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Pós-Graduação em Direito Teoria Geral do Processo Anna Carolina Amorim da Costa FAEL Diretor Executivo Marcelo Antônio Aguilar Diretor Acadêmico Francisco Carlos Sardo Coordenador Pedagógico MIguel de Jesus Castriani EDitorA FAEL Autoria Anna Carolina Amorim da Costa Projeto Gráfico e Capa Katia Cristina Santos Mendes Programação Visual e Diagramação Sandro Niemicz AtEnção: esse texto é de responsabilidade integral do(s) autor(es), não correspondendo, necessariamente a opinião da Fael. É expressamente proibida a venda, reprodução ou veiculação parcial ou total do conteúdo desse material sem autorização prévia da Fael. FAEL Rodovia Deputado Olívio Belich, Km 30 PR 427 Lapa | PR | CEP 83.750-000 FotoS DA CAPA Shutterstosk Todos os direitos reservados. 2015 TEORIA GERAL DO PROCESSO Anna Carolina Amorim da Costa (*)1 RESUMO Esse artigo traz os fundamentos da Teoria Geral do Processo, tanto sob o aspecto do ramo do Direito Civil quanto do Direito Penal, destinando-se a colaborar para uma melhor compreensão e aprofundamento àqueles acadêmicos que já possuem for- mação em nível de Graduação. Por meio de uma linguagem clara e de uma abor- dagem objetiva, trata sobre a história do Direito Processual no Brasil e sua origem nos demais países, passando aos conceitos e explanações acerca do Direito Formal e Direito Material. Na sequência, passa a abranger tópicos mais específicos, como o processo e as condições da ação, os quais são analisados sob óticas de seus respecti- vos princípios. Analisa-se a interpretação, integração e eficácia da norma processual no tempo e no espaço, bem como as espe- cialidades do processos de conhecimento, de execução e cautelar. Em seguida, faz- se uma viagem intelectual pelo conceito de jurisdição, suas espécies, seus órgãos e sua competência. A função de cada sujeito do processo, e uma visão sistêmica e global dos procedimentos, são vistos na sequência, seguidos do estudo dos atos e vícios do processo e suas nulidades. Por fim, é feito um aprofundamento quanto à sentença, os recursos e o cumprimento de sentença. Seguindo essa linha, o presente artigo traz conceitos básicos sobre cada tópico, desenvolvendo-o através da de- monstração da divergência doutrinária e jurisprudencial existente acerca dos mais variados assuntos. É um trabalho que não esgota a matéria porque é dirigido para alunos de pós-graduação; a importância 1 Especialista em Direito Público. Procuradora Jurídica numa Câmara Municipal. está focada mais na provocação e no desa- fio do pensamento do que na esquematiza- ção, classificação, conceituação e macetes de estrutura, o que, de certa forma, tam- bém será abordado. Busca-se provocar, evidenciar e emergir as mentes pensantes, na tentativa de propiciar a compreensão e solução de problemas jurídicos resultantes do Direito, criando-se novos e brilhantes pensadores e não meros ‘robôs jurídicos’. Palavras-Chave: Processo, Teoria, Proce- dimentos Jurídicos. NOTA Considerando que o presente traba- lho foi desenvolvido em meados do ano de 2015, deparamo-nos com uma situação peculiar e até muito interessante, no que diz respeito à aplicação da lei processual no tempo, uma vez que, após anos de estudo, alterações, emendas e discussões, muito recentemente foi aprovado o texto do Pro- jeto de Lei nº. 166 de 2010, que deu origem ao novo Código de Processo Civil – Lei nº. 13.105, publicada em 16 de março de 2015 – o qual entrará em vigor um ano após a sua publicação. Deste modo, enquanto estuda-se este minucioso trabalho da Teoria Geral do Pro- cesso, os olhos devem voltar-se tanto para o Código de Processo Civil, que norteia nos- sos atos desde o ano de 1973 e que ainda está em vigor, quanto para o novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor no primeiro trimestre no ano de 2016. Evidente que não serão alteradas e modi- ficadas todas as regras, principalmente as regras da Teoria Geral do Processo, pois são elas que embasam e dão suporte para o desenvolvimento do restante das regras pro- cessuais mais específicas. Entretanto, exis- tem aspectos que sofreram alterações, tanto material (sobre interpretação, entendimen- tos, etc.) quanto formal (alterações de núme- Teoria Geral do Processo 2. ros de artigos, de enquadramento no sistema, etc.), razão pela qual buscar-se-á identificar, no decorrer deste trabalho, tanto a regra do Código Processual Civil ainda em vigor, quanto a nova regra trazida pelo Código de Processo Civil, que passará a viger em 2016. Isso se faz necessário para que os acadê- micos possam compreender e efetuar uma comparação nas alterações havidas, for- mando desde já o entendimento para apli- cação das novas regras. Como se trata de um Código novo, mui- tas questões e dúvidas irão surgir, sem que existam ainda entendimentos e manifesta- ções jurisprudenciais para elucidar os casos, o que pode ser considerado como um bene- fício intelectual, ao menos por ora, já que se pode e se deve iniciar e desenvolver um entendimento acerca de cada dúvida encon- trada, forçando o exercício da hermenêutica e o desenvolvimento do raciocínio jurídico. Com essa importante nota de esclareci- mento, todos