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Formação de 
Mediadores de Educação 
para Patrimônio
Sandra Nancy Ramos F. Bezerra
Arte e 
patrimônio
SUMÁRIO
1. Apresentação .............................................................................. 51
2. A xilogravura chega ao cordel .................................................... 53
3. Os folhetos sem imagens ........................................................... 56
4. As ilustrações em zincogravura ................................................. 57
5. A introdução da xilogravura nos folhetos ................................. 58
6. Movimento folclorista, musealização 
e patrimonialização da xilogravura ........................................... 60
Referências ..................................................................................... 63
1.
APRESENTAÇÃO
o presente módulo, fare-
mos uma reflexão sobre 
arte e patrimônio, to-
mando como base a xilo-
gravura popular produzida 
em algumas localidades do 
Nordeste e, em especial, no 
município de Juazeiro do 
Norte, Ceará.
A fonte documental 
principal desse estudo é a coleção de xilo-
gravuras que constitui o acervo do Museu 
de Arte da Universidade Federal do Ceará, 
o Mauc, em Fortaleza, adquirida entre fins 
dos anos de 1950 e início dos anos 1960.
A xilogravura é uma expressão artística 
milenar, utilizada na Antiguidade para a es-
tamparia de tecidos e, em seguida, usada 
no papel. Os testemunhos mais antigos de 
xilogravura em papel datam do século VIII, 
são orações budistas impressas no Japão.
PARA OS
CURIOSOS
Você conhece a técnica de 
xilogravura? No seu estado 
ou cidade existem artistas que 
utilizam essa técnica ou museus e 
galerias que guardam coleções de 
xilogravura? Se não houver, busque 
na internet informações sobre a 
xilogravura brasileira, especialmente 
sobre “como” ela é executada.
Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 51
Na sua chegada à Europa, no século XII, 
a xilogravura trilhou o mesmo percurso dos 
antigos, ou seja, a estamparia de tecidos, 
para depois partir para imagens sacras e car-
tas de baralho. No século XV contribuiu para 
os primeiros livros impressos da história. A 
partir daí foi sendo exercitada até alcançar 
altos níveis artísticos (COSTELLA, 1984). 
O ingresso da xilogravura no Brasil se 
deu no século XIX, com a implantação da 
Imprensa Régia, utilizada nos periódicos 
para torná-los mais atrativos quanto ao as-
pecto visual. Em um dos três mais antigos 
jornais em circulação no Brasil, o Mossoro-
ense, a xilogravura era utilizada para desta-
car as notícias, a publicidade ou os artigos 
assinados mais importantes de sua edição. 
Contudo, é curioso e importante salien-
tar que além do uso na imprensa, há evi-
dências que apontam para o emprego da 
xilogravura em uma época anterior ao pe-
ríodo mencionado, com outras finalidades, 
entre os indígenas. É possível que a técni-
ca tenha sido repassada aos nativos pelos 
missionários portugueses, no século XVII, 
durante a realização da catequese.
Essa evidência foi identificada pelo pin-
tor italiano Guido Boggiani, no Mato Grosso 
do Sul, em 1892, entre os Kadiwéu. Eles, com 
apenas um pequeno pedaço de madeira en-
talhada, carimbavam o corpo com sinais e 
figuras, além de estamparem raras peças de 
vestuários (COSTELLA, 1984, p.83).
SE
LIGA!
Imprensa Régia. Editora lusitana, 
depois transferida para o Brasil, 
em 1808, com a vinda da Família 
Real. Nela foi editado o primeiro 
jornal da colônia, a Gazeta do Rio 
de Janeiro, periódico que permitiu 
a circulação de notícias, embora 
restritas, por ser um veículo usado 
para expandir a imagem que 
convinha à Corte Portuguesa.
52 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
SE
LIGA!
2.
AS XILOGRAVURAS 
CHEGAM AO CORDEL
importante salientar que a xilo-
gravura integrou o mundo das 
artes visuais brasileiras, no século 
XX, sendo praticada por Oswaldo 
Goeldi (1895-1961), natural do Rio 
de Janeiro, considerado o “pai da 
xilogravura brasileira”, entretanto, 
paralelamente ao itinerário da 
arte oficial, no Nordeste, prestou-
-se às atividades utilitárias, servindo como 
rótulo de produtos, como também ilus-
trações das capas dos folhetos de cordel, 
sobre o qual discutiremos com mais deta-
lhes posteriormente. 
