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DESCRIÇÃO Aspectos fonéticos e fonológicos de línguas orais e de sinais. PROPÓSITO Compreender como a diferença entre os princípios da fonética e da fonologia para aplicação aos estudos das línguas de sinais amplia o conhecimento linguístico da Libras. PREPARAÇÃO Tenha à mão um dicionário de Linguística para consultar os termos específicos da área. Na internet você pode acessar o Dicionário de Termos Linguísticos, hospedado no Portal da Língua Portuguesa. OBJETIVOS MÓDULO 1 Reconhecer as diferenças entre fonética e fonologia nos estudos linguísticos MÓDULO 2 Identificar os aspectos fonéticos e fonológicos da Libras INTRODUÇÃO Iniciaremos nosso estudo com as seguintes perguntas: O que são fonética e fonologia? Quais seus princípios? Qual é seu objeto de estudo? Que diferenças existem entre elas? Como seus princípios ou aspectos são aplicados às línguas orais e às línguas de sinais? Essas são algumas questões que vamos trabalhar ao estudarmos os conceitos de fonética e fonologia, apontando algumas definições fundamentais para seu entendimento de áreas que, como seus nomes indicam, voltam-se para a investigação de um dos níveis formais característicos da linguagem humana. Reconheceremos a fonética e a fonologia no âmbito das línguas de sinais: uma discussão que vai mostrar a superação da associação inadequada da fonética ao estudo exclusivo da produção de sons orais, assim como de um não entendimento da fonologia como campo de estudo do sistema fonológico, que é abstrato. Conheceremos um pouco do estudo, da pesquisa linguística sobre a fonética e a fonologia da Libras, a língua de sinais brasileira, evidenciando sua semelhança natural com demais línguas orais no nível da fonologia, o que também impacta seu reconhecimento como forma legítima de comunicação da comunidade surda do Brasil. MÓDULO 1 Reconhecer as diferenças entre a fonética e a fonologia nos estudos linguísticos DEFINIÇÃO DE FONÉTICA E FONOLOGIA Iniciaremos nossa discussão definindo os dois conceitos que desejamos aprofundar. Vamos procurar responder às perguntas: O que é fonética e o que é fonologia? Trata-se da mesma área de investigação? São duas formas de nos referirmos a uma mesma área? Há diferentes pontos de interesses? Não faz sentido, na prática, a desassociação entre fonética e fonologia, por serem áreas intrinsecamente complementares, constituindo campos distintos de investigação linguística. Veremos a seguir os significados desses conceitos: FONÉTICA Possui natureza mais descritiva e é tradicionalmente entendida como a ciência que apresenta os métodos para a descrição, classificação e transcrição dos sons da fala humana. FONOLOGIA Possui natureza mais explicativa e interpretativa, sendo tradicionalmente entendida como a área que estuda os sons da fala sob o ponto de vista do sistema da língua. Ou seja, estuda os sons que estão em oposição em uma língua em particular, seus valores, suas funções. ATENÇÃO Utilizamos duas expressões para definir fonética e fonologia: “tradicionalmente” e “sons da fala”. As escolhas dessas expressões não foram aleatórias, foram propositais, pois apontam justamente para a discussão sobre a questão das línguas de sinais. AMPLIANDO O CONCEITO DE “SOM” E “FALA” Tradicionalmente, os estudos fonéticos e fonológicos voltam-se para a discussão da descrição material dos sons da fala e dos fenômenos relacionados ao conhecimento fonológico cognitivamente internalizado. Nesse sentido, ficaria de fora uma possível abordagem fonética e fonológica de línguas de sinais, uma vez que não são línguas de natureza oral-auditiva. Além disso, a própria ideia de “som da fala” associada pelo senso comum à fala oral poderia sinalizar essa mesma descaracterização. Cabe apontar, então, as especificidades acerca dos conceitos de som e fala: SOM Há muito sabemos que a visão tradicional do conceito de fone (som) como unidade mínima de análise fonética foi superada por uma visão mais abrangente, que abarca tal conceito como resultante de um aparelho articulatório complexo e que não precisa ser o tradicional aparelho fonador das línguas orais. As línguas naturais, para sua materialização, ou seja, para sua produção e percepção, requerem um conjunto de técnicas articulatórias que tradicionalmente são associadas ao aparelho fonador das línguas orais. Porém, da mesma maneira, as línguas de sinais também requerem um conjunto de técnicas articulatórias próprias para sua produção e percepção, assunto sobre o qual falaremos mais à frente. Do mesmo modo, está ampliada a ideia sobre a unidade mínima de análise da fonologia, o fonema, que por consistir em uma abstração, isto é, uma representação cognitiva, possibilita a ampliação do pensamento que associa o que temos armazenado cognitivamente — nossa consciência fonológica — para que seja resultante apenas da experiência com sons materiais da fala. FALA A visão de fala também merece ser recontextualizada, na medida em que não abarca necessariamente apenas a materialização de uma língua oral, podendo abarcar ainda a produção de uma língua de sinais. A dicotomia apresentada por Saussure sobre o que seria a langue (“língua”) e a parole (“fala”), e que diferencia o conhecimento linguístico cognitivamente armazenado (langue) do seu uso (parole), aponta para o reconhecimento do conceito de fala como produção online (produção corrente), materialização, do conhecimento linguístico individualmente internalizado e coletivamente compartilhado, independentemente de sua realização acontecer de forma oral- auditiva ou gestual-visual. É perfeitamente possível o desenvolvimento de estudos descritivos, fonéticos, sobre as partes mínimas da produção online, a fala, de línguas de sinais. Nesse sentido, fala é o mesmo que sinalização, de modo que podemos convencionalizar aqui os termos fala oral e fala sinalizada para fazermos tal distinção. Também é perfeitamente possível o desenvolvimento de estudos explanatórios e interpretativos sobre as funções e os efeitos da distribuição desses segmentos pela cadeia de produção online dos sistemas gesto-visuais observados. FERDINAND DE SAUSSURE (1857-1913) javascript:void(0) Filósofo e linguista suíço, é considerado o pai da Linguística moderna. Foi professor em universidades na França e na Suíça. Suas aulas na Universidade de Genebra, entre 1907 e 1911, conhecidas como Curso de Linguística Geral, são a base inicial da Linguística como disciplina científica. Assim, entendemos que, apesar da associação tradicional aos conceitos de