são convidados a se debruça- rem na Teoria Geral do Processo. INTRODUÇÃO Processo é o instrumento de que se serve o Estado para, no exercí- cio da função jurisdicional, resol- ver os conflitos de interesses, solucionando-os; ou seja, o ins- trumento previsto como normal pelo estado para a solução de toda classe de conflitos jurídicos (ALVIM, 2014, p. 12). O estudo referente ao Direito Proces- sual, após séculos de tratamento distinto em cada uma de suas esferas, vem sendo tratado de forma unificada, ou seja, cada vez mais deixa-se de lado a análise separada de cada esfera para se realizar uma análise conjunta e única das normas e regras gerais para os diversos ramos do Direito, no que concerne aos seus institutos primordiais e fundamentamentais. Compete aos ilustres pensadores e estudiosos do Direito Processual identifi- car o que é aplicável a todos os ramos e o que é aplicável a uma esfera específica do Direito Processual, indicando princípios e normas plurivalentes e monovalentes. Esse trabalho não é simples, exige um aprofun- damento complexo e detalhado, inclusive por razões históricas, já que, nos primór- dios do direito dos povos, os atos ilícitos não eram separados em esfera Penal e civil, por exemplo; o processo era um só. Com o passar dos tempos, as relações jurídicas foram ficando cada vez mais complexas, exigindo princípios e conceitos próprios, bem como sistemas próprios, diante da prevalência de alguns interesses. Após essa primeira informação história, poderia-se pensar que seria então um retro- cesso essa reunificação do processo numa teroria geral, já que o trabalho foi árduo para separar as esferas do direito con- forme as necessidades peculiares de cada uma delas. Todavia, não se pode falar em retrocesso, visto que a situação atual pos- sui exigências completamente diferentes de épocas anteriores, uma vez que o Direito Processual caminhou no sentido de tornar- se um ramo jurídico autônomo e não mais um prolongamento do Direito Material. Inegável é a necessidade de cada uma das esferas do Direito seguirem como ramos autônomos. Entretanto, também é inegável a necessidade de haver princípios e normas que concedam a base inicial, que sejam ana- lisados e entendidos como a origem do pro- cesso para, a partir destes, desenvolver casa um dos ramos. Evidentes são os benefícios trazidos pela Teoria Geral do Processo. Porém, seu desenvolvimento ainda encontra-se incompleto, havendo muito o que estudar e criar para alcancar um conjunto de princípios que informem toda a esfera processual, abrangendo o Processo Civil, o Processo Penal, o Processo do Trabalho e o Processo Eleitoral. Não obstante a existência dos benefícios, existem também algumas deformações jurídicas decorrentes dessa reaproximaçaodos ramos do Direito Processual e que devem ser observadas e analisadas com cautela. Teoria Geral do Processo 3. Dentro do Processo Civil, por exemplo, é possível distinguir a existência de três sistemas que exigem princípios próprios: o Processo Civil Singular, o Processo Civil Coletivo e o Processo Civil dos Juizados Especiais, já que, com o passar do tempo, houve desenvolvimento e aperfeiçoamento dos estudos, surgindo a necessidade de criar conceitos próprios e distintos dentro de cada categoria, ou seja, via de regra não é mais possível resolver os problemas das ações coletivas com os princípios e regras do Processo Civil comum, assim como não se pode mais adotar um conceito comum de legitimidade ativa em todas as esferas. Deste modo, após analisar quais as necessi- dades específicas de cada esfera e subesfera dentro do Direito, surge a necessidade de classificar aquilo que se vincula à esfera do Direito Civil Coletivo, separando-se daquilo que caracteriza o Processo Civil comum e assim por diante, desenvolvendo e criando sistemas com soluções próprias para seus objetivos. Já na esfera do Processo Penal, a subdi- visão ocorre em: Processo Penal Comum, Processo Penal Militar e Processo Penal dos Juizados Especiais. Em cada uma dessas subdivisões, devem ser eleitas particularidades fundamentais, aperfeiçoando a relação existe entre os sujei- tos, desenvolvendo procedimentos cada vez mais eficientes e eficazes para a solução das questões. Considerando as necessidades da socie- dade no decorrer dos anos, verifica-se que houve uma maior rapidez no desenvolvi- mento e evolução do Direito Processual Civil que no desenvolvimento do Direito Processual Penal; entretanto, a aproxima- ção do Processo Civil do Processo Penal foi de grande utilidade e enriquecimento deste último, já que o Direito Processual Penal se viu obrigado a tecer conceito e estudos acerca de matérias que antes não eram cogi- tadas, como procedimentos por exemplo, as condições da ação Penal, natureza jurídica dos procedimentos jurisdicionais penais, a coisa julgada Penal, entre outras, matérias essas que foram definidas antes no Direito Processual Civil, diante da necessidade demonstrada na sua evolução. Em contra- partida, o Processo Civil também sofreu influências do Processo Penal e do Processo do Trabalho, aperfeiçoando velhos institu- tos e criando novos, como o trancamento da Num primeiro momento, no intuito de facilitar