Muitos poetas escreveram e, ao mesmo 
tempo, ilustraram suas obras com a técnica 
que passou a ser considerada, de acordo 
com José M. Luyten, a verdadeira repre-
sentação do espírito do cordel (apud 
CASCUDO, 2002, p.752).
Nesse contexto de produção dos versos 
populares e ilustrações com a técnica, a 
Tipografia São Francisco, de propriedade 
de José Bernardo da Silva, em Juazeiro do 
Norte, Ceará, teve grande destaque, uma 
vez que assumiu a posição de maior editora 
de literatura popular do país.
Com o desenvolvimento de novas 
tecnologias de impressão e a morte 
de José Bernardo, a Tipografia São 
Francisco entrou em decadência. 
Seu acervo e equipamentos foram 
adquiridos pelo Governo do Ceará, 
sob novo nome – Lira Nordestina 
– sugestão do poeta Patativa 
do Assaré. Hoje, a Universidade 
Regional do Cariri (Urca) responde 
por sua administração, que se 
tornou um espaço de produção de 
xilogravura, superando a publicação 
de cordéis.
Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 53
A partir dos anos de 1950, a xilogra-
vura popular passou a ser observada por 
intelectuais em algumas localidades do 
Nordeste de modo independente dos fo-
lhetos. Este novo olhar lhe conferia uma 
valorização como produção artesanal 
autônoma, iniciada em Alagoas, pelo 
folclorista Téo Brandão, em seguida, no 
estado de Pernambuco, por parte do co-
lecionador de arte Abelardo Rodrigues, 
e pelo estudioso paraibano Ariano Suas-
suna, que escreveu artigos sobre elas no 
Diário de Pernambuco.
Ainda entre os anos 1950-1960, com o 
impulso da industrialização e dos novos 
meios de comunicação, como o rádio e a 
televisão, acreditava-se na morte ao cor-
del e, consequentemente, junto com ele, 
a morte das xilogravuras. Na realidade, o 
cordel adaptou-se aos novos meios co-
municacionais, passando a ser difundido 
amplamente pelos repentistas nas rádios, 
além de se articularem em feiras, espaços 
e equipamentos públicos, sendo reconhe-
cidos por editoras de pequeno, médio e 
grande porte. Embora o estilo discursivo 
tenha permanecido, continuou a propaga-
ção do desaparecimento da xilogravura. 
Nesse contexto, reverberava a visão fol-
clorista que percebia a xilogravura como ex-
pressão avessa à ideia de modernidade. No 
Ceará, a mesma ideia de desaparecimento 
foi abraçada por agentes fundadores do 
Mauc, inaugurado em 1961. 
Nos anos que antecederam à criação do 
Mauc, esses agentes recolheram os tacos 
de xilogravuras utilizadas nas capas dos fo-
lhetos, livros de orações e rótulos de produ-
Tacos
São os pedaços 
de madeira que 
servem como matriz 
para o desenho e o 
entalhamento da 
gravura, a partir de 
objetos pontiagudos. 
Uma vez entalhados, 
os tacos recebem 
aplicação de tinta 
sobre a imagem a ser 
transferida 
para o papel.
54 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
PARA OS
CURIOSOS
Quer saber mais sobre a história 
do Museu de Arte da UFC (Mauc)? 
Acesse: mauc.ufc.br/sobre-o-mauc/
Mestre Noza: Inocêncio Medeiros 
da Costa ou Inocêncio da Costa Nick, 
como dizia chamar-se, nasceu em 
Taquaritinga do Norte-PE, em 1897. 
Mudou-se para o Juazeiro do Norte 
em 1912, onde exerceu diversas 
atividades, entre as quais a de 
funileiro. A partir da década de 1930, 
tornou-se conhecido como artista 
popular, pelas criações de esculturas 
em madeira. Sua primeira escultura 
foi um são Sebastião, mas depois 
resolveu esculpir uma imagem 
do padre Cícero, levando-a para 
apreciação do sacerdote, que achou 
graça e perguntou: “Eu sou assim?”. 
Desde então fez milhares de imagens 
do padre (proclamado santo por 
devotos de diversas localidades do 
Brasil). Na década de 1950, recebeu 
encomenda de José Bernardo 
da Silva para fazer xilogravuras, 
tornando-se gravador.
