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Autora: Profa. Ana Carolina Lopes Ottoni Gothardo Colaboradora: Profa. Renata Guzzo Enfermagem Interdisciplinar Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Professora conteudista: Ana Carolina Lopes Ottoni Gothardo Graduada em Enfermagem pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Campinas) em 2002, mestre em Ciências da Saúde em 2012 e doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 2016. Possui especialização (MBA) em Administração Hospitalar com ênfase em Auditoria pela Universidade Castelo Branco-RJ em 2011. Experiência de 12 anos na atuação como enfermeira assistencial e coordenadora de Unidade de Terapia Intensiva Adulto. É professora titular da Universidade Paulista (UNIP) desde 2012, ministrando aulas na graduação e na pós-graduação em Enfermagem. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) G684e Gothardo, Ana Carolina Lopes Ottoni. Enfermagem Interdisciplinar / Ana Carolina Lopes Ottoni Gothardo. – São Paulo: Editora Sol, 2018. 68 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIV, n. 2-080/18, ISSN 1517-9230. 1.Enfermagem interdisciplinar. 2.Programa Nacional de Segurança do Paciente. 3.Modelos assistenciais. I.Título CDU 616-083 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vitor Andrade Elaine Pires Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Sumário Enfermagem Interdisciplinar APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS SOBRE ONCOLOGIA E TERAPÊUTICA ONCOLÓGICA .................9 1.1 Epidemiologia do câncer no Brasil ...................................................................................................9 1.2 A enfermagem na terapêutica oncológica ................................................................................ 10 2 CUIDADOS PALIATIVOS E MODELOS ASSISTENCIAIS ........................................................................ 11 2.1 Aspectos históricos do cuidado paliativo ................................................................................... 11 2.2 Conceito e princípios de cuidados paliativos............................................................................ 13 2.3 O cuidado paliativo no Brasil .......................................................................................................... 14 3 POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL DA SAÚDE DO HOMEM (PNAISH) ................. 15 3.1 Violência ................................................................................................................................................... 17 3.2 Alcoolismo e tabagismo .................................................................................................................... 18 3.3 Tumores .................................................................................................................................................... 19 3.4 Outras causas de mortalidade ......................................................................................................... 20 3.5 Direitos sexuais e direitos reprodutivos ...................................................................................... 20 3.6 Prevenção de violências e acidentes ............................................................................................ 21 4 POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA .......................... 22 4.1 Aspectos conceituais e históricos da relação entre saúde e trabalho ............................ 23 4.2 Saúde do trabalhador articulada com saúde ambiental ...................................................... 24 4.3 Riscos ambientais ................................................................................................................................. 25 4.4 Acidente de trabalho........................................................................................................................... 26 4.5 Ações de vigilância .............................................................................................................................. 26 4.6 Biossegurança na saúde .................................................................................................................... 27 Unidade II 5 PROGRAMA NACIONAL DE SEGURANÇA DO PACIENTE (PNSP) .................................................. 32 5.1 Evento adverso ...................................................................................................................................... 33 5.2 Dez passos para a segurança do paciente.................................................................................. 35 5.2.1 Passo 1 – identificação do paciente ................................................................................................ 35 5.2.2 Passo 2 – cuidado limpo e cuidado seguro (higienização das mãos) ................................ 36 5.2.3 Passo 3 – cateteres e sondas (conexões corretas) ..................................................................... 36 5.2.4 Passo 4 – cirurgia segura ..................................................................................................................... 36 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 5.2.5 Passo 5 – sangue e hemocomponentes (administração segura) ........................................ 37 5.2.6 Passo 6 – paciente envolvido com sua segurança .................................................................... 38 5.2.7 Passo 7 – comunicação efetiva ......................................................................................................... 38 5.2.8 Passo 8 – prevenção de queda .......................................................................................................... 39 5.2.9 Passo 9 – prevenção de lesão por pressão ................................................................................... 40 5.2.10 Passo 10 – segurança na utilização da tecnologia ................................................................. 41 6 POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRA ......................................... 42 6.1 A população negra no Brasil e a luta pela cidadania ............................................................ 43 6.2 A situação de saúde da população negra no Brasil e seus determinantes sociais ................................................................................................................................44 7 POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO À SAÚDE DOS POVOS INDÍGENAS ..................................... 46 7.1 Contexto histórico ............................................................................................................................... 46 7.2 Situação atual de saúde da população indígena .................................................................... 47 8 POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ................................................. 52 8.1 Saúde da população em situação de rua ................................................................................... 55 8.2 Estratégias e ações de saúde voltadas para a população em situação de rua............ 57 7 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 APRESENTAÇÃO Interdisciplinaridade é uma questão de atitude. Uma atitude diferente a ser assumida diante do problema do conhecimento é a substituição de uma concepção fragmentária do ser humano para uma unitária. Também pode ser associada ao desenvolvimento de certos traços da personalidade, tais como: flexibilidade, confiança, paciência, intuição, capacidade de adaptação, sensibilidade em relação às demais pessoas, aceitação de riscos, adaptação às diversidades, receptividade a novos papéis (TORRES, 1998). A interdisciplinaridade envolve indagações sobre o sentido e a pertinência das colaborações entre as disciplinas, visando um conhecimento do “humano”. Nesse sentido, ela é chamada a postular um novo tipo de questionamento a respeito do saber, do homem e da sociedade. Não é uma moda, mas corresponde a uma nova etapa de desenvolvimento do conhecimento. Não se trata de postular uma nova síntese do saber, mas sim de constatar um esforço por aproximar, comparar, relacionar e integrar os conhecimentos (JAPIASSU, 1976). Partindo do conceito de disciplina na Enfermagem, entendêmo-la como uma maneira de trabalhar de forma articulada as disciplinas do curso de Enfermagem, capacitando o aluno a avaliar as situações sob múltiplos enfoques possibilitados pela interação entre as disciplinas e, dessa