Buscar

UNIDADE 1 desafios contemporâneos

Prévia do material em texto

DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS 
CAPÍTULO 1 – SOMOS TODOS 
CIDADÃOS? 
Introdução 
Ao ouvir as palavras cidadão e 
cidadania, é comum nos remetermos às 
ideias de cidade e de participação dos 
indivíduos em sua sociedade. Além 
disso, cidadania também está associada 
à concepção de direitos que 
conformam uma vida digna, ou seja, o 
cidadão vive em uma coletividade, a 
sociedade, participa dela e possui 
direitos e deveres que lhe garantem 
uma vida digna. Essa poderia ser uma 
maneira de definir o que é cidadania, 
ligada à um coletivo de pessoas que 
atuam na sociedade de forma 
democrática e igualitária. Contudo, ao 
olhar ao nosso redor, será mesmo que 
todos os indivíduos de nossa sociedade 
participam ativamente das decisões 
que envolvem suas cidades, estados e a 
nação brasileira? Ou ainda, todas essas 
pessoas, que poderiam ser 
consideradas cidadãos, exercem de 
fato a cidadania? Em outras palavras, 
possuem as condições necessárias a 
uma vida digna? A igualdade, tão 
clamada e defendida pela sociedade 
moderna está de fato sendo defendida 
e praticada em nossa sociedade? 
 Construção da Cidadania 
A palavra cidadania ou o que ela 
representa, nem sempre existiu ou 
teve o mesmo significado em 
diferentes lugares e ao longo do 
tempo. A concepção de cidadania a 
qual nos referimos é localizada no 
mundo ocidental e teve sua 
consolidação com o surgimento do 
mundo moderno, pautado nos ideais 
da razão, da ciência e da ampliação da 
participação política, que motivaram 
importantes revoluções, inicialmente, 
no contexto europeu, nos séculos XVIII, 
XIX e XX. 
Outra ideia e valor importante, 
também surgido na modernidade, é o 
próprio conceito de indivíduo, 
entendido enquanto um sujeito de 
direitos e envolto aos ideais de 
igualdade e liberdade que 
configuraram os Estados democráticos 
e capitalistas, com a formação da 
sociedade civil e a proteção da 
propriedade privada. O antropólogo 
francês Louis Dumont (1911-1998) 
identifica o individualismo como a 
ideologia da modernidade, ou seja, o 
conjunto de ideias em que o indivíduo 
é colocado como um valor central, 
posto que a ideologia é o modo como 
diferentes grupos sociais atribuem 
sentido às suas experiências no 
mundo. 
Breve história da cidadania 
As possíveis origens da cidadania 
remetem à antiguidade e aos 
contextos de Roma e Grécia, posto que 
nas cidades-estados desses países 
foram identificadas as primeiras 
formas de participação da população 
nas decisões da cidade. Apesar de cada 
integrante ter direito de voz e voto, 
apenas os considerados como 
cidadãos tinham este privilégio. 
Cidadãos eram apenas os homens, 
livres e com propriedades. Mulheres, 
escravos, artesãos e comerciantes 
estavam excluídos dessa classificação. 
Contudo, um conjunto de 
transformações ocorridas desde o 
século XV com a Expansão Marítima, 
Reforma Protestante no século XVI, 
além da Revolução Científica (século 
XVII), Independência dos Estados 
Unidos 
(1776), Revolução Francesa (1789), 
Revolução Industrial (final do século 
XVIII) e urbanização do mundo 
ocidental, provocaram mudanças 
profundas que promoveram o fim da 
Idade Média e o advento da 
Modernidade. 
 
O momento que instaura a 
modernidade pode ser caracterizado 
pela consolidação da burguesia 
enquanto grupo central, pois além do 
poder econômico acumulado com a 
expansão marítima e a posterior 
compra de fábricas, este grupo 
também conquistou o poder político, 
antes concentrado na aristocracia rural 
e na igreja católica. A mudança de 
gestão e organização política trouxe o 
surgimento do Estado Moderno, que 
concentrou o aparato administrativo, 
jurídico e de segurança das novas 
Nações. E também os ideais de 
liberdade e igualdade para todos os 
indivíduos inseridos em cada território. 
Saiba mais 
Os filósofos ingleses Thomas Hobbes 
(1588-1679) e John Locke (1632-
1704), e o franco-suíço Jean-Jacques 
Rousseau (1712-1778) são conhecidos 
como contratualistas por defenderem 
que o surgimento do Estado Moderno 
é resultado de um contrato social, em 
que os homens viveriam em um 
estado de natureza e decidiram abrir 
mão de sua total liberdade para a 
constituição da sociedade civil. 
Contudo, estes filósofos divergiam 
quanto ao estado de natureza e a 
função do Estado. Para Hobbes, esta 
instituição viria para evitar uma guerra 
de todos contra todos; para Locke, 
atuaria como um juiz, já para Rousseau 
foi a instituição da propriedade 
privada que provocou o surgimento do 
Estado, posto que o estado de 
natureza seria o Éden, da felicidade 
plena. 
Então, desde a noção de cidadania que 
apenas abarcava homens abastados 
em Roma e Grécia, passando por 
quase nenhuma incidência no período 
feudal, é na modernidade, 
principalmente com a elaboração da 
Declaração de Independência dos 
Estados Unidos da América (1776) e a 
Declaração dos Direitos do Homem e 
do Cidadão (1789), elaborada na 
França, que a cidadania, na forma 
como é pensada e vivenciada por nós 
atualmente, foi inaugurada. 
Juntamente às transformações 
políticas, a sociedade e a economia 
também foram bastante abaladas com 
a possibilidade de participação nas 
decisões que envolviam estados, 
regiões e países e com a 
industrialização e urbanização que o 
mundo ocidental experimentava a 
partir do século XVIII. O modo de 
produção capitalista, pautado pela 
formação de um grupo que vendia a 
sua mão de obra para os donos das 
máquinas e fábricas em troca de um 
salário, gerou a classe trabalhadora, 
primeiro grupo que passou a 
organizar-se coletivamente para a 
conquista de direitos visando 
melhorar suas condições de vida e 
trabalho. Portanto, praticando uma 
das dimensões da cidadania, que é a 
luta por direitos civis, políticos e 
sociais. 
O sociólogo britânico Thomas 
Humphrey Marshall (1893-1981), em 
sua obra “Cidadania, classe social e 
status”, de 1950, (ARAÚJO, BRIDI e 
MOTIM, 2013), focada no contexto 
industrial inglês, defendia que a busca 
pela efetivação dos direitos era a 
condição principal para a cidadania, e os 
classificou em três grupos: 
 
