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A PRESENÇA AUSENTE DO ESTADO BRASILEIRO NA RESERVA INDÍGENA DE DOURADOS, MATO GROSSO DO SUL

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Prévia do material em texto

MARCO ANTONIO DELFINO DE ALMEIDA
A PRESENÇA AUSENTE DO ESTADO BRASILEIRO NA RESERVA 
INDÍGENA DE DOURADOS, MATO GROSSO DO SUL: 
COMPREENDENDO A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA E DA 
SEGURANÇA PÚBLICA À LUZ DO DIREITO E DA 
ANTROPOLOGIA
1
DOURADOS - 2014
MARCO ANTONIO DELFINO DE ALMEIDA
A PRESENÇA AUSENTE DO ESTADO BRASILEIRO NA RESERVA 
INDÍGENA DE DOURADOS, MATO GROSSO DO SUL: 
COMPREENDENDO A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA E DA 
SEGURANÇA PÚBLICA À LUZ DO DIREITO E DA 
ANTROPOLOGIA
Dissertação apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Antropologia da 
Universidade Federal da Grande 
Dourados, como parte dos requisitos 
finais para a obtenção do título de 
Mestre em Antropologia, na área de 
concentração em Antropologia 
Sociocultural.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Eremites de 
Oliveira
DOURADOS - 2014
2
 
 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central - UFGD
A447p Almeida, Marco Antonio Delfino de.
 A presença ausente do estado brasileiro na reserva 
indígena de Dourados, Mato Grosso do Sul : 
compreendendo a questão da violência e da 
segurança pública à luz do direito e da 
antropologia . / Marco Antonio Delfino de Almeida.- 
– Dourados, MS : UFGD, 2014. 
140f. 
 Orientador: Prof. Dr. Jorge Eremites de Oliveira.
 Dissertação (Mestrado em Antropologia) – 
Universidade Federal da Grande Dourados.
 1. Povos indígenas. 2. Controle disciplinar. 3. 
Deslocamentos forçados. 4. Serviço de proteção ao 
índio. I. Título.
 CDD – 980.41
3
MARCO ANTONIO DELFINO DE ALMEIDA
A PRESENÇA AUSENTE DO ESTADO BRASILEIRO NA RESERVA 
INDÍGENA DE DOURADOS, MATO GROSSO DO SUL: 
COMPREENDENDO A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA E DA 
SEGURANÇA PÚBLICA À LUZ DO DIREITO E DA 
ANTROPOLOGIA
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA - 
PPGAnt/UFGD
Aprovado em _______ de ___________________ de _________.
BANCA EXAMINADORA:
Presidente e orientador: 
Jorge Eremites de Oliveira (Dr., UFPel)____________________________
2º Examinador:
Antônio José Guimarães Brito (Dr.. UFGD)_________________________
3° Examinador:
Thiago Leandro Vieira Cavalcante (Dr., UFGD)______________________
Suplente:
Simone Becker (Dra., UFGD)____________________________________
4
 Dedico esta dissertação...
Aos Povos Indígenas em Mato Grosso do Sul , 
especialmente a Adélio Rodrigues, Amilton Lopes, 
José Barbosa de Almeida “Zezinho”, lideranças que 
se foram antes que pudessem retornar aos seus 
Tekoha.
Ao sempre presente Antonio Brand 
A minha irmã Luciane, que se foi cedo demais.
Aos meus pais Orlando e Maria Lourdes
A minha esposa Rosemary e à minha filha Michellle 
5
AGRADECIMENTOS
Parafraseando Lilia Schwarcz, esta página aparece no início, mas é a última e mais 
difícil,uma vez que inúmeras pessoas contribuiram para que este trabalho cujo início 
termina aqui.
Ao Programa de Pós-graduação em Antropologia da UFGD - PPGANT, por ter 
acolhido minha proposta de pesquisa e pela compreensão no momento de conclusao.
Aos professores do PPGANT Álvaro Banducci Júnior, Andérbio Márcio Silva 
Martins, Antonio Hilário Aguilera Urquiza, Antonio José Guimarães.Brito, Beatriz dos 
Santos Landa,Levi Marques Pereira,Rodrigo Luiz Simas de Aguiar e Simone Becker.
Agradecimento especial ao meu orientador e também professor do PPGANT Jorge 
Eremites de Oliveira pela objtetividade, ensinamento e direcionamento que permitiram o 
término deste trabalho.
A Tonico Benites e Marcos Homero Ferreira Lima pelas preciosas interlocuções.
 Aos companheiros de jornada na defesa dos povos indígenas Anastácio Peralta, 
Teodora Souza, Otoniel Ricardo, Getúlio de Oliveira, Alda Silva, Fernando Terena, 
Oriel Benites, Adélio Rodrigues (in memoriam), José Barbosa de Almeida (in 
memoriam), Amilton Lopes (in memoriam), Spensy Pimentel, Diógenes Cariaga, 
Rubem Thomas de Almeida, Fábio Mura, Alexandra Barbosa da Silva, Antonio Brand 
(in memoriam), Kassiane Moro, Luiza Gabriela Oliveira Meyer,Emerson Kalif Siqueira, 
Egon Heck, Flávio Vicente Machado,Deborah Duprat, Gilda Carvalho, Neimar 
Machado de Sousa, Marcelo Zelic.
Aos meus pais Orlando Delfino da Silva Almeida e Maria Lourdes Silva Almeida 
pela vida,pelos ensinamentos e pelo sempre presente apoio.
6
À minha esposa Rosemary Vasconcellos e à minha filha Michelle Vasconcellos 
pelas ausências, pelo sempre presente amor e carinho e por terem acreditado que um dia 
a Dissertação acaba.
7
 La Maldicion De La Malinche 1
 Del mar los vieron llegar
mis hermanos emplumados,
eran los hombres barbados
de la profecía esperada.
Se oyó la voz del monarca
de que el Dios había llegado
y les abrimos la puerta
por temor a lo ignorado.
(...)
Y en ese error entregamos
la grandeza del pasado,
y en ese error nos quedamos
trescientos años de esclavos.
Se nos quedó el maleficio
de brindar al extranjero
nuestra fé, nuestra cultura,
nuestro pan, nuestro dinero.
Y les seguimos cambiando
oro por cuentas de vidrio
y damos nuestra riqueza
por sus espejos con brillo.
Hoy en pleno siglo XX
nos siguen llegando rubios
y les abrimos la casa
y los llamamos amigos.
Pero si llega cansado
un indio de andar la sierra,
lo humillamos y lo vemos
como extraño por su tierra.
Tú, hipócrita que te muestras
humilde ante el extranjero
pero te vuelves soberbio
con tus hermanos del pueblo.
Tomado de AlbumCancionYLetra.com
Oh, Maldición de Malinche,
enfermedad del presente
¿Cuándo dejarás mi tierra
cuando harás libre a mi gente? 
1OCHOA, Amparo La Maldicion De Malinche. In: La Maldicion De Malinche. Faixa 5. Discos Pueblo, 
1975
8
http://www.albumcancionyletra.com/la-maldicion-de-la-malinche_de_gabino-palomares___254375.aspx
 RESUMO
A Presença Ausente do Estado: é a incapacidade de gerir/controlar os reflexos 
perversos de intervenções estatais na organização social dos Povos Indígenas. A 
Reserva Indígena de Dourados – RID apresenta o segundo maior índice nacional de 
homicídios: 151,0 (cento e cinquenta e um) por cem mil habitantes, cerca de 7(sete) 
vezes a média naciona. Ao longo dos útimos quinhentos inúmeras intervenções foram 
efetuadas: Os deslocamentos forçados do período colonial e imperial, a escravidão, o 
processo de conversão ao cristianismo, a imposição da língua do conquistador, a tutela 
orfanológica, os deslocamentos forçados no século XX e por fim, a tutela estatal. As 
intervenções foram calacadas na aplicação do controle disciplinar, da vigilância e do 
BioPoder (gestão calculista da vida) destinadas a promoção da docilização-utilidade dos 
corpos e a consequente transformação do “selvagem” improdutivo em trabalhador 
nacional.Passados mais de 25 (vinte e cinco) anos da promulgação da Constituição temos a 
lenta transição do regime tutelar ao modelo idealizado pelo legislador constituinte. A 
implementação de políticas públicas etnicamente diferenciadas continua deficiente com a 
continuidade da antiga política calcada no integracionismo e na figura da tutela.. A edição das 
normas constitucionais, especialmente os artigos 215, 216 , 231 e 232, não acarretaram o 
rompimento teórico com a Colonialidade Cosmogônica, do saber e do ser. Ou seja, é 
necessário uma efetiva alteração dos mecanismos de dominação inerentes à uma 
estrutrura que desconsidera a alteridade há séculos e não pode ser “implodida” com uma 
mudança legislativa. Ainda que seja uma nova ordem constitucional. O objeto do 
presente trabalho é a caracterização da sinergia negativa entre o processo de 
deslocamentos forçados, a manutenção dos Povos Indígenas em campos de DeslocadosInternos,o encerramento do regime tutelar e a descentralização da execução das políticas 
indigenistas para os “inimigos mais mortais” dos Povos indígenas: Os governos locais. 
Especificamente, será estudada as dificuldades inerentes à Prestação do Serviço de 
Segurança Pública. As comunidades a serem etnografadas são as localizadas na Terra 
Indígena Dourados pertencentes aos povos indígenas Ava-Kaiowá, Ava-Guarani e 
Terena.
Palavras-Chave: Ava-Guarani, Ava-Kaiowá, Terena, Colonialidade, Colonialimo 
Interno, Politicas Publicas, Povos Indígenas, Controle Disciplinar, Deslocamentos 
9
Forçados, Serviço de Proteção ao Índio, Dawes Act, Indianidade, Violência, Segurança 
Pública.