forma, construir sistemas conceituais interligados e aptos ao desenvolvimento de respostas eficazes, integrando os conteúdos relativos às particularidades do cuidar e da administração da assistência. Os objetivos desta disciplina são: instrumentalizar o aluno para o uso crítico dos conceitos e métodos presentes no corpo de disciplinas cursadas nos semestres anteriores; associar a responsabilidade do cuidar à dimensão da estrutura administrativa nos diferentes locais de trabalho; enfocar os aspectos interdisciplinares da enfermagem visando o desenvolvimento da reflexão sobre as conexões existentes entre essas disciplinas; desenvolver o raciocínio clínico tendo em vista os aspectos holísticos do ser humano; aprimorar as habilidades de analisar as situações criticamente e avaliá-las clinicamente. Entretanto, o estudo do conteúdo e as leituras complementares se fazem necessárias para atingir esses objetivos. Bons estudos! INTRODUÇÃO Historicamente, a enfermagem sustenta seus princípios em base interdisciplinar, construindo um corpo de conhecimento com mudanças na pesquisa, no ensino e na assistência, proporcionando novas interlocuções com as ciências de qualquer natureza. Nesse sentido, não se pode deixar de evocar um desvio que se situa na fronteira entre o ensino e o currículo de enfermagem com disciplinas como anatomia, biofísica, bioquímica ou, ainda, da área das ciências humanas, que, embora não transbordem a questão da interdisciplinaridade, criam uma tensão 8 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 nas fronteiras dessas disciplinas e o objeto de estudo da enfermagem, cujas concepções de cuidado e suas vertentes – atualmente ancoradas no humanismo, na ética, na prevenção e na redução de danos e riscos com a saúde – efetuam um deslocamento em direção às ciências da vida. Assim, do ponto de vista epistemológico, a tensão que a temática favorece com o predomínio da interdisciplinaridade produz no escopo das construções teóricas de enfermagem ricas experiências e conteúdos para dimensionar e clarificar o cuidado de enfermagem como objeto de estudo de que se ocupam os profissionais através de pesquisas em direção à arte, à técnica e à ciência. Boa leitura! 9 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 ENFERMAGEM INTERDISCIPLINAR Unidade I 1 FUNDAMENTOS CIENTÍFICOS SOBRE ONCOLOGIA E TERAPÊUTICA ONCOLÓGICA 1.1 Epidemiologia do câncer no Brasil O câncer é uma doença causada pelo crescimento anormal e desordenado das células e atinge pessoas de todos os sexos, idades, culturas e situações socioeconômicas. Está entre as principais causas de morte, criando um impacto psicológico na percepção da sexualidade, da imagem pessoal e da autoestima de maneira muito significativa. Dividindo-se rapidamente, essas células tendem a serem muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores malignos que podem espalhar-se para outras regiões do corpo. As causas de câncer são variadas, podendo ser externas e internas ao organismo ou estar inter-relacionadas. Embora o câncer afete todas as faixas etárias, sua maior suscetibilidade está relacionada sobretudo aos fatores extrínsecos, tais como: ambiente, dieta, estresse e hábitos de vida. Trata-se de uma doença complexa, que pode ser de longa duração e comprometer significativamente a vida dos indivíduos nas dimensões biológica, social e afetiva, exigindo assistência especializada de diferentes profissionais (SOUZA; SANTO, 2008). O Instituto Nacional do Câncer (Inca) destaca que os fatores de risco de câncer, em uma determinada população, dependem diretamente das características biológicas e comportamentais dos indivíduos que a compõem, bem como das condições sociais, ambientais, políticas e econômicas que os permeiam, ou seja, são altamente influenciados pela cultura do grupo ao qual pertencem. Hoje, o câncer vem se mostrando como uma das principais causas de mortalidade no mundo, merecendo especial atenção por parte dos profissionais de saúde para amenizar o sofrimento, pois mesmo havendo cura para muitos casos, a taxa de mortalidade é muito alta. Nos países em desenvolvimento, os casos são diagnosticados em estágios avançados e, por conseguinte, a sobrevida média é menor quando comparada aos países desenvolvidos, cerca de 40% após cinco anos, e a média mundial estimada é de 49%. É uma doença com possibilidade de cura. Todavia, caso não seja possível, pode-se estabelecer cuidados que visem diminuir o sofrimento dos doentes e de seus familiares. O câncer repercute de maneira expressiva no indivíduo, e as restrições físicas e psíquicas decorrentes da doença implicam mudanças significativas, levando a pessoa a afastar-se do convívio pessoal ou interromper projetos de vida. No estágio avançado, 90% dos pacientes queixam-se de dor moderada a severa, suficiente para reduzir suas atividades e exigir medicações, sendo a dor secundária a evolução da patologia (SILVA et al., 2011). 10 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Unidade I 1.2 A enfermagem na terapêutica oncológica O paciente com câncer deve contar com uma ampla estrutura de apoio para enfrentar as diferentes etapas do processo, pois requerem intensos cuidados, exigindo da equipe de enfermagem conhecimento científico e habilidades para reconhecer sinais e/ou sintomas subjetivos próprios desses indivíduos (SOUZA; VALADARES, 2011). Diante do câncer, o paciente oncológico passa por completa mudança em suas relações sociais, familiares e consigo mesmo, portanto, é necessário que haja assistência humanizada capaz de vê-lo como alguém que sofre, mas que não perdeu sua essência. A assistência de enfermagem para pacientes com câncer deve ser vista como cuidado pleno, encorajador, afetuoso e comprometido em auxiliarna adaptação às novas condições de vida. O câncer remete ao medo de mutilações (desfiguramento), à perspectiva de tratamentos dolorosos e de muitas perdas provocadas pela doença, e muitos consideram-no uma doença incurável. Além disso, o câncer traz consigo vários significados, na maioria negativos, e essa situação de sofrimento conduz a um estado psíquico com características específicas (SOUZA; SANTO, 2008). Diante de uma patologia como o câncer, o envolvimento familiar é inevitável. A família é a principal instituição social na qual o indivíduo inicia suas relações afetivas, cria vínculos e internaliza valores. Essa relação apresenta-se de forma interligada como se fosse a extensão do outro, pois acredita-se que a experiência de uma doença grave traz modificações no modo de pensar, sentir e agir das pessoas (SOUZA; SANTO, 2008). A oncologia visa à diminuição do impacto das possíveis alterações físicas e emocionais e dos efeitos colaterais adversos do tratamento quimioterápico. A fim de proporcionar maior qualidade de vida aos pacientes, a oncologia surge como uma especialidade que, por excelência, viu-se confrontada com a necessidade de avaliar as propostas, já que, muitas vezes, na busca de acrescentar “anos à vida”, era deixada de lado a necessidade de acrescentar “vida aos anos” (CHAVES; GORINI, 2011). A percepção pelo enfermeiro dos problemas relacionados à morte e ao adoecer é fortemente influenciada por suas vivências, conhecimentos, valores éticos e pessoais. Nessa perspectiva, cada indivíduo, paciente, profissional ou familiar deve ser considerado como único, tendo necessidades, valores e crenças específicas. O impacto da doença e hospitalização do paciente e a influência da interação familiar sobre a causa e sua cura tem obrigado a enfermagem a um compromisso de incluí-la nos cuidados de saúde. Os cuidados de enfermagem ao paciente com câncer devem ser individualizados, pois cada fase da vida apresenta transformações fisiológicas e psíquicas. O paciente está fragilizado e com uma perspectiva de sobrevida reduzida. Por isso, diante de um diagnóstico de uma doença neoplásica, ocorre um grau de sofrimento. Com eficiente comunicação, o enfermeiro deve promover maior aproximação com esse paciente para identificar suas necessidades e proporcionar melhor qualidade de vida a ele. A importância do relacionamento entre paciente, equipe de enfermagem e família no processo de cuidar inclui os seguintes aspectos: a maneira pela qual é dada a notícia, a clareza com que é abordado 11 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 ENFERMAGEM INTERDISCIPLINAR o assunto e a abertura que é ofertada ao paciente e a sua família para que seja possível conversar sobre seu sofrimento, sentimentos, dúvidas e recuperação. A pessoa com câncer precisa de ajuda da enfermagem na identificação de seus problemas para que possa enfrentá-los de forma realista, participar ativamente da experiência e, se possível, encontrar soluções para eles. Nesse sentido, é possível notar o valor do enfermeiro para o controle do medo, da fragilidade, das angústias e das dificuldades encontradas na experiência da internação através da assistência de enfermagem fornecendo suporte psicossocial, provendo conforto e cuidados devidos para esse contexto. Saiba mais Para um estudo mais aprofundado dos fundamentos científicos sobre oncologia e estimativa, leia: INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER (INCA). Estimativa 2018. Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Inca, 2018. Disponível em: <http://www.inca. gov.br/estimativa/2018/estimativa-2018.pdf>. Acesso em: 8 maio 2018. 2 CUIDADOS PALIATIVOS E MODELOS ASSISTENCIAIS 2.1 Aspectos históricos do cuidado paliativo O cuidado paliativo confunde-se historicamente com o termo hospice, que definia abrigos (hospedarias) destinados a receber e cuidar de peregrinos. O relato mais antigo remonta ao século V, quando Fabíola, discípula de São Jerônimo, cuidava de viajantes vindos da Ásia, da África e dos países do leste no Hospício do Porto, em Roma (NICÉSIO, 2012). Várias instituições de caridade surgiram na Europa no século XVII, abrigando pobres, órfãos e doentes. Essa prática propagou-se com organizações religiosas católicas e protestantes que, no século XIX, passaram a ter características de hospitais (BATALHA, 2017). O Movimento Hospice Moderno foi introduzido pela inglesa Cicely Saunders. Com formação humanista e médica, em 1967 fundou o St. Christopher’s Hospice, cuja estrutura não só permitiu a assistência aos doentes, mas o desenvolvimento de ensino e pesquisa, recebendo bolsistas de vários países. Na década de 1970, o encontro nos Estados Unidos entre Cicely Saunders e Elisabeth Klüber-Rossfez fez com que o movimento crescesse naquele país. Em 1982, o Comitê de Câncer da Organização Mundial da Saúde (OMS) criou um grupo de trabalho responsável por definir políticas para o alívio da dor e cuidados do tipo hospice que fossem recomendados 12 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Unidade I em todos os países para pacientes com câncer. O termo cuidado paliativo, já utilizado no Canadá, passou a ser adotado pela OMS devido à dificuldade de tradução adequada da expressão hospice em alguns idiomas (BATALHA, 2017). A OMS publicou sua primeira definição de cuidados paliativos em 1990: cuidado ativo e total para pacientes cuja doença não é responsiva a tratamento de cura. O controle da dor, de outros sintomas e de problemas psicossociais e espirituais é primordial. Seu objetivo é proporcionar a melhor qualidade de vida possível para pacientes e familiares. Essa definição foi revisada em 2002 e substituída pela atual (BATALHA, 2017). Figura 1 – Middlesex Hospital, Londres Figura 2 – Médica inglesa Cicely Saunders 13 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 ENFERMAGEM INTERDISCIPLINAR 2.2 Conceito e princípios de cuidados paliativos Segundo a definição da OMS, revista em 2002, cuidado paliativo é [...] uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares, que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento. Requer identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual (INCA, 2018). O cuidado paliativo não se baseia em protocolos, mas em princípios. Não se fala mais em terminalidade, mas em doença que ameaça a vida. Indica-se o cuidado desde o diagnóstico, expandindo nosso campo de atuação. Não falaremos em impossibilidade de cura, mas na possibilidade ou não de tratamento modificador da doença, afastando dessa forma a ideia de “não ter mais nada a fazer”. Pela primeira vez, uma abordagem inclui a espiritualidade entre as dimensões do ser humano. A família é lembrada, portanto, assistida também após a morte do paciente, no período de luto (BATALHA, 2017). Observação Os cuidados paliativos pautam-se em conhecimentos inerentes às diversas especialidades, possibilidades de intervenção clínica e terapêutica nas diversas áreas de conhecimento da ciência médica e de habilidades específicas. A OMS publicou, em 1986, princípios que regem a atuação da equipe multiprofissional de cuidados paliativos. Esses princípios foram reafirmados na sua revisão em 2002 e estão listados a seguir: — Promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis. — Não acelerar nem adiar a morte. — Afirmar a vida e considerar a morte um processo normal da vida. — Integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente. — Oferecer um sistema de suporte que possibilite ao paciente viver tão ativamente quanto possível até o momento da sua morte. — Oferecer sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a doença do paciente e o luto. — Oferecer abordagem multiprofissional para focar as necessidades dos pacientes e seus familiares, incluindoacompanhamento no luto. 14 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Unidade I — Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença. — Iniciar o mais precocemente possível o cuidado paliativo, juntamente com outras medidas de prolongamento da vida, como quimioterapia e radioterapia, e incluir todas as investigações necessárias para melhor compreender e controlar situações clínicas estressantes (NICÉSIO, 2012). Nas últimas décadas, assistimos ao envelhecimento progressivo da população, assim como ao aumento da prevalência de câncer e outras doenças crônicas. Em contrapartida, o avanço tecnológico alcançado principalmente a partir da segunda metade do século XX, associado ao desenvolvimento da terapêutica, fez com que muitas doenças mortais se transformassem em crônicas, levando à longevidade de seus portadores. No entanto, apesar dos esforços dos pesquisadores e do conhecimento acumulado, a morte continua sendo uma certeza e ameaça o ideal de cura e preservação da vida para o qual nós, profissionais da saúde, somos treinados (BATALHA, 2017). Os pacientes fora de possibilidade de cura acumulam-se nos hospitais, recebendo invariavelmente assistência inadequada, quase sempre focada na tentativa de recuperação, utilizando métodos invasivos e de alta tecnologia. Essas abordagens, ora insuficientes, ora exageradas, em geral ignoram o sofrimento e são incapazes, por falta de conhecimento apropriado, de tratar os sintomas mais prevalentes, sendo a dor o principal e mais dramático. Não se trata de cultivar uma postura contrária à medicina tecnológica, mas de questionar o uso excessivo da tecnologia e refletir sobre a nossa conduta diante da mortalidade humana, tentando o equilíbrio devido entre conhecimento científico e humanismo para resgatar a dignidade da vida e a possibilidade de morrer em paz (BATALHA, 2017). Cada vez mais encontramos em nossos serviços pacientes idosos, portadores de síndromes demenciais de variadas etiologias ou com graves sequelas neurológicas. Devemos enfrentar o desafio de nos conscientizar do estado de abandono a que esses pacientes estão expostos, inverter o atual panorama dos cuidados oferecidos e tentar implantar medidas concretas, como criação de recursos específicos, melhoria dos cuidados oferecidos nos recursos já existentes, formação de grupos de profissionais e educação da sociedade em geral (BATALHA, 2017). Os cuidados paliativos despontam como alternativa para preencher essa lacuna nos cuidados ativos aos pacientes. 2.3 O cuidado paliativo no Brasil O cuidado paliativo no Brasil teve seu início na década de 1980 e conheceu um crescimento significativo a partir do ano 2000, com a consolidação dos serviços já existentes e pioneiros e a criação de outros não menos importantes. Hoje já são mais de quarenta iniciativas em toda a nação. Ainda é pouco, levando-se em consideração a extensão geográfica e as necessidades de nosso país. Os profissionais de saúde têm grande responsabilidade nesse projeto. É preciso firmar um compromisso 15 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 ENFERMAGEM INTERDISCIPLINAR para ajudar a construir um futuro promissor para os cuidados paliativos, a fim de que um dia, não muito distante, todo cidadão brasileiro possa se beneficiar dessa boa prática. Saiba mais Para mais informações no manejo com o paciente em cuidados paliativos, leia: ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS (ANCP). Manual de cuidados paliativos ANCP. 2. ed. ANCP, 2012. Disponível em: <http:// formsus.datasus.gov.br/novoimgarq/24326/4052575_345331.pdf>. Acesso em: 6 maio 2018. Lembrete O cuidado paliativo não se baseia em protocolos, mas em princípios. 