chegado.
Logo que acaba a minha pequena reunião, peço para o rapaz entrar. Ele ainda está com o olho
roxo e algumas escoriações, mas, pelo menos, não está mais com o rosto inchado.
Indico a cadeira e ele se senta de frente para mim, meio desconfiado. Percebo que sua perna
balança de nervoso.
— Está tudo bem, Marcelo. Pode relaxar — asseguro enquanto pego a mochila atrás de mim.
Coloco-a sobre a mesa e ele a olha fixamente, como se houvesse uma cobra lá dentro.
— Pode pegar. Não vai te morder. — Noto que Marcelo ainda está inseguro. — O dinheiro é
seu, rapaz, conforme foi combinado. Não se preocupe, ninguém mais vai te machucar. É só manter o
nosso acordo.
Ele concorda e, lentamente, estende a mão, puxando a mochila para o seu colo.
— Minha boca é um túmulo, senhor Navarro. Não quero confusão pro meu lado. Sei que fiz
besteira, sei que eu podia ter sido preso por ter roubado o dinheiro da sua sala. Mas, em vez disso,
recebi uma recompensa.
Olho-o com estranheza.
— Recebeu uma surra, Marcelo. E isso — aponto para a mochila —, na verdade, chama-se
indenização pelos danos que sofreu.
— Ah, sim… — Ele sorri meio de lado. — No fim, acho que até valeu a pena ter levado uma
surra.
— Não fale besteiras. Não faz ideia do que aquele homem que estava com você é capaz. Se
eu não tivesse ido até lá, pode ter certeza de que sua mãe estaria se acabando em lágrimas agora.
— É... Tem razão. — Ele abaixa os olhos para as mãos, constrangido. — Hum… Senhor
Navarro, eu vou ser despedido?
— Devido às circunstâncias, imagino que não queira mais continuar trabalhando conosco,
certo? Mas não se preocupe, todos os seus direitos trabalhistas serão pagos.
Marcelo dá de ombros.
— Se não for problema, senhor Navarro,eu queria continuar aqui, sim.
Franzo a testa.
— Por quê? Por que quer continuar depois de tudo o que passou?
— É porque o emprego está difícil por aí e eu gosto de ser barman, gosto de trabalhar na
boate. E depois... — Ele sorri marotamente. — Não me lembro de ter acontecido nada demais. Eu só
caí de bicicleta e me esfolei.
Ergo as minhas sobrancelhas.
— Sei… Então, caiu de bicicleta? — Coço a testa, indeciso, pois não esperava por essa,
mas, pensando bem, por ora, é melhor mantê-lo mesmo por perto. — OK. Passe lá embaixo e
converse com o gerente. Ele vai entender que você não apareceu esses dias por conta do acidente.
Qualquer coisa, peça para ele vir falar comigo.
— Está bem. — Marcelo se levanta da cadeira. — Obrigado, senhor Navarro.
— Não tem que agradecer, garoto.
— Tenho sim. O senhor salvou a minha pele. Valeu.
Sorrio meio de lado e ele deixa a minha sala, acenando. O rapaz parece mesmo estar feliz...
Bom, o conteúdo daquela mochila dá umas dez vezes o salário dele. Ao menos, Marcelo terá com o
que se divertir por um tempo.
Olho o relógio e vejo que já são quase 18h. O expediente já está acabando e ainda tenho
inúmeros relatórios para analisar. Bufo. Bela forma de terminar uma sexta-feira.
Finalizo tudo quando já passa das 20h e desço até a boate, que acabou de abrir, para tomar
um drinque e relaxar um pouco. Encontro Marcelo trabalhando atrás do balcão.
— O que vai querer, patrão? — ele pergunta naturalmente, como se não tivéssemos nos
encontrado poucas horas antes.
— Me vê um uísque, dos bons, por favor.
— Pro senhor, só o melhor da casa. Cowboy?
— Sim. Puro, sem gelo. É assim que eu gosto.