ABSTRACT
The Absent Presence of the State: it is the inability to manage / control the perverse 
consequences of state interventions in the social organization of Indigenous Peoples. 
The Indigenous Reserve of Dourados - RID has the second highest national homicide 
rate: 151.0 (one hundred fifty-one) per hundred thousand inhabitants, about seven (7) 
times the nationality average. Over the five hundred útimos numerous interventions 
were performed: The forced displacement of colonial and imperial period, slavery, the 
process of conversion to Christianity, the imposition of the language of the conqueror, a 
guardianship of orphans, forced displacement in the twentieth century and finally, state 
guardianship. The interventions were gleaned from the application of disciplinary 
control, surveillance and biopower (calculating life management) aimed at promoting 
docilization-utility bodies and the consequent transformation of the unproductive “wild" 
in nacional worker. After more than 25 (twenty five) years after the promulgation of the 
Constitution we have the slow transition of the tutelary regime the model devised by 
constitutional legislator. The implementation of ethnically differentiated public policies 
remains weak with the continuation of the former were grounded in integrationism and 
State guardianship . The issue of constitutional provisions, especially Articles 215, 216, 
231 and 232 did not cause the theoretical break with the Cosmogony, oknowing and 
being Colonialities. Effective changes in the mechanisms of domination inherent in a 
structure that ignores the alterity for centuries and can not be "imploded" a legislative 
change that is needed. Although it is a new constitutional order. The object of this work 
is the characterization of the negative synergy between the process of forced 
displacement, the maintenance of Indigenous Peoples in IDP camps, the closure of the 
tutelary regime and the decentralization of the implementation of indigenous policies for 
the "deadliest enemies" of indigenous people: local governments. Specifically, the 
difficulties inherent in the provision of the Public Safety will be studied. Communities 
to be studied are located in Dourados Indigenous Land belonging to indigenous peoples 
Kaiowá Ava, Ava-Guarani and Terena. 
10
Keywords: Ava-Guarani-Kaiowá Ava, Terena, Coloniality, Colonialimo Internal, 
Public Policy, Indigenous Peoples, Disciplinary Control, Forced Displacement, 
Protection Service Indian, Dawes Act, Indianness, Violence, Public Security Policy
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 – Reserva Indígena de Dourados …..........................................98
Imagem 2 - Terena e Kaiowá incorporados como trabalhadores na 
construção da linha de telégrafos de Ponta Porã. ….................................111
Imagem 3 - Familiares e amigos da pessoa assasinada manifestaram sua 
revolta durante velório...............................................................................114
Imagem 4 – Igreja Pentecostal na TI Bororo …........................................119
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Número de ocorrências criminais na Reserva Indígena de 
Dourados (Fonte: Polícia Civil – MS)....................................................... 19
Tabela 2 - Número de mortes violentas na Reserva Indígena de Dourados 
(Fonte: SESAI- MS)........................................................................................21
Tabela 3 - Número de ocorrências criminais na Reserva Indígena de 
Dourados (Fonte: Polícia Civil – MS)...................................................... 
140
Tabela 4 - Número de mortes violentas na Reserva Indígena de Dourados 
(Fonte: SESAI- MS)......................................................................................141.
12
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AGU – Advocacia Geral da União 
BSB – Brasília 
CAC – Compromisso de Ajustamento de Conduta 
CAI/ABA – Comissão de Assuntos Indígenas / Associação Brasileira de Antropologia 
CAND – Colônia Agrícola Nacional de Dourados 
CF – Constituição Federal 
CGID – Coordenação Geral de Identificação e Delimitação / Fundação Nacional do 
Índio 
CNJ – Conselho Nacional de Justiça 
CP – Código Penal 
CPC – Código de Processo Civil 
CTL – Coordenação Técnica Local / Fundação Nacional do Índio 
DAF – Diretoria de Assuntos Fundiários / Fundação Nacional do Índio 
FUNAI – Fundação Nacional do Índio 
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde 
GT – Grupo Técnico 
Ha - Hectare 
IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis 
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade 
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária 
IPL – Inquérito Policial 
I. R. 5 – 5ª Inspetoria Regional / Serviço de Proteção ao Índio 
ISA – Instituto Socioambiental 
MAIC - Ministério da Agricultura. Indústria e Comércio
MEMO – Memorando 
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome 
MJ – Ministério da Justiça 
13
MPF – Ministério Público Federal 
NEPPI – Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas / Universidade 
Católica Dom Bosco 
OIT – Organização Internacional do Trabalho 
ONG – Organização Não Governamental 
PF – Polícia Federal 
PI – Posto Indígena 
PKN – Projeto Kaiowa-Ñandeva 
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil 
PPTAL – Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia 
Legal 
PRES – Presidência / Fundação Nacional do Índio 
RMAIC – Relatório do Ministério da Agricultura. Indústria e Comércio
RV – Reverendo 
RCID – Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação 
SESAI – Secretaria Especial de Saúde Indígena 
SIASI – Sistema de Informações sobre Atenção à Saúde Indígena 
SPI – Serviço de Proteção ao Índio 
SPU – Serviço de Patrimônio da União 
SPU – Secretaria do Patrimônio da União 
SRI – Secretaria de Relações Institucionais 
STF – Supremo Tribunal Federal 
TAC – Termo de Ajustamento de Conduta 
TI – Terra Indígena 
14
SUMÁRIO 
RESUMO...........................................................................................................................9 
ABSTRACT.....................................................................................................................10
LISTA DE IMAGENS.....................................................................................................11
LISTA DE TABELAS.....................................................................................................12 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS......................................................................13 
INTRODUÇÃO...............................................................................................................17 
1. OBSTÁCULOS E PRESSUPOSTOS À REALIZAÇÃO DO ESTUDO...................24
1.1. Índios e Indianidade..................................................................................................24
1.2. Confinamento, Áreas de Acomodação e Territorialização Precária (Deslocamentos 
Forçados Internos)............................................................................................................291.3. Colonialismo. Colonialidade. Colinialismo Interno. Welfare Colonialism. Pesquisa 
“ Através dos olhos imperiais”.......................................................................................44
1.4 Ciências Humanas e Neutralidade.............................................................................50
1.5 Situação Histórica.Situação Etnográfica...................................................................55
2. OS POVOS INDÍGENAS E O REGIME TUTELAR................................................58
2.1. A legislação Colonial e a tutela orfanológica...........................................................58
2.2. Da tutela orfanológica à tutela do Estado.................................................................67
2.3. A tutela indígena: Poder Disciplinar e a normalização dos corpos. O Paradoxo da 
Tutela...............................................................................................................................69
2.4. A Constituição de 1988 : Rumo à Interculturalidade?............................................73.
3. RESERVA INDÍGENA DE DOURADOS : BORORO/JAGUAPIRU........................81
3.1 O nascimento da Reserva..............................................................................................82.
3.2 Poder Administrativo: Pacificação Interna................................................................92
3.3 A Grande Cerca Da Paz: A Reserva Indígena De 
Dourados.........................................................................................................................99
3.3.1 A Reserva Indígena de Dourados..........................................................................99
3.3.2 Os Ava-Kaiowá e os Ava-Guarani........................................................................100
3.3.3 Os Terena..............................................................................................................109
3.3.4 Os Órgãos Indigenistas e a Reserva.....................................................................113
15
3.3.5. Os Missionários e a Reserva.............................................................................. 114
4. A PRESENÇA AUSENTE DO ESTADO: POVOS INDÍGENAS E VIOLÊNCIA 
.......................…..........................................................................................121
4.1. A Reseva Indígena de Dourados e a Violência: Aspectos Históricos 
…....................................................................................................................................122
4.1.1 A Changa 
…............................................................................................................ .123.
4.1.2 A violência Interna..............................................................................................126
4.1.3 O Capitão............................................................................................................132
4.1.4 A Polícia Indígena ................................................................................137
4.2 Os Inimigos mais mortais.......................................................................................139
4.3 Conclusão:Olhos Imperiais e os Inimigos mais 
Mortais..........................................................................................................................145
Referências...................................................................................................................150
Anexos..........................................................................................................................166
16
INTRODUÇÃO
 Este texto visa abordar o quadro de elevados índices de violência23, 
criminalmente capitulada45,especialmente homicídios, nas terras indígenas Jaguapiru e 
Bororo localizadas na cidade de Dourados/Itaporã-MS, igualmente denominada Reserva 
Indígena de Dourados ou, ainda, Posto Indígena Francisco Horta. A abordagem se fará à 
2“Empregar a linguagem cotidiana na análise sociológica implica o risco de distorcer os processos sociaia 
que se pretende estudar. Em primeiro lugar, os termos da linguagem cotidiana são empregados por 
indivíduos específicos em situações determinadas. (…) Para os antropólogos, ao declarar o estudo da 
violência há a exposição a este perigo. As ações sociais realizadas em outras sociedades bem como as 
representações coletivas (mitologia, estética, etc) podem ser consideradas violentas para as pessoas 
inglesas comuns” . RICHES, David. El Fenomeno de la Violencia. Ciencia Hoy, Piramide, 1988. p.15.