SOM e FALA existentes no âmbito da fonética e da fonologia, os estudos sobre as línguas de sinais nos mostram que a etimologia da partícula , que compõe tais palavras, não recupera todas as possibilidades de materialização dos objetos de estudo dessas áreas de pesquisa. IMPORTANTE As línguas de sinais contribuem para o desenvolvimento dos estudos da linguagem, trazendo questionamentos e reformulações essenciais para seu aprimoramento. FONÉTICA ARTICULATÓRIA Como vimos, a fonética é o campo de investigação que visa a descrição dos segmentos, das informações menores produzidas e percebidas ao longo da produção online de uma língua natural, seja oral ou de sinais. No âmbito das línguas orais, cabe à fonética observar aspectos referentes ao modo como tais informações são transmitidas a partir de propriedades físicas (fonética acústica), ao modo como são percebidas (fonética auditiva) e ao modo como são produzidas (fonética articulatória). Obviamente, as mesmas propriedades listadas, a transmissão, a percepção e a produção devem ser objetos de investigação no âmbito das línguas de sinais. Neste módulo, estamos mais voltados para uma discussão geral sobre fonética e fonologia. Para auxiliar sua compreensão no campo de estudos de línguas de sinais, vamos entender tais conceitos nas línguas orais para compreendermos como eles são espelhados no âmbito das línguas de sinais. ESCOLHEMOS O TEMA FONÉTICA ARTICULATÓRIAPARA NOS ATERMOS UM POUCO MAIS. Iniciemos, para tal, tratando brevemente do que aqui chamamos de aparelho articulatório complexo, ou aparelho fonador, responsável pela produção dos diferentes sons da fala. Em linhas gerais, o processo de formação dos sons envolve diferentes partes do nosso corpo. Dos pulmões à cavidade bucal ou nasal, diferentes aspectos fisiológicos entram em jogo na produção dos sons constituintes da fala. Da saída do ar dos pulmões, ao longo de sua passagem até sua liberação pela boca ou pelas narinas, diversas partes do corpo atuam e acontecem distintos processos e articulações. A ilustração a seguir evidencia as partes do corpo atuantes na composição dos sons da fala oral: APARELHO FONADOR: ROSTO APARELHO FONADOR: PEITO A partir da interação das partes formativas do aparelho articulatório complexo, forma-se um número limitado de segmentos. SEGMENTOS Segmento é a definição das unidades mínimas da fala oral – também da fala sinalizada –, objetos de estudo da fonética. O que podemos dizer é que, no escopo das línguas orais, os segmentos possuem basicamente duas naturezas: consonantal ou vocálica. Consoantes e vogais diferenciam-se, assim, pelo modo como são produzidas, observando-se diferentes aspectos desse processo. As consoantes apresentam passagem do ar com algum tipo de contato ou constrição fisiológica e, portanto, são formadas, podemos dizer, pela interação de três aspectos: MODO DE ARTICULAÇÃO javascript:void(0) Prevê diferentes características atuantes no curso da passagem do ar até sua saída. PONTO DE ARTICULAÇÃO Define diferentes localizações articulatórias no curso de produção do som. VOZEAMENTO Está relacionado ao papel exercido pelas pregas vocais (glote) na produção de sons surdos ou sonoros. Na produção dos sons consonantais, portanto, temos a interação desses fatores, que juntos compõem o que podemos chamar de identidade segmental do som, que já podemos identificar tecnicamente como fone. Assim, a fonética preocupa-se com a identificação e descrição dos fones. Apresentaremos agora o Alfabeto Fonético Internacional (IPA) com o elenco de fones consonantais até hoje identificados nas diversas línguas naturais orais. Alfabeto Fonético Internacional, Consoantes pulmônicas (emitidas por corrente de ar pulmonar). Como vimos na representação da tabela, as consoantes foram descritas e organizadas a partir da interação dos seguintes traços: MODO DE ARTICULAÇÃO Descrito nas células que compõem a primeira coluna à esquerda. PONTO DE ARTICULAÇÃO Descrito nas células que compõem a primeira linha horizontal, de cima para baixo. VOZEAMENTO Os símbolos à esquerda de uma célula são sonoros ou vozeados, enquanto os símbolos à direita, surdos ou desvozeados. Por exemplo, [p] é vozeado e [b] é desvozeado. SONOROS OU VOZEADOS Fonemas sonoros ou vozeados são produzidos com maior vibração das pregas vocais. SURDOS OU DESVOZEADOS Fonemas surdos ou desvozeados são produzidos com baixa vibração das pregas vocais. As vogais são formadas por um processo mais livre da passagem do ar, vozeadas por natureza e compostas, também, da interação de três processos: ALTURA DA LÍNGUA Tem a ver com sua maior ou menor verticalidade. javascript:void(0) javascript:void(0) ANTERIORIDADE/POSTERIORIDADE DA LÍNGUA Tem a ver com sua maior ou menor horizontalidade. ARREDONDAMENTO DOS LÁBIOS Prevê posição mais ou menos arredondada no momento da produção. Na representação do esquema a seguir, veremos que as vogais são descritas e organizadas a partir de sua realização, sua posição na cavidade bucal, em função da interação dos traços de altura e anterioridade/posterioridade da língua e do arredondamento dos lábios: Alfabeto Fonético Internacional, Vogais. Com a uniformização da representação do IPA sobre as consoantes e vogais, é possível trabalharmos com o que chamamos de transcrição fonética, que garante a leitura de palavras de qualquer língua. Os aspectos formativos dos sons da fala podem ser também traduzidos pelo termo traços. Em suma, na discussão sobre a composição de um segmento, a fonética articulatória visa à identificação do conjunto de traços formativos que, juntamente, atua em sua composição. Há inúmeras propostas de traços e suas naturezas articulatórias. Os traços aqui apresentados são mais comuns nas descrições fonéticas em geral e um segmento poderá ser traduzido a partir da identificação de seu conjunto de traços. EXEMPLO A consoante [p] poderá ser identificada como oclusiva, bilabial, surda; e a vogal [i] poderá ser identificada como anterior, fechada e não arredondada. Note a representação em colchetes por estarem foneticamente destacadas, ou seja, com foco em sua constituição interna, independentemente de interferências fonológicas, que implicariam a representação em barras: /p/ e /i/. FONÉTICA ACÚSTICA E PROSÓDIA O último ponto que aqui queremos destacar para nossa discussão é a prosódia. A prosódia é uma área relacionada à fonética acústica, à física dos sons. Em Linguística, a prosódia é o campo que investiga aspectos como acento, entonação, ritmo e velocidade da fala. Brevemente, o acento é um conceito