a compreensão, podem-se utilizar um panorama hierárquico da Teoria Geral do Processo, o qual possui seu primeiro nível for- mado pelos ramos do Direito Processual civil, Direito Processual Penal, Direito Processual do Trabalho e Direito Processual Eleitoral. Tendo em vista a necessidade própria que cada ramo exigiu para um melhor aperfeiço- amento e desenvolvimento, houve a necessidade de, em cada um desses ramos, efetuar-se uma subdivisão. Teoria Geral do Processo 4. ação civil por meio de mandado de segu- rança, a coisa julgada parcial, dentre outros. Diante do exposto nesta introdução, algumas premissas podem ser extraídas: x Dentro do Direito Processual há uma parte comum a todos os ramos espe- ciais do processo, justificando a for- mulação de uma Teroria Geral do Pro- cesso, aplicável a todos os ramos; x É fundamental a continuidade no desenvolvimento da ciência da dou- trina processual, a qual exige constante pesquisa e estudo para uma eficaz determinação dos princípios gerais a serem utilizados em todos os ramos do Direito Processual. Tomando-se como base essas premissas que demonstram a importância da Teoria Geral do Processo, pode-se acrescentar a necessidade de que cada ramo desenvolva sua especificidade, conforme a necessidade e objetivos próprios 2. 1. História do Direito Processual, no Brasil Antes de adentrar na sistemática do Direito Processual no Brasil, é necessário explanar algumas breves considerações ini- ciais acerca da evolução deste nos diversos países, para que, ao final, seja possível com- preender o sistema atual por nós utilizado. Como ramo autônomo da ciência do direito, pode-se afirmar que o Direito Pro- cessual tem pouco mais de cem anos, ou seja, é relativamente recente.3 O marco do nascimento do Direito Processual como ciência foi o livro de Oskar von Bulow: Die Lehre von den Prozesseinreden um die Prozes- 2 Entretanto, pode-se afirmar que não é pacífica na doutrina a aceitação de uma Teoria Geral do Processo. Há autores, como, Rogério Lauria Tucci, que entende ultrapassada a ideia de aplicar normas do Processo Civil na esfera processual penal, por exemplo, entendem como pela necessidade de visualizar cada área com a autonomia que lhe é peculiar e em ótica própria. 3 É recente quanto ao aspecto de ramo autônomo da ciência do direito, mas antigo quanto à utilização do processo para a resolução das lides exis- tentes, que vinha sendo utilizado e praticado ainda em Roma. svoraussetzungen (A Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais), em Giessen, na Alemanha, no ano de 1868, assentando o início do Direito Processual como um “sistema de princípios” (proces- sualismo científico4). Quando ocorreu a queda do Império Romano do Ocidente, já se utilizava o pro- cesso5 para satisfazer os ideais de justiça daquela época; com a invasão pelos bár- baros, houve um verdadeiro choque de culturas, já que estes possuíam uma cul- tura ainda muito primitiva para fazer jus- tiça. Nesta época, houve então uma divi- são entre um processo mais aprimorado (romano) e um processo mais rudimentar (germânico). Posteriormente, com a cria- ção da Universidade de Bolonha, na Itália, surgiu a Escola dos Glosadores, que atri- buíam importância ao estudo do Direito Romano, adaptando-o às necessidades da época e originando o chamado processo comum medieval, de fundo romano-canô- nico, mas impregnado de influências ger- mânicas. Essas três espécies de processo – romano, germânico e comum medieval – possuíam cada qual suas características e diferenças, além de alguns pontos em comum6. Seguem alguns dos principais trabalhos internacionais desenvolvidos acerca da evo- lução do estudo do Direito Processual: x 1868 – A Teoria das Exceções Proces- suais e os Pressupostos Processuais – “Die Lehre von den Prozesseinreden um die Prozessvoraussetzungen” – por Oskar von Bulow, em Giessen, na Ale- manha7; 4 No conceito do doutrinador José Eduardo Carreira Alvim, o processu- alismo científico significa estudar o próprio processo, sua natureza jurídica e seus institutos básicos, deixando de lado a praxe e a forma como a lei o regula. 5 Processo entendido como os ritos necessários para satisfazer os inte- resses da época. 6 Esses tipos de processo e suas características particulares poderão ser melhor aprofundados em contato com a obra denominada Teoria Geral do Processo, do ilustre autor José Eduardo Carreira Alvim (Editora Forense, 2014, p. 19-37). 