3 O conceito de violência é multifacetado porque existem muitas formas de violência que são exibidas em 
uma ampla gama de contextos.Podemos distinguir, por exemplo, “violência juvenil”, “violênca derivada 
de gangues”, “violência nas escolas”, “violência nas ruas”, “violência de adolescentes”, “violência nas 
relações”, “violência no ambiente familiar”, “violência doméstica”, “violência no ambiente de trabalho”, 
“violência corporativa”(Punch, 2000), “violência urbana”, “violência interpessoal”, “violência aleatória”, 
“violência racial”, “violência midiática”, “violência mimética”, “violência sistêmica”, “violência 
simbólica”, “violência estrutural” e mesmo “violência apocalíptica”(Hamm, 2004). A violência pode ser 
física (“agressão”, “ameaça” ou “abuso”) mas pode ser igualmente verbal (“bullying”, “humilhação” ou 
“intimidação”) (…) Em vez de ou em adição à violência física, a violência pode ter consequências 
mentais (psicológicas), sociais ou materiais e não parece não existir relacionamento entre a aparente 
severidade do ato violento e o seu impacto na vítima. A violência é um produto socialmente construído 
porque “quem” e “o que”é considerado violência varia de acordo com especificidades históricas e sócio-
culturais.
Enquanto juristas podem exigir definicões minudentes para punicão de determinados atos, o fenõmeno da 
violência é muito mais complexo no meio social. Não apenas as visões sobre violência diferem, mas 
igualmente as emoções correspondentes a violência física mudam conforme as mudanças sociais e 
culturais. (…) Por exemplo, em alguns casos, a agressão verbal pode ser mais contundente que um ataque 
físico”Violence is multifaceted because there are many different forms of violence,which are exhibited in 
a wide range of contexts. It may, for example, bedistinguished in ‘youth violence’, ‘gang violence’, 
‘school violence’, ‘street violence’,‘teen violence’, ‘datingviolence’,‘intimate violence’, ‘domestic 
violence’,‘workplace violence’, ‘suite violence’ (Punch, 2000),‘urbanviolence’, ‘interpersonalviolence’, 
‘random violence’, ‘racist violence’, ‘media violence’, ‘mimeticviolence’, ‘systemic violence’, ‘symbolic 
violence’, ‘structural violence’ or even“apocalyptic violence’ (Hamm, 2004).Violence can be physical 
(‘aggression’,‘abuse’ or ‘assault’), but it can also beverbal(‘bullying’,‘humiliation’or‘intimidation’). (...) 
Instead of or in addition to physicalinjury; violence can have mental (‘psychological’), social and/or 
material consequencesand there is seems no simple relationship between the apparentseverity of a violent 
act and the impact it has upon the victim.Violence is socially constructed because who and what is 
considered asviolent varies according to specific socio-cultural and historical conditions.While legal 
scholars may require narrow definitions for punishable acts, thephenomenon of violence is invariably 
more complex in social reality. Not onlydo views about violence differ, but feelings regarding physical 
violence also change under the influence of social and cultural developments. (...). Forexample, in some 
cases, verbal aggression may prove to be more debilitating than physical attack. (HAAN, WillemViolence 
as an Essentially Contested Concept In BODY-GENDROT, Sophie, SPIERENBURG,Pieter Violence in 
Europe Historical and Contemporary Perspectives, 2009. p.28-29).
4Não será adotado a definição de RICHES que estabelece violência como “um ato de dano físico que o 
executor considera legítimo e é considerado pelos demais(ou algumas) testemunhas como ilegítima.
(RICHES, David. El Fenomeno de la Violencia. Ciencia Hoy, Piramide, 1988. p.24). 
5Mediante a exposição deste conceito não serão abordados os casos de violência cometida por feitiçaria 
17
luz do relacionamento entre o órgão oficial de assistência, o Serviço de Proteção aos 
Índios até 1967 e, posteriormente, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e os Ava-
Kaiowá, Ava-Guarani e os Terena. Povos classificados como indígenas e nominados 
como Kaiowá, Guarani-Ñandeva e Terena pelos organismos oficiais, pesquisadores e, 
atualmente, por seus próprios integrantes, especialmente nas relacões externas.6
Importante ressaltar do ponto de vista metodológico que o conceito de violência 
empregado no presente trabalho não se trata de um conceito ético mas, igualmente, uma 
categoria êmica7. Nas conversas realizadas com os representantes da comunidade o 
assunto permeia, de forma transversal ou direta, as conversas sobre os mais diversos 
temas efetuadas, de forma frequente, ao longo de seis anos.8Cabe apontar que a minha 
bem como os suicídios. Importante salientar que do ponto vista eminentemente criminal haveria a 
possibilidade de enquadramento por meio do dispositivo previsto no artigo 122 do Código Penal 
(Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio) das ações de feitiço apontadas pelos indígenas como 
causadoras dos suicídios. Desnecessário apontar, em um sistema de produção de provas eurocentrado, as 
dificuldades ou impossibilidades de instrução processual. “ Umn número significativo de informantes 
manifestou a convicção de que os suicídios são provocados por força da prática de feitiço. Osvaldo 
Batista é categórico. Alguém se suicidar 'não é natural, tem dono'(12.2). O mesmo informante afirma que 
descobriram o autor do feitiço. Então 'nós pegamos. Prendemos, batalhamos pra prendermos e castigar ele 
. Transferimos (para o Paraguai)' e conclui que depois disto não teve mais suicídio em Takuaperi(12:1). 
No entanto, consta, que naquela aldeia , em 11 de julho de 1995, morreu enforcada a jovem de 17 anos, 
Maria Erizema Vera, quatro meses após a gravação deste relato. Nelson Consciança, capitão de 
Panambizinho, ao ser inquirido sobre as causas do suicídio, afirmou: 'tem matador entre nós aqui. Este 
que mata através do suicídio'. Segundo ele 'hoje se mata com faca a polícia e a Funai vem. Se mata por 
suicídio não acontece nada”. BRAND, Antonio. O Impacto da Perda da Terra sobre a tradição 
Kaiowá/Guarani: Os difíceis caminhos da Palavra. Tese de Doutorado, Porto Alegre, PUC/RS, 
1997.p.188.
6Os conceitos “índios” e “populações indígenas” serão abordados no próximo capítulo. O pressuposto 
teórico a ser explicitado, aponta a indissociabilidade entre referidos conceitos e a herança colonialista. 
Como exposto por Marbury- Lewis: “ Constitui uma das muitas ironias da experiência americana a 
criação da categoria “Índios” pelos invasores. Categoria imposta aos habitantes do novo mundoe quem 
tentado ser abolida desde então. It is one of the many ironies of the American experience that the invaders 
created the category of Indians, imposed it on the inhabitants of the New World, and have been trying to 
abolish it ever since. - Maybury-Lewis, David Apud FORTE, Maximilian C. Who is an indian ? Race, 
place and the politics of indigeneity in the Americas.University of Toronto Press, Canada. p.5. No 
entanto, é forçoso igualmente apontar duas importantes considerações: a) a ressignificação do conceito 
pelas populações originárias sob o ponto de vista de afirmação de identidade e consequente 
estabelecimento de clivagem necessária à obtenção dos direitos constitucionalmente estabelecidos; b) A 
incorporação do conceito em importantes instrumentos internacionais (Convenção 169 da OIT, 
Declaração dos Povos Indígenas) e na própria Constituição Federal, que contém expressamente os termos 
“índios” e “populações indígenas”.
7Como será explicitado ao longo do trabalho as agressões físicas efetuadas pelos próprios indígenas em 
relação aos responsáveis pelos delitos criminais são socialmente toleradas. As agressões domésticas, em 
número expressivo, não são objeto de relatos, em um universo de lideranças majoritariamente masculino.
8No momento a gente tá vendo que a violência tá virando...., muito terrível para nós, para nossa 
comunidade, porque o que eu tô achando é...nosso patrício Kaiowá e Guarani tá morrendo, é assassinado, 
é matado, a facão... e ninguém tá indo preso, e a gente fica preocupado com isso, parece que tá virando 
moda isso aí para a nossa comunidade (ARÉVALO, Luciano: depoimento [19 jan. 2011]. Entrevistador: 
Marcos Homero Ferreira Lima Dourados, 2011. Arquivo de áudio digital. Entrevista concedida no âmbito 
18
relação com a comunidade indígena se iniciou por meio de contato profissional na 
qualidade de membro do Ministério Público Federal responsável, na cidade de 
Dourados-MS, pelo ofício de índios e minorias. Ao longo deste período, iniciado em 
julho/2008, participei de diversas reuniões sobre temas diversos como, saúde, 
agricultura, desenvolvimen comunitário, segurança, educação escolar indígena, 
demarcação de terras, consultas sobre realização de obras e/ou projetos, etc. Em todas 
estas oportunidades as manifestações sobre violência preencheram as falas. Por 
exemplo, as falas sobre postos de saúde sempre contêm referências à depredação das 
janelas e eventual furto de medicamentos e outros objetos, em prejuízo da comunidade. 
Na educação escolar, as falas sobre o assédio de traficantes às crianças e adolescentes 
indígenas são igualmente frequentes.
Com o intuito de buscar soluções para o tema, o colega que me antecedeu, Charles 
Stevan da Mota Pessoa, instaurou o Procedimento Administativo nº 
1.21.001.000355/2006-15, em 19 de dezembro de 2006. O procedimento foi 
posteriomente convertido em Inquérito Civil Público em 25/05/2011. O procedimento 
administativo/Inquérito Civil Público , no âmbito do Ministério Pùblico Federal, visa 
empreender investigações sobre determinado assunto com a consequente proposição de 
soluções. Em face da complexidade do tema houve a proposição de diversas soluções 
implementadas ou não, com a juntada de diversos documentos. Documentos estes que 
representarão importante suporte à pesquisa ao lado de outras fontes documentais e 
registros derivados de contatos com integrantes da comunidade.