SE
LIGA!
tosque pertenciam a algumas gráficas do 
Nordeste, como em Pernambuco, Paraíba 
e Ceará. Constituíram, assim, uma coleção 
do gênero que passou a ser revelada em 
exposições, guardada e conservada como 
acervo desse novo museu de arte.
Esta recolha possibilitou a valorização 
da xilogravura vinculada ao cordel. Nossa 
cultura prevê como locais específicos onde a 
arte pode manifestar-se, os museu e galerias, 
que também conferem estatuto de arte 
aos objetos enobrecendo-os e garantindo-
-lhes o rótulo “arte” (COLI, 2006, p.32).
Em 1962, o artista cearense Sérvulo Es-
meraldo, também ligado ao Museu e à Uni-
versidade Federal do Ceará, residia em Paris. 
Por motivo de visita ao Juazeiro do Norte, 
acabou constituindo uma nova modalidade 
de criação popular para as xilogravuras. En-
comendou uma série representativa da “Via 
Sacra” ao mestre Noza, publicando-as em 
1965, na capital francesa, fundando assim a 
experiência inédita de criação de álbuns 
temáticos que passaram a ser comercia-
lizados dentro da perspectiva do mercado 
de arte, com numeração de cada gravura e 
assinatura do artesão/artista.
Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 55
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3.
OS FOLHETOS 
SEM IMAGENS
omo já foi visto, a xilogravura 
esteve presente nas ilustra-
ções dos jornais, mas os cor-
déis que eram impressos nas 
gráficas, nas primeiras déca-
das do século XX, não traziam 
ilustrações xilográficas em 
suas capas. Eles apresentavam 
apenas informações básicas, 
em formatação simples. Algu-
mas capas continham ornamentos, como 
cercaduras e arabescos. Por não trazerem 
ilustrações, ficaram conhecidos como “fo-
lhetos sem capa” (MELO, 2003, p. 113).
A seguir, temos um modelo concebido 
pelos primeiros poetas-editores da litera-
tura popular do Nordeste, como Leandro 
Gomes de Barros, Francisco das Chagas Ba-
tista e João Martins de Athayde. 
SE
LIGA!
Leandro Gomes de Barros nasceu em 1865, em Pombal-
PB. Faleceu em Recife-PE, em 1918. Durante sua infância, 
conviveu com violeiros. Em 1889 passou a publicar versos, 
tornando-se um dos pioneiros da literatura de cordel. Em 
1906, adquiriu uma gráfica onde imprimiu seus os próprios 
trabalhos para comercializar. Com sua morte, a família 
vendeu os direitos da sua autoria para o editor e poeta 
João Martins de Athayde, que passou a publicar os textos 
sem lhe creditar a autoria. Estima-se que a sua obra tenha 
sido constituída de mais de 600 títulos.
Francisco das Chagas Batista é um poeta paraibano 
nascido na Vila do Teixeira, no ano de 1882. Seu primeiro 
folheto intitulado, Saudades do sertão, foi produzido aos 
20 anos de idade. A partir do ano de 1905, passou a vender 
cordéis em Recife. A sua afeição à leitura o fez entrar para 
o mercado de livros em 1911, em João Pessoa. Dois anos 
depois, fundou a Livraria Popular Editora, tornando-se um 
dos primeiros editores de cordel da época. Morreu aos 48 
anos, em João Pessoa, no ano de 1930.
João Martins de Athayde nasceu em 1880, no povoado 
de Ingá do Bacamarte-PB. Migrou para Pernambuco 
em 1898, por causa da seca, radicando-se no Recife. 
Poeta e proprietário de gráfica, tornou-se o maior editor 
de folhetos de seu tempo, entre os anos de 1920-1950. 
Além de seus trabalhos, editava obras de outros poetas, 
compradas ou adquiridas por meio de barganha. Foi uma 
figura controversa. Elogiado por Mário de Andrade e por 
Tristão de Ataíde, recebendo até votos para Príncipe dos 
Poetas Brasileiros, em eleição promovida por Guilherme 
de Almeida, ao mesmo tempo foi também acusado de 
comprar títulos originais de vários poetas populares e 
publicá-los sem mencionar seus autores, fato que ocasiona 
sérias dificuldades na identificação da autoria de alguns 
trabalhos. No entanto, este fato não reduz a importância 
da sua obra, tampouco sua contribuição para a poesia 
popular no Brasil. Faleceu em 1959, em Limoeiro-PE.