Logo a boate começa a encher e o burburinho aumenta. Não é raro eu ficar e aproveitar um
pouco a noite, que quase sempre termina com uma gostosa na minha cama, mas hoje estou cansado.
Então prefiro ir para casa.
Pego o carro no estacionamento e cruzo as ruas iluminadas da capital. Ao invés de ir para o
meu apartamento, como de costume, decido ir para a casa que, ocasionalmente, divido com minha
esposa.
Talvez eu assista um filme e coma pipoca, planejo enquanto dirijo. Cléo está passando uns
dias na Europa e tenho a casa só para mim. Sem dúvida que será muito bom passar um tempo
sossegado sem ter absolutamente ninguém azucrinando os meus ouvidos.
Mas como sei que não sou um cara que gosta de ficar parado. Decido que amanhã vou pegar
um helicóptero e voar até a casa de praia da Ilha Grande. A previsão do tempo diz que vai fazer sol e
estou a fim de dar uns mergulhos.
Já faz um tempo que não me dou um pouco de descanso e preciso renovar as minhas energias
para semana que vem, para a qual estão marcadas as reuniões bimestrais com o meu sogro e os
outros CEOs das demais empresas subsidiárias do Grupo.
Além disso, terei uma nova colaboradora na Luminous também, o que será bem interessante.
Estou curioso para ver como a senhorita Castro irá se sair com Wanderlei, meu atual gerente que está
se aposentando.
Ele terá que passar o serviço para ela e penso que a garota terá que ter muita paciência se
quiser aprender algo. Pois, se existe um sujeito orgulhoso, turrão e linha dura dentro da empresa,
esse cara é ele, mas é competente, não nego. Espero que a moça bonita seja também, pois não me
agradaria ter que dispensá-la.
 
Na minha obsessão de nunca chegar atrasada em nenhum lugar, preferi pegar um Uber para ir
até a Luminous, em vez de usar o transporte público, pois tive medo de calcular mal o tempo de
deslocamento.
Não tenho carro, apenas uma moto scooter[3] vermelha bem maneira que eu usava para ir
para a TM Química, mas como não sei se terei lugar para deixá-la em meu novo local de trabalho,
decidi pelo transporte mais seguro.
O motorista me deixa em frente à boate cerca de 8h45. Está tudo fechado e eu começo a
procurar alguma entrada que leve até o escritório. Contudo, não a encontro e também não vejo
movimento de pessoas entrando. Àquele horário, alguns funcionários já deveriam estar chegando.
Aguardo um pouco, parada em frente à porta principal, e me sinto estranha, pois alguns
homens que passam na calçada me olham curiosos. Será que eles pensam que sou uma prostituta?
Cogito, preocupada. Verifico minha roupa e não vejo nada demais. Estou de calça social preta e
camisa de seda rosa, para mim, está OK, mas vai entender, né?
Cinco minutos se passam e nada de alguém aparecer. Cacete, será que estou no lugar certo?
Pelo que eu procurei saber, o escritório fica no mesmo prédio da boate.
Já estou começando a ficar nervosa quando um Mercedes preto com insulfilme nos vidros
para à minha frente. Pronto! Só falta me perguntarem quanto é o programa, penso.
No entanto, assim que o passageiro abre o vidro do carro, vejo que é o meu mais novo chefe.
— Bom dia, senhorita Castro — ele diz me analisando de alto a baixo novamente.
— Bom dia, senhor Navarro — cumprimento, ignorando o olhar dele, mas de certa forma
aliviada. Pelo menos, estou no lugar certo.
— A entrada do escritório é pela outra rua. Entre. — Ele aponta para a porta de trás do
veículo.
— Ah, não precisa. Posso ir a pé, é pertinho.
— Não, nem tanto, o quarteirão é grande e esses seus sapatos não irão ajudar.
— Ficaria surpreso se soubesse o quanto posso andar com esses saltos — respondo e ele
franze o cenho.