Direitos civis: relacionados à 
liberdade de expressão, de 
prática religiosa e direito de 
propriedade; 
Direitos políticos: relacionados à 
possibilidade de opinar e de 
ocupar cargos políticos; 
Direitos sociais: voltados para a 
garantia de dignidade de 
cidadãos à margem da 
sociedade. 
 
Saiba mais 
 
O marxismo contribui bastante para a 
construção da cidadania, é o que 
afirma Maria de Lourdes Manzini-
Covre em seu livro “O que é 
cidadania?” Numa constante briga 
com a burguesia no que se refere a 
forma do uso dos direitos aplicados a 
sociedade na dominância de grupos 
sociais, o marxismo é base de uma 
teoria usada para transformar a 
sociedade burguesa, expressando a 
ideia do trabalho como forma de 
opressão e exploração. Marx (1818-
1883) avança na questão da cidadania 
ao ser sufocado por esta luta. 
(MANZINI-COVRE, 2013). 
A denúncia de Marx vai de encontro a 
questão do trabalhador. Por exemplo, 
o operário é obrigado a vender sua 
força e habilidades no trabalho, mas 
não escolhe suas condições 
trabalhistas, percebendo que na 
maioria das vezes não tem o retorno 
esperado nos aspectos de 
alimentação, educação, mobilidade e 
saúde, a chamada exploração 
capitalista. Perceba que a influência do 
marxismo tem impacto relevante na 
construção da lei em oferecer um 
melhor sistema de trabalho, sendo 
que na ascensão do capitalismo se tem 
uma ideia de exploração ao operário 
que trocava suas horas de trabalho por 
remunerações baixíssimas. 
 
Agora você consegue perceber o 
ponto onde Marx quer chegar, é isso 
mesmo! O sistema socialista, onde o 
estado perde forças e a sociedade 
trabalhadora que dita o planejamento 
de todos ao trabalho e aos bens 
necessários a vida. Note que a imagemdo socialismo ideal é aparentemente 
linda, mas no leste Europeu este foi 
destruído por suas próprias mazelas. 
Mas não podemos negar que o 
“poderoso” Estado procura na 
atualidade se mostrar como um órgão 
de todos, porém no fundo visa 
favorecer os que estão no poder. 
 