7 Conforme já mencionado, foi o marco inicial do estudo do Direito Proces- sual, visto sob a ótica da ciência. Teoria Geral do Processo 5. x 1877 – Ingresso Forçado em juízo e norma judicial, do alemão Dege- mkolb, em Leipzig; x 1880 – Contribuições à Teoria do Direito de Queixa (ou Discussão sobre o conceito da ação), de autoria do hún- garo Plósz; x 1885 – Manual de Direito Processual Civil Alemão, de Adolf Wach8; x 1888 – Monografia intitulada Ação Declaratória – “Der Festsllungsans- pruch” – por Adolf Wach9; x 1903 – Conferência sob o título “A ação no Sistema dos Direitos”, por Chiovenda, na Universidade de Bolo- nha, na Itália; 10 x 1925 – A Teoria do Processo como Situação Jurídica – “Der Prozess als Rechtslage” – por James Goldschmidt, em Berlim11. Assim, tem-se o Direito Processual, hoje, como uma disciplina autônoma da ciência do direito, fruto da grande evolução ocasio- nada no século XIX. No Brasil, a História nos mostra que, até a Idade Moderna, os juízes, que represen- tavam a Administração,só interferiam nas questões privadas quando, de algum modo, estas causavam algum efeito ou consequ- ência na Esfera Administrativa, tida como soberana, caso contrário, era a justiça pri- vada que resolvia a questão. Assim, o ver- dadeiro processo começou a surgir quando o Estado proibiu a justiça privada e pas- sou a avocar para si a aplicação do Direito e das garantias individuais, tornando-se 8 Esta obra, infelizmente, ficou inacabada, mas coloca em evidência a autonomia do Direito de Ação, que gerou uma polêmica discussão, a qual permanece até os dias atuais 9 Esta obra, trouxe novos argumentos para reafirmar a autonomia do Direito de Ação em relação ao Direito Subjetivo Material. 10 Foi o ponto de partida na nova sistematização do Direito Processual, entre os povos da língua latina. 11 Na obra, o autor contestou a natureza jurídica do processo e a cons- truiu sob uma nova perspectiva: o processo como conjunto de situações processuais pelas quais atravessam as partes até chegar a uma sentença definitiva, além de esclarecer outras situações processuais que vieram a enri- quecer a ciência do processo, iniciando a Teoria da Relação Jurídica. um poder indispensável à manutenção do equilíbrio social e democrático do país, mes- clando o poder judiciário e o poder políti- co.12. Para a materialização e instrumenta- lização de um Direito Material formalizado pelo Estado, utilizava-se o Direito Pro- cessual para solucionar os conflitos entre as partes. Com a independência do Brasil, em 1822, continuou vigorando as ordenações Filipi- nas13, sendo que, em 1823, foi determinada a continuidade das normas processuais portuguesas, desde que não contrariasse a soberania nacional e o regime brasileiro. Em 1824, com a elaboração da primeira Constituição, além de serem estabelecidos alguns cânones fundamentais – como a proibição de prender e conservar alguém preso sem prévia culpa formada e a aboli- ção imediata das torturas e demais penas cruéis –, foi determinada a elaboração de um código criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade. Nasce assim, em 1830, o Código Criminal do Império, obra de grande valor, que trouxe completa inovação da disciplina positiva Penal. O Código de Processo Criminal seguiu o Código Criminal, trazendo distinções entre os procedimentos aplicados para os crimes públicos e para os particulares. Quanto à evolução do Direito Proces- sual Civil brasileiro, no ano de 1871, o Con- selheiro Antonio Joaquim Ribas14 foi encar- regado de reunir as leis e normas, até então existentes, para que contivesse toda a legis- lação relativa ao Processo Civil. Assim, com a resolução imperial de 28 de dezembro de 12 Por mais que, por ora, surja uma dificuldade nessa compreensão, no decorrer do texto, novos horizontes para a compreensão do Direito Proces- sual vigente. 13 Bloco de normas grandemente influenciadas pelo Direito Romano e Canônico. Disciplinavam diretrizes no Processo Civil do princípio da demanda e do dispositivo, com fases processuais rigidamente distintas, enquanto no Processo Penal verificava-se a possibilidade da prática da tortura, mutilações e outras práticas desumanas e irracionais. 14 Foi deputado provincial em várias legislaturas, desde 1849 até mudar-se para o Rio de Janeiro, onde passou a exercer a função de advo- gado, escreveu diversas obras sobre Direito e foi agraciado com o título de Comendador da Imperial Ordem de Cristo (BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario bibliographico brazileiro. Typographia Nacio- nal, Rio de Janeiro, vol. 1, 1883). Teoria Geral do Processo 6. 1876, a Consolidação das leis do Processo Civil15 obteve força de lei. Com a proclamação da República, o Governo Republicano determinou que, com relação ao Processo Civil, fosse aplicado ao processo, julgamento e execução das causas civis em geral, as disposições do regula- mento nº. 737 de 1850, o qual trazia as nor- mas de evolução do ramo do Direito Civil brasileiro. Em 1889, foi iniciado o procedimento de criação da nova Constituição16, a qual foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891, vigorando até 1927, por toda a república velha, adotando-se pela primeira vez no país o sistema de Presidencialismo. Com a Constituição Federal de 1934, a competência para legislar exclusivamente sobre o processo foi atribuída à União, razão pela qual surgiu a necessidade de elaboração de novos Códigos17 de Processo Civil e Penal. Surgiu, então, o novo Código de Processo Civil de 1939, que adotou o princípio da oralidade, notadamente no que diz respeito ao sistema de recursos e à multiplicação de procedimentos especiais. Por sua vez, o Decreto-Lei nº. 3.689, de 03 de outubro de 1941, instituiu o Código de Processo Penal18, composto por seis livros, com 811 artigos, dentre eles do processo em geral. Diante da necessidade de realização de correções e adaptações decorrentes de falhas em sua aplicação prática, exigiu-se 15 Dividia-se em duas partes: a primeira era relativa à organização judici- ária e a segunda à forma do processo. 