— Entre logo! — ele ordena veemente e um frio me percorre a coluna. Percebo que perdi
essa discussão. Aliás, por que estou discutindo com ele? É o meu primeiro dia, caramba! Não posso
pisar na bola. Preciso me manter discreta e fazer o meu trabalho de forma exemplar para que Murilo
não desconfie de nada.
Entro no carro e noto que a pessoa ao volante é um motorista particular. Que cara esnobe,
precisa mesmo de motorista? Vai ver que é do tipo que não se levanta da cadeira nem pra pegar
seu próprio café. Será que ele pede pro motorista lhe segurar o pau também enquanto mija? Vou
elucubrando enquanto o carro dá a volta no quarteirão.
Eu desprezo tanto esse homem que meu sangue esquenta só de pensar nele. Não vai ser fácil
conviver tantas horas sob o mesmo teto que o infeliz. Se eu tiver sorte, minha mesa vai ficar bem
longe da dele.
O problema é que, como gerente financeira da empresa, teremos muitos assuntos a tratar
juntos. Mas serei forte. Só preciso de algum tempo para reconhecer o terreno e bolar um plano de
ação.
— Está tudo bem, senhorita Castro? — Murilo abre a porta do carro para mim.
Puta que pariu! Nós já tínhamos estacionado e nem me dei conta. Saio do veículo
envergonhada e torcendo para que ele não pense que eu sou uma dondoca que fica aguardando para
que outros lhe abram a porta do carro.
— Sim, tudo ótimo. — Tento sorrir ao responder e Murilo ergue uma sobrancelha.
— Hum... mesmo? Então por que estava com uma cara de quem quer matar alguém?
Olho para ele assustada. Até parece que estava lendo a minha mente.
— Não! Só estava pensando.
— E você sempre se desliga do mundo quando pensa? — Seu tom de voz é divertido e noto
que o azul de seus olhos fica mais intenso na claridade do dia.
— Não... eu... hum... às vezes — admito, querendo enfiar minha cabeça em um buraco. Eu já
havia agido dessa forma na frente dele no dia da entrevista. Era, portanto, a segunda vez que me
distraía assim. — É que quando tenho um desafio importante fico tão concentrada que me desligo do
resto — explico, um pouco constrangida.
— Não se preocupe. Vai se sair bem. — Murilo sorri e eu concordo. Ao que parece o humor
dele está melhor hoje. Felizmente!
Observo o entorno e vejo que o estacionamento do escritório não é muito grande e é cercado
por um portão alto de grades. Isso é bom. Posso vir trabalhar de moto, então.
Entramos no prédio que é exatamente atrás da boate e, no térreo, há uma sala de espera. Uma
senhora de uns cinquenta anos, cabelos cor de cobre curtos, usando óculos de aros vermelhos, um
batom rosa choque e uma roupa de cores chamativas que combinam com o batom, aparece pela porta
dos fundos.
— Bom dia, Murilo, passou bem o fim de semana? — ela o cumprimenta com um sorriso.
— Oi, Regina. Passeibem sim, fui até a ilha. E o seu?
— Foi como sempre, entediante. — Ela sorri de novo e me olha, curiosa.
— Essa é a senhorita Castro, ela será nossa nova gerente — Murilo me apresenta.
— Ahhh! — A mulher ergue as duas sobrancelhas e me estende a mão. — Prazer, seja bem-
vinda. Eu sou a Regina, assistente do senhor Murilo, recepcionista, secretária... — Ela ri. — Na
verdade, sou multitarefas, então, se precisar de mim, pode me chamar.
Sorrio para a senhora simpática. Eu esperava que o CEO da Luminous tivesse uma secretária
mais jovem e classuda, como a do senhor Tomazini. Por isso, me surpreendo com o estilo
descontraído e extravagante dela.
— O prazer é meu. Me chame de Angelina, por favor — respondo.