Veja que todo esse ideal tem impacto 
na cidadania, que hoje é usada como 
arma para combater a exploração do 
Estado, esse tipo de cidadania sempre 
é sufocada pela cidadania pautada no 
consumo, herança capitalista, assim 
como a cidadania mais plena é uma 
herança marxista, que de forma 
aparente é benéfica ao trabalhador e a 
sociedade oprimida, mas que no fundo 
não funciona plenamente. 
Cidadania no Brasil 
A cidadania no Brasil é um assunto 
bastante delicado, mas como em 
qualquer outro contexto, é importante 
saber a história de nosso país e os 
caminhos que foram e continuam sendo 
traçados a favor ou contrários à 
ampliação da cidadania dos brasileiros. 
Diferentemente do contexto europeu, 
em que as revoluções burguesas, a 
valorização da ciência e da razão e os 
movimentos operários contribuíram 
para a consolidação da igualdade e 
participação política de sua população 
desde o século XVIII, por aqui o 
percurso se deu posteriormente, 
influenciado pelos acontecimentos do 
além-mar, ou seja, pela expansão 
marítima europeia. 
Se a cidadania diz respeito à participação 
popular na vida política de um Estado-
Nação e o exercício de direitos civis, 
políticos e sociais, nosso país esteve 
bastante aquém de alcançá-la. Primeiro, 
porque africanos e indígenas foram 
escravizados durante pelo menos três 
séculos, tendo a escravidão abolida 
apenas um ano antes da Proclamação da 
República, em 1888. Além disso, para 
ficarmos apenas no exemplo de direitos 
políticos, no Brasil, apenas em 1934 foi 
permitido às mulheres votar e somente 
com a Constituição de 1988 os 
analfabetos conquistaram este direito. 
Desde a primeira Constituição (1891) até 
a atual (1988), o Estado brasileiro 
assumiu várias feições, de ser 
sustentado e ocupado apenas por 
ruralistas, quando o voto era aberto e 
vigiado (“voto de cabresto”), passando 
pela Era Vargas (1930-1945), uma 
iniciante democracia, 20 anos de 
ditatura militar (1964-1984), até 
alcançarmos o retorno ao regime 
democrático de direito (1985). Nesse 
percurso, os direitos políticos foram 
conquistados por grande parte da 
sociedade, mas os direitos civis e sociais 
ainda se manifestam como um grande 
desafio para os movimentos sociais e os 
indivíduos que defendem uma ampla 
cidadania como condição para um 
mundo mais justo e igualitário. 
Vamos tomar como exemplo a 
população negra. Apesar da liberdade de 
culto religioso ser um direito civil 
garantido pela Constituição de 1988, é 
comum as mídias registram casos de 
assassinatos e violências a líderes e casas 
de religião de matriz africana. Quanto 
aos direitos sociais, institutos de 
pesquisa, como o Instituto Brasileiro de 
Geografia e Estatística (IBGE), divulgam 
dados que comprovam o assassinato de 
grande parte da juventude, o 
encarceramento da população negra e a 
violência contra as mulheres, 
principalmente negras. 
Saiba mais 
Educação, saúde, moradia, trabalho, 
lazer, esporte e segurança são direitos 
garantidos a todos os cidadãos 
brasileiros pela Constituição Federal de 
1988. Ainda que na teoria isso seja de 
conhecimento, na prática, esses direitos 
estão longe de serem garantidos pelo 
Estado, fazendo com que uma parcela da 
população recorra aos serviços privados, 
e a maioria simplesmente viva 
cotidianamente sem acessá-los, ainda 
que a existência dos impostos seja 
justificada para garanti-los. 
Na resistência a favor da vida e da 
dignidade da população excluída dos 
meios de subsistência e integração 
social, o Brasil conta com extenso 
número de movimentos sociais, 
sindicatos, associações e organizações 
não governamentais, que atuam 
questionando e pressionando projetos e 
leis aprovados e postos em prática pelos 
poderes legislativo, executivo e também 
judiciário, visando a efetivação de 
políticas públicas e sociais que de fato 
reconheçam a cidadania da maioria da 
população brasileira. 
 
Ao longo do tempo, os movimentos 
sociais também foram mudando sua 
organização e forma de atuação. Se na 
metade do século XX se proliferou 
grande número de sindicatos 
representativos da classe 
trabalhadora, com forte estrutura 
hierárquica e práticas de panfletagem 
para a organização de passeatas e 
greves, atualmente, com o 
desenvolvimento de novas 
tecnologias, os movimentos 
encontram-se cada vez mais 
horizontais e abarcando maiores 
escalas via mídias digitais que tem 
capacidade para conectar pessoas nos 
mais distantes lugares do globo. As 
manifestações de junho de 2013, bem 
como outras da contemporaneidade, 
foram articuladas e disseminadas de 
tal modo. Vamos continuar nossos 
estudos com o tema direitos humanos. 
Os direitos humanos 
 
Para entender o que são e como surgiu 
os direitos humanos, precisamos 
contextualizar historicamente de qual 
momento e local estamos falando. 
Vimos que o conceito de cidadão foi se 
transformando, pois nem sempre 
abarcou todas as pessoas que 
compunham determinada sociedade, já 
que durante muito tempo apenas eram 
considerados cidadãos os homens, 
livres e com propriedades. 
A concepção de direitos humanos, que 
nos referimos com tanta naturalidade, 
foi desenvolvida na modernidade, 
quando as revoluções burguesas 
depuseram os regimes absolutistas e a 
democracia, caracterizada pela 
soberania popular, foi estabelecida. O 
surgimento dos Estados Democráticos, 
a partir do século XVII no contexto 
europeu, institucionalizou a sociedade 
civil e impulsionou o surgimento de 
direitos e deveres para a manutenção e 
organização da sociedade. A ideia de 
cidadania está atrelada a este cenário 
de ampliação da participação política e 
da conquista de direitos: “na sua 
acepção mais ampla, cidadania é a 
expressão concreta do exercício da 
democracia” . 
Historicamente, os direitos foram 
associados e restritos aos grupos 
dominantes e a ampliação para o 
conjunto maior da sociedade está ligada 
à modernidade e suas transformações 
políticas, sociais e econômicas. Os 
direitos humanos da 
contemporaneidade se pretendem 
universais, indivisíveis, 
interdependentes e inter-relacionados. 
Aspectos históricos e 
sociológicos dos direitos 
humanos 
A Declaração Universal dos Direitos 
Humanos, publicada originalmente em 
10 de dezembro de 1948, pela 
Organização das Nações Unidas (ONU, 
2009), é considerada o marco 
regulatório decisivo para a 
implementação e fiscalização dos 
direitos humanos no mundo ocidental 
moderno. A ONU surgiu em 1945, ano 
em que terminou a Segunda Guerra 
Mundial, com o intuito de incentivar o 
diálogo entre as nações e evitar novas 
catástrofes mundiais. Nesse sentido, a 
declaração dos direitos humanos foi um 
documento importante para enfatizar o 
caráter universal dos direitos, levando 
em consideração a pluralidade dos 
povos, bem como a sub- 
representatividade de determinados 
grupos nas esferas de poder e prestígio. 
A defesa pela igualdade e liberdade dos 
indivíduos foi uma das principais 
bandeiras ainda nas revoluções liberais-
burguesas nos séculos XVII e XVIII. 
Àquela época, o grupo que conseguiu 
acumular renda, mas que ainda era 
desprovido de poder e participação 
política, uniu-se ao 
povo, os desprovidos de privilégios, 
mas obrigados a pagar altos impostos 
para os nobres, para o rei e para a igreja, 
para ter mais forças e conseguir 
realizar tais revoluções. Ao garantirem 
sua vitória, a burguesia aos poucos foi 
agindo contrariamente à consolidação 
de direitos para o povo, posto que não 
mais precisava de seu apoio, mas agora 
da exploração de suas vidas e trabalho 
para desenvolvero sistema capitalista. 
Nesse período, começaram a ser 
disseminadas as correntes do socialismo 
e do comunismo entre a classe 
trabalhadora, que passou a organizar-
se na forma de partidos e sindicatos e 
lutar por melhores condições de 
trabalho A primeira metade do século XX 
foi marcada então pela divisão do globo 
entre países capitalistas e socialistas, 
culminando no surgimento de estados 
fascistas e totalitários e na Segunda 
Guerra Mundial. 
Nas práticas de colonização 
promovidas pela Europa na América 
Latina, África e Ásia também podemos 
identificar a desumanização dos povos 
dominados, que tiveram sua cultura, 
língua, economia e religião 
negligenciados e combatidos em prol 
da ocidentalização do mundo. Outro 
exemplo de violência contra a 
universalidade da humanidade pôde 
ser observada no regime nazista 
alemão que, baseado em uma ideia de 
supremacia racial, também dizimou 
milhões de pessoas e implementou os 
campos de concentração. 
Saiba mais 
 