Um dos últimos documentos juntados ao procedimento em apreço apresenta os 
dados de violência coletados entre 1/1/2011 e 31/12/2013. Os números apresentados 
em uma primeira análise impactam pela expressividade e consequente 
proporcionalidade em face da população. No entanto,como veremos posteriomente, em 
face de diferenças metodológicas há sensíveis diferencças entre estes dados e os dados 
de violência derivados do Sistema de Saúde:9
da colheita de elementos para a confecção da petição inicial da Ação Civil Pública 0001049-
10.2011.4.03.6002. – minuto 1m10s )
9 Polícia Civil de Dourados/MS. MPF. Inquérito Civil Público nº 1.21.001.000355/2006-15
19
Ameaça 89
Estupro 37
Estupro na forma tentada 8
Furto 36
Homicídio 25
Homicídio na forma tentada 21
Lesão corporal culposa no trânsito 7
Lesão corporal dolosa 219
Posse e porte de arma de fogo 5
Roubo 17
Vias de fato 76
Violência Doméstica 199
Tabela 1: Número de ocorrências criminais na Reserva Indígena de Dourados 
(Fonte: Polícia Civil - MS)
Dados populacionais do IBGE10 apontam a presença indígenade 5.095 indígenas 
em Itaporã-MS e 6.830 indígenas no município de Dourados-MS, no ano de 2010. Em 
uma hipotese mais conservadora teríamos a concentração de todos os indígenas na terra 
indígena de Dourados com uma população total de 11.925 pessoas. Neste cenário 
populacional teríamos aproximadamente 8 homicídios anuais e a taxa consequente de 
67(sessenta e sete) homicídios por 100.000 habitantes. Aproximadamente 7 (sete)vezes 
superior ao dado de alerta da Organização Mundial de Saúde e cerca de 3,5 (tres e meio) 
vezes superior a média brasileira.11 No entantro, se utilizarmos os dados fornecidos pelo 
Pólo Base de Dourados DSEI/SESAI-MS teríamos um total de 54 homicídios 
classificados como agressão/morte violenta conforme tabela abaixo.Os dados coletados 
10 IBGE. Os indígenas no Censo Demográfico de 2010. Primeiras considerações com base no quesito 
cor ou raça.Disponível em indígenas.ibge.gov.br. Acesso em 15/09/2014.p.24
11 A média é de 29,0 homicídios por 100.000 habitantes..Fonte Sistema de Informações sobre 
mortalidade. Disponível em tabnet.datasus.org. Acesso em 15/09/2014.
20
referem-se ao mesmo período e especificam as causas das mortes (1/01/2011 a 
31/12/2013)12:
Causa mortis 2011 2012 2013 Total
Agressão/morte 
violenta 
16 21 17 54
Suicídio 12 10 10 32
Acidente de trânsito 7 8 6 21
Tabela 2: Número de mortes violentas na Reserva Indígena de Dourados (Fonte: 
SESAI- MS)
Estes dados apresentam maior similitude com os dados da Mapa da Violência 
2014. Conforme estes dados, a cidade de Dourados se encontra no rol das cidades com 
maior índice de violência contra a população negra no Brasil. Nos anos de 2011 e 
201213, o mapa aponta a ocorrência de 58(cinquenta e oito) e 59(cinquenta e nove) 
homicídios respectivamente. Obviamente, trata-se de uma falácia estatística: derivada 
da englobação das categorias parda e negra para construção da categoria negra. Os 
indígenas, majoritariamente incluídos na categoria parda, contribuem, para a construção 
do elevados índice de violência contra a população negra. 
Os dados apresentados pela SESAI acarretam duas importantes leituras. A primeira 
atinente ao índice de violência. Com os dados do órgão de saúde temos um índice de 
violência que equivale a 151,0 por cem mil habitantes. Equivalente a 5,5(cinco e meio) 
vezes a média do estado de Mato Grosso do Sul14 e doze veze a média de homicídios da 
população classificada como branca.15 Estes dados colocariam a terra indígena de 
Dourados como segundo espaço populacional mais violento do Brasil, atrás apenas do 
12 Pólo Base de Dourados/DSEI/SESAI-MS.MPF. Inquérito Civil Público nº 1.21.001.000355/2006-15
13 Waiseflitz, Julio Jacobo . Mapa da Violência 2014 – Os Jovens do Brasil. Disponível em : 
2http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil_Preliminar.pdf. Acesso em 
20/09/2014. p.152
14 A média do estado de Mato Grosso do Sul é de 27,1 (vinte e sete vírgula um) por cem mil habitantes. 
Idem, Ibidem. p.102.
15 A média da cidade de Dourados, para a população branca, é de 12,4 (doze vírgula quatro) por cem mil 
habitantes.Idem, Ibidem. p.152.
21
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil_Preliminar.pdf
município de Caracaraí, no estado de RR.16. O segundo aspecto que surge dos dados é o 
recrudescimento dos números em relação aos anos anteriores. Entre os anos de 200) e 
2007 houve 73(setenta e três) homicídios, uma média aproximada de 9(nove) 
homicídios por ano Aproximadamente a metade dos números atualmente existentes. Ou 
seja, podemos apontar que, em um período de dez anos os índices de violência foram 
acrescidos em 100% (cem por cento).
Os documentos históricos apontam que registros de violência acompanham a 
comunidade des de a implantação da reserva.Creio que, no entanto, cabe perquirir qual a 
correlação, se existente, entre a atuação do órgão oficial de assistência, o Serviço de 
Proteção aos Índios até 1967 e,posteriormente, a Fundação Nacional do Índio(Funai) e 
os Ava-Kaiowá, Ava-Guarani e os Terena. Através da análise da atuação protecionista do 
Estado Brasileiro serão buscadas eventuais correlações entre o controle disciplinar 
efetuado nos povos em apreço pelos agentes públicos e os níveis atuais de violência. Os 
documentos abaixo juntados, à guisa de introdução, apresentam dois importantes pontos 
que serão abordados no presente trabalho : a interferência nas estruturas sociais dos 
povos indígenas pela nomeação dos denominados “capitães” e pelas punições efetuadas 
pelos agentes administativos do SPI/Funai. O primeiro retrata a Portaria de nomeação 
do Capitão com a conferência de plenos poderes para efetuação de prisões no seio da 
terra indígena. Esta prática trará reflexos até o dia de hoje, como exposto por 
CAVALCANTE 17. Note-se que a formalização não se efetivava no nível do chefe de 
Posto e sim no nível da Inspetoria Regional localizada em Campo Grande o que 
comprova a a natureza oficial dessa prática:18
16 A média do município de Caracaraí é de 210,3 (duzentos e dez vírgula três) por cem mil habitantes 
17Os resquícios do papel que o órgão indigenista oficial exerceu como definidor de lideranças têm sido 
constantemente observados em minha prática indigenista. Desde que ingressei no órgão indigenista, 
frequentemente participo de mediações de conflitos entre lideranças indígenas. Nessas ocasiões, percebo 
que as lideranças esperam que atuemos como uma espécie de juiz, que digamos quem está certo e, 
portanto, quem tem legitimidade para exercer a liderança em determinada aldeia. Quando lhes digo que a 
FUNAI não exerce mais o papel de definidor de lideranças e que estamos ali apenas para acompanhar o 
processo interno de negociações, são notáveis as reações de descontentamento. São frequentes, inclusive, 
as exclamações do tipo “hoje o doutor tem que resolver isso, se não ninguém sai daqui”. CAVALCANTE, 
Thiago Leandro Vieira. Colonialismo, Território e Territorialidade: a luta pela terra dos Guarani e Kaiowa 
em Mato Grosso do Sul. Tese(Doutorado em História)- Universidade Estadual Paulista, Faculdade de 
Ciências e Letras, Assis, 2013.p..150.
18MPF. Ministério Público Federal. Microfilme n°007_0049. Cópia digital de microfilmes do Museu do 
Índio – Rio de Janeiro – RJ.(Arquivo da Procuradoria da República no Município de Dourados-MS).
22
 PORTARIA DE NOMEAÇÃO
 Nesta data nomeio o índio JOÃO FERNANDES, como 
Capitão dos Índios do Posto Indigena “Francisco Horta”, afim de ajudar o Encarregado do 
Posto a manter a ordem, fiscalisar (sic) os limites de suas terras, proibir os índios a usarem 
a bebida alcoolica (sic) nas festas, prender quem quer que seja, estando abusando as 
ordens dadas, quer seja indio (sic) ou civilizado, não permitir o uso de armas de fogo e 
branca nas festas e bailes.
 Campo Grande, 29 de Abril de 1953
 ____________________________________
 Iridiano Acarinho de Oliveira
 Chefe da I.R.5
Outro exemplo da interferência estatal na organização social é a retirada das 
sanções do seio da organização social com o consequente “monopólio do direito de 
punir” pelo órgão estatal conforme explicitado nete relatório de 1946. O monopólio da 
punição e, especialmente a sua eficácia perante a comunidade, uma vez que consistiam, 
via de regra, de punições aplicadas sem a observância de qualquer rito previamente 
estabelecido e podiam consistir na remoção do “ infrator” para outrosm Posto do 
Serviçode Proteção do Índio. A ausência deste poder punitivo e sua consequente 
remesssa para instâncias que atuam de forma deficiente na comunidade representará um 
dos principais pontos relatados pelos integrantes da comunidade ao discorrerem sobre 
violência.19
MINISTERIO DA AGRICULTURA SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS INDIOS 
POSTO INDIGINA (sic) DE FRANCISCO HORTA, 5 de Novembro de 1946.
 _____________________________
 AVISO MENSAL DE OUTUBRO
 _____________________________
(...)
DISSIPLINA (sic) NO POSTO. Foram disciplinados os indios (sic),RAMÃO 
SILVA,MASSIMO MARTIN (sic) BARTOLINO, e PILINOHO por terem feito uma 
bebedeira e andarem esbordoando una aos outras fazendo sangue , (sic) sendo eles detidos 
no posto e obrigados a trabalhar seis dias para o mesmo posto. Foi tambem (sic) 
disciplinado o indio LAZARO (sic) SILVA POR ter roubado dos seus companheiros de 
rancho,um facão (sic) e uma camisa feita.