16 Seus principais autores foram: Prudente de Morais e Rui Barbosa. Na ocasião, passou-se a separar os poderes em Legislativo, Judiciário e Execu- tivo, acabando com o Moderador. Foi por meio desta Constituição, também, que foi aprovada a dualidade de Justiça, passando a existir a Justiça Estadual e a Justiça Federal. 17 O Governo estava encarregado da organização das comissões de juristas, todavia, diante das divergências surgidas na comissão encarregada da preparação de um anteprojeto do Código de Processo Civil, um de seus membros apresentou o projeto, que foi revisto e transformou-se no Código de Processo Civil de 1939. 18 O Código de Processo Penal de 1941 baseou-se no projeto ela- borado por vários autores, como Vieira Braga e Nélson Hungria. Além do “livro” do Processo em Geral, foram criados os seguintes: dos processos em espécie, das nulidades e dos recursos em geral, da execução, das relações jurisdicionais com as autoridades estrangeiras e das disposições gerais. uma reformulação da legislação processual, com novas codificações19. O projeto do Código de Processo Civil da época, após passar pela respectiva tra- mitação legal, originou a Lei n. 5.869, de 11 de Janeiro de 1973, possuindo 1.220 artigos dispostos em cinco livros: do processo em conhecimento, do processo em execução, do processo cautelar, dos procedimentos especiais e das disposições finais e transi- tórias. Atualmente, foi efetuada uma nova reforma, por meio da Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015, a qual instituiu inúme- ras novas regras para o Código de Processo Civil, o qual entrará em vigor após decor- rido o período de um ano da sua publicação oficial, revogando-se a Lei nº. 5.869/1973 e trazendo inúmeras melhorias ao Direito Processual.20 Por sua vez, o projeto do novo Código de Processo Penal iniciou-se com uma tramitação mais lenta e complexa, tendo várias emendas apresentadas, sendo inclusive retirado pelo Poder Execu- tivo e reapresentado no governo poste- rior (Governo Figueiredo), que instituiu uma nova Comissão21 para desenvolver os respectivos estudos. O referido pro- jeto se prolonga por anos e anos, uma vez que sua tramitação encontra-se estag- nada no Senado Federal, não aprovado até hoje. Mesmo com as inúmeras altera- ções feitas ao longo dos tempos, inclusive com a reforma feita no ano de 2008 (Leis nº. 11.689, 11.690 e 11.719), urgente se mos- 19 Para a elaboração do anteprojeto do Código de Processo Civil foi designado o jurista Alfredo Buzaid e, para elaboração do anteprojeto do Código de Processo Penal, José Frederico Marques. 20 O novo Código de Processo Civil originou-se do Anteprojeto de Código de Processo Civil elaborado por uma Comissão de Juristas, nome- ada em setembro de 2009.Após muitos debates e trabalhos desenvolvidos, seguindo-se o rito de tramitação legal, resultou na recente aprovação do novo CPC, o qual visa simplificarprocessos e dar mais celeridade à tramita- ção das ações, limitando a quantidade de recursos e criando um mecanismo para resolução de demandas repetitivas. Também busca ordenar de forma mais lógica as normas de Processo Civil, bem como reduzir o número de recursos possíveis para acelerar o trâmite dos processos, além de outras medidas relevantes. Enfim, o novo Código de Processo Civil trouxe mudanças deveras interessantes para o momento, com várias observações peculiares e de grande relevância, mas será tratado oportunamente, no decorrer desde artigo. 21 A referida Comissão era composta pelos professores Francisco Assis Toledo, Rogério Laura Tocci e Hélio Fonseca. Teoria Geral do Processo 7. tra a necessidade da elaboração e aprova- ção de um novo Código Processual Penal, já que o nosso Código vigente é do ano de 1941 e, mesmo com as alterações advindas, deixa de comtemplar vários pontos impor- tantes, principalmente na seara recursal e punitiva. 2. Direito Formal e Direito Material Dentro da ciência do Direito, inúmeras são as classificações, divisões e subdivisões criadas ao longo dos anos, conforme sur- gem as necessidades de distinção de con- ceito, de enquadramento, de diferenciações, dentre outras. Essa classificação do Direito em Formal e Material é utilizada em todos os ramos do Direito, não só na esfera processual, tendo um mesmo intuito: distinguir as normas em si da forma de obtê-las. Ou seja, enquanto o Direito Material descreve os direitos e impõe sanções, o Direito Formal diz res- peito à processualística, descreve a forma de se obter o Direito Material, completando-o. O Direito Formal é o meio que dita as regras para se chegar ao fim, que é o de obter o direito (Direito Material). O Direito Civil (representado principal- mente pelo Código Civil) e o Direito Penal (representado principalmente pelo Código Penal), por exemplo, determinam “o que”, enquanto o Direito Processual civil (repre- sentado principalmente pelo Código de Processo Civil) e o Direito Processual Penal (representado principalmente pelo Código de Processo Penal) determinam “como” se procederá com aquilo que foi previsto no Direito Material. Do ponto