No Brasil foi instituída uma Comissão 
Nacional da Verdade (CNV), em 2011, 
durante o governo de Dilma Rousseff, 
para investigar violações aos direitos 
humanos cometidos entre 18 de 
setembro de 1946 e 5 de outubro de 
1988, abarcando o primeiro período 
democrático do país (1946-1964), a 
ditadura militar (1964-1984), o 
retorno à democracia (1985) e a 
instituição da atual Constituição 
Federal (1988). 
 
Outro desafio a partir da Declaração 
Universal dos Direitos Humanos é de 
que todos os indivíduos “são iguais 
perante a lei”, além de livres para 
expressarem suas opiniões e 
cultuarem a religião que escolherem. 
Bom, basta olharmos qualquer 
reportagem e/ou relato do cotidiano 
para percebermos que a justiça não se 
aplica de maneira igualitária, 
independente da cor/etnia, classe 
social, gênero, nacionalidade, 
orientação sexual, opção política-
ideológica etc. Também temos os 
casos de “prisioneiros da consciência”, 
ou seja, pessoas que foram presas por 
se manifestarem contrariamente a 
governos totalitários, como durante a 
ditadura militar no Brasil. E quanto à 
religião, casos de repressão às suas 
manifestações, como o uso no véu na 
França por muçulmanas, que foi 
repreendido, ou os casos de 
depredação de casas de religião de 
matriz africana no Brasil. 
Então, é pertinente nos determos na 
afirmação de John Dewey que o 
historiador Marco Mondaini (2009, p. 
159) nos traz à tona: “Se você quer 
estabelecer a concepção de uma 
sociedade, descubra quem está na 
prisão”. Essa afirmação é importante 
para que possamos avaliar se os ideais 
de justiça social, paz, diversidade 
cultural e respeito aos direitos 
humanos estão sendo exercidos nos 
diferentes países. 
Brasil legal x Brasil real 
O caminho percorrido pelos Estados 
Unidos, Inglaterra e França, é de 
conquista de direitos civis – as liberdades 
individuais (século XVII e XVIII), depois 
direitos políticos – igualdade política 
(século XIX), e direitos sociais– igualdade 
social (século XX). No Brasil, houve 
inicialmente, alguns ganhos sociais, 
como a consolidação das leis trabalhistas 
(CLT), em 1943, durante o governo de 
Getúlio Vargas, para que posteriormente 
fossem conquistados direitos civis e 
políticos, principalmente após a ditadora 
militar, em 1984, quando foi 
(re)instituído no Brasil o Estado 
Democrático de Direito. 
Em termos legais, o Brasil se coloca 
como um dos países com legislação mais 
avançada da América Latina, contudo 
percebemos grande contradição entre o 
campo “legal” e o “real”, ou seja, apesar 
de uma constituição e leis que garantem 
a igualdade, liberdade e dignidade de 
todos os cidadãos, os direitos 
fundamentais como saúde, moradia, 
segurança, transporte, lazer e educação 
são escassos a ampla parcela da 
população. 
A dinâmica social contemporânea, ainda 
que imbuída em um cenário de direitos 
e normas jurídicas estabelecidas, se 
passa como se ainda vivêssemos na 
idade média, quando o poder 
econômico e político eram 
determinados pelo nascimento, já que 
mesmo com a igualdade presente nas 
leis, não há meios adequados para que 
pessoas de diferentes estratos sociais 
alcancem os lugares mais prestigiados da 
sociedade. Mesmo que a justificativa 
não seja mais os “desígnios de deus”, a 
estratificação ou desigualdade social é 
uma das características mais evidentes 
de nosso país. 
Pessoas são tratadas de forma distinta 
conforme os marcadores de diferença, 
classe, cor e gênero, por exemplo. O 
aparato público é utilizado com fins 
privados e o coronelismo ainda se 
apresenta como uma das principais 
práticas políticas. Esse clientelismo que 
deveria ter acabado com a instituição da 
democracia e ampliação da cidadania 
ainda não foi exterminado, já que os 
políticos atuais são os mesmos ou, 
então, descendentes dos antigos 
coronéis. Assim, os direitos humanos 
ainda não conseguiram garantir a 
emancipação real da maioria da 
população brasileira. 
É inegável que desde a abertura política 
já tivemos inúmeros avanços, mas 
infelizmente estes também chegam 
acompanhados por retrocessos. A 
reforma agrária que possibilitaria a 
permanência dos agricultores no campo, 
a manutenção de identidade e cultura de 
quilombolas e indígenas ainda não foi 
realizada. Ao mesmo tempo em que 
houve a universalização de crianças nas 
escolas, também enfrentamos uma taxa 
de mais de 10 milhões de brasileiros 
desempregados (GOMES, 2018). 
Vivemos, então, em um Brasil em que 
uns são mais humanos do que outros? 
Enfrentar essas disparidades se constitui 
como um desafio urgente para 
construirmos um lugar realmente plural 
e digno para todos, onde a paz, a 
segurança coletiva, o desenvolvimento e 
os direitos humanos sejam 
indissociáveis. 
Mulheres e minorias 
Este tópico diz respeito aos avanços, 
desafios e entraves para o exercício da 
cidadania e do respeito aos direitos 