que aponta para o grau de saliência fônica de um som, sílaba, palavra ou mesmo frase. Desse modo, pode estar intimamente ligado ao processo de significação, na medida em que destaca informações, tornando-as mais ou menos salientes de acordo com as demandas da interlocução. Da mesma maneira atuam os padrões melódicos que definem a significação sobre se estamos perguntando, afirmando, expressando raiva, surpresa e demais sensações que estão convencionalizadas nas línguas a diferentes padrões entoacionais. O ritmo e a velocidade da fala refletem aspectos relacionados à fluidez linguística e sua distribuição no tempo, que pode levar a fenômenos de reorganização de segmentos, erosões fonológicas e tantos outros. Os elementos prosódicos também são, obviamente, identificados nas línguas de sinais por meio de articulações próprias à natureza dessas línguas, mas mantendo sua caracterização como línguas naturais, fato evidenciado também no âmbito da fonética e fonologia. COMENTÁRIO A preocupação descritiva da fonética, brevemente ilustrada em diferentes pontos desenvolvidos na argumentação que apresentamos, será a mesma no âmbito dos estudos das línguas de sinais, como veremos no módulo 2. Por enquanto, passemos à discussão sobre o papel da fonologia como estudo sobre o modo como os segmentos se organizam e se relacionam funcionalmente nas línguas. FONOLOGIA A fonologia, como discutimos brevemente, é a área de estudos da Linguística que estuda as relações internas mantidas entre si pelos fonemas de um mesmo sistema linguístico. Nesse contexto, temos um amplo espaço de pontos a serem observados. A fonologia, por exemplo, trata da relação entre realização e percepção dos segmentos. Ela nos mostra que, apesar de pronunciarmos o fonema /K/ com características fonéticas um pouco distintas, como quando produzimos as palavras <cubo, quilo e casa> — [‘kubʊ], [‘kilʊ] e [‘kazɐ] —, não deixamos de identificá-lo como uma mesma unidade abstrata. Interessa à fonologia a observação de que, apesar de o contexto fônico circundante influenciar as características articulatórias dos segmentos, tais diferenças não são necessariamente percebidas ou importantes, visto que o conhecimento fonológico cognitivamente armazenado será sempre o mesmo: o fonema. Por outro lado, se levarmos em conta que as palavras <assa, asa, acha e haja>, apesar de serem foneticamente semelhantes, são interpretadas cada uma segundo seu sentido próprio, observamos um outro tipo de relação entre os segmentos [s, z, ʃ, Ʒ] em questão. Por um processo de comutação (permuta), vemos que eles estabelecem relações de sentido entre itens lexicais, e funcionalmente, por conta de diferenças entre os traços que os constituem, atuam como elementos que garantem distinção de palavras no português do Brasil. Interessa aindaà fonologia a percepção de que membros de uma mesma comunidade linguística, por razões externas ao sistema linguístico, poderão realizar um mesmo segmento de modo diferenciado. Também tem sua importância o estudo dos processos fonológicos condicionantes que levam, circunstancialmente ou de modo definitivo, à realização diferenciada dos segmentos. Além disso, há o interesse sobre a relação, quase nunca harmônica, entre a representação ortográfica e suas formas orais correspondentes, o que em geral se constitui em questões muito complexas no âmbito do ensino de línguas maternas e adicionais, relacionadas à noção de consciência fonológica. COMENTÁRIO Todas essas questões são observáveis, também, quando nos dedicamos ao estudo das relações internas mantidas pelos elementos segmentais das línguas de sinais. Novamente, optamos por tratar dessas questões de modo mais geral neste módulo, para retomá-las no módulo 2, com foco de discussão na Libras. CONCEITO DE FONEMA O primeiro conceito do âmbito da fonologia que desejamos destacar aqui é o de fonema. Em oposição à definição mais material da palavra fone, a noção de fonema aponta para seu papel, sua função, de determinar diferenças de significados entre palavras. O fonema torna-se, portanto, a menor unidade fonológica da língua. No entanto, por ser constituído pelos traços distintivos que simultaneamente o definem, para algumas abordagens fonológicas, os traços seriam os primitivos dos estudos fonológicos de qualquer língua. Saussure e Chomsky, respectivamente. O fonema pode ser abordado sob duas perspectivas: ESTRUTURALISTA O fonema é assumido como menor unidade de análise fonológica na visão estruturalista. O estruturalismo linguístico inicia-se com Ferdinand de Saussure e seu entendimento de que a língua é um sistema articulado, cujos elementos concatenam-se por meio de correlações e oposições. Cada elemento tem seu valor a partir de sua posição no sistema ou na estrutura. Assim, fonemas, morfemas e sintagmas combinam-se em diferentes níveis para formar a estrutura da língua. O foco no estruturalismo é a investigação de aspectos fonéticos, fonológicos e sintáticos da língua. GERATIVISTA Com o gerativismo, o fonema deixa de ser visto como unidade mínima de análise e passa a ser entendido como um feixe de traços distintivos, um conjunto de propriedades que se realizam simultaneamente e que capturam de modo bem detalhado as relações de contrastes das informações fonêmicas (CHOMSKY; HALLE, 1968). O gerativismo é a corrente de estudos da ciência da linguagem, que teve início nos Estados Unidos, no final da década de 1950, a partir dos trabalhos do linguista Noam Chomsky, professor emérito de Linguística do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Na teoria gerativa, as línguas deixam de ser interpretadas como um comportamento socialmente condicionado e passam a ser analisadas como uma faculdade mental natural. A linguagem é analisada de forma matemática e abstrata (formal) (KENEDY, 2009). Os traços, de natureza acústica/perceptual e articulatória, de Chomsky & Halle (1968) são entendidos como responsáveis pela materialização do fone, por um lado, e, ao mesmo tempo, como potenciais marcadores dos contrastes lexicais. Aqui, optamos por trabalhar com a visão estruturalista clássica, que resume as propriedades formadoras dos fones consonantais e vocálicos de vozeamento, ponto e modo de articulação, altura e anterioridade da língua e arredondamento dos lábios. Fonemas são, portanto, sons em oposição dentro de um mesmo sistema linguístico, de modo que a troca de um fonema por outro implica mudança de significado de palavras, como vimos no exemplo <assa, asa, acha e haja> e nos pares mínimos apresentados a seguir: bata / pata gato / pato paleta / maleta A identificação de pares mínimos é resultante da comutação, da troca, de um fone por outro em um mesmo contexto fônico e em que são, então, identificados itens lexicais diferentes. Os pares mínimos são a evidência estrutural que identifica os elementos distintivos de determinada língua, ou seja, seus fonemas. Outra forma de observação dos fonemas de uma língua está no que chamamos de distribuição complementar. Realizações fonéticas diferenciadas de um mesmo fonema não podem implicar, obviamente, a mudança, por oposição, do sentido entre palavras. Assim, identificamos o fonema, uma abstração, que pode ser materializada de diferentes formas, obedecendo-se aos fatores condicionantes que implicam a maneira como tais formas se distribuem na língua. Essas formas são classificadas como alofones ou variantes desse fonema e podem ser exemplificadas pelo caso clássico do dialeto carioca: o uso de [tʃ] e [t]. EXEMPLO No dialeto carioca, o fone [tʃ] só aparece diante da vogal [i], não havendo nesses casos a realização do [t], que não aparece. Isso não acontece nos demais contextos, nos quais as pessoas pronunciam o [t], e o [tʃ] não aparece. Falamos aqui de palavras como <tia> (no primeiro caso, em que aparece o fone da vogal [tʃ] diante [i]) e <tatu> (no segundo caso, em que se pronuncia o [t]). Nessas palavras, os alofones em questão serão realizados em distribuição complementar, ou seja, um não ocupando o ambiente fonético do outro. Trata-se de ambientes exclusivos, mas não distintivos, nos quais os alofones são a materialização do fonema, um fenômeno que chamamos de alofonia. A alofonia ocorre também com muita frequência na forma de variação livre, quando vemos que um ou outro fone ocorre em uma mesma posição, materializando a informação fonêmica. Um exemplo de variação livre, dado que, a princípio, não há motivação explícita para o uso de um ou outro som, é o uso de /mermo/, /meSmo/, /memo/ no dialeto carioca. A alofonia é um fenômeno fonético, com impacto fonológico, que evidencia a variação linguística, recorrente também nas línguas de sinais, como veremos mais à frente. A variação linguística fonológica também é um ponto importante para a descrição das línguas. Trata-se de um fenômeno intrínseco das línguas naturais e evidencia seu caráter heterogêneo, sendo ao mesmo tempo controlado por fatores diversos internos e externos à língua. Nesse sentido, o uso do [tʃ] — visto como um caso de distribuição complementar no dialeto carioca — evidencia um caso maior de variação regional (diatópica), à medida que demais falantes do português do Brasil vão usar a forma [t] mesmo nos contextos de sequência do [i]. A variação linguística pode ser: DIATÓPICA Relacionada com as variações em função do espaço geográfico ou dos regionalismos. DIASTRÁTICA Relacionada com aspectos sociais e grau de escolaridade. DIAFÁSICA Relacionada com o contexto, o registro ou o estilo no uso da língua. RESUMINDO Em todos esses grupos é possível identificar casos diversos de variação fonológica. PROCESSOS FONOLÓGICOS Outro ponto relevante para nossa discussão sobre os objetivos dos estudos linguísticos no âmbito da fonologia, embora ocorram no âmbito da fonética, são os processos fonológicos, que acontecem ao longo da produção online da fala oral e sinalizada. Esses processos podem, inclusive, mudar o padrão fonológico, implicando casos de mudança linguística. Metaplasmos (alterações na estrutura de uma palavra) e demais processos de alteração de segmentos ocorrem na produção linguística oral e sinalizada, podendo evidenciar situações de alteração segmental mais circunstancial ou categórica, significando variação linguística ou mesmo processo de mudança em curso. A ocorrência de processos fonológicos é diferenciada nas modalidades oral-auditiva e gestual- visual por conta das diferenças de modalidade. A seguir, apresentamos alguns dos principais processos, que podem, ou não, ocorrer em uma ou outra modalidade: PROCESSOS DE INSERÇÃO DE SEGMENTOS Essa inserção pode vir no início da palavra (prótese), no meio (epêntese) ou no final (paragoge). Como ocorre em: voa >> avoa asterisco >> asterístico fizeste >> fizestes PROCESSOSDE SUPRESSÃO DE SEGMENTOS Tal supressão também pode ser no início (aférese), no meio (síncope) ou no fim da palavra (apócope), como ocorre respectivamente em: ainda >> inda bêbado >> bebo cantar >> cantá PROCESSOS DE ALTERAÇÃO DE SEGMENTOS São diversas as possibilidades de alteração de segmentos, como a metátese (prateleira >> parteleira), a nasalização (até >> inté), a palatalização (família >> familha, ou salsicha >> salchicha), entre outras (vocalização, sonorização, assimilação, crase etc.). Por fim, exemplificamos os objetivos dos estudos fonológicos na interface fala X escrita e que resulta na observação sobre como a consciência fonológica em uma L1 (língua materna ou primeira língua) ou L2 (língua adicional ou segunda língua) atua no processo de escrita, no qual nem sempre o registro ortográfico espelha a língua falada, o que é extremamente comum. Novamente, a associação equivocada entre os conceitos de letra e fonema pode levar ao entendimento de que erros ortográficos não sejam motivados e explicáveis. Há um meme na internet que exemplifica em forma de humor essa questão: “Por que o QUE do U e do E, sendo que o próprio Q já tem o som de QUÊ?” Há diversos trabalhos que mostram, inclusive, que mesmo a pontuação pode ser utilizada muitas vezes de modo distanciado da convencionalização da norma culta em decorrência do conhecimento gramatical de ordem fonológica internalizado na mente do falante. Exemplificando: se por um lado a gramática tradicional defende o não uso de vírgulas entre o SUJEITO da oração e o VERBO, é cada vez mais comum o uso da vírgula nesse contexto devido à recorrência de pausa, no nível da oralidade, que acaba representada no uso não convencionalizado da vírgula, como no exemplo a seguir: “ADIANTAR, ADIANTA!” PRINCIPAIS CONCEITOS DE FONÉTICA E FONOLOGIA Vejamos um resumo dos principais aspectos, processos e conceitos relacionados à fonética e à fonologia: COMENTÁRIO Conhecemos algumas discussões que representam os estudos fonológicos e sua importância, particularmente para as línguas orais. No módulo 2 retornaremos a alguns desses pontos para tratarmos da fonética e da fonologia da Libras e demais línguas de sinais. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 2 Identificar os aspectos fonéticos e fonológicos da Libras ESTUDOS FONÉTICOS E FONOLÓGICOS NAS LÍNGUAS DE SINAIS Os estudos sobre aspectos fonéticos e fonológicos das línguas orais vêm de longa data, o que, sabemos, não ocorre no âmbito dos estudos sobre línguas de sinais. Mesmo outros níveis linguísticos carecem de maior investigação para entendermos mais sobre as línguas de sinais no mundo, mas é no escopo dos estudos linguísticos fonéticos e fonológicos que encontramos a necessidade de mais investigações. Os trabalhos de Ferreira-Brito (1995), Quadros e Karnopp (2004) e Xavier (2006) são alguns dos estudos iniciais sobre a descrição fonética e fonológica em Libras. Já os estudos de Stokoe (1960) representam, nesse sentido, um grande avanço nessa discussão. Suas observações apontam para a estrutura fonética e fonológica da Língua Americana de Sinais, a ASL, e são pautadas na defesa de que a articulação fonética dos sinais envolve mãos, braços, dedos, tronco e face. SUAS OBSERVAÇÕES TAMBÉM SÃO PAUTADAS NA DEFESA DE QUE A REPRESENTAÇÃO MENTAL, O COMPONENTE FONOLÓGICO, NÃO SE DIFERENCIA DO QUE OCORRE NAS LÍNGUAS NATURAIS DE MODALIDADE ORAL-AUDITIVA. A fonologia de línguas de sinais deixa bastante marcada a questão da modalidade. Por isso, é interessante observar que as pesquisas com línguas de sinais acabaram trazendo para a teoria linguística geral um novo olhar sobre fenômenos já conhecidos. Nas palavras de Stokoe (1960), as línguas de sinais obedecem a “princípios de organização estrutural semelhantes aos das línguas orais” e o linguista amplia suas observações para o entendimento das demais línguas de sinais no mundo. William Stokoe Surgem a partir de então inúmeros estudos que começam a buscar semelhanças e diferenças entre línguas de sinais e orais, no âmbito fonético e fonológico, e que contribuem para o entendimento da natureza das línguas de sinais como línguas naturais, e não como demais formas de linguagem. Sem dúvida, um avanço para a ciência linguística e para a legitimação e o reconhecimento das línguas de sinais. RESUMINDO • No âmbito fonético, os estudos sobre línguas de sinais se preocupam com as unidades mínimas de produção e percepção articulatória. Tais unidades podem ser de natureza manual e não manual em interação com demais formas de expressões físicas, os “fones”, que compõem o aparelho articulatório complexo responsável pela criação das formas fonéticas de natureza gestual-visual. • No âmbito fonológico, tais estudos focalizam a representação mental dessas formas, buscando, tal como ocorre nos estudos sobre línguas orais, identificar as formas linguísticas relevantes, os “fonemas”, e seu caráter de distinção e contraste. Data ainda de Stokoe (1960) a proposta de uso dos termos quirologia e quirema para a substituição dos termos fonologia e fonema. O termo <quiro> tem origem grega (cheir), possui sentido de <mão> e no português do Brasil é usado como prefixo, por exemplo, em palavras como quiromancia e quiropraxia. A nomenclatura não vingou, na prática, o que pode ser positivo, se pensarmos no status de diferenciação que se estabelece entre línguas orais e de sinais. Na verdade, a própria associação do termo quirema a fonema não parece ser a mais adequada, na medida em que está mais próxima da noção de traços ou da de propriedades constituintes de um fonema. Os princípios fonéticos e fonológicos aplicados às línguas de sinais não são diferentes dos das línguas orais, ao menos para além das inevitáveis diferenças físicas e articulatórias entre as modalidades em questão. Nesse sentido, podemos citar alguns objetos da investigação em fonética e fonologia, e suas interfaces em línguas orais, que também são objetos na investigação em línguas de sinais. Entre esses objetos ou objetivos da pesquisa em fonética e fonologia, podemos citar: 1. A busca pelas características articulatórias desprovidas de significado que compõem os sinais (os traços fonético-fonológicos). 2. A distinção de significados lexicais (os pares mínimos). 3. A variação fonológica (a alofonia). 4. Aspectos entoacionais e de expressão pragmática (a prosódia). 5. A relação entre articulação fonética e contexto linguístico (os processos fonológicos). 6. Questões relacionadas à consciência fonológica na interface fala e escrita (como a relação letra/fonema). ASPECTOS FONÉTICOS NAS LÍNGUAS DE SINAIS De modo semelhante às línguas faladas, as palavras nas línguas de sinais — os sinais — são construídas a partir da interação de elementos desprovidos de significado, combinados de diferentes formas em sua criação. Stokoe (1960), entre outros pesquisadores, propõe, em seus estudos sobre a ASL, que as propriedades mínimas e desprovidas de significado das línguas de sinais seriam três: [CM] A configuração de mão [PA] O ponto de articulação (ou localização) [M] O movimento Como exemplo, vejamos a imagem a seguir, em que temos a reprodução do sinal <DESCULPA>: Reprodução do sinal <DESCULPA>. Resumidamente, a configuração da mão (CA) refere-se à forma física adotada para a utilização da mão e dos dedos. O ponto de articulação (PA) consiste no local, na altura do corpo, onde o sinal é realizado, e o movimento (M) aponta para a moção, o caminho percorrido na formação do sinal. A CLASSIFICAÇÃO PROPOSTA POR STOKOE ASSEMELHA-SE À DESCRIÇÃO ACERCA DA COMPOSIÇÃO DOS FONES DE LÍNGUAS ORAIS, ASSUNTO DISCUTIDO NO MÓDULO 1. Processo semelhante ao da formação de um sinal, que acontece a partir da interação simultânea das três propriedades apresentadas (CM, PA e M), ocorre na formação da unidade mínima de uma língua oral, primitiva e desprovida de significado: o fone. RESUMINDO O fone é composto por propriedadesainda mais primitivas: vozeamento, ponto e modo de articulação, no caso das consoantes, e altura, anterioridade/posterioridade da língua e arredondamento dos lábios, no caso das vogais. Sobre os traços primitivos e formadores dos sinais das línguas gestuais-visuais, Battison (1978 apud FERREIRA-BRITO, 1995) aprimora o modelo apresentado por Stokoe ao incorporar a orientação da mão (O) como propriedade fonética dessas línguas. Também a expressão não manual (E) é uma articulação, que foi mais tarde associada ao modelo. A orientação da mão seria um fator relacionado à direção da palma, e a expressão não manual um fator relacionado ao papel de expressões faciais e outras na produção do sinal. Simultaneamente, em conjunto com as propriedades de CM, PA e M de Stokoe, tais propriedades atuariam na formação do item lexical, o sinal, tal como as propriedades de vozeamento, ponto e modo de articulação, altura, anterioridade/posterioridade da língua e arredondamento