19MPF. Ministério Público Federal. Microfilme n°006_02002. Cópia digital de microfilmes do Museu do 
Índio – Rio de Janeiro – RJ.(Arquivo da Procuradoria da República no Município de Dourados-MS).
23
 A aplicação da disciplina e da vigilância visa a obtenção da docilização dos 
corpos “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser 
transformado e aperfeiçoado.”20 Claro o objetivo de “aperfeiçoar” o “selvagem” indígena 
em direção à civilização.Corpos dóceis que produzam, que sejam úteis, que tenham 
bons hábitos, autômatos a serem utilizados conforme as conveniências do poder 
colonial. Mão de obra barata, eficiente e que não se insurge contra “ (...)a sua 
civilisação” para que eles possam “ reduzil-os a aldeiar-se, e gosarem dos bens 
permanentes de uma sociedade pacifica e doce, debaixo das justas e humanas leis que 
regem os meus povos.”21
A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A 
disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui 
essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela 
dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” 
que elaprocura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia 
resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica 
separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece 
no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação 
acentuada.22
 
Ora, este discurso pertence ao passado!!! Houve o rompimento do paradigma 
assimilacionista e nos tornamos no alvorecer do dia 06 de outubro de 1988 (dia 
seguinte à promulgação da Constituição), uma sociedade que respeita a sua ampla 
diversidade étnica e cultural. Cremos que não. Passados mais de 25 (vinte e cinco) anos 
da promulgação da Constituição temos a lenta transição do regime tutelar ao modelo 
idealizado pelo legislador constituinte. A implementação de políticas públicas 
etnicamente diferenciadas continua deficiente com a continuidade da antiga política 
calcada no integracionismo e na figura da tutela.. A edição das normas constitucionais, 
especialmente os artigos 215, 216 , 231 e 232, não acarretaram o rompimento teórico 
com a colonialidade do saber compreendido como “(...)o posicionamento do 
eurocentrismo como ordem exclusiva da razão, conhecimento e pensamento, a que 
descarta e desqualifica a existência e viabilidade de outras racionalidades epistémicas 
20 Idem, Ibidem, p.118.
21(Carta Régia de 13/11/1808). Disponivel em www.planalto.gov.br
22 Idem, Ibidem. p.119.
24
e outros conhecimentos (...)” que não derivem do Ocidente 23, da Colonialidade do ser, 
compreendido como “(...) que se exerce por meio da inferiorização,subalternização e 
desumanização: o que Frantz Fanon referiu-se como o trato da “não existência”(....)”24 
e por fim,da colonialidade cosmogônica entendida como “(...).A que encontra sua base 
na divisão binária natureza/sociedade, descartando o mágico-espiritual-social, a relação 
milenar entre mundos bio-físicos, humanos e espirituais – incluindo dos ancestrais, 
espíritos,deuses, e orixás (…)”25. Ou seja, é necessário uma efetiva alteração dos 
mecanismos de dominação inerentes à uma estrutrura que desconsidera a alteridade há 
séculos e não pode ser “implodida” com uma mudança legislativa. Ainda que seja uma 
nova ordem constitucional. 
 O objeto do presente trabalho é a confirmação de uma hipotética sinergia negativa 
entre a manutenção de um campo de deslocados internos, o encerramento do regime 
tutelar e a descentralização da execução das políticas indigenistas. Esta hipotética 
conjunção ocorreria de forma mais detalhada com as seguintes premissas: a) O processo 
de formação do campo de deslocados internos, acarretou em face do acréscimo 
populacional o esgotamento dos recursos naturais e consequentes profundas alterações 
na organização social dos Povos Indígenas b) Inadequada transição da execução 
centralizada da política indigenista pelo órgão tutelar para um modelo com diversos 
órgãos de execução. 
A organização do presente trabalho se apresentará em quatro capítulos. O 
primeiro capítulo intitulado “Obstáculos e pressupostos à realização do estudo” 
abordará as discussões teóricas com a consequente exposição dos conceitos que serão 
utilizados nos capitulos seguintes. Conceitos de índio, indianidade, indigenismo, 
indianismo serão abordados juntamente com os dilemas inerentes ao distanciamento do 
pesquisador em relação ao objeto de pesquisa com as consequentes tensões éticas 
envolvidas. Outros conceitos fundamentais como Análise situacional, Situação histórica, 
situação etnográfica, colonialismo interno, colonialidade, Controle disciplinar, Bio 
Poder e governamentalidade. Por fim, a abordagem da situação da reserva indígena à luz 
23WALSH, Catherine.Interculturalidade e (des) colonialidade.Perspectivas críticas e políticas.Tema 
preparado para o XII Congresso ARIC, Florianópolis, Brasil, 29 de Junho de 2009.p.9
24 Idem, Ibidem. p.10
25 Idem, Ibidem.p.10
25
dos conceitos de confinamento , área de acomodação e campo de abrigo de deslocados 
internos.
O segundo capítulo denominado “Os Povos Indígenas e a Legislação 
Indigenista” abordará o processo histórico de territorialização empreendido pelas 
legislações colonial, imperial e republicana destinada a promover o contrle disciplinar 
das populações indígenas e a sua consequente docilização e normalização, 
especialmente, para atuarem como mão de obra nos projetos agrícolas de 
desenvolvimento. A evolução histórica da escravidão, para a tutela orfanológica, desta 
para a tutela do órgaão indigenista e, por fim, para um suposto estado pluriétnico com a 
suposta implementação de políticas públicas específicas para os Povos Indígenas serão 
abordados.
O terceiro capítulo denominado “ Processo de Territorialização na Reserva 
Indígena de Dourados abordará o ''nascimento” da Reserva à luz dos processos de 
remoção/acomodação dos Ava-Kaiowá, Ava-Guarani e os Terena com a apresentação do 
histórico de “esparramo” dessas populações e a consequente concentração em 
Dourados. A atuação do órgão indigenista na sua gestão será igualmente apresentada
Por derradeiro, apresentaremos o quarto capítulo “Políticas Públicas e Povos 
Indígenas: A gestão da segurança públicana Reserva Indígena de Dourados” com a 
apresentação do controle disciplinar e punitivo implementado pelo òrgão indigenista 
com o estabelecimento do denominado “Capitão” e sua “Polícia do Posto”, com as 
consequencias positivas e negativas para os números extremamente elevados de 
homicídios na comunidade indígena.
26
 1
 OBSTÁCULOS E PRESSUPOSTOS À REALIZAÇÃO DO ESTUDO
1.1. Índios e Indianidade
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, a cúpula do poder na FUNAI, da qual 
participavam militares de alta patente, debateu em várias ocasiões o grau de mudanças 
culturais que poderiam considerar aceitáveis para reconhecer determinados indivíduos ou 
grupos como indígenas. No ano de 1978, o ministro do interior, Rangel Reis, anunciava a 
intenção de enviar ao Congresso um anteprojeto de lei prevendo a emancipação de vários 
grupos indígenas considerados por ele “aculturados”. No dia 27 de dezembro de 1976, 
Reis havia declarado:
“Vamos procurar cumprir as metas fixadas pelo presidente Geisel, para que através de um 
trabalho concentrado entre vários Ministérios, daqui a 10 anos possamos reduzir para 20 
mil os 220 mil índios existentes no Brasil e daqui a 30 anos, todos eles estarem 
devidamente integrados na sociedade nacional(REIS apud COMISSÃO PRÓ-INDIO, 
1979, p. 11)”26
“ Quando eles saíram dos barcos, eles não nos reconheceram. Eles disseram: “Quem são 
vocês? E nós respondemos: “Nós somos o Povo, nós os seres humanos”, e eles retrucara: 
“Oh, índios”, porque não reconheceram o que representa ser um ser humano. “Eu sou um 
ser humano, este é o nome de minha tribo, este é o nome do meu povo, mas eu sou um ser 
humano'. Mas a mentalidade predatória surge e começa a nos denominar como 
'índios”como uma forma de cometer genocídio ao utilizar o termo como veículo para 
apagar a lembrança de ser um ser humano...Mesmo em nossas comunidades, quantos 
estão lutando para proteger a identidade de ser um índio. Seiscentos anos atrás esta palavra 
“Índio”, nunca havia sido pronunciada neste hemisfério – Este som “Índio”, este ruído, 
nunca foi feito!!!Nunca. Estamos tentando protegê-la como nossa identidade , veja, isto 
afeta todos nós27
Cristóbal Colón vivió y murió en la ignorancia absoluta acerca del Nuevo Mundo que 
había descubierto. Colón tenía convicción y fe de haber llegado por el Océano Atlántico al 
26MAURO, Victor Ferri.Etnogênses e reelaboração da cultura entre os krahô-canela e outros povos 
indígenas. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 37-94, jan./jun. 2013. p. 45-46.