humanos de grupos subalternizados, 
também chamados de minorias. O 
primeiro ponto que precisamos elucidar 
se relaciona justamente a palavra 
minorias. Quando a ouvimos, a primeira 
ideia que nos vem à cabeça tem a ver 
com um número reduzido, ou seja, com 
quantidade. No entanto, essa imagem 
pode gerar equívocos quando a palavra 
minorias está associada a políticas 
públicas ou direitos humanos. 
Isso porque grupos compostos por 
milhões de pessoas – que, muitas vezes, 
podem constituir a maioria em termos 
numéricos da população de 
determinada sociedade -, mas que, 
contrariamente à sua presença 
numérica, estão sub-representados em 
espaços de poder, prestígio, educação, 
renda, saúde e lazer. Além disso, são 
hiper-representados entre o grupo com 
menor poder aquisitivo, ocupando os 
empregos menos valorizados e 
prestigiados, deficitários de saúde, 
educação, moradia, segurança, lazer e 
respeito aos direitos humanos. 
Nesse sentido, as mulheres e outros 
grupos como homossexuais, transexuais 
e transgêneros, deficientes, idosos, 
jovens e crianças, são estratos da 
sociedade considerados minorias 
justamente por estarem mais 
vulneráveis a violências e carentes de 
respeito aos seus direitos humanos mais 
fundamentais. Em contraponto às 
minorias, está o grupo hegemônico, 
provido de privilégios e vantagens 
historicamente perpetuadas. Esse lugar 
é ocupado por homens, brancos, 
heterossexuais, que moram nos lugares 
mais caros das cidades, ocupam 
profissões bem remuneradas e 
respeitadas e estão menos sujeitos às 
violências criminosas e institucionais, 
fazendo com que pessoas que não 
correspondem a este perfil sejam vistas 
e tratadas como não tão “humanas” 
assim. 
(Des)naturalização das 
desigualdades 
Enquanto seres coletivos, vivendo em 
sociedade, nossa socialização desde a 
infância se dá por meio de instituições 
sociais, como família, escola, igreja e 
Estado, que, frequentemente, 
disseminam o modelo hegemônicosobre o que é normal ou anormal para a 
contribuição da ordem social. 
Entretanto, nesta “ordem”, 
normalmente alguns grupos são 
privilegiados, enquanto outros são 
inferiorizados. Portanto quem detêm o 
poder político e econômico não 
pretende perder seus privilégios e, para 
isso, faze uso do aparato ideológico para 
manter a estrutura social no modelo que 
mantém sua posição de dominação 
sobre outros. 
Isso acontece, por exemplo, em relação 
ao conceito, características e 
significados de mulher e homem em 
nossa sociedade. Somos ensinados que 
quem nasce com uma vagina é do sexo 
feminino e devem ser socializados como 
mulheres, enquanto quem nasce com 
pênis, devem aprender a ser homem. 
Essa associação, que durante tanto 
tempo foi vista como natural e 
disseminada pelas instituições sociais, 
atualmente começa a ser tensionada por 
estudiosos que irão defender que a 
própria biologia é uma construção 
cultural (MARILYN STRATHERN, 1992 
apud CARVALHO, 2012), portanto não é 
natural ou imutável. 
Mas, seguindo o modelo sexo-gênero 
(GAYLE RUBIN, 1975 apud CARVALHO, 
2012), tão difundido ao longo dos 
tempos, a genitália determinaria o 
comportamento social das pessoas e 
também o papel que estas deveriam 
desempenhar nos seus contextos 
sociais. Podemos perceber que essa 
estrutura binária contribuiu para a 
dominação masculina e a opressão das 
mulheres. 
Alguns autores vão justificar que as 
mulheres estariam ligadas à natureza e à 
reprodução da família e do lar, enquanto 
os homens estariam atrelados à cultura, 
ao espaço público e ao sustento de suas 
famílias e lares, como se homens e 
mulheres estivessem limitados a apenas 
um destino estabelecido pela natureza. 
Várias pesquisas em diferentes 
sociedades (MARGARETH MEAD, 2000 
apud CARVALHO, 2012) contrapuseram 
este quadro, demonstrando que existem 
vários modelos sobre o que é ser homem 
ou mulher e nem sempre ligados à 
constituição biológica dos seres. Além 
disso, hoje se sabe que a maneira 
dicotômica de classificar o mundo em 
macho/fêmea, alto/baixo, mente/corpo, 
é apenas uma das possibilidades de 
entendimento, dentre várias outras, 
cada vez mais múltiplas. 
Em relação especificamente às 
mulheres, que se constitui como uma 
minoria por não gozar de plena 
cidadania e respeito aos direitos 
humanos, foi justamente durante as 
revoluções liberais, que elas passaram a 
questionar sua ausência no grupo dos 
cidadãos. A Declaração dos Direitos do 
Homem e do Cidadão, por exemplo, não 
incluía as mulheres. Desde o início da 
modernidade, as mulheres passaram a 
lutar por sua efetiva inserção na 
sociedade civil, reclamando seu direito 
de voto e também de poderem assumir 
cargos políticos. 
Saiba mais 
A Arábia Saudita é um país em que as 
diferenças entre os direitos e papéis 
de homens e mulheres é bastante 
desigual, visto sob o contexto dos 
direitos humanos. As mulheres 