3 POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL DA SAÚDE DO HOMEM (PNAISH) A proposição da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem visa qualificar a saúde da população masculina na perspectiva de linhas de cuidado que resguardem a integralidade da atenção. O reconhecimento de que os homens adentram o sistema de saúde por meio da atenção especializada tem como consequência o agravo da morbidade pelo retardamento na atenção e maior custo para o SUS. É necessário fortalecer e qualificar a atenção primária, garantindo, assim, a promoção da saúde e a prevenção aos agravos evitáveis. Vários estudos comparativos, entre homens e mulheres, têm comprovado o fato de que os homens são mais vulneráveis às doenças, sobretudo às enfermidades graves e crônicas, e que morrem mais precocemente que as mulheres (NARDI et al., 2007; COURTENAY, 2007; LAURENTI et al., 2005) [...] a despeito da maior vulnerabilidade e das altas taxas de morbimortalidade, os homens não buscam, como as mulheres, os serviços de atenção básica. Muitos agravos poderiam ser evitados caso os homens realizassem, com regularidade, as medidas de prevenção primária. A resistência masculina à atenção primária aumenta não somente a sobrecarga financeira da sociedade, mas também, e, sobretudo, o sofrimento físico e emocional do 16 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Unidade I paciente e de sua família, na luta pela conservação da saúde e da qualidade de vida dessas pessoas. Tratamentos crônicos ou de longa duração têm, em geral, menor adesão, visto que os esquemas terapêuticos exigem um grande empenho do paciente, que, em algumas circunstâncias, necessita modificar seus hábitos de vida para cumprir seu tratamento. Tal afirmação também é válida para ações de promoção e prevenção à saúde, que requer, na maioria das vezes, mudanças comportamentais. Grande parte da não adesão às medidas de atenção integral, por parte do homem, decorre das variáveis culturais. Os estereótipos de gênero, enraizados há séculos em nossa cultura patriarcal, potencializam práticas baseadas em crenças e valores do que é ser masculino. A doença é considerada como um sinal de fragilidade que os homens não reconhecem como inerentes à sua própria condição biológica. O homem julga-se invulnerável, o que acaba por contribuir para que ele cuide menos de si mesmo e se exponha mais às situações de risco (BOZON, 2004). A isto se acresce o fato de que o indivíduo tem medo que o médico descubra que algo vai mal com a sua saúde, o que põe em risco sua crença de invulnerabilidade. Os homens têm dificuldade em reconhecer suas necessidades, cultivando o pensamento mágico que rejeita a possibilidade de adoecer. Além disso, os serviços e as estratégias de comunicação privilegiam as ações de saúde para a criança, o adolescente, a mulher e o idoso. Uma questão apontada pelos homens para a não procura pelos serviços de saúde está ligada a sua posição de provedor. Alegam que o horário do funcionamento dos serviços coincide com a carga horária do trabalho. Não se pode negar que na preocupação masculina a atividade laboral tem um lugar destacado, sobretudo em pessoas de baixa condição social, o que reforça o papel historicamente atribuído ao homem de ser responsável pelo sustento da família. Ainda que isso possa se constituir, em muitos casos, uma barreira importante, há de se destacar que grande parte das mulheres, de todas as categorias socioeconômicas, faz hoje parte da força produtiva, inseridas no mercado de trabalho, e nem por isso deixam de procurar os serviços de saúde. Outro ponto igualmente assinalado é a dificuldade de acesso aos serviços assistenciais, alegando-se que, para marcação de consultas, há de se enfrentar filas intermináveis, que, muitas vezes, causam a “perda” de um dia inteiro de trabalho, sem que necessariamente tenham suas demandas resolvidas em uma única consulta (GOMES; NASCIMENTO; ARAÚJO, 2007). 17 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 ENFERMAGEM INTERDISCIPLINAR A compreensão das barreiras socioculturais e institucionais é importante para a proposição estratégica de medidasque venham a promover o acesso dos homens aos serviços de atenção primária, a fim de resguardar a prevenção e a promoção como eixos necessários e fundamentais de intervenção. A Política de Atenção Integral à Saúde do Homem deve considerar a heterogeneidade das possibilidades de ser homem. As masculinidades são construídas historica e socioculturalmente, sendo a significação da masculinidade um processo em permanente construção e transformação. O ser homem, assim como o ser mulher, é constituído tanto a partir do masculino como do feminino. Masculino e feminino são modelos culturais de gênero que convivem no imaginário dos homens e das mulheres. Essa consideração é fundamental para a promoção da equidade na atenção a essa população, que deve ser considerada em suas diferenças por idade, condição socioeconômica, étnico-racial, por local de moradia (urbano ou rural), pela situação carcerária, pela deficiência física e/ou mental e pelas orientações sexuais e identidades de gênero não hegemônicas. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, portanto, além de evidenciar os principais fatores de morbimortalidade, explicita o reconhecimento de determinantes sociais que resultam na vulnerabilidade da população masculina aos agravos à saúde, considerando que representações sociais sobre a masculinidade vigente comprometem o acesso à atenção integral, bem como repercutem de modo crítico na vulnerabilidade dessa população às situações de violência e de risco para a saúde. Mobilizar a população masculina brasileira pela luta e garantia de seu direito social à saúde é um dos desafios dessa política. Ela pretende tornar os homens protagonistas de suas demandas, consolidando seus direitos de cidadania (BATALHA, 2017). 3.1 Violência A violência é um fenômeno difuso, complexo, multicausal, com raízes em fatores sociais, culturais, políticos, econômicos e psicobiológicos, envolvendo práticas em diferentes níveis. O homem é mais vulnerável à violência, seja como autor, seja como vítima. Os homens adolescentes e jovens são os que mais sofrem lesões e traumas devido a ofensivas, e essas agressões sofridas são mais graves e demandam maior tempo de internação em comparação às sofridas pelas mulheres (SOUZA, 2005). Determinados processos de socialização têm o potencial de envolver os homens em episódios de violência. A agressividade está biologicamente associada ao sexo masculino e, em grande parte, 18 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Unidade I vinculada ao uso abusivo de álcool, de drogas ilícitas e ao acesso às armas de fogo. Sob o ponto de vista sociocultural, violência é uma forma social de poder que fragiliza a própria pessoa que a pratica. 3.2 Alcoolismo e tabagismo Conforme dados da Organização Mundial de Saúde, cerca de 2 bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas no mundo. O uso abusivo do álcool é responsável por 3,2% de todas as mortes e por 4% de todos os anos perdidos de vida útil. Na América Latina, cerca de 16% dos anos de vida útil perdidos estão relacionados ao uso abusivo dessa substância. Esse índice é quatro vezes maior do que a média mundial e torna o problema da prevenção e do tratamento dos transtornos associados ao consumo de álcool uma grande dificuldade para a saúde pública (BRASIL, 2007c). A magnitude desse problema estigmatiza e promove exclusão social. No Brasil, há cerca de 6 milhões de pessoas nessa situação. Homens e mulheres bebem com frequências diferentes. Esse fenômeno também é notado na América Latina, conforme Relatório do Banco Mundial (2002). Contudo, há certas características a serem observadas: os homens iniciam precocemente o consumo de álcool, tendem a beber mais e a ter mais prejuízos em relação à saúde do que as mulheres (BRASIL, 2007c). No Brasil, as internações de mulheres por transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool, segundo o Datasus (2006), representaram 2% de todas as internações por transtornos mentais e comportamentais; os homens, 20% (BRASIL, 2007c). Avaliar os determinantes sociais de vulnerabilidade do homem para os problemas com o álcool torna-se imperioso para a construção de ações efetivas de prevenção e promoção da saúde mental desse público. Na medida em que o uso do álcool, como apontam diversos estudos, está sendo iniciado cada vez mais precocemente por homens e mulheres, as ações de promoção e prevenção para jovens e adolescentes também merecem mais investimento e controle. Transtornos graves associados ao consumo de álcool e outras drogas (exceto tabaco) afetam pelo menos 12% da população acima de 12 anos, sendo o impacto do álcool dez vezes maior que o do conjunto das drogas ilícitas, segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID, 2006). A prevalência de dependentes de álcool também é maior para o sexo masculino: 19,5% dos homens são dependentes de álcool, enquanto 6,9% das mulheres apresentam dependência. Segundo esses dados, para cada seis pessoas do sexo masculino que faz uso de álcool, uma fica dependente. Entre as mulheres, essa proporção é 10:1 (CEBRID, 2005). De acordo com a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP, 2007), 52% dos brasileiros acima de 18 anos bebem, pelo menos, uma vez ao ano. Destes, 65% são homens e 41% são mulheres. Do conjunto dos homens adultos, 11% bebem todos os dias e 28% consomem bebida alcoólica de 1 a 4 vezes por semana (BRASIL, 2008). 