de vista material, o que importa é o conteúdo da norma. Por outro lado, quando nos valemos do critério for- mal, não mais interessa o conteúdo da norma, mas sim a forma como ela foi intro- duzida no ordenamento jurídico. Assim, a forma mais expressiva de manifestação do Direito Material é a lei no sentido amplo (Constituição, leis, decretos, Códigos em geral, etc.). Como em quase todos os assuntos estu- dados na Ciência Jurídica, sobre o presente tema há também a existência de correntes, cada qual analisando a partir de sua ótica. Mesmo considerando a existência das duas formas (Direito Formal e Direito Material), discutem sobre o modo de aplicação e natu- reza das mesmas. De um lado há autores que entendem o Direito Formal como um método de atuação do Direito Material, em nada contribuindo para acrescentar ou enri- quecer o ordenamento jurídico, podendo, assim, serem tratados de forma completa- mente separadas e autônomas (Teoria Dua- lista)22. De outro lado, há quem defenda que o Direito Formal é um método de com- plementação do Direito Material, uma vez que acrescenta ao ordenamento atos que anteriormente não existiam (ex: sentença), não havendo uma nítida cisão entre os mes- mos (Teoria Unitária)23. Nesse aspecto, é oportuno ressaltar a conclusão mencionada pelo autor José Eduardo Carreira Alvim, quando afirma: Como se vê, não basta o ordena- mento jurídico criar os sujeitos de direito, preservá-los e distribuir entre eles os bens da vida, pelo que o Estado se preocupa em ins- tituir um método adequado, para dirimir os eventuais conflitos de interesses entre os litigantes, a fim de que a sociedade não se desorganize com as controvér- sias entre seus membros (CAR- REIRA, 2014, p. 14). Verifica-se, assim, que o processo detém uma função primordial, que é ditar as regras e procedimentos a serem seguidos, aplicando-se a lei e buscando resolver as questões com justiça. É o instrumento uti- 22 Entre os adeptos desta corrente está Chiovenda, para quem o ordena- mento jurídico cinde-se em Direito Material e Direito Processual. 23 Essa Teoria conta com o prestígio de Carnelutti, que afirma que o Direito Objetivo não tem condições para disciplinar todos os conflitos de interesses, havendo necessidade do processo para complementação dos comandos da lei. Teoria Geral do Processo 8. lizado para tentar resolver a lide e eliminar eventual “justiça pelas próprias mãos”. 3. O processo e as condições da Ação Antes de esmiuçar as condições da ação, é preciso fazer uma análise prévia acerca da jurisdição, processo e ação, elementos interligados e demasiadamente importan- tes para a Teoria Geral do Processo, pois formam a estrutura básica dos fundamentos do processo. A jurisdição pode ser encarada como a função do Estado em declarar e realizar a vontade da lei, perante a existência de uma controvérsia. O processo, sob uma ótica ampla e geral, é considerado como o ins- trumento utilizado para solucionar even- tual controvérsia existente24. A ação, por sua vez, pode ser atualmente entendida como um direito público subjetivo a que tem direito a parte, no intuito de exigir do Estado a obrigação de exercer a jurisdição, ou seja, de aplicar a lei na existência de uma lide, buscando a solução da controvérsia25. Outra diferenciação relevante é entre processo e procedimento. Enquanto o pro- cesso é o instrumento utilizado para solu- cionar a controvérsia, como já afirmado, o procedimento pode ser definido como o rito utilizado naquele processo, definindo e ordenando os diversos atos processuais necessários. Por muito tempo, o processo como Direito Formal não se distinguiu do direito que o litigante pretendia ver conhecido, ou seja, do Direito Material; até meados do 24 Diz-se “sob uma ótima ampla e geral” porque o processo também possui outras funções, como, por exemplo, a função preventiva, quando se enxerga pela ótica das medidas cautelares. Porém, para uma análise intro- dutória às condições da ação, basta a humilde conceituação de processo colocada no texto. 25 Liebman destaca a existência de um direito constitucional que garante que todos os cidadãos podem levar as suas pretensões ao poder judiciário, afirmando que todos podem agir em juízo para a tutela dos seus direitos e interesses legítimos (LIEBMAN, Enrico Tulio. Manual de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense,1985, v.1, p.150). século XIX, não se colocava o processo em um plano distinto do plano do Direito Mate- rial; a ação e o direito eram a mesma coisa, porém vistas sob ângulos diferentes.26. Oportuna se faz a explicação proposta por Savigny, que também sem desvincular o Direito Material do Direito Formal, tinha este último como o direito à tutela judicial nascido da lesão de um Direito Material, ou seja, o Direito Formal era um direito resul- tante da transformação do Direito Material que foi lesado, razão pela qual vinculou a situação ao conceito de “metamorfose”, para ilustrar27. Houve então uma grande e lenta dis- cussão em torno da polêmica levantada por Windscheid e Muther, que é tida como o caso-parâmetro para o desenvolvimento dos estudos sobre essa questão. Para o primeiro, a pretensão é equivalente à ação (actio), delineando-a