Cordel de 1925
uma
56 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
m dos pioneiros a introdu-
zir ilustrações nas capas 
dos folhetos dos cordéis foi 
João Martins de Athayde, 
com o intuito de torná-los 
mais atraentes para o públi-
co consumidor. Para tanto, 
recorreu aos caricaturistas 
e desenhistas que faziam 
trabalhos para alguns jornais em Recife. A 
ideia conquistou o gosto dos leitores e logo 
passou a ser copiado por outros editores, 
inclusive os de centros distantes do seu, 
como em Juazeiro do Norte-CE. 
Athayde, para essa inovação, recorreu 
aos ilustradores que desenhavam cartazes 
de filmes para cinemas no Recife, aprenden-
do a reproduzir o rosto dos artistas, como 
também dos heróis das revistas em quadri-
nhos. Em meio aos processos criativos, de-
correram as ilustrações impressas em zinco-
gravura, que possibilitaram representações 
das imagens dos astros de Hollywood, o que 
acabou fazendo com que fossem emprega-
das, definitivamente, nas impressões das ca-
pas dos cordéis (MELO, 2003, p. 113-117). 
COSTELLA (1984, p. 65.) define Zincogra-
vura como “uma técnica de gravura que uti-
liza a placa de zinco como matriz. O trabalho 
é feito revestindo-se uma chapa metálica, 
com material fotossensível e, em seguida, a 
chapa é submetida a uma fonte de luz que 
atravessa um negativo fotográfico. O pro-
cesso equivale a fazer uma cópia fotográfica 
em chapa de metal, em vez de fazê-la em 
papel. O revestimento fotossensível endure-
ce as partes que recebem luz e essas partes 
correspondem àquelas em que o negativo 
4. 
AS ILUSTRAÇÕES 
EM ZINCOGRAVURA
é transparente. Leva-se a placa para remo-
ver as partes moles do revestimento, isto 
é, aquelas que correspondem as áreas não 
iluminadas. Depois, a placa toma um banho 
de ácido. Este ácido ataca a placa nas áreas 
nuas e não afeta aquelas que permanecem 
cobertas pelo revestimento fotossensível en-
durecido. Logo se tem uma matriz metálica 
toda produzida fotoquimicamente. O pro-
cesso citado foi empregado pela primeira 
vez em 1870, mas aplicado comercialmente 
a partir de 1895.”
 Clichê de zinco
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ES (2019)
Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 57
5. 
A INTRODUÇÃO 
DA XILOGRAVURA 
NOS FOLHETOS 
Tipografia São Francisco, já 
citada, ocupou uma posição 
de destaque no mercado 
editorial no país. Como dis-
semos, a editora pertenceu 
a José Bernardo da Silva, 
que de vendedor ambulante 
dos folhetos de cordéis nas 
feiras regionais, dedicou-se 
ao universo da poesia popu-
lar adquirindo a anterior Folheteria Silva.
Em 1949, esta Tipografia alcançou gran-
de apogeu, a partir da compra dos direitos 
autorais dos folhetos de João Martins de 
Athayde. De posse desses direitos, José Ber-
nardo aumentou a produção de cordéis e, 
consequentemente, suas vendas, ganhando 
o mercado nacional e tornando-se a maior 
produtora desse gênero literário no Brasil. 
A falta dos clichês de zinco para os fo-
lhetos fez com que Bernardo optasse por 
introduzir a técnica já utilizada nos jornais, 
a xilogravura, a partir do final dos anos 
1940, ciente das dificuldades encontradas 
para obtenção e elaboração da zincogra-
vura, que se configurava um procedimento 
mais elaborado de ilustração e de aquisi-
ção. Esta técnica só existia nos centros de-
senvolvidos, sobretudo em Recife. A partir 
da introdução da xilogravura nos cordéis, 
esses folhetos passaram a contar com a 
aplicação dos dois gêneros de gravura: a 
zinco e a xilogravura (RAMOS, 2010).
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 CEARÁ (M
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Capa de A história de Zezinho e Mariquinha, 
de Damásio Paulo (s/d), elaborada em xilogravura 
(Dimensão: 0,091 x 0,142 cm)
Autor: Walderêdo Gonçalves (s/d). Dimensão 0,090 x 0,078 cm.