19 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 ENFERMAGEM INTERDISCIPLINAR Lembrete A proposição da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem visa qualificar a saúde da população masculina na perspectiva de linhas de cuidado que resguardem a integralidade da atenção. 3.3 Tumores Os tumores que incidem com maior frequência na faixa etária de 25-59 anos são oriundos dos aparelhos digestivo, respiratório e urinário. Cerca de 43,2% de todos os tumores assinalados na Classificação Internacional de Doenças (CID) 10, capítulo II, tem origem no aparelho digestório (BRASIL, 2008). A mortalidade por câncer do aparelho digestório, no ano de 2005, teve sua maior expressão numérica no câncer de estômago, ainda que imediatamente seguida pelo câncer de boca e de esôfago. As neoplasias malignas do aparelho respiratório determinaram o maior número de mortalidade na faixa populacional dos 25-59 anos, tendo ocorrido mais de 12 mil óbitos no ano (BRASIL, 2008). No contexto geral das dez neoplasias malignas que mais regularmente causaram a morte, logo após o câncer de pulmão, traqueia e brônquios, aparece o câncer de próstata. O câncer da próstata é uma neoplasia que comumente apresenta evolução muito lenta, de modo que a mortalidade poderá ser evitada quando o processo é diagnosticado e tratado com precocidade. Uma estimativa realizada pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) para o aparecimento de novos casos de cânceres aponta o de próstata como o mais frequente, só superado pelo câncer de pele não melanoma. Ao falar de neoplasias malignas do aparelho urinário, não se pode deixar de mencionar o câncer de pênis. Trata-se de um tumor raro, relacionado com as baixas condições socioeconômicas e à má higiene íntima. No Brasil, esse câncer representa cerca de 2% de todas as neoplasias que atingem o homem, sendo mais frequente nas regiões Norte e Nordeste, havendo estados, como o Maranhão, nos quais sua incidência supera até a do câncer de próstata. Observação Entre os tumores, há de se assinalar a hipertrofia prostática benigna, que atinge a maioria da população masculina após os 50 anos, produzindo diversos sintomas urinários com impacto bastante negativo sobre a qualidade de vida das pessoas. 20 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Unidade I 3.4 Outras causas de mortalidade Além das causas externas e dos tumores, há muitas outras causas de mortalidade que podem ser assinaladas.Entre as doenças do aparelho digestivo, por exemplo, podemos destacar as do fígado, que, no ultimo ano, foram responsáveis por 70% das causas de morte de homens de 25-59 anos. Destas, 46% deve-se à doença alcoólica, 36% à fibrose e cirrose e 18% a outras doenças do fígado (BRASIL, 2008). Os tumores do aparelho digestivo, as neoplasias malignas do lábio, cavidade oral e faringe foram as que apresentaram o maior número de internações (8.744), seguidas pelo câncer de estômago (5.316), pelo câncer de cólon (5.085) e pela neoplasia maligna de esôfago (4.715). No caso do aparelho respiratório, as neoplasias malignas da traqueia, dos brônquios e dos pulmões foram responsáveis, em 2007, por 3.836 internações, seguidas pelo câncer de laringe, com 3.237 casos (BRASIL, 2008). Entre as internações por tumores do aparelho urinário, acentuamos a neoplasia maligna da próstata, com 2.377, enquanto outros tumores malignos do aparelho genital masculino foram responsáveis por 2.183, seguidas de 1.510 casos de neoplasia maligna da bexiga. Em termos de doenças do aparelho circulatório, o resultado das internações hospitalares, na maior parte, deve-se aos acidentes coronarianos (40,5%) seguidos pela hipertensão arterial (18,7%) (BRASIL, 2008). 3.5 Direitos sexuais e direitos reprodutivos É preciso conscientizar os homens do dever e do direito à participação no planejamento reprodutivo. A paternidade não deve ser vista apenas do ponto de vista da obrigação legal, mas, sobretudo, como um direito do homem a participar de todo o processo, desde a decisão de ter ou não filhos, como e quando tê-los, bem como do acompanhamento da gravidez, do parto, do pós-parto e da educação da criança. Vale ressaltar que os adolescentes e adultos jovens também devem ser reconhecidos como sujeitos dos direitos sexuais e reprodutivos, e é importante destacar que sua vida sexual e reprodutiva pode estar imersa em preconceitos. A paternidade na adolescência não deve ser encarada somente como algo a ser evitado. Os adolescentes e jovens adultos devem ser assistidos diante de suas necessidades e projetos de vida, e não apenas segundo a percepção do profissional de saúde. A eles devem ser disponibilizados informações e métodos contraceptivos. Na eventualidade de uma gravidez, o vital é assegurar condições para que a paternidade seja vivenciada de modo responsável. Em relação à terceira idade, as pessoas devem ser consideradas como sujeitos de direitos sexuais, reconhecendo que o exercício da sexualidade não é necessariamente interrompido com o avanço da idade. A sexualidade é uma importante dimensão da vida subjetiva, afetiva e relacional das pessoas. 21 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 ENFERMAGEM INTERDISCIPLINAR 3.6 Prevenção de violências e acidentes Os acidentes e as violências correspondem às causas externas de morbidade e mortalidade, representadas no capítulo XX da CID-10. Os acidentes englobam as quedas, o envenenamento, o afogamento, as queimaduras, o acidente de trânsito, entre outros; já as violências são eventos considerados intencionais e compreende a agressão, o homicídio, a violência sexual, a negligência, a violência psicológica, a lesão autoprovocada etc. Tanto os acidentes quanto as violências são eventos passíveis de prevenção. Os custos com as violências são inúmeros e abrangem desde as perdas humanas com o desenvolvimento de sequelas permanentes ou não e o sofrimento causado para as vítimas e os familiares – o que não pode ser mensurado – até os custos com tratamento de saúde, despesas previdenciárias e absenteísmo no trabalho. Por conta dessas questões, é essencial reforçar a relevância desses agravos enquanto problema de saúde pública. No Brasil, as causas externas representam a terceira causa de morte entre crianças de 0 a 9 anos, passando a ocupar a primeira posição na população de adultos jovens (10 a 49 anos) e detêm a terceira posição entre indivíduos acima de 50 anos. Entre as causas externas, os acidentes de trânsito e os homicídios expressam as principais causas de internação e óbitos. Sua ocorrência está relacionada, na maioria das vezes, a atitudes e posturas que levam ao aumento de riscos e a situações a eles vinculadas. A vigilância de violências e acidentes tem o objetivo de subsidiar ações de enfrentamento dos determinantes e dos condicionantes das causas externas, que se tornaram objeto de vigilância e de prevenção em saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde, sob a coordenação do Ministério da Saúde em uma perspectiva intersetorial. Para tal, priorizam-se os grupos em situação de vulnerabilidade, com base no direito à saúde e à vida, incentivando a formação de redes de atenção e proteção às pessoas vítimas de violências e acidentes, buscando, dessa forma, garantir a atenção integral, a promoção da saúde e a cultura de paz. Esse monitoramento tem subsidiado a elaboração de políticas públicas e de ações de saúde que estão voltadas para o enfrentamento desses problemas. Instituída em 2004, por meio da Portaria GM/MS nº 936, de 18 de maio de 2004, a Rede Nacional de Prevenção das Violências e Promoção da Saúde e Cultura de Paz tem por objetivos: — Promover a articulação da gestão de conhecimento sobre o agravo por meio da qualificação da vigilância de violências. — Desenvolvimento de pesquisas. — Formulação de indicadores, disseminação de conhecimentos e práticas bem-sucedidas, criativas e inovadoras nacionais, regionais e locais. 