— Venha, vou te mostrar nossas instalações — ela me chama em direção à porta dos fundos
enquanto vejo Murilo subir as escadas que levam ao andar superior. O motorista permanece na sala
de espera e, só então, noto que, por baixo do paletó preto, ele carrega uma arma na cintura. Meu
coração dispara. O homem é segurança também, concluo.
Um frio sobe pelo meu estômago enquanto acompanho a Regina por um corredor. Por que
Murilo anda com um segurança armado? Partindo desse homem, coisa boa não deve ser.... Talvez o
suposto motorista e segurança seja, na verdade, um capanga. Sinto que estou prestes a me enfiar em
um vespeiro.
— Aqui é a cozinha. — Regina entra por uma porta e caminha até a mesa onde há uma
cafeteira. — O café está fresquinho, acabei de passar. Fique à vontade para se servir.
— Obrigada — agradeço e coloco uns três dedos da bebida fumegante em um copinho
descartável. Estou mesmo precisando. É estranho, mas o café me acalma.
Continuamos para outra sala onde há alguns sofás e uma TV.
— Aqui é nossa sala de descanso. Ali tem um banheiro. — Ela aponta para outra porta. —
Lá em cima são os departamentos.
Saímos da sala e, ao passarmos por uma porta de ferro no corredor, fico curiosa.
— E essa passagem? É de emergência?
— Não. Ela abre para a boate. Você pode ir daqui para lá sem problemas. Veja. — Ela abre
a porta e vislumbro um hall que parece ser uma área de circulação apenas para funcionários. — Mas
de lá para cá não dá para entrar sem um cartão ou um crachá que dê acesso. — Ela mostra um leitor
de cartões ao lado da porta. — É para evitar que o pessoal que trabalha na boate tenha acesso ao
escritório.
Ela fecha a porta e subimos até o segundo andar. Assim que termina a escada há uma pequena
sala com uma mesa, um computador e várias plantas decorando o lugar.
— Aqui é o meu canto — diz Regina.
Vejo Murilo na sala dele, cuja parede frontal é de vidro. Ele está de costas e prepara um café
em uma cafeteira elétrica. Pelo menos, ele faz seu próprio café, penso ao mesmo tempo que noto seu
porte atlético. Ele é mais alto do que eu me lembrava.
Sigo cumprimentando outros funcionários enquanto Regina me guia pelos departamentos,
separados apenas por divisórias baixas um dos outros. O escritório não é grande, mas é organizado.
Por último, ela me leva até um senhor de cabelos grisalhos e semblante sisudo.
Reparo que ele é o único ali que usa gravata, os demais usam roupas mais casuais. Até
mesmo Murilo está vestindo uma simples calça jeans escura e uma camisa branca com a manga
dobrada.
— Wanderlei, essa aqui é a senhorita Castro — Regina me apresenta e o senhor me estuda de
alto a baixo. Pelo que vejo, isso deve ser um hábito comum entre os homens dessa empresa.
Sorrio, apesar de me sentir incomodada por ser tão analisada. Sei que é normal isso
acontecer quando um novo funcionário chega no local de trabalho, assim como sei que também serei
julgada e cobrada, mas estou preparada.
— Bom dia, senhor Wanderlei — cumprimento-o.
— Bom dia — ele diz, seco. — Vejo que já conheceu as outras pessoas da sua equipe.
— Ah, sim — respondo.
— Renato é de contas a pagar e a receber, Tomiko faz a contabilidade e tesouraria e Marcos,
a gestão dos tributos, Adriana é nossa auxiliar e ajuda quem estiver precisando mais. — Ele aponta
para cada um, e eles vão acenando em minha direção. Então me indica a cadeira à sua frente e eu me
sento. — A contabilidade das filiais é descentralizada. Aqui cuidamos da matriz, da consolidação
dos balanços e dos planos de investimento.
— Entendi.
Regina dá um tapinha no meu ombro e sorri.