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58 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
Os primeiros xilógrafos buscaram imitar 
os clichês das zincogravuras e fizeram isso 
com grandemaestria. A maioria dos grava-
dores procurados para confeccionar as ilus-
trações dos folhetos foram iniciados por José 
Bernardo da Silva. Alguns exerciam ofícios de 
ourives, outros eram escultores em madeira, 
mas a maior parte pertencia às classes me-
nos abastadas e suas criações eram feitas 
como um meio de sobrevivência. 
Contudo, o que esses gravadores faziam 
era arte, mesmo sem escolaridade artística 
ou acesso aos círculos dos artistas profis-
sionais. A técnica por eles utilizada “encon-
trou na ponta da faca sertaneja, no canivete 
de cortar fumo de rolo e até nas hastes de 
guarda-chuvas, uma perfeita adequação e 
tradução de todo um imaginário de prince-
sas, dragões e mitos como Lampião e Padre 
Cícero” (CARVALHO, 2010, p.10). 
Alguns xilógrafos copiavam os clichês de 
zinco, o que não era problema entre eles. 
Outros elaboravam seus próprios desenhos 
a partir da própria criatividade. Um dos gra-
vadores desse período, bastante admirado, 
foi Walderêdo Gonçalves. 
PARA OS
CURIOSOS
Nascido no Crato, no ano de 1920, 
Walderêdo se iniciou nas artes 
gráficas muito jovem, por meio de 
uma encomenda feita pelo editor 
José Bernardo, com a finalidade 
de compor a capa de um livro de 
oração. Seu primeiro trabalho foi 
um Cristo crucificado e, após a 
encomenda, ele deu continuidade 
ao ofício de gravador, onde se 
destacou pelo traço e estilo próprio. 
Seus desenhos apresentavam 
formas realistas, muitos detalhes e 
efeitos únicos de luzes e sombras.
Confira: acordacordel.blogspot.
com/2011/06/mestres-da-gravura.html
Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 59
6. 
MOVIMENTO 
FOLCLORISTA, 
MUSEALIZAÇÃO 
E PATRIMONIALIZAÇÃO 
DA XILOGRAVURA 
POPULAR 
or meio do Decreto-Lei nº 
25/1937, é criado o Sphan (Ser-
viço do Patrimônio Histórico 
e Artístico Nacional), que teve 
por objetivo propagar e defen-
der o chamado patrimônio 
histórico e artístico nacional, 
como vimos no primeiro módu-
lo de nosso curso. 
As manifestações artísticas, 
portanto, se consideradas a partir desse 
dispositivo normativo como patrimônio 
nacional, poderiam ser tombadas, nesse 
caso, no Livro de Tombo das Belas Artes. 
No entanto, durante décadas, esse e outros 
órgãos de preservação do patrimônio, em 
diversas esferas (municipal, estadual, fede-
ral) priorizaram a chamada “pedra e cal”, ou 
seja, a patrimonialização de edificações 
e monumentos e, às vezes, por consequ-
ência, os bens integrados a eles, como pe-
ças de valor artístico, principalmente aque-
las relacionados à memória das elites. 
60 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
Nesse sentido, se pensarmos a valoriza-
ção da xilogravura popular como arte e pa-
trimônio brasileiro, veremos que esse pro-
cesso foi impulsionado menos pelo Sphan e 
mais pela Comissão Nacional de Folclore, 
uma entidade governamental brasileira. fun-
dada em 1947, por Renato de Almeida, por 
meio de recomendação da Unesco (Organi-
zação da Nações Unidas para a Educação, a 
Ciência e a Cultura). A Comissão foi vinculada 
ao Instituto Brasileiro de Educação, Ciência 
e Cultura, além da própria Unesco, e tinha 
como foco a preservação das manifestações 
culturais do Brasil, associando-as a um dis-
curso de identidade nacional. 
Em 1958, com o título de Campanha 
de Defesa do Folclore Brasileiro, muitos 
intelectuais propuseram pesquisas para o 
levantamento de material de estudos, pro-
teção e guarda das manifestações folclóri-
cas, além do seu aproveitamento na edu-
cação, a fim de garantir a eficácia definitiva 
dessa política (VILHENA, 1997, p.174).
A relação entre “folclore e educação” teve 
como exímia defensora a poetisa Cecília 
Meireles, que considerava de suma impor-
tância o papel dos museus nessa relação. 
Levando-se em consideração o pensamento 
da época, fica explícita a atmosfera propícia 
à criação do Mauc, em Fortaleza-CE, como 
espaço para elementos da cultura popular e, 
consequentemente, para a xilogravura.