27"We're the People, we're the Human Beings," and they said: "Oh Indians," because they didn't recognize 
what it meant to be a human being. "I'm a Human Being, this is the name of my tribe, this is the name of 
my people, but I'm a human being." But the predatory mentality shows up and starts calling us "Indians" 
and committing genocide against us as a vehicle of erasing the memory of being a human being...Even in 
our own communities, how many of us are fighting to protect our identity of being an Indian, and 600 
years ago that word, "Indian," that sound was never made in this hemisphere - that sound ["Indian"], that 
noise, was never ever made! Ever. We're trying to protect that as an identity, see, so it affects all of us. - 
TRUDELL, John Apud FORTE, Maximilian C. Who is an indian ? Race, place and the politics of 
indigeneity in the Americas.University of Toronto Press, Canada..2013.p.4
27
Asia, concretamente a la india. A causa de esta ignorancia los habitantes del nuevo 
Mundo, fuimos bautizados con el nombre de INDIOS.Para Colón el Nuevo Continente era 
la INDIA, y sus habitantes, los INDIOS. Américo Vespucio es quien llega a la certeza de 
que las tierras descubiertas por Colón, no eran las INDIAS, sino un nuevo Continente; 
razón por la que estas tierras no se llamaron Colombia, sino América. La obra de la 
ignorancia tendrá vigencia hasta el día en que triunfe nuestra Revolución, y alumbre el Sol 
de la Libertad para el indio; entonces, solo entonces podremos y tendremos que dejar y 
para siempre nuestro infamado nombre de INDIOS; solo entonces volveremos 
orgullosamente a nuestro genuino auténtico y propio nombre de INKAS: hombres inkas28
Como exposto por MARBURY-LEWIS na introdução deste trabalho :” Constitui 
uma das muitas ironias da experiência americana a criação da categoria “Índios” pelos 
invasores. Categoria imposta aos habitantes do novo mundoe quem tentado ser abolida 
desde então.”29 As citaçãoes acima caminham neste sentido. No reconhecimento da 
imposição de uma compartimentação do mundo como exposta por Frantz Fanon “Esse 
mundo em compartimentos, esse mundo dividido em dois, está habitado por espécies 
diferentes.(...)Quando se compreende no seu aspecto imediato o contexto colonial, é 
evidente que o que divide o mundo é sobretudo o facto de se pertencer ou não a tal 
espécie, a tal raça.”30 Esta observação, longe de ser retórica, pautou o famoso debate 
de Valladolid, realizado em 1550, no convento de Sâo Gregório, entre o frade 
dominicano espanhol Bartolomé de Las Casas e seu compatriota Juan Ginés de 
Sepulveda. O debate versou justamente sobre a extensão entre índios e seres humanos: 
“Os índios são realmente homens completos e verdadeiros ? São criaturas de Deus? 
Têm alma? Descendem de Adão? São seres livres ou escravos naturais? São uma classe 
inferior? São os índios súditos do Império do Diabo?31
28REINAGA, Fausto Apud Alejo,Esteban Ticona . El indianismo de Fausto Reinaga: Orígenes, Desarollo 
y Experiencia em Qullasuyu- Bolívia. p.193. Dissertação apresentada na Universidade Simón Bolívar., 
Equador. Disponível em:http://repositorio.uasb.edu.ec/browse?type=author&value=Ticona+Alejo
%2C+Esteban. Acesso em 26/09/2014,p. 193.
29It is one of the many ironies of the American experience that the invaders created the category of 
Indians, imposed it on the inhabitants of the New World, and have been trying to abolish it ever since. - 
Maybury-Lewis, David Apud FORTE, Maximilian C. Who is an indian ? Race, place and the politics of 
indigeneity in the Americas.University of Toronto Press, Canada.2013. p.5..
30FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Ed. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, RJ. 1968. p.18
31FIGUEIREDO JÚNIOR, Selmo Ribeiro. Valladolid: A polêmica indigenista entre Las Casas e 
Sepúlveda. Revista Filosofia Capital. Vol.6, Edição 12, ano 2011.p.103
28
http://repositorio.uasb.edu.ec/browse?type=author&value=Ticona+Alejo%2C+Esteban
http://repositorio.uasb.edu.ec/browse?type=author&value=Ticona+Alejo%2C+Esteban
 Esta compartimentação, esta ignorância do outro, este “ Encubrimiento” do 
diferente preside as relações desde o primeiro contato. Esta assertiva claramente 
comprovada pela leitura do Diário de Bordo de COLOMBO:
 En fin, todo tomaban y daban de aquello que tenían de buena voluntad. Mas me pareció 
que era gente muy pobre de todo(...) Y creo que ligeramente se harían cristianos, que me 
pareció que ninguna secta tenían. Yo, placiendo a Nuestro Señor, llevaré de aquí al tiempo 
de mi partida seis a Vuestra Alteza para que aprendan a hablar 32
 MELIÁ, aponta que estas afirmações representam a “(...)la triple negación de 
America : la de una economia suficiente, la de religiones verdaderas, la de lenguas y 
culturas próprias.”. 33 Os outros, os índios,os bárbaros, nada possuem, nada 
sabem, nada são.Neste mesmo sentido caminha a lição de BRITO:
Em um primeiro momento, a ideia dos colonizadores sobre os nativos do“Novo Mundo” 
possui uma noção explicitamente de selvageria. Os povos indígenas são vistos como 
selvagens. Essa é a perspectiva dos primeiros cronistas e dos grandes debates teológicos e 
jurídicos travados na Europa. Selvagens em virtude da clara e rente proximidade dessas 
criaturas com omeio natural, as selvas e matas.Barbárie e selvageria são utilizados como 
sinônimos, uso comum para todos aqueles homens estranhos recém-descobertos. Com 
raríssimas exceções, a imagem do selvagem é a da versão mais baixa do humano, quando 
não, a exclusão total da humanidade, condição entre o animal e o humano. (...)
Duas posições surgem na intelectualidade moderna sobre os indígenas, a primeira, em bem 
menor escala, na qual se posicionam os românticos utópicoss obre a condição dos 
selvagens. Para esses, muito mais preocupados em criticar suas sociedades, o selvagem se 
revela na versão do homem puro, adâmico, criatura feliz que vive no paraíso , sem 
maldade, sem os vícios de uma Europa vil tomada porpestes e guerras religiosas. Trata-se 
de uma caricatura romantizada, idealizada,estranha à verdadeira realidade dos povos 
indígenas. Por outro lado, uma segunda concepção, essa sim, predominante, em que o 
selvagem é a afronta da imagem religiosa e antropocêntrica do homem. D’Alembert e 
Diderot, na famosa“Enciclopédia”, referem-se aos nativos do “Novo Mundo”, no 
verbete espécie humana, como “[...] todos esses povos são feios e grosseiros, 
superficiais eestúpidos.” (SILVEIRA, 1999, p. 97). Há um forte sentido perante os 
selvagens,como seres que não pertencem à história humana. O selvagem é um ser a-
histórico,criatura que não se humanizou, distante de maneira radical do parâmetro 
humanoque processualmente vai se construindo na Europa, primeiro pelos dogmas 
religiosos judeus-cristãos e depois pelo triunfo do projeto iluminista.34
Na mesma linha de argumentação, TODOROV detalha ainda mais o encontro de 
Cristóvão Colombo, tido como o “descobridor” da América, com os índios: 
32Colombo, Cristóvão Apud MELIÁ, Bartomeu El Encubrimiento de America..Accion n º 102, Assunción, 
1990. p.37
33 Idem, Ibidem.
34BRITO, Antonio Guimarães. Direito e Barbárie no(I) Mundo Moderno: A questão do Outro na 
civilização.Dourados, MS. UFGD, 2013, p.56
29
Colombo fala dos homens que vê unicamente porque estes, afinal, também fazem parte da 
paisagem. Suas menções aos habitantes das ilhas aparecem sempre no meio de anotações 
sobre a Natureza, em algum lugar entre os pássaros e as árvores.
[…]
Fisicamente nus, os índios são, na opinião de Colombo, desprovidos de qualquer 
propriedade cultural: caracterizam-se, de certo modo, pela ausência de costumes, ritos e 
religião (o que tem uma certa lógica, já que, para um homem como Colombo, os seres 
humanos passam a vestir-se após a expulsão do paraísoe esta situa-se na origem de sua 
identidade cultural.
[...]
É de se esperar que todos os índios culturalmente virgens, página em branco à espera da 
inscrição espanhola e cristã, sejam parecidos entre si 'Todos pareciam-se com aqueles de 
que já falei, mesma condição, também nus e da mesma estatura (17.10.1492). Vieram 
muitos deles, semelhantes aos das outras ilhas, igualmente nus e pintados (22/10/1492). 
Estes têm a mesma natureza, e os mesmos hábitos que os até agora encontramos 
(1.11.1492).35
Prossegue TODOROV:
Há algo de paradoxal em identificar o comportamento de Las Casas com o de Cortez em 
relaçao aos indios, e tornou-se necessário cercar essa afirmaçao de várias restriçoes; é que 
a relaçao com o outro nao se dá numa unica dimensao. Para dar conta das diferenças 
existentes no real, é preciso distinguir entre pelo me-nos tres eixos, nos quais pode ser 
situada a problemática da alteridade. Primeiramente, um julgamento de valor (um plano 
axiologico): o outro é bom ou mau, gosto dele ou nao gosto dele, ou, como se dizia na 
época, me é igual ou me é inferior (pois, evidentemente, na maior parte do tempo, sou bom 
e tenho auto-estima...). Há, em segundo lugar, a açao de aproximaçao ou de 
distanciamento em relaçao ao outro (um plano praxiologico): adoto os valores do outro, 
identifico-me a ele; ou entao assimilo o outro, impondo-lhe minha propria imagem; entre a 
submissao.ao outro e a submissao do outro há ainda um terceiro termo, que é a 
neutralidade, ou indiferença. Em terceiro lugar, conheço ou ignoro a identidade do outro 
(seria o plano epistemic0); aqui nao há, evidentemente, nenhum absoluto,mas uma 
gradaçao infinita entre os estados de conhecimento inferiores e superiores.