dos lábios atuam na produção de fones consonantais e vocálicos de uma língua oral. ATENÇÃO Aquilo que ocorre com um único fonema nas línguas orais acontece diretamente nos itens lexicais das línguas de sinais. Em outras palavras, a ação simultânea dos traços distintivos formadores dos fones, e que em sequência linear se organizam na formação de um único item lexical nas línguas orais, também ocorre na formação direta dos sinais de línguas gestuais- visuais. Essa é uma questão que diferencia a fonologia das línguas de sinais e orais. Mas ela não é categórica, se pensarmos, por exemplo, na palavra <é> do português (conjugação da 3ª pessoa do singular do tempo presente do verbo ser): trata-se de um único fonema, uma abstração, um feixe de traços primitivos e, ao mesmo tempo, de um único item lexical, tal como ocorre nas línguas de sinais. As outras palavras das línguas orais, porém, compostas por mais de um fone/fonema apresentam uma sequencialidade fonêmica. Diferentemente, os traços distintivos formadores do item lexical nas línguas de sinal são simultâneos e não sequenciais. PARÂMETROS FONOLÓGICOS DAS LÍNGUAS DE SINAIS Stokoe já havia denominado as três propriedades que identificara como parâmetros fonológicos das línguas de sinais, que, de apenas três, com a incorporação da proposta de Battison (1978 apud FERREIRA-BRITO, 1995), passam ao total de cinco articuladores, resumidamente apresentados a seguir: Configuração de mão Ponto de articulação Movimento Orientação da palma da mão Expressões não manuais Passaremos agora a uma breve explicação sobre os cinco parâmetros listados, tendo como pano de fundo informações referentes à Libras e à natureza fonético-articulatória de seus sinais. CONFIGURAÇÃO DE MÃO Os articuladores primários das línguas de sinais são as mãos. Como articuladores, elas funcionam em movimentos localizados em diferentes pontos do espaço. Podem estar abertas ou fechadas e com os dedos em configurações diversas. Ainda, um sinal poderá apresentar o parâmetro da CM pelo uso de uma ou duas mãos. Segundo Sandler (2012), a forma da mão consiste em um ou mais dedos selecionados em determinada posição, estendida, fechada, curvada ou dobrada. Veja a seguir as 52 possibilidades de CM identificadas em Libras: A BÊ BÊ ESPRAIADO CÊ CÊ ESPRAIADO CÊ ENCOLHIDO DÊ DÊ ENCOLHIDO E EFE GEQUÊ HAGAKAPÊ IJOTA IJOTA ESTENDIDO ELE EME UENE UELE O ERRE ESSE TÊ VÊ VÊ-ELE DÁBILO XIS ÍPSILON ZÊ CINCO SEIS CONCHA MÃO ESPALMADA ELE ESPALMADO MÃO ESPRAIADA ARGOLA ARGOLA INDICADORA ARGOLA MÉDIA LEGAL GARRA GARRA ENCOLHIDA GANCHO PINÇA PINÇA DUPLA PINÇA ESPRAIADA PEGADOR FIGA PÊRA ANULAR DOBRADO NAMORO CHIFRE AVIÃO DESABROCHAR Baseado na Tabela de Configurações de Mãos do INES/MEC. Fonte: Grupo de Pesquisa do Curso de Libras do Instituto Nacional de Educação de Surdos, MEC (2015). Os sinais MARROM e ROXO diferenciam-se em Libras por conta do traço de configuração de mãos. Trata-se de dois sinais que se diferenciam apenas pelo uso do sinal de <M> na CM de marrom e <R> na CM de roxo, como vemos a seguir: MARROM ROXO PONTO DE ARTICULAÇÃO (LOCALIZAÇÃO) Esse parâmetro diz respeito aos espaços dentro dos quais o sinal se realiza. Um sinal poderá ser articulado em diferentes pontos do corpo, como na altura da cabeça/face, do pescoço, no braço, no antebraço ou na mão, no tronco ou mesmo em espaços neutros à frente do sinalizante. Os PA podem ser divididos em principais ou secundários (locações principais ou secundárias). As locações principais dizem respeito aos pontos base associados à manifestação do sinal e as secundárias são sublocações presentes em uma locação principal. A representação a seguir, adaptada de Quadros e Karnopp (2004), exemplifica o enquadre dos PA principais: Locações principais. Os PA secundários estão associados a três locais específicos do corpo — cabeça, tronco e mão — e podem ser diversos. Veja: CABEÇA TRONCO MÃO Topo da cabeça Ombro Palma Pescoço Busto Costas das mãos Testa Estômago Lado do indicador Rosto Cintura Lado do dedo mínimo Parte superior do rosto Braços Dedos Orelha Braço Ponta dos dedos Parte inferior do rosto Antebraço Dedo mínimo CABEÇA TRONCO MÃO Orelha Pulso Dedo médio Olhos Indicador Nariz Polegar Boca Bochechas Queixo Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal OS PA SECUNDÁRIOS SÃO SUBLOCAÇÕES DENTRO DO ESCOPO DOS PA PRINCIPAIS, QUE SÃO EXPLORADOS DE DIFERENTES MANEIRAS NAS COMPOSIÇÕES DOS SINAIS. Exemplificamos com as representações dos sinais APRENDER, SÁBADO e DESODORANTE, que mantêm entre si o traço de localização com características distintivas no sistema de Libras. O sinal para OUVINTE ainda apresenta uma quarta possibilidade de PA. Para cada sinal, note a interação de PAs principais e secundários: APRENDER SÁBADO DESODORANTE MOVIMENTO O parâmetro do movimento aponta para o conjunto de possibilidades de movimentos e orientações dos sinais. Uma classificação geral divide a tendência de o parâmetro realizar-se a partir de três tipos de movimentos: MOVIMENTOS • Movimentos de trajetória • Movimentos circulares • Movimentos internos dos sinais TIPOS • Retilíneos, sinuosos e angulares • Semicirculares, circulares e helicoidais • Movimentos das mãos e dos dedos SAIBA MAIS Os movimentos podem ser, ainda, combinados ou independentes. Assim, na produção de um mesmo sinal, mais de um tipo de movimento pode ocorrer (movimentos independentes) ou um mesmo movimento pode ser feito por ambas as mãos (movimentos combinados). Os sinais para LETRAS-LIBRAS e TRABALHAR exemplificam tal situação: LETRAS-LIBRAS TRABALHAR Os movimentos podem ser ainda repetidos/alternados ou direcionais/locais. Os sinais LETRAS-LIBRAS e TRABALHAR também exemplificam essa possibilidade. Respectivamente, apresentam movimentos alternado e repetido. Os movimentos são tidos, ainda, como direcionais, quando há duas especificações de locação, e locais, quando há mudança de abertura (movimento interno da mão) ou mudança de orientação. ORIENTAÇÃO DA PALMA DA MÃO Esse parâmetro diz respeito à orientação/direção tomada pela palma da mão no curso articulatório de produção do sinal. A palma da mão pode estar direcionada para a frente, para trás, para cima ou para baixo ou para a diagonal. Em todas essas situações, o traço pode implicar a distinção de significados. Como exemplo, citamos o uso dos verbos ENSINAR, MOSTRAR e AJUDAR. Esses três usos podem indicar a relação agente/paciente a depender da orientação da palma da mão. A direção para qual a palma da mão está virada indicará o elemento paciente do evento transitivo e, por consequência, o elemento agente fica identificado pelo direcionamento oposto à palma. ENSINAR MOSTRAR AJUDAR EXPRESSÕES NÃO MANUAIS (FACIAIS E CORPORAIS) As expressões não manuais, ou marcas não manuais, complementam o quadro das cinco propriedades constituintes deum sinal. As expressões não manuais podem marcar também diferenças de significação entre itens lexicais. Confira a seguir algumas possibilidades de expressões não manuais com diferentes partes do corpo: Rosto Cabeça Rosto e cabeça Tronco Parte superior Sobrancelhas franzidas Balanceamento para a frente e para trás Cabeça projetada para a frente Para a frente Rosto Cabeça Rosto e cabeça Tronco Olhos arregalados Balanceamento para os lados Sobrancelhas franzidas Balanceamento alternado dos ombros Parte inferior Bochechas infladas Inclinação para o lado Sobrancelhas franzidas Inclinação para trás Expressões não manuais e partes do corpo. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal O sinal triste pode ser interpretado como triste ou muito triste/tristíssimo. A marca de intensificação está associada a um maior ou menor franzir de testa e movimento de prostração. Tal distinção parece ser de ordem fonológica e produz distinção de significados entre essas duas expressões. As expressões não manuais envolvidas são as responsáveis pela representação diferenciada desses dois itens na mente do usuário da Libras. TRISTE TRISTÍSSIMO Marcas não manuais como parâmetro ainda são um ponto polêmico. Alguns autores pontuam esse mesmo caso como se a expressão facial estivesse funcionando como um modificador do adjetivo, só que suprassegmentalmente. Uma das grandes discussões é que há poucas evidências de pares mínimos considerando somente marcas não manuais. PARES MÍNIMOS Como visto no módulo 1, pares mínimos são formas lexicais que se distinguem por algum traço contrastivo. Nas línguas orais, a distinção virá a partir de um traço formativo de um fone. Nas línguas de sinais, o traço distintivo será formativo direto do sinal. Diversos exemplos que apresentamos ao longo da nossa discussão foram propositalmente de pares mínimos. Assim, pudemos evidenciar mais uma característica que línguas de sinais e orais mantêm entre si, no âmbito fonológico, e que, a despeito da diferença de modalidades, os processos de organização da informação gramatical são sempre os mesmos em qualquer nível da língua. As imagens a seguir ilustram essa questão. O parâmetro PA marca a diferença de significados das palavras APRENDER, SÁBADO e LARANJA. Os sinais mantêm em comum os traços de CM e M e distinguem-se pelo papel exercido pelo PA. No caso de LARANJA, ainda há expressão/movimento facial, que remete ao ato de chupar uma laranja. APRENDER SÁBADO LARANJA Uma característica fonética importante observada nas línguas de sinais é a possibilidade de que um sinal seja realizado com as duas mãos. Nessa configuração são observadas duas condições para a produção dos sinais: a de simetria e a de dominância. Veja as condições restritivas para a criação do sinal: Um sinal com as duas mãos de CM igual com movimento terá movimentos do tipo simultâneo e alternado (e no mesmo PA). Se as CM forem diferentes, necessariamente haverá uma mão passiva. A condição de simetria acontece em casos em que temos a mesma CM e o mesmo padrão de M nas duas mãos. Tal condição pode ser evidenciada nos sinais NASCER, ORGANIZAR e TRABALHAR em Libras, como vemos, respectivamente, abaixo: NASCER ORGANIZAR TRABALHAR A condição de dominância ocorre, porém, nos casos em que temos CM diferentes. Nesse sentido, uma das mãos é tida como dominante e a outra como passiva, a depender do papel de maior ou menor atuação física que cada uma exerce na composição do sinal. As palavras ERRAR e ANDAR, em Libras, indicam tal condição: ERRAR ANDAR VARIAÇÃO FONOLÓGICA NAS LÍNGUAS DE SINAIS Como nas línguas orais, a variação fonológica também é identificada nas línguas de sinais. Apesar de a descrição detalhada sobre variação fonológica em Libras ainda precisar de aprofundamentos, dados de variação são amplamente observados no uso da língua. Os sinais ENTENDER, OITO e INES (referente ao Instituto Nacional de Educação de Surdos) ilustram essa questão. Tais itens podem ser produzidos em ao menos duas formas distintas, embora semelhantes, cada um com diferenças relacionadas aos parâmetros PA, M e CM, sem alteração de sentido lexical. Veja: A alofonia relacionada ao uso de ENTENDER consiste na possibilidade de o toque da mão ocorrer na lateral da testa (a forma mais canônica) ou na bochecha. No sinal OITO — na verdade, em vários numerais — a alofonia é identificada na possibilidade, ou não, de movimento da mão. No sinal INES, a alofonia consiste na possibilidade de o dedo polegar estar aberto (distendido) ou fechado. Essas são algumas ocorrências empiricamente verificadas no dia a dia na interação verbal dessa língua. A definição sobre serem casos de distribuição complementar ou de variação livre não parece estar clara nesses e em muitos casos de alofonia em Libras. Há, entretanto, diversos argumentos a favor de que a variação dos itens ocorra por condicionamentos fonéticos do próprio sistema ou por fatores extralinguísticos, como o registro e os perfis sociais, que parecem estar relacionados a um ou outro uso. PROCESSOS FONOLÓGICOS EM LÍNGUAS DE SINAIS Identificamos também nas línguas de sinais alguns processos fonológicos comuns às línguas dessa modalidade. Citamos a seguir alguns deles, conforme Liddell e Johnson (1989): Processo de inserção de segmento: epêntese de movimento. Processo de supressão de segmento: apagamento de preensão. Processo de alteração de segmento: metátese, geminação, assimilação. Para exemplificarmos brevemente dois processos fonológicos em Libras, podemos voltar ao sinal de INES, assim como citar a expressão “Problema seu!”