precisam da autorização de um 
parente masculino para viajarem, 
trabalharem ou casarem. Foi o último 
país no mundo a negar as mulheres o 
direito de voto, conquistado apenas 
em 2015, e ainda assim, a 
representatividade das mulheres é 
irrisória, apenas 1 em cada 10 
eleitores. 
A luta pelo direito do voto, quando da 
consolidação dos Estados 
democráticos no ocidente, se 
constituiu como a “primeira onda” na 
história oficial do feminismo – 
movimento acadêmico e ativista que 
atua em prol das mulheres. 
Posteriormente, com a 
industrialização e urbanização, as 
mulheres também passaram a se 
organizar para exercerem direitos 
iguais aos dos homens como o de 
ocupar o emprego que lhes desse 
vontade e ter a mesma remuneração 
que seus pares masculinos. Além 
disso, também passaram a questionar 
seus papéis sexuais enquanto apenas 
esposas, mães e responsáveis pelos 
afazeres domésticos, e a reivindicar 
por liberdade sexual, o que foi 
facilitado com a invenção da pílula 
anticoncepcional na década de 1950, a 
prática sexual não mais estaria 
atrelada somente à reprodução. 
Enquanto ferramenta de produção de 
conhecimento científico, após o 
conceito de papéis sexuais, na década de 
1980, a feminista estadunidense Joan 
Scott (1985) introduziu o conceito de 
gênero para estudar o caráter cultural 
dos papéis de homens e mulheres. 
Partindo dessa ferramenta analítica, 
muitas pesquisas foram desenvolvidas, 
mas inicialmente apenas chamando 
atenção para as trajetórias sociais e 
dificuldades que as mulheres 
enfrentavam/enfrentam em seus 
cotidianos. Depois, houve o 
entendimento de que a categoria gênero 
seria relacional, se trataria das relações 
sociais constituídas por homens e 
mulheres e suas peculiaridades. Nesse 
momento, surgem trabalhos que 
também interpelam e manifestam a 
existência de masculinidades e 
feminilidades no plural. 
Isso significa que de categorias que antes 
foram determinadas biologicamente, 
homens e mulheres passaram a ser 
constructos sociais e,portanto, passíveis 
de mudanças, já que a cultura está em 
contínua transformação. 
Além das recentes discussões sobre o 
caráter cultural da natureza, as 
perspectivas de feministas afro-
estadunidenses, desenvolvidas pelos 
menos desde os anos 1960, juntamente 
com as abordagens de mulheres do 
“terceiro mundo”, passaram a ter maior 
visibilidade a partir dos anos 1990. 
Autoras como Angela Davis, Bel Hooks, 
Kimberlé Crenshaw, Chandra Mohanty e 
Lélia Gonzalez chamaram atenção para a 
heterogeneidade da categoria mulher, 
defendendo que as experiências e 
opressões variam de acordo com o lugar 
que determinada mulher ocupa e da 
sociedade em que está inserida. Desse 
modo, salientam que classe social, cor, 
orientação sexual e religião não podem 
ser entendidas de forma separada ou 
hierarquizada, pois, muitas vezes, atuam 
de forma simultânea nas trajetórias de 
diferentes mulheres. Então, levantaram 
críticas a respeito de apenas um discurso 
feminista, pautado nas experiências de 
mulheres, brancas, heterossexuais, 
norte-americanas e europeias. 
Para enfrentar as desigualdades e 
violências que diferentes mulheres ainda 
enfrentam, os movimentos sociais, 
organizações não governamentais e 
partidos sensibilizam a opinião pública 
por meio de campanhas e protestos, 
visando o estabelecimento de leis de 
proteção e políticas afirmativas para que 
as mulheres possam ser respeitadas em 
seus direitos humanos e ocupem 
diferentes espaços sociais. 
No Brasil, em 7 de agosto de 2006, foi 
sancionada a Lei Maria da Penha - Lei 
11.340 (BRASIL, 2006) que visa 
criminalizar e punir a violência contra as 
mulheres. Há também a Lei do 
Feminicídio – Lei 13.104 (BRASIL, 2015) – 
que classifica como crime os 
assassinatos cometidos em razão de 
serem mulheres. 
A questão étnica racial 
Para justificar a colonização, exploração 
e dominação de povos e países, os 
europeus ancoraram-se em teorias 
pseudocientíficas que abalizavam 
diferenças étnico-raciais enquanto 
desigualdades intelectuais e morais. Isto 
é, utilizaram a teoria da evolução das 
espécies desenvolvida por Charles 
Darwin (1809-1882) para explicar a 
manutenção e proliferação de certos 
tipos de animais e vegetais, e 
construíram a teoria da evolução social, 
pautando-se pelo argumento de que 
povos também deveriam passar por 
estágios evolutivos para progredirem. 
Iriam da selvageria, passando pela 
barbárie, até chegar na civilização, que 
seria a cultura ocidental europeia. 
Assim, o argumento moralmente 
defendido para a colonização era de que 
os europeus iriam “civilizar” o novo 
mundo, enquanto uma “missão de ajuda 
humanitária”. Não é preciso adivinhar 
que para tal intento, no caso brasileiro, 
trataram como selvagens e bárbaros 
indígenas, africanos e seus 
descendentes. Era preciso tornar inferior 
estes grupos, juntamente às suas 