22 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Unidade I — Implementar a troca de experiências de gestão e formulações de políticas públicas intersetorias e intrasetoriais. — Fomentar o intercâmbio das práticas de atenção integral às pessoas vivendo situações de violência e segmentos populacionais sob risco. — Intercambiar as formas de participação da sociedade civil, organizações não governamentais e comunidades no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento à violência, de atuação sobre os determinantes sociais em saúde e de promoção da cultura de paz. — Acompanhar o desenvolvimento dessas estratégias nas várias esferas de gestão (BRASIL, 2004). As principais atribuições da Rede Nacional envolvem a qualificação da gestão para o trabalho de prevenção de violências e promoção da saúde e de cultura de paz; qualificar e articular a rede de atenção integral às pessoas em situação de violências; desenvolver ações de promoção da saúde e prevenção de violências para grupos populacionais vulneráveis visando à atuação nos determinantes sociais e na autodeterminação dos sujeitos; garantir a implantação da notificação de violências interpessoais e autoprovocadas e promover e participar de políticas e ações intersetoriais e de redes sociais que tenham como objetivo a prevenção de violências e a promoção da saúde e da cultura de paz (BRASIL, 2004). A partir de 2013, com a publicação da Portaria nº 1.378, de 9 de julho de 2013, o financiamento das ações de vigilância e prevenção de violências e acidentes passa a integrar o piso fixo de vigilância em saúde. As competências de cada ente federado no que tange às responsabilidades com a gestão das ações de vigilância em saúde também são definidas nesse instrumento. Entre elas, destaca-se a vigilância e prevenção dos agravos não transmissíveis (violências e acidentes) e dos seus fatores de risco e ações de promoção em saúde. Para a gestão e execução das ações em destaque, coordenadas pelo Núcleo de Prevenção de Violências e Promoção da Saúde, recomenda-se que os instrumentos de gestão local (planos de saúde, programas anuais de trabalho, programação orçamentária e financeira, entre outros) contemplem o elenco de ações de sua competência quanto à vigilância e prevenção de violências e acidentes e à promoção da saúde e da cultura de paz (BRASIL, 2013b). 4 POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA “Todo trabalhador, rural ou urbano, do setorpúblico ou privado, assalariado, autônomo, doméstico, aposentado ou desempregado, tem direito a uma atenção integral à saúde e, portanto, é sujeito da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT)”, conforme a Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012 (BRASIL, 2012b). Uma das principais questões que a PNSTT traz é a organização descentralizada do serviço de saúde, por meio da qual a esfera federal atua estabelecendo políticas e instrumentos que devem ser estudados e executados pelas esferas estaduais e municipais. Nesse sentido, os resultados dessa política dependerão diretamente de como a questão trabalho será abordada nos planos estaduais e municipais de saúde, que 23 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 ENFERMAGEM INTERDISCIPLINAR devem priorizar a promoção e a proteção da saúde dos trabalhadores e a redução da morbimortalidade associada à ocupação. Tais objetivos devem ser alcançados mediante a execução de ações de promoção, vigilância, diagnóstico, tratamento, recuperação e reabilitação da saúde. O fortalecimento da Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat) é foco dessa política, que pressupõe, entre outras coisas: Harmonização dos instrumentos de registro e notificação de agravos e eventos de interesse comum aos componentes da vigilância; incorporação dos agravos relacionados ao trabalho, definidos como prioritários para fins de vigilância, nas listagens de agravos de notificação compulsória, nos âmbitos nacional, estaduais e municipais; investimentos na ampliação da capacidade técnica e nas mudanças das práticas das equipes das vigilâncias; e estímulo à participação dos trabalhadores e suas organizações, sempre que pertinente, no acompanhamento das ações de vigilância epidemiológica (BRASIL, 2012b). É importante que se perceba que essa política não é um instrumento que surge para mudar as legislações já existentes, e sim para consolidar e legitimar o que vem sendo construído. É de conhecimento geral que apenas a criação de políticas não é suficiente para a garantia de um SUS perfeito, ainda falta muito; gestores, profissionais e usuários precisam perceber-se responsáveis pela saúde pública, diminuindo a distância entre “o SUS que temos e o SUS que queremos”. 4.1 Aspectos conceituais e históricos da relação entre saúde e trabalho A tendência geral de expansão produtiva do capitalismo, a partir do século XX, possibilitou certa “incorporação da classe trabalhadora por meio do consumo de massa, trazendo-lhe alguns ganhos materiais, os quais se converteram nos meios de convencimento sustentadores da política de negociação de classe” (PANIAGO, 2009, p. 3). Assim, o término do século XX e o início do século XXI são marcados por profundas transformações nos processos e nas relações de trabalho que têm impactado fortemente a classe trabalhadora. O fenômeno da reestruturação produtiva traz consigo mudanças qualitativas e quantitativas na vida dos trabalhadores, tornando-os inseguros em relação ao mercado de trabalho, ao emprego, à geração de renda, às formas de contratação e à sua representação. Pode-se afirmar que as mutações no mundo do trabalho criaram uma classe trabalhadora mais heterogênea, mais fragmentada e complexificada, entre qualificados e desqualificados, mercado formal e informal, jovens e velhos, homens e mulheres, estáveis e precários, imigrantes, entre outros. Esse conjunto de fatores incide sobre todos os segmentos dos trabalhadores na divisão sociotécnica do trabalho e suas implicações têm repercutido gravemente na relação saúde/trabalho. Dito de outro modo, as mudanças na esfera produtiva intensificaram a exploração da força de trabalho e o desgaste da saúde do trabalhador. 24 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Unidade I 4.2 Saúde do trabalhador articulada com saúde ambiental As inter-relações produção/trabalho, ambiente e saúde, determinadas pelo modo de produção e consumo hegemônico em uma dada sociedade, são a principal referência para entender as condições de vida, o perfil de adoecimento e morte das pessoas, a vulnerabilidade diferenciada de certos grupos sociais e a degradação ambiental [...] para construir alternativas de mudança capazes de garantir vida e saúde para o ambiente e a população. Para a produção de bens e riquezas, são requeridos matérias-primas, trabalho e tecnologia. Ao longo da história humana, particularmente a partir do século XVI, no mundo ocidental, a natureza tem sido vista como uma fonte inesgotável de recursos para os empreendimentos humanos, provendo o processo produtivo de insumos e energia, permitindo a acumulação de capital. O avanço científico-tecnológico mobilizado para a produção, guiado pelo mito da inesgotabilidade dos recursos naturais, induz a exploração sem limites. A ética instituída da supremacia dos humanos sobre os outros seres do planeta reforça esse comportamento. Entretanto, para que a produção aconteça, o trabalho humano é, e sempre será, indispensável, mesmo em situações de extrema automação. Assim, o círculo virtuoso e perverso da economia se sustenta pela exploração da natureza e do trabalhador, gerando a degradação ambiental e as cargas biológicas, sociais, psíquicas, econômicas, políticas e culturais que afetam a saúde dos trabalhadores e de suas famílias, produzindo desigualdades sociais e ambientais em uma cultura legitimadora desse processo de desenvolvimento. As críticas ao modelo de desenvolvimento puramente econômico e seus impactos sobre as condições de vida, a saúde e doença e sobre o ambiente têm aproximado os campos da saúde do trabalhador e da saúde ambiental. O encontro desses campos disciplinares articula-se, no plano teórico, pela