. No primeiro caso, a inserção do polegar (ele pode estar para fora ou para dentro) não é esperada pela configuração original do sinal, mas ocorre na sinalização natural. No segundo caso, na expressão “Problema seu!” é comum a perda do parâmetro movimento do sinal PROBLEMA, quando ele ocorre simultaneamente com o sinal SEU na expressão idiomática. O sinal SEU, já amalgamado ao sinal PROBLEMA, implica a supressão do movimento que originalmente forma esse sinal. PROSÓDIA NAS LÍNGUAS DE SINAIS Outro ponto que aproxima as línguas de sinais das línguas orais no âmbito fonético- fonológico é a prosódia. Diferentemente das línguas orais, entretanto, as marcas não manuais providas de sentido podem ser tidas como gramaticais nas línguas de sinais, funcionando como traços distintivos (como vimos na discussão sobre parâmetros), ou mesmo como material de informação prosódica, como marcas entoacionais e outras em geral. Com forte associação à pragmática, as marcas prosódicas podem ser mais evidenciadas na expressão facial, indicando emoções ou relacionando-se a padrões de entoação de pergunta, exclamação etc. BONITÃO BONITINHO ESCRITA, ORALIZAÇÃO E SURDEZ O último ponto que vamos destacar trata da relação entre aspectos fonéticos e fonológicos do português, que podem reverberar na produção escrita com foco na surdez e na leitura labial. O processo de escrita do aluno surdo pode ser afetado em diversos níveis em razão do maior ou menor grau de consciência fonológica sobre o português. A depender do tipo (se congênita ou não) e do grau de surdez, a escrita nessa língua poderá ser dificultada em diferentes níveis. É importante para o profissional que venha a trabalhar com esse público entender tais questões minimamente. Por isso, destacamos dois pontos, dos diversos que poderíamos elencar, para discutirmos aqui: TROCA DE PALAVRAS Diz respeito à recorrência com que surdos trocam palavras por outras similares ao escreverem ou no processamento de leitura. Por exemplo, os grupos <martelo, Marcelo, marmelo> e <cantar, canta, cantará> podem significar algum grau de confusão, de troca, no processo de leitura e escrita, dado que o aluno surdo se apoiará muito mais no registro escrito dessas formas e não nas informações fonêmicas a elas relacionadas. Algum grau de consciênciafonológica no português influenciará essas questões, no nível do indivíduo. LEITURAS EQUIVOCADAS Aponta para a possibilidade de leituras ambíguas ou mesmo de impossibilidade de leitura em contextos de palavras homógrafas (mesma escrita, mas significados diferentes). Por exemplo, o uso da palavra <embora> como conjunção ou como parte da expressão idiomática <ir embora> pode evidenciar dificuldades que seriam facilmente resolvidas se esses alunos tivessem acesso a padrões prosódicos orais da língua. Tais informações ajudariam a construção e a distinção de sentidos. Há diversos casos dessa natureza na produção escrita e no processamento de leitura de surdos. Caberá aos profissionais, em primeiro lugar, reconhecer a motivação dessas questões e buscar soluções metodológicas para o tratamento do ensino. SURDOS ORALIZADOS PODEM ENFRENTAR DIFICULDADE DE INTERPRETAÇÃO DE CERTAS PALAVRAS QUE SE DIFERENCIAM POR TRAÇOS NÃO VISÍVEIS DE SEUS FONEMAS, COMO O VOZEAMENTO, O QUE ACONTECE EM <FACA /VACA>, <ACHA /AJA>, POR EXEMPLO. Se para eles é possível, por um lado, a comunicação pela leitura labial, por outro, ela será dificultada se a interpretação da palavra depender da atuação de um traço que não seja visualmente explícito. A consciência fonológica em português será diferenciada a partir das possíveis experiências linguísticas orais que, porventura, o surdo tenha vivido. Tal fato implica diferenças de resultado de produção e processamento do português como L2, podendo impactar até mesmo o processo de aquisição da Libras. O conhecimento sobre aspectos fonéticos e fonológicos das línguas de aquisição e ensino dos surdos é fundamental para as possibilidades de desenvolvimento humano desses indivíduos. ASPECTOS FONÉTICOS E PROCESSOS FONOLÓGICOS NA LIBRAS No vídeo, veremos uma síntese dos aspectos fonéticos e processos fonológicos das línguas de sinais e, em particular, da Libras: VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Abordamos aqui alguns dos pontos principais relacionados à fonética e à fonologia como áreas gerais dos estudos linguísticos. Tratamos dos principais conceitos dessas áreas e apresentamos alguns pontos da fonética e da fonologia que podem ser observados em línguas orais e em línguas de sinais. Assim, você pôde perceber que o avanço dos estudos fonéticos e fonológicos em línguas de sinais vem contribuindo bastante para o repensar das teorias fonológicas em diferentes áreas da Linguística. Viu também que a observação da natureza dos aspectos fonéticos e fonológicos das línguas de sinais implica refinamentos, questionamentos, mudanças das teorias linguísticas diversas. Sem dúvida, há muito ainda a ser explorado! Tanto no campo específico de estudos sobre fonética e fonologia de línguas de sinais quanto no repensar da teoria linguística, há pontos que precisam ser aprofundados e revistos em função de uma teoria linguística mais consistente e atualizada. Na busca pelo entendimento da linguagem humana, os estudos sobre fonologia das línguas de sinais, mais uma vez, mostram que, a despeito das diferenças das modalidades linguísticas, a linguagem humana, como especificidade da espécie, salienta nosso caráter de unidade e igualdade. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS BATTISON, R. Lexical Borrowing in American Sign Language. Silver Spring. MD: Linstok Press, 1978. FERREIRA-BRITO, L. Por uma gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro/ UFRJ, 1995. KENEDY, E. Gerativismo. In: MARTELOTTA, M. E. T. (org.). Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2009. LIDDELL, S. K.; R. E. JOHNSON (1989). American Sign Language: The Phonological Base. In: VALLI, C. & C. LUCAS (org.). (2000). Linguistics of American Sign Language: an introduction. Washington, D.C.: Clerc Books/Gallaudet University Press, 2011. QUADROS, R.; KARNOPP, L. Língua de sinais brasileira. Estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004. SANDLER, W. The Phonological organization of sign language. Lang Linguist Compass., 1; 6(3): 162-182, mar. 2012. STOKOE, W. C. Sign language structure: an outline of the visual communication system of the American deaf. Nova York: Buffalo University, 1960. XAVIER, A. N. Descrição fonético-fonológica dos sinais da língua de sinais brasileira (LIBRAS). 2006. Dissertação (Mestrado em Semiótica e Linguística Geral) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. EXPLORE+ Saiba mais sobre estudos fonéticos e fonológicos recentes, a respeito da Libras, assistindo à palestra Aspectos fonético-fonológicos da LIBRAS, disponível no Canal da ABRALIN (Associação Brasileira de Linguística) no YouTube. No portal fonologia.org, do Centro de Estudos da Fala, Acústica, Linguagem e música (CEFALA) da UFMG, você encontra textos e vários recursos audiovisuais sobre fonética e fonologia. CONTEUDISTA Roberto de Freitas Junior CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
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