culturas e religiões, para que o projeto 
“civilizatório”desse certo. Com isso, 
foram aplicadas na sociedade brasileira 
teorias raciais que surgiram na Europa 
desde o século XIX, e pregavam a ideia 
de supremacia e pureza raciais. Então, 
além do genocídio da população 
indígena e a escravização de africanos, 
também foram postos em práticas 
políticas públicas para o 
embranquecimento da população, sob o 
argumento que o desenvolvimento da 
nação estaria diretamente relacionado 
com o fim da população negra e 
indígena. 
Saiba mais 
O psiquiatra e filósofo martinicano, de 
ascendência francesa e africana, Franz 
Fanon (1925- 1961), escreveu sobre os 
efeitos do racismo na subjetividade de 
homens racializados e lutou pela 
independência da Argélia. Suas obras 
“Pele negra, máscaras brancas” (1952) e 
“Os condenados da terra” (1961) são 
referências dos estudos culturais e pós-
coloniais. 
Como você pode subentender, durante 
muitos séculos o conceito de cidadão 
brasileiro não incluía a população negra 
ou indígena. Por serem considerados 
“menos humanos” que os brancos, não 
eram reconhecidos como sujeitos dos 
direitos humanos, logo, o país vem 
perpetuando uma dívida com esses 
grupos, que podem ser considerados 
minorias, e que, infelizmente, apesar de 
alguns direitos já reconhecidos, 
continuam tendo que resistir aos efeitos 
da discriminação racial que estrutura a 
sociedade brasileira. 
Surge, então, a pergunta: como 
consolidar a cidadania e a democracia 
plena em um país fundado na 
desigualdade social e no preconceito 
racial? A resposta passa por uma grande 
revolução em todas as esferas da vida 
social, com a prioridade dos direitos 
humanos universais. Com isso, 
poderemos pensar em nos 
desenvolvermos e constituirmos em um 
povo harmônico e miscigenado de fato, 
enquanto isso, ainda temos muita 
estrada pela frente. 
Enxergando a sociedade 
brasileira 
A década de 1930 ficou conhecida 
como o período em que surge a 
sociologia no Brasil. O início foi 
marcado por perguntas que buscavam 
entender a sociedade e a cultura 
brasileira, “afinal, o que faz o Brasil, 
Brasil?”. Nesse momento, surgiram 
obras importantes com o intuito de 
responder tal questionamento como 
“Casa Grande e Senzala” (FREYRE, 
1992 [1933]), do pernambucano 
Gilberto Freyre (1900-1987), em que 
podemos perceber uma crítica à 
supremacia racial das teorias raciais do 
século XIX. O autor aborda a 
miscigenação entre europeus, 
africanos e indígenas como o traço 
central da sociedade brasileira, mas 
defende o que ficou conhecido como o 
“mito da democracia racial”, como se 
no Brasil não existisse conflitos raciais 
e todos os povos vivessem com 
respeito, igualdade e harmonia. Desse 
modo, o mito da democracia racial 
corresponde à ideia de que no Brasil 
não existem conflitos raciais e todos os 
segmentos sociais tem a mesma 
oportunidade de acesso a direitos, 
bens e serviços, ou seja, uma falácia. 
Por décadas e mesmo nos dias atuais, 
o mito de que no Brasil não existem 
conflitos raciais ainda é disseminado 
quando se deseja discorrer sobre a 
sociedade brasileira. O problema é que 
ele máscara e invisibiliza a realidade de 
grupos brasileiros (negros e 
indígenas), contribuindo assim para a 
perpetuação de violências, 
desigualdades e segregações. 
No Brasil, metade da população é 
negra ou não branca (SARAIVA, 2017), 
mas estes estão sub-representados 
nos locais de prestígio e poder da 
sociedade e hiper-representados nas 
profissões de menor valorização e 
remuneração, como o trabalho 
doméstico, de portaria e segurança. 
Ocupam os bairros menos valorizados, 
distantes do centro das cidades, 
muitas vezes, com falta de 
saneamento básico e serviços. Assim 
como as mulheres, a população negra 
ou não branca, sobretudo, mulheres 
negras, ganham menos que os homens 
brancos ao realizarem o mesmo 
serviço. 
CASO 
No Brasil, 
existem aproximadamente 6 milhões 
de trabalhadores domésticos. Destes, 
mais de 95% são mulheres, e em torno 
de 70% mulheres negras. Apenas 30% 
destas trabalhadoras possuem a 
carteira de trabalho registrada e 
contribuem para a previdência 
social. Isso quer dizer que durante 
décadas essas mulheres trabalharam 
sem a garantia de um salário mínimo, 
uma jornada de trabalho estabelecida e 
a garantia 
de aposentadoria. Somente em 2015, 
 foi regulamentada a “lei das 
domésticas”, LCP 150 (BRASIL, 2015), 
que visa equiparar os direitos das 
trabalhadoras domésticas aos demais 
trabalhadores. A lei abarca somente 
trabalhadoras mensalistas, enquanto 
cresce o número de 
diaristas, que trabalham várias vezes 
por semana. Algumas trabalhadoras 
preferem o trabalho na forma 
de diaristas, pois podem flexibilizar 
seus horários, porém com 
isso apenas recebem quando estão 
trabalhando, além de que os danos para 
a saúde a longo prazo podem ser bem 
maiores. 
 