como uma situação jurídica substancial, distinta do direito de reclamar e também distinta do direito de pretender algo (direito subjetivo)28; para o autor, a ordenação romana era uma ordenação de pretensões que poderiam ser perseguidas judicialmente. Para Muther, que sustentou a existência de um direito de agir contra o Estado, o direito de agir tem o Direito Mate- rial como pressuposto, embora com ele não se confunda; faz com que o estado exerça o seu direito contra o obrigado, havendo uma clara ligação com o direito privado,do autor contra o réu29. Algumas dessas ponderações feitas por Muther foram aceitas por Winds- cheid, o qual passou a admitir a existência de uma ação processual ao lado da preten- são de Direito Material, com algumas carac- 26 Nesse sentido, destaca-se a frase de Demolombe, que ficou conhe- cida: a ação “é o direito posto em movimento, é o direito em estado de ação em vez de ser o direito em estado de descanso, o direito em guerra em vez de o direito de paz” (MARINONI, 2014, p. 168). 27 SAVIGNY, Friedrich C. vom. System des heutigen romischen Rechts. Berlim: Veit und Comp, 1840-1849, p.532. 28 WINDSCHEID, Bernhard. Die Actio – Abwehr gegen Dr. Theodor Muther. Dusseldorf: J. Buddeus, 1857; Aalen: Scienta (reimpressão), 1984. 29 MUTHER, Theodor. Monografia sobre a teoria da actio romana, do moderno direito de queixa, da litiscontestação e da sucessão singular nas obrigações. Buenos Aires, Ejea, 1974. Teoria Geral do Processo 9. terísticas próprias30. Para ele, a ordenação romana, assim como a moderna, era uma ordenação de direitos. Assim, com essa polê- mica, ficou para trás a antiga concepção que unia o Direito Material e a ação, passando-se a demonstrar a separação entre os planos do Direito Material e do Direito Formal. Posteriormente a esses nobres autores, que muito contribuíram para o desenvolvi- mento do ordenamento jurídico em diver- sos países, foram iniciados alguns estudos por Degenkolb e Plótsz, cerca de vinte anos mais tarde, no intuito de criar bases de jus- tificativas para as ações que levavam às sentenças favoráveis e também às sentenças desfavoráveis. Para tentar explicar que um sujeito tem direito de agir contra o Estado, mesmo que não tenha Direito Material, esses juristas indicaram as ideias de boa-fé e de consciência da existência do Direito, impedindo que fossem acusados de criar direitos sem conteúdo e limites. Em seguida, destaca-se o jurista Lodo- vico Mortara, que desvincula completa- mente o direito de agir do Direito Material, dando ênfase à ideia do Direito Abstrato. Enquanto Degenkolb e Plótsz afirmaram, de forma expressa, que somente tem direito de agir aquele que afirma uma lei, Mortara ligou o direito de agir a um direito subjetivo. Na sequência, o ilustre jurista Adolf Wach apresentou sua teoria que, embora tenha frisado a necessidade de o Estado dar proteção ao cidadão, vinculou tal proteção a um ato concreto, como a sentença favorável, negando a importância do significado da proteção estatal. Em contraposição estava Giuseppe Chiovenda, o qual afirmou que a ação era muito mais do que mera provoca- 30 Considerando a grande relevância do tema, o mesmo poderia ser desenvolvido por inúmeras páginas no decorrer deste trabalho, todavia, não é a intenção e nem existe a possibilidade do mesmo aprofundar-se em todas as teorias e discussões relevantes, por se tratar de um estudo da Teoria Geral do Processo. Assim, se houver interesse, essas teorias podem ser melhor estudadas nas obras de Bernhard Windscheid (Die Actio), Theodor Muther (Monografia sobre a teoria da actio romana, do moderno direito de queixa, da litiscontestação e da sucessão singular nas obrigações), Luiz Guilherme Mari- noni (Teoria Geral do Processo), José Eduardo Carreira Alvim (Teoria Geral do Processo), dentre outros. ção do Estado para prestar a tutela jurídica; era, além de um “direito”, um “poder”. Com relação a esse aspecto, concor- damos com Marinoni quando afirma “ao contrário do que sustentou Chiovenda, a ação é um direito do autor contra o Estado, que atinge o réu apenas na hipótese de sentença de procedência, mas é exer- cido em caso de sentença de procedência ou de improcedência”(MARINONI, op. Cit. p. 190). A jurisdição, por sua vez, não pode ser aplicada automaticamente, sem a participação dos interessados e sem as regras de instrução do juiz, de modo que é necessário haver atividade pelos interessados perante o juízo (alegações, provas, demonstrações, etc.) e do juízo perante os interessados (análise, esclarecimentos, solução de controvérsias, aplicação da lei, etc.). A soma desses atos praticados pelas partes interessadas e pelo juiz, em seu conjunto e complexidade, forma o processo, que vai desde a propositura da ação até a sentença, exigindo também a obediência a algumas condições que tornem válida a relação jurídica processual, regularmente estabelecida entre os interessados e o juiz. Na maioria das vezes, o processo serve para dirimir uma controvérsia existente, uma suposta violação de direitos. Toda- via, não se pode afirmar que todo processo terá como consequência a solução da refe- rida controvérsia ou de uma lide, visto que é possível que um