— Certo, vou deixá-los trabalhar agora. Não assuste a moça, Wando — ela diz ao se afastar.
Sorrio também, gostei dela. Além de simpática, parece ser o coração da empresa, pois
percebi que todos a cumprimentavam com carinho.
Wanderlei me questiona sobre o que eu fazia na TM Química e, em seguida, começa a
explicar quais serão minhas atribuições. Noto que alguns processos são diferentes na Luminous, mas
não é nada tão complicado. O que mais me preocupa é a responsabilidade de liderar um
departamento tão importante.
Não demora muito para eu perceber que o atual gerente financeiro anda meio estressado,
pois não sorriu nem uma vez e parece bastante irritadiço e impaciente. Espero que o problema não
seja comigo. Mas acredito que não. Deve ser porque está a poucos dias de sua aposentadoria e tem
muito trabalho a fazer.
Provisoriamente, eu me instalo em uma mesa vazia próxima de Wanderlei. Reparo que, de
onde estou, consigo ver a sala de Murilo. Procuro-o instintivamente com os olhos e o pego me
observando também, o que me deixa sem graça. Finjo, então, que não é comigo e começo a analisar
alguns documentos que Wanderlei me passou.
Eu soube por ele que, desde que assumiu o cargo de CEO na Luminous, Murilo vem
expandindo o negócio, passando de três estabelecimentos para cinco, e seus planos são de abrir mais
dois até o final do ano. Isso requer um planejamento financeiro detalhado e austero que estará sob a
minha responsabilidade assim que o atual gerente se aposentar. Ter conhecimento disso me provoca
cócegas no estômago.
Gosto do que eu faço e, em outras circunstâncias, seria um sonho conseguir aquele cargo.
Basta algumas horas de trabalho para eu descobrir que terei muitas coisas a fazer e que precisarei me
empenhar bastante. Porém não posso me esquecer do verdadeiro motivo de estar ali.
Ao final do dia, começo a pensar em como eu poderia acabar com Murilo. Talvez veneno
seja a forma mais simples. Pego o meu celular e faço uma pesquisa rápida na internet sobre o
assunto. Quem sabe eu possa arrumar algo para colocar no café dele. Tenho um ex-paquera que
trabalha no laboratório da TM Química e que poderia me conseguir alguma substância que causasse
uma morte lenta.
Não, não, não... Seria arriscado envolver outra pessoa, mas penso que talvez o caminho seja
por aí. Café já é amargo por natureza, Murilo nem iria perceber.
Seria ótimo já pôr isso logo em prática, mas preciso amadurecer a ideia e analisar todas as
possibilidades. Não quero ser pega e ir para a cadeia. Tenho que planejar direito sobre como
executar o meu plano.
A semana passa voando. Os dias são corridos e só não me esqueço de almoçar porque
Regina vem pegar no meu pé quando vê que passa das 14h e eu ainda não tirei a cara dos papéis ou
do computador.
Se tem algo que sou obstinada, é com a perfeição. Por isso, quero estar a par de tudo o mais
rápido possível. Quando vejo, estou mais do que focada em meu serviço e sem tempo algum para
pensar em meu chefe, em meus planos de vingança ou em qualquer outra coisa.
Ainda assim, demoro alguns dias para entrar no ritmo e, nesse meio tempo, tive duas
reuniões com o Murilo. Praticamente, esses foram os únicos momentos que conversamos diretamente
nesta semana. Ele também esteve ocupado em reuniões com a diretoria na sede do Grupo e pude
perceber que seu humor oscilava bastante. Ora ele parecia relaxado e animado, ora seu semblante se
mostrava tenso e ele quase não saía da sala.
O bom de sentar onde estou é que posso observá-lo e entender como se comporta o meu alvo.
Aliás, sobre isso, muitas dúvidas me tomam.
Apesar de estar animada com meu novo desafio, às vezes, me arrependo de ter me
candidatado a essa vaga. Não pela minha carreira profissional, que reconheço ter

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