Nesse contexto de valorização dos 
museus e, sobretudo, da arte popular, os 
agentes culturais ligados à UFC, como o ar-
tista Floriano Teixeira e o folclorista Lívio 
Xavier, respaldados pelo reitor da Institui-
ção, Antônio Martins Filho, viajaram para 
as editoras do Nordeste a fim de recolher 
tacos e xilogravuras para o Mauc, convenci-
dos da importância dessa expressão artís-
tica como patrimônio brasileiro.
A ação de patrimonializar, nesse aspecto, 
não ocorre pelo instrumento do tombamento, 
mas quando determinado objeto de cultura 
Folclore
Conjunto de tradições 
populares transmitidas 
através das gerações, 
como lendas, mitos, 
folguedos, danças etc. 
A palavra tem origem 
inglesa: folk (povo) e 
lore (sabedoria).
PARA OS
CURIOSOS
O trabalho da Comissão Nacional 
de Folclore, décadas depois, em 
2003, resultou na criação do Centro 
Nacional de Folclore e Cultura 
Popular, que passou a integrar a 
estrutura do Iphan (Instituto do 
Patrimônio Histórico e Artístico 
Nacional). Entre suas atribuições 
está o gerenciamento do Museu de 
Folclore Edison Carneiro. 
Confira: www.cnfcp.gov.br/
Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 61
material, no caso a xilogravura, é musealiza-
do, ou seja, entra para as vitrines do museu, 
perdendo o seu valor de uso e passando a ter 
outro que, em geral, é chamado de valor do-
cumental ou simbólico, se afirmando pela 
operação do olhar (KNAUSS, 2016, p.21-22).
A musealização da arte popular tam-
bém tem o objetivo, entre outros, de inserir 
as comunidades no caminho do desenvol-
vimento social e econômico do país. A partir 
do momento em que se agrega, além do va-
lor simbólico e econômico a determinada 
referência cultural, espera-se que essa refe-
rência produza o reconhecimento e a valori-
zação da população produtora do bem, com 
sua história e sua cultura singular, como tam-
bém possa gerar emprego, trabalho e renda.
Após a recolha de vasto material e com ele 
a organização de uma exposição no Museu de 
Arte Moderna de São Paulo (MAM), em 1960, 
onde se apresentaram ao Sudeste as matrizes 
e as xilogravuras do Nordeste, com grandes 
elogios dos críticos de arte e folcloristas, foi a 
vez dos museus e galerias da Europa e dos Es-
tados Unidos conhecerem a xilogravura. 
O artista Sérvulo Esmeraldo acompa-
nhou as exposições no estrangeiro e, a partir 
daí, teve a ideia de adotar para as gravuras 
populares um modelo já vivenciado pela 
gravura artística oficial: o álbum. Como vi-
mos, o artista encomendou uma série de 
xilogravuras ao mestre Noza, apresentando 
ao gravador imagens com representações 
da Via Sacra para que, com base nelas, ele 
produzisse a sua leitura na madeira. O resul-
tado final do trabalho atendeu às expectati-
vas deste agente cultural, que resolveu levá-
-las para a França e lançá-las em Paris, em 
1965, pelo importante editor Robert Morel, 
em formato de livro em edição de luxo. 
Essa interferência rendeu reconheci-
mento para os trabalhos do mestre Noza 
como artista, possibilitando a sua participa-
ção em diversas exposições, além de ter o 
seu trabalho musealizado. 
Estimulado pelo resultado exitoso dessa 
primeira encomenda, Noza ocupou-se de ou-
tros temas já bastante conhecidos e ao gosto 
do público que iria consumir (BEZERRA, 2017). 
PARA OS
CURIOSOS
Para saber mais sobre o mestre 
Noza e a sua arte, leia o texto do 
pesquisador Renato Casimiro:
mestrenoza.blogspot.com/p/
biografia.html
Pensando na patrimonialização 
das manifestações artísticas 
na atualidade, o que será que 
permaneceu e o que se modificou 
nas políticas públicas voltadas para 
a sua valorização e preservação?
SE
LIGA!
REFERÊNCIAS 
BEZERRA, Sandra Nancy Ramos Freire. A 
xilogravura do mestre Noza. Identidades 
tecidas na madeira. Disponível em: 
https://www.editorarealize.com.br/revistas/
coprecis/trabalhos/TRABALHO_EV077_
MD1_SA13_ID1066_20082017152930.pdf. 