Existem, é claro, relaçoes e afinidades entre esses tres planos, mas nenhuma implicaçao 
rigorosa; nao se pode, pois, reduzi-los um ao outro, nem prever um a partir do.outro. Las 
Casas conhece os indios menos do que Cortez, e gosta mais deles; osdois se encontram 
em sua politica comum de assimilaçao. O conhecimento nao implica o amor, 
nem o inverso; e nenhum dos dois implica, ou é implicado, pela identificaçao com 
o.outro. Conquistar, amar e conhecer sao compartamentas autonomos e, de certa 
modo, elementares (descobrir, como vimos, está mais relacionada à terra do que aos 
homens; quanta a estes, a atitude de Colombo pode ser descrita em termos 
inteiramente negativos: nao gosta, nao conhece e nao se identifica).36
Ou, voltando a MELIÀ, a revelação e ao mesmo tempo a recusa e ocultação da 
alteridade humana preside toda a relação com os povos indígenas nas Américas, 
35 TODOROV, Tzvetan A Conquista da América.: A questão do outro. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 
2003.p.47 -58.
36 Idem, Ibidem.p. 269-270
30
incluindo o território brasileiro, ao longo dos últimos 500 anos. Neste mesmo sentido 
temos a lição de EREMITES DE OLIVEIRA ao nominar este “encobrimento” de 
historiografia colonialista, uma vez que ocultou do primeiro plano o fundamental papel 
desempenhado pelos Povos Indígenas na construção dos estados nacionais:
A este tipo de situação, penso que seria mais apropriado chamar de historiografia 
colonialista, pois este encobrimento tem a ver com múltiplas estratégias de 
deliberadamente ignorar e omitir o fato de os indígenas serem atores sociais plenos. E 
mais, que são sujeitos e protagonistas da história deste continente desde muitos milênios 
antes dos invasores europeus cruzarem o Atlântico em suas caravelas. No caso do Brasil, 
excluí-los de qualquer período da história, sobremaneira desde os tempos da América 
Portuguesa até os dias de hoje, seja do ponto de vista econômico, social, cultural ou 
político, é simplesmente negar sua existência. Quando isso ocorre por parte de 
historiadores que se opõem à chamada historiografia tradicional, ou mesmo memorialista, 
administrativa ou oficial como muitos a percebem, a contradição parece ser ainda maior. 
(...)
Nesta linha de argumentação, cabe citar algumas ideias de Maria Regina Celestino de 
Almeida (2010), cuja avaliação sobre os povos indígenas na história das Américas vai ao 
encontro do ponto de vista aqui defendido: 
Os povos indígenas tiveram participação essencial nos processos de conquista e 
colonização em todas as regiões da América. Na condição de aliados ou inimigos, eles 
desempenharam importantes e variados papéis na construção das sociedades coloniais ou 
pós-coloniais. Foram diferentes grupos nativos do continente americano de etnias, línguas 
e culturas diversas que receberam os europeus das formas mais variadas e foram todos, por 
eles, chamados índios. Eram, em sua grande maioria, povos guerreiros, e suas guerras e 
histórias se entrelaçaram, desde o século XVI, com as guerras e histórias dos 
colonizadores, contribuindo para delinear seus rumos (CELESTINO DE ALMEIDA, 
2010, p. 9). 37
Exemplo lapidar da participação dos povos indígenas nos é trazida no contexto da 
celebração dos tratados entre os Povos Indígenas e os colonos norte-americanos. O 
fundamento primeiro de sua celebração foi a construção de alianças em um ambiente de 
clara escassez de possíveis integrantes para os exércitos:
Dadoesse estado de coisas, as relações políticas índios/brancos durante o período colonial 
foram caracterizadas pelo reconhecimento dos povos nativos como entidades políticas 
legítimas, capazes de estabelecer tratados com Estados nacionais europeus. A Inglaterra, 
sendo uma retardatária na colonização americana, precisava de aliados militares 
indígenas para proteger seus colonos. Em troca, os ingleses estavam dispostos a 
abastecer esses aliados de armas e pólvora, tornando-os dominantes em suas lutas 
contra seus inimigos tradicionais (LYTLE & DELORIA, 1983:3). O reconhecimento 
dos grupos nativos como nações também facilitava sua destruição, legalizada por meio da 
37OLIVEIRA, Jorge Eremites de.A História Indígena no Brasil e em Mato Grosso do Sul.Espaço 
Ameríndio, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 178-218, jul./dez. 2012. Disponível em: 
http://seer.ufrgs.br/EspacoAmerindio/article/viewFile/31745/23717. Acesso em 12/08/2014. p.187-188.
31
doutrina da guerra justa, uma vez que, ao final, apenas uma polity organizada poderia ser 
declarada como objeto de guerra, justa ou não. 38
A denegação de sua presença na história, ou no máximo, em notas de rodapé é 
coerente com a concepção do outro que preside a nossa relação com os povos 
indígenas. Ou não é um ser humano e tem a sua contribuição equiparada a um mero 
instrumento auxiliar para a conquista ou se trata de um “Cabanos”(referência à guerra da 
Cabanagem)39, mestiços ou caboclos.40 Neste sentido, a citação inicial referente à 
atribuição de “indianidade”41 por decreto ou Portaria, de modo a separar os 
38BLANCHETTE, Thaddeus Gregory. Cidadãos e Selvagens: antropologia e administração indígena nos 
Estados Unidos, 1870-1890. Rio de Janeiro: E-papers, 2013. p.67
39A Cabanagem, movimento político constituído no Pará e no Amazonas pelos cabanos – aqueles que 
moravam em casas pobres, cabanas – expressou um momento das lutas liberais pela independência e 
igualdade no Brasil no séc. XIX. Cabanos eram os “Tapuias” (termo utilizado na Amazônia para os índios 
que já eram cristãos e mantinham contatos pacíficos com os brancos, à diferença dos “indios bravos”), os 
negros escravos, os grupos indígenas diversos e a população cabocla ribeirinha, sendo os “Tapuios” 
majoritários na revolta (Moreira Neto,1988). Aliados a pequenos proprietários, foreiros e outros 
trabalhadores explorados por uma estrutura de produção e subordinação do trabalho a intermediários, 
constituíram revoltas populares no norte do Brasil contra interesses políticos conservadores. As diferentes 
trajetóriassociais dos integrantes das revoltas determinaram as lutas e as contradições que marcaram as 
várias fases da Cabanagem.Entre as causas do movimento, os especialistas costumam assinalar:a 
destruição e a desorganização infligida aos povos indígenas; a inexistênciade trabalho pedagógico leigo 
junto aos índios; a escravidão e anegação de cidadania aos “Tapuios”; a morte de mais de 200 
paraensesnum navio prisão, em decorrência das lutas pela independência do Brasil;os golpes institucionais 
de políticos regionais e do Partido Caramuru(restaurador), contrários à tomada de poder pelos partidários 
dos cabanos;a espionagem e a prisão de propagandistas liberais; a impunidade de assassinos de 
trabalhadores cabanos (Di Paolo, 1990).OLIVEIRA FILHO, João Pacheco, FREIRE, Carlos Augusto da 
Rocha A Presença Indígena na Formação do Brasil – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de 
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade;LACED/Museu Nacional, 2006. (p.90)
40“Para os regionais e para os seringalistas não existiam “índios ticuna”(que poderiam ser objeto de um 
estudo científico), mas sim 'caboclos' ocupados com a extração da borracha. Os grupos locais ticuna do 
Igarapé São Jerônimo, com os quais Nimuendaju iniciou pesquisa etnológica, estavam subordinados ao 
barracão do seringalista e eram portanto 'os caboclos do Qurino”.OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de . 
Fazendo Etnologia com os caboclos do Quirino:Curt Nimuendaju e a história Ticuna. In: Ensaios de 
Antropologia Histórica. Rio de Janeiro, RJ. Editora UFRJ,1999, p.86.
41Em 1981 foi constituída uma comissão encabeçada pelo Coronel Ivan Zanoni, para criar no prazo de dez 
dias critérios de indianidade para classificar quem é ou não índio . Os critérios foram criados com a 
recomendação de que tais indicadores não precisavam ser justificados, mas simplesmente listados. Vale 
esclarecer que o documento apresentado faz menção à comunidade científica, mas esta jamais foi sequer 
consultada. Os antropólogos, por sua vez, sentiram-se indignados perante tal absurdo e simplesmente 
ignoraram os critérios, por acreditarem que não existem indicadores para detectar a indianidade, assim 
como não se pode medir o quantum de indianidade tem uma pessoa (.
No entender de Castro, ...“ é um documento non sense, que consiste basicamente em listar , 
indexar indicadores por números, palavras, expressões tiradas de manuais de antropologia e 
textos obscuros” (XLIV) .
Critérios de Indianidade
Ministério do Interior
Fundação Nacional do Índio – 1981
A) Indicadores apontados pela comunidade científica
I - Índio ou Indígena :
a- origem do termo
32
“aculturados” dos “verdadeiros índios” apresenta-se coerente. Neste sentido, trazemos 
mais uma vez a lição de TODOROV:
A atitude que Colombo para com os índios decorre da percepção que tem deles. Podemos 
distiguir, nesta última, duas componentes que continuarão até o século seguinte e, 
praticamente até os nossos dias, em todo colonizador diante do colonizado. […] Ou ele 
pensa que os índios [...] são seres completamente humanos com os mesmos direitos que 
eles e aí, considera-os não somente iguais, mas idênticos, e este comportamento 
desemboca no assimilacionismo, na projeção de seus próprios valores sobre os outros, ou 
b- emprego do termo
c- divergências do term
d- denominações pejoratvas (regionais)
e- denominações discriminatórias ( sociedade nacional)
B - Caráter Histórico
a - origem étnica (teorias)
b - critério histórico
c - reconstrução histórica
d - contatos
e - tradições orai
C- Caráter Geográfico
a - distribuição territorial (áreas culturais)
b - meio-ambiente
c - demografia
d - migrações
1.2 - O índio é portador de:
a - cultura de origem pré-colombiana
b - mentalidade primitiva (discriminações/regionais)
c - elementos culturais representativos
d - elemento sócio-cultural específico e distinto da sociedade nacional
e - características sociais a definir
f - características biológicas, psíquicas e culturais indesejáveis
De acordo com Castro, esses critérios estão impregnados de fundamentos racistas, pois procuram 
classificar o índio a partir de sinais físicos - contidos na listagem de características biológicas ( mancha 
mongólica, forma dos olhos, pêlos do corpo etc.) - e indicadores de ordem psicológica (mentalidade 
primitiva) ...“( ...) é um documento inqualificável do ponto de vista antropológico, 
mas perfeitamente qualificável do ponto de vista político”
A FUNAI esperava alcançar dois objetivos imediatos: o primeiro político - o através do controle das 
lideranças indígenas ( União das Nações Indígenas-UNI) que incomodavam e criticavam a política oficial, 
ou seja, só seria índio quem o governo quisesse e, na qualidade de ex-índios, estas lideranças não 
poderiam mais falar em nome deles; o segundo objetivo era econômico, no sentido de liberar as terras 
indígenas do nordeste, sul e sudeste do Brasil.