Atualmente, o Ministério do Trabalho 
busca fiscalizar e punir os empregadores 
que não estão obedecendo a lei 150/15. 
Os movimentos sociais continuam se 
organizando para conseguirem mais 
direitos para as diaristas, que já 
representam aproximadamente 30% do 
grupo. 
Os indígenas são os povos originários de 
nossas terras e bastantes heterogêneos, 
organizados em diferentes etnias, com 
língua e cultura próprias. De acordo com 
o censo de 2010 (BRASIL, 2012) do 
Instituto Brasileiro de Geografia e 
Estatística (IBGE), existem 
aproximadamente 817.963 indígenas, 
falando 274 línguas distintas e divididos 
em torno de 305 povos. 
É comum achar que eles fazem parte do 
passado, de uma cultura selvagem e que 
vivem apenas na Floresta Amazônica. 
Essas ideias etnocêntricas foram 
disseminadas durante a colonização 
justamente para colaborar com a 
exploração e dizimação dos povos 
indígenas e, atualmente, são usadas por 
empresários que visam o uso ilimitado 
das terras para fins privados e 
comerciais. 
Como o número do censo em relação à 
diversidade nos mostra, os índios 
persistem e estão cada vez mais 
ocupando diferentes lugares na 
sociedade sem perderem suas 
identidades. 
As culturas indígenas são parte 
constitutiva da sociedade brasileira, seja 
no vocabulário, nas práticas alimentares 
ou medicinais, e suas influências estão 
presentes no cotidiano de qualquer 
cidadão, bem como a influência das 
culturas africanas, europeias e, em 
menor medida, asiáticas. 
Como mecanismo para promover a 
igualdade de segmentos sociais 
historicamente discriminados, políticas 
públicas diferenciadas começaram a ser 
desenvolvidas, de ações afirmativas, 
com intuito de implantar mecanismo de 
cotas para que os grupos minoritários 
possam alcançar de maneira mais rápida 
igualdade de oportunidades nas 
sociedades. 
De acordo com a antropóloga Ana Paula 
Comin de Carvalho (2012), citando o 
etnólogo Carlos Moore Wedderburn 
(2005), diferentemente da ideia de que 
as políticas de ação afirmativa surgiram 
nos Estados Unidos, na década de 1960, 
no contexto da luta pelos direitos civis de 
afro- americanos, as ações afirmativas 
teriam sido originadas na Índia, já no 
pós-Primeira Guerra Mundial, quando as 
castas inferiores começaram a clamar 
por mais representatividade nas esferas 
de poder. Esse movimento teria se 
intensificado após a Segunda Guerra 
Mundial, com as lutas de independência 
dos países da África e Ásia, para então 
servirem como forte instrumento em 
busca de igualdade pelas mulheres 
norte- americanas e europeias, pelas 
populações negras diaspóricas 
(populações oriundas da África que se 
estabeleceram em outros lugares do 
globo), e também na América Latina. 
Em especial no Brasil, as políticas de ação 
afirmativas, que visam resgatar a 
equidade de segmentos sociais de 
maneira rápida e eficaz, passaram a ter 
maior incidência a partir dos anos 2000, 
quando não apenas a representação 
feminina foi estimulada na esferagovernamental, mas outras minorias 
organizaram-se na luta pela igualdade de 
direitos. Desse modo, atualmente 
existem cotas para diferentes grupos nas 
esferas da política, do trabalho e da 
educação. Porém, estão em risco 
quando grupos conservadores põem em 
cheque sua importância, como acontece 
em relação à política de cotas para 
negros e indígenas nas universidades 
brasileiras.

Continue navegando