Acessado em 23/1/2020.
CARVALHO, Gilmar de. Madeira 
Matriz. Cultura e Memória. São Paulo: 
Annablume, 1998. 
_______. Memórias da xilogravura. 
Fortaleza: ExpressãoGráfica, 2010.
_______. A xilogravura de Juazeiro do 
Norte. Fortaleza: Iphan, 2014.
_______. Lyra popular. O cordel do Juazeiro. 
Fortaleza: Museu do Ceará; Secretaria da 
Cultura do Estado do Ceará, 2006.
62 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
_______. Xilogravura. Doze escritos na 
madeira. Fortaleza: Museu do Ceará; Secretaria 
da Cultura do Estado do Ceará, 2011.
_______. Mestres santeiros. Retábulos do 
Ceará. Fortaleza: Museu do Ceará; Secretaria 
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https://www.significados.com.br/cordel/
https://casadaxilogravura.com.br/
https://urca.br/liranordestina/
https://mestrenoza.blogspot.com/
https://mestrenoza.blogspot.com/p/
biografia.html
https://acordacordel.blogspot.
com/2011/06/mestres-da-gravura.html
AUTORA
Sandra Nancy Ramos Freire Bezerra 
é doutoranda em História pela 
Universidade Federal Fluminense 
(UFF), mestra em História Social pela 
Universidade Federal do Ceará (UFC), 
especialista em Teoria e Metodologia 
da História e em Arte Educação 
pela Universidade Regional do 
Cariri (Urca). Graduada em História 
pela Faculdade de Formação de 
Professores de Arcoverde. Professora 
e pró-reitora de extensão na Urca. 
Autora de vários trabalhos nas áreas 
de Artes e História. Desenvolve 
pesquisa sobre Xilogravura, Arte e 
Cultura Visual e Memória e Patrimônio 
Cultural. Atuou como coordenadora 
executiva da Comissão que elaborou 
o projeto e implantou os cursos de 
Artes Visuais e Teatro da Urca em 
Barbalha-CE. Coordenou o Projeto 
do Registro da Festa do Pau da 
Bandeira de Barbalha Urca/Iphan 
como Patrimônio Cultural Nacional. 
É membro do Comitê e da Comissão 
de estudos para tornar a Chapada do 
Araripe Patrimônio da Humanidade.
ILUSTRADOR
Daniel Dias é ilustrador e artista 
gráfico, com extensa produção em 
projetos editoriais, sendo a maior 
parte destinada ao público infantil 
e infantojuvenil. Seu trabalho tem 
como base a pesquisa de materiais e 
estilos, envolvendo estudo de técnicas 
tradicionais de pintura, desenho, 
fotografia e colorização digital.
Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 63
Este fascículo é parte integrante do projeto 
Formação de Mediadores de Educação 
Patrimonial, em decorrência do Termo de 
Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito 
Rocha e a Secretaria Municipal de Cultura de 
Fortaleza, sob o nº 02/2019.
Todos os direitos desta edição reservados à:
Fundação Demócrito Rocha
Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora 
Cep 60.055-402 - Fortaleza-Ceará 
Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271
fdr.org.br 
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EXPEDIENTE: 
FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR)
João Dummar Neto 
Presidente 
André Avelino de Azevedo 
Diretor Administrativo-Financeiro 
Marcos Tardin 
Gerente Geral 
Raymundo Netto 
Gerente Editorial e de Projetos 
Emanuela Fernandes 
Analista de Projetos
UNIVERSIDADE ABERTA 
DO NORDESTE (UANE)
Viviane Pereira
Gerente Pedagógica 
Marisa Ferreira
Coordenadora de Cursos
Joel Bruno 
Designer Educacional
Thifane Braga 
Secretária Escolar
CURSO FORMAÇÃO DE MEDIADORES 
DE EDUCAÇÃO PARA PATRIMÔNIO
Raymundo Netto 
Coordenador Geral, Editorial e Revisor
Cristina Holanda
Coordenadora de Conteúdo 
Amaurício Cortez 
Editor de Design e Projeto Gráfico
Miqueias Mesquita
Diagramador 
Daniel Dias
Ilustrador
Thaís de Paula 
Produtora
ISBN: 978-85-7529-951-7 (Coleção) 
ISBN: 978-85-7529-955-5 (Fascículo 4)
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