visão sistêmica da relação sociedade-natureza e pela centralidade do modo de produção definido pelo modelo de desenvolvimento adotado e se concretiza no processo saúde-doença. Os territórios abrigam diferentes processos produtivos, que não mais se restringem ao interior das fábricas e indústrias, determinando a distribuição diferenciada da exposição dos indivíduos e coletivos, aos agentes, cargas e riscos de dano para a saúde, e assim o perfil de adoecimento. A desigualdade na distribuição da exposição aos fatores de risco para a saúde tem sido denunciada pelo movimento da justiça ambiental, também 25 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 ENFERMAGEM INTERDISCIPLINAR denominado ambientalismo popular ou dos pobres ao afirmar que a maior carga de exposição aos riscos tecnológicos e ambientais gerados pelos processos de produção e consumo recai sobre os trabalhadores de baixa renda, grupos sociais discriminados, povos étnicos tradicionais, populações marginalizadas nas periferias das grandes cidades. Na perspectiva da saúde, o ambiente deve ser entendido como território vivo, dinâmico, constituído por processos políticos, históricos, econômicos, sociais e culturais, no qual se materializa a vida humana, por meio de políticas públicas formuladas utilizando o conhecimento disponível, com a participação e controle social. Assim, as ações de saúde ambiental e saúde do trabalhador devem estar articuladas nos serviços de saúde, uma vez que os riscos gerados direta e indiretamente pelos processos produtivos afetam o meio ambiente e a saúde das populações e dos trabalhadores de modo particular (DIAS et al., 2009). Saiba mais Para mais conhecimento sobre saúde do trabalhador articulada à saúde ambiental acesse: PREFEITURA DA CIDADE DE SÃO PAULO. Coordenação de Vigilância em Saúde (Covisa). Programa de Vigilância em Saúde do Trabalhador. São Paulo, [s.d.]. Disponível em: <http://www.cvs.saude.sp.gov.br/up/16. COVISA_SP.pdf>. Acesso em: 2 maio 2018. 4.3 Riscos ambientais Os riscos ambientais podem ser físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e mecânicos (ou de acidentes). As duas últimas categorias, embora nãocontempladas pela NR 9, que trata do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, devem ser observadas da mesma maneira, já que o objetivo principal é garantir a segurança de toda a equipe. A seguir, a descrição detalhada de cada uma das categorias: Riscos físicos: aqueles que se referem às características físicas do ambiente, ligadas a fontes de energia como vibrações, ruídos excessivos, temperatura extrema, pressão anormal, radiação, tanto nas formas ionizantes quanto não ionizantes e alterações sonoras, como o ultrassom e o infrassom. Riscos químicos: produtos, substâncias ou ainda compostos químicos que estão sujeitos à absorção por parte do organismo, seja através do contato 26 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Unidade I direto, pelas vias respiratórias ou ainda ingeridos, como gases ou vapores, névoas, fumaça ou poeira. Riscos biológicos: são as diferentes formas de micro-organismos aos quais os colaboradores possam estar expostos e cujo contato se dá através da pele, da ingestão ou ainda pelas vias respiratórias, como fungos, bactérias, protozoários, vírus ou parasitas. Riscos ergonômicos: são os riscos de natureza física ou psicológica causados pela não adequação do ambiente de trabalho às limitações fisiológicas dos indivíduos, como sobrecarga de peso, intenso esforço físico, postura inadequada, jornada excessiva de trabalho, exigência de produtividade desproporcional, trabalho noturno, repetição de movimentos, entre outros fatores que causam estresse físico ou mental. Riscos de acidentes ou mecânicos: são os agentes de riscos relacionados a máquinas, equipamentos e outros elementos que podem causar dano através da incidência de acidentes de trabalho. Dentre eles, ausência de equipamento de proteção, ferramentas com defeito ou inadequadas, risco de explosão ou incêndio, luminosidade inadequada, armazenamento e estocagem inadequados, animais peçonhentos, entre outros fatores que aumentem o risco de acidentes (BRASIL, 1978). 4.4 Acidente de trabalho A ocorrência de acidentes do trabalho gera consequências traumáticas. Na maioria das vezes, causa mutilações, invalidez permanente e outros danos que não se limitam ao corpo físico do trabalhador, afetando também sua integridade psicológica. Pode até causar sua morte, com repercussões aos familiares, inclusive para a sociedade de modo geral, bem como para os cofres públicos. Em regra, todos perdem com os acidentes do trabalho. Se todos amargam prejuízos visíveis, é possível concluir pela lógica que investir em prevenção de acidentes proporciona diversos benefícios, como retorno financeiro para o empregador, decorrente da diminuição do seu passivo no tocante a gastos com verbas indenizatórias concedidas pela via judicial a trabalhadores acidentados no desempenho de seu labor, no reconhecimento dos trabalhadores pelo padrão ético das empresas e, sobretudo, na melhoria das contas da Previdência Social, o que nem sempre é facilmente perceptível aos olhos de alguns empresários de visão capitalista. 4.5 Ações de vigilância Os serviços de vigilância em saúde do trabalhador, municipais ou regionais, deverão investigar de modo integrado, obrigatoriamente, as ações gerais de vigilância do SUS, os acidentes de trabalho fatais graves e os ocorridos com trabalhadores com menos de 16 anos de idade. 27 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 ENFERMAGEM INTERDISCIPLINAR Nos acidentes acometendo adolescentes com 16 anos ou mais, será obrigatória a apuração apenas dos fatais ou graves. Os demais acidentes podem e devem ser examinados conforme as prioridades e os recursos locais e regionais. A investigação dos casos poderá ser feita em conjunto com outros órgãos públicos afins, como o Ministério do Trabalho, a Polícia Militar e Civil e o Ministério Público. No tocante às análises de acidentes, a diretriz de hierarquização nos leva a propor níveis de aprofundamento das avaliações a serem desenvolvidas pelas equipes de vigilância. O nível mais simples de análise consiste na utilização de listas de verificação baseadas no cumprimento de aspectos previstos em normas legais relativas à atividade, por exemplo, normas regulamentadoras do MTE, normas de vigilância, entre outras. Em outras palavras, os serviços de saúde que não possuem equipes de Saúde do Trabalhador ou equipes de Vigilância em Saúde capacitadas para o desenvolvimento de exames aprofundados devem conduzir pelo menos investigações preliminares. O tipo mais simples de levantamento de informações pode basear-se em questões formuladas a partir de itens de legislação de segurança já existentes ou publicações técnicas que tratem de avaliação de condições de segurança naquela atividade. As informações contidas na Ficha de Notificação de Acidentes do Trabalho do Sistema Nacional de Agravos de Notificação deverão permitir desenhar o perfil de acidentados e acidentes de trabalho no território em questão: idade e sexo do acidentado, dias e horas do dia em que mais se acidentam, número médio de vítimas de acidentes por mês e ano, empresas ou ramos de atividade com maior número de vítimas ou com vítimas com lesões de maior gravidade, parte do corpo atingida, natureza da lesão sofrida, aspectos do processo causal etc. Dois tipos de informações parecem particularmente importantes tendo em vista a prevenção e a atenção à saúde em caso de acidentes: aquelas relativas aos aspectos do processo causal e das lesões sofridas pelas vítimas distribuídas conforme citado e, sempre que necessário, de modo cruzado, por exemplo, distribuindo lesões identificadas segundo aspectos do processo causal ou local de ocorrência. Nos termos da Portaria nº 3.098 (BRASIL, 1998), do Ministério da Saúde, que aprova a Norma Operacional de Saúde do Trabalhador, compete a esses municípios o estabelecimento de rotina de sistematização e análise dos dados gerados no atendimento aos agravos à saúde associados ao trabalho, de modo a orientar as intervenções de vigilância, a organização dos serviços e das demais ações em Saúde do Trabalhador e a Utilização dos dados gerados nas atividades de atenção à Saúde do Trabalhador, com vistas a subsidiar a programação e avaliação das ações de saúde neste campo, e alimentar os bancos de dados de interesse nacional (BRASIL, 1998). 