Apesar de se tratar de tamanho absurdo, repudiado publicamente por toda a comunidade científica 
- Associação Brasileira de Antropologia, Comissão Pró-Índio e outras (Folha de São Paulo, 
04.10.81), a FUNAI chegou a aplicar os referidos critérios nas nações indígenas dos Tembé , no Pará 
, e Guarani, emSão Paulo, onde em ambas mais da metade dos membros da comunidade foram 
classificados como não índios (O Estado de São Paulo, 06/10/81). O mesmo fato aconteceu com os 
Tingüi (Alagoas), que no início de 1981 reivindicaram a presença de um posto da FUNAI na área para 
proteger suas terras de invasão. A FUNAI negou o pedido, afirmando que, de acordo com os indicadores 
estabelecidos, aquela comunidade não era indígena e não havia elementos para defini-la como tal. FARIA, 
Ivani Ferreira de. Território Indígena : o direito imemorial e o devir ”. Capítulo da Dissertação de 
Mestrado.Programa de Pós-graduação emGeografia Humana , FFLCH/USP. 1997. Disponível em: 
http://www.ipol.org.br/ler.php?cod=329. Acesso em 01/10/2014.
33
http://www.ipol.org.br/ler.php?cod=329
então parte da diferença, que é imediatamente traduzida, em termos de superioridade e 
inferioridade.42
Em relação aos Ava- Guarani e Ava- Kaiowá os critérios de indianidade 
normalmente são associados a nacionalidade paraguaia. São comuns os 
questionamentos: Fulano é indígena? E a invariável resposta. Não, é paraguaio. Como 
os demais critérios de aferição de indianidade visa suprimir direitos. No caso, por 
exemplo da Companhia ervateira Matte Larangeira, maior contratadora de mão de obra 
da parte sul do então Estado de Mato Grosso, até meados do século XX, a medida 
visava afastar dois problemas: a contratação de mão de obra indígena e o consequente 
arrendamento de suas terras. Este tema é abordado de forma abrangente na tese da 
antopóloga KATYA VIETTA:
No final do século XIX e início do século XX, o Mato Grosso possui uma 
população extremamente rarefeita, não oferecendo o contingente de mão de
obra necessário para o trabalho nos ervais, ou mesmo formas ágeis para
atraí-lo de outras regiões do Brasil, devido à carência de vias de comunicação e de
transporte (Bianchini op. cit: 172). Entre os historiadores há um consenso sobre a origem
paraguaia da quase totalidade dos trabalhadores da Matte Larangeira, o que, segundo
Bianchini, é confirmado pela leitura dos documentos da empresa, entre os quaisdestaca 
as correspondências internas demonstrando a preocupação dos seus dirigentes
frente à Lei de Nacionalização do Trabalho (Bianchini op. Cit: 175-176). 
(…)o argumento da mão de obra paraguaia soa mais como uma manobra da Cia
Matte, para não expor o uso da mão e obra kaiowa em seus ervais. Pois, ao
caracterizar seus mineiros como paraguaios, a Cia Matte se coloca á margem de duas
questões controvertidas e legalmente inviáveis: o emprego da mão de obra indígenae 
o arrendamento de suas terras.
Segundo Brêa Monteiro, através da leitura de relatórios e avisos de
Postos Indígenas (PIs) expedidos por funcionários do SPI, constata-se que, no
Mato Grosso, o órgão serve como agenciador da mão de obra kaiowa, o que pode ser
demonstrado pela “visita de muitos proprietários de ervais ou administradores de
companhias como a Matte Larangeira em busca de mão-de-obra” (Monteiro op. cit: 31). 
Entre
os documentos selecionados pela autora em sua publicação, o Relatório de
Genesio Pimental Barbosa traz um quadro bastante rico, tanto sobre oenvolvimento dos 
Kaiowa com a extração dos ervais, a serviço da Matte Larangeira, como sobre as
conseqüências da exploração da sua mão de obra e de suas terras
. Na introdução do relatório, Barbosa afirma destacar assuntos que são do interesse do SPI, 
para em
seguida dizer: 
42 TODOROV, Tzvetan A Conquista da América.: A questão do outro. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 
2003.p.47 -58.
34
“Dentre eles me occuparei com maiores detalhes, por ser o que se me 
apresenta mais importante, da situação em que se encontra as duas
grandes tribus habitantes das margens do rio Paraná e seus tributários, no
Estado de Matto-Grosso e que, embora os seus dedicados esforços, applicados com 
diminutos recursos das relativamente limitadas doações orçamentarias, para as collocar 
sob amparo e assistencia do Serviço, muito necessitam ainda daacção directa dessa 
Inspetoria, dada à grande dispersão em que se encontram osseus membros dispersos pela 
vastidão immensa da região de fronteira daRepublica do Paraguay. Estas tribus são: dos 
Caiuás, que habitam os valles dos rios Brilhante,pela margem direita, Dourados, 
Guaimbé-pery, Amambay, Paunduhy, Yjouy e Iguatemy, até a foz desses no Paraná, e 
a tribus dos Chavantes, que
habitam as margens do Rio Pardo, Bahia Grande, Ivinheima e seus afluentes da 
margem
esquerda. (...) Entretanto, ha uma razão altamente patriótica que colloca essas tribus
no mesmo plano de merecerem, com a mesma igualdade, todo o apoio e amparo 
dessa Inspetoria: libertal-as do dominio dos hervateiros paraguayos,fazendo cessar o 
regime de escravidão em que vivem, por meio de uma fiscalização eficiente, 
instituindo nucleos em terras que o Estado lhes reserve (...)E é nessa faxa de terra, 
riquissima e, hervaes, que vivem os índios
Caiuás, cujos maiores núcleos são: ‘Posto Francisco Horta’, Aldeia do Tehy-Cuê,
hoje transformada no esperançoso ‘Posto José Bonifacio’, ‘Aldeia do
Patrimônio União’, ‘Aldeia do Serro Peron’, ‘Aldeia do Ibera-Moroty’, ‘Aldeia do 
Ipehum’, ‘Aldeia do Ypuitan’ e ‘Aldeia da Invernada Tujá’. Além dessas aldeias onde 
os agrupamentos são maiores, ha em toda a
extensão de terra citada, espalhados pelos hervaes, sem residencia fixa, uma
quantidade immensa de indios Caiuás, vivendo exclusivamente da insignificante 
remuneração recebida nos trabalhos de elaboração da herva. 
E é esse serviço de herval, ao qual se dedicam exclusivamente,offerecendo vantagens que 
nenhum outro operário poderia offerecer, pela resistencia,
aptidão e reduzido salario, que lhes absorve o tempo para qualquer outra
actividade, lhe não deixando cuidar, siquer, de pequenas lavouras, comoas fazem e 
cultivam os índios que vivem aldeados. O systema empregado nas transações entre os 
patrões hervateiros e indios, no pagamento do preparo da herva e no fornecimento de 
mercadorias, é absolutamente desonesto. Não há um índio, por economico que seja, 
que possa receber qualquer importancia, em dinheiro, como saldo de contas. 43
A utilização de critérios de indianidade para denegação de direitos permanece ao 
longo das décadas. Mais recentemente, como exposto, por IVANI FARIA44 houve 
diversas tentativas de “emancipar” indígenas com o claro objetivo de obter-se o aval 
legal para restrição de acesso a terras e consequente liberação do território para projetos 
de colonização e desenvolvimento. Este objetivo é igualmente citado por FREIRE45:
43VIETTA, Katya. Histórias sobre terras e xamãs Kaiowá: territorialidade e organização social na 
perspectiva dos guarani de Panambizinho (Dourados, MS) após 170 anos de exploração e povoamento 
não indígena da faixa de fronteira entre o Brasil e o Paraguai. |Tese (Doutorado em Antropologia Social). 
USP, São Paulo.2007. p.62-64.
44FARIA, Ivani Ferreira de. Território Indígena : o direito imemorial e o devir ”. Capítulo da Dissertação 
de Mestrado.Programa de Pós-graduação emGeografia Humana , FFLCH/USP. 1997. Disponível em: 
http://www.ipol.org.br/ler.php?cod=329. Acesso em 01/10/2014
45LACERDA, Rosane Freire. Diferença não é incapacidade: Gênses e Trajetória Histórica da Concepção 
35
http://www.ipol.org.br/ler.php?cod=329
Em novemtro de 1978 o Ministro divulgava, enfim, a minuta do Decreto. Não se
previa qualquer envolvimento dos próprios índios na discussão sobre o preenchimento, ou 
não, dascondiçoes de emancipação.
Porém o ponto central estaria no destino a ser dado às terras indígenas emancipadas: a sua 
divisão em lotes

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