4.6 Biossegurança na saúde A biossegurança pode ser definida como um conjunto de medidas que busca minimizar os riscos inerentes a uma determinada atividade. Esses riscos não são apenas aqueles que afetam o profissional que desempenha uma função, e sim todos aqueles que podem causar danos ao meio ambiente e à saúde das pessoas. 28 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Unidade I No que diz respeito aos profissionais de saúde, a biossegurança preocupa-se com as instalações laboratoriais, as boas práticas em laboratório, os agentes biológicos aos quais o profissional está exposto e até mesmo a qualificação da equipe de trabalho. Isso é importante porque, nesses locais, existe a frequente exposição a agentes patogênicos, além, é claro, de riscos físicos e químicos. Não obstante muitos profissionais considerarem a biossegurança como norma que dificulta a execução de seu trabalho, as regras que a regem garantem a saúde do trabalhador e do restante da população. O não cumprimento das normas básicas de biossegurança pode acarretar problemas como transmissão de doenças e até mesmo epidemias. Uma das principais normas de biossegurança em hospitais, clínicas e laboratórios diz respeito à higienização das mãos. Elas sempre devem ser lavadas antes do preparo e da ministração de medicamentos e do manuseio do paciente. Apesar de simples, essa é uma das medidas que mais evitam a propagação de doenças. Os profissionais de saúde também devem ficar atentos aos seus equipamentos de proteção, tais como jalecos e aventais, que devem ser usados apenas no local detrabalho, e nunca em áreas públicas ou mesmo em refeitórios e copas no interior da unidade de saúde. Além disso, é vital não abraçar pessoas ou carregar bebês utilizando jalecos, uma vez que existe o risco de contaminá-los. Apesar de ser uma recomendação conhecida por todos os profissionais da saúde, é muito comum observar essas pessoas utilizando jalecos em áreas públicas e transportando-os de maneira inadequada. Isso pode ocasionar o transporte de agentes patogênicos para fora das unidades de saúde, causando doenças na população. Um ponto que merece destaque é a propagação de bactérias resistentes, que em geral são encontradas restritas ao ambiente hospitalar, porém podem ser facilmente levadas até a população em virtude da falta de conhecimento das normas de biossegurança. As luvas também são equipamentos cruciais de proteção. Elas devem ser usadas sempre que necessário e trocadas após cada procedimento. Após a remoção, é fundamental dar a destinação correta a esse material, assim como a todos os itens que tiveram contato com resíduo biológico. O descarte correto é substancial para a segurança de todos. Os profissionais de saúde estão expostos frequentemente a material biológico, por isso os riscos de contaminação podem ser altos a depender da atividade realizada. Os acidentes com esses profissionais usualmente envolvem ferimentos com agulhas ou outro utensílio cortante e contato direto com sangue ou elementos contaminados. Entre os mais envolvidos com esses acidentes, destacam-se os profissionais de enfermagem. Diante da exposição frequente a agentes patogênicos, recomenda-se que os profissionais de saúde mantenham atualizadas suas carteiras de vacinação. As vacinas são umas das melhores formas de prevenção contra doenças infecciosas. 29 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 ENFERMAGEM INTERDISCIPLINAR É importante frisar que qualquer acidente ocorrido com os profissionais da saúde durante o desenvolvimento de sua atividade é considerado um acidente de trabalho. Em casos de acidentes com material biológico, é essencial lavar o local de contato ou a lesão e notificar a chefia imediata, que examinará o acidente. Essa análise observará qual material biológico esteve envolvido e como ocorreu o acidente. Depois, será observado se o utensílio pode ou não transmitir HIV e hepatites. Se for esse o caso, será necessária a realização de uma quimioprofilaxia. Após esse momento, ocorrerá o seguimento clínico laboratorial apropriado. Indica riscos físicos Legenda: Cores Tamanho dos círculos Indica risco pequeno Indica risco médio Indica risco grande Indica riscos químicos Indica riscos biológicos Indica riscos ergonômicos Indica riscos de acidentes Figura 3 – Quadro de cores e grau referente a cada risco Observação Um exemplo clássico de despreparo em relação à biossegurança foi o acidente em 1987 com Césio 137, em que um aparelho de radioterapia foi abandonado em uma clínica desativada. O descarte inadequado causou consequências graves à população de Goiás, que ficou exposta à radiação. Resumo Nesta unidade, identificamos que a incidência de câncer tem crescido no Brasil, assim como em todo o mundo, acompanhando a mudança do perfil etário da população. Hoje, o câncer já representa a segunda maior causa de morte no Brasil. Esse crescimento tem se refletido no aumento do número de tratamentos ambulatoriais, das taxas de internações hospitalares e dos recursos públicos demandados para custear os tratamentos. Nas fases iniciais do câncer, o tratamento geralmente é agressivo, com objetivo de cura ou remissão, e isso é compartilhado com o doente e sua 30 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 Unidade I família de maneira otimista. Quando a doença já se apresenta em estágio avançado ou evolui para essa condição mesmo durante o tratamento com intenção curativa, a abordagem paliativa deve entrar em cena no manejo dos sintomas de difícil controle e de alguns aspectos psicossociais associados à doença. Na fase terminal, em que o paciente tem pouco tempo de vida, o tratamento paliativo se impõe para, através de seus procedimentos, garantir qualidade de vida. O término de uma terapia curativa para o câncer não significa o fim de um tratamento ativo, mas mudanças em focos de tratamento. A OMS enfatiza que o tratamento ativo e o paliativo não são mutuamente excludentes e propõe que muitos aspectos dos cuidados paliativos devem ser aplicados mais cedo, no curso da doença, em conjunto com o tratamento oncológico ativo, sendo aumentados gradualmente como um componente dos cuidados do paciente do diagnóstico até a morte. A transição do cuidado ativo para o cuidado com intenção paliativa é um processo contínuo e sua dinâmica difere para cada paciente. Os cuidados paliativos devem incluir as investigações necessárias para o melhor entendimento e manejo de complicações e sintomas estressantes tanto relacionados ao tratamento quanto à evolução da doença. Apesar da conotação negativa ou passiva do termo paliativo, a abordagem e o tratamento paliativo devem ser eminentemente ativos, em especial em pacientes portadores de câncer em fase avançada, em que algumas modalidades de tratamento cirúrgico e radioterápico são essenciais para controlar os sintomas. Considerando a carga devastadora de sintomas físicos, emocionais e psicológicos que se avolumam no paciente com doença terminal, faz-se necessário um diagnóstico precoce e condutas terapêuticas antecipadas, dinâmicas e ativas, respeitando-se os limites do próprio paciente. Também demos ênfase à saúde do trabalhador, aos riscos de exposição e à biossegurança. A saúde do trabalhador é um campo da saúde coletiva que compreende práticas interdisciplinares e interinstitucionais, com raízes na medicina social latino-americana, sendo influenciado pela experiência italiana. Sua abordagem busca superar a saúde ocupacional e a medicina do trabalho, pois além da medicina e engenharia de segurança, inclui outras disciplinas: a epidemiologia, a administração e planejamento em saúde e as ciências sociais em saúde. Entendemos que o processo saúde-doença dos trabalhadores tem relação direta com o seu trabalho e não deve ser reduzido a uma relação monocausal entre doença e um agente específico, ou multicausal, entre a doença e um grupo de fatores de riscos (físicos, químicos, biológicos, 31 Re vi sã o: V ito r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 7/ 05 /1 8 ENFERMAGEM INTERDISCIPLINAR mecânicos) presentes no ambiente de trabalho. Saúde e doença estão condicionadas pelas condições de vida das pessoas e são expressas entre os trabalhadores também pelo modo como vivenciam as condições, os processos e os ambientes em que trabalham. Por tais motivos é que a atuação da área de saúde do trabalhador ultrapassa os limites do SUS e deve ser realizada fatalmente em conjunto com outras áreas do Poder Público, com a cooperação da sociedade e dos próprios trabalhadores organizados, pois são eles que conhecem de fato seu ofício e os riscos a que estão submetidos.
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