processo nasça e seja extinto sem chegar à solução do litígio; basta que não estejam presentes os requi- sitos necessários para a concretização da ação. Para que a ação possa iniciar e per- correr seu caminho de forma efetiva, ela exige algumas condições, as quais serão analisadas na sequência, sendo que, inicial- mente, cumpre ao processo desempenhar as funções de: 1) verificar a efetiva situação jurídica das partes (processo de cognição); 2) realizar efetivamente a situação jurídica apurada (processo de execução); e 3) esta- belecer as condições necessárias para que Teoria Geral do Processo 10. se possa pretender a prestação jurisdicional (condições da ação)31. Conforme as mais modernas concep- ções processuais32, a ação não depende do reconhecimento de um Direito Material, pois é apenas o direito ao julgamento do mérito. O que importa para sua concre- tização é a presença das suas condições, consideradas requisitos necessários ao seu exercício, sem os quais o Direito de Ação não existe. Em regra, pode-se dizer que são três as condições da ação, aplicadas tanto na esfera cível quanto na Penal. Mesmo que nomen- claturas diversas sejam utilizadas no direito, a base tida como de origem é a mesma: x Possibilidade jurídica do pedido; x Interesse de agir; e x Legitimidade das partes. 3.1 Possibilidade Jurídica do Pedido Tem-se como possibilidade jurídica do pedido o fato de o ordenamento jurídico amparar aquilo que pretende o autor. Por exemplo, nosso ordenamento não admite a cobrança de dívida de jogo ilícito, de modo que aquele sujeito que se entende credor por algum jogo ilícito não poderá se utilizar do amparo da lei na pretensão de efetuar essa cobrança via judicia; do mesmo modo, não se admite a pena de morte além dos casos previstos pela lei. Na esfera Penal, verifica-se a possibi- lidade jurídica do pedido ao passo que a queixa ou a denúncia deverá ser fundada 31 LENT, Friedrich. Direito Processual Civil. Nápoles, 1962, p.18. 32 Há algumas divergências quanto às condições da ação, para Lieb- man. Por exemplo, de início, eram as três condições: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimação para agir (Teoria Eclética); posterior- mente, o doutrinador reduziu apenas a legitimidade para agir e interesse. Há correntes que assimilam ao próprio mérito da causa, de sorte que só haveria, concretamente, o binômio pressupostos processuais-mérito; outras colocam as condições da ação numa situação intermediária entre os pressupostos processuais e o mérito da causa, formando um trinômio entre as três cate- gorias do processo, que é a concepção adotada neste trabalho. (THEODOR JUNIOR, op.cit. 2006, p. 62). obrigatoriamente em um fato típico e antiju- rídico, previsto expressamente na lei Penal. Essa condição, no entanto, não é vista no seu caráter absoluto, pois há inúmeras críti- cas no sentido de que o nosso ordenamento, por exemplo, possui omissões e lacunas33, mas nem por isso o juiz pode se eximir de resolver a questão; assim, haverá casos em que faltará essa previsão da lei que ampare o pedido do autor, em abstrato, oportuni- dade na qual o juiz não poderá se eximir de processar e julgar a causa arguindo omissão da lei. Para Wagner Junior, “a impossibilidade jurídica dopedido pode se dar em razão de imprecisões verificadas em qualquer dos elementos da ação, ou seja, partes, causa de pedir e pedido, por isso melhor seria referir- se ao instituto como impossibilidade jurí- dica da demanda e não apenas do pedido propriamente dito”34. Atenção especial deve ser atribuída a esta condição, já que não se pode confun- dir um pedido, que é impossível, porque não está tutelado no ordenamento, com um pedido que, em tese, é possível, mas que se revela improcedente porque não merece ser tutelado. Trata-se da importante diferença entre a impossibilidade jurídica do pedido, que tem como consequência a extinção sem julgamento de mérito, e a improcedência da ação, a qual possibilita o julgamento do mérito. Na esfera Penal, quando o pedido for juridicamente impossível, a ação não pode ser instaurada por ausência de justa causa. Conforme Grego Filho, há três situações de pedido juridicamente impossível no Pro- cesso Penal: 1) pedido de sanção que não está prevista na lei; 2) pedido de condena- ção por fato atípico; e 3) pedido formulado quando há fato impeditivo do exercício da 33 As omissões e lacunas não podem ser confundidas com a não veda- ção expressa da pretensão material, ou seja, quando a lei não vedar a pre- tensão de forma expressa, haverá possibilidade jurídica do pedido, mas, se vedar, não haverá essa possibilidade. 34 WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa. Processo Civil – curso completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 27. Teoria Geral do Processo 11. ação ou falta condição especial para sua propositura35. Ainda com relação a esta condição, remetemos à leitura do item “3” acima, o qual trouxe explicações mais detalhadas acerca das teorias sobre o Direito de Ação. Esse prospecto da condição é tido sob a ótica do Código de Processo Civil de 1973, que ainda está vigente. Todavia, com a entrada em vigor do novo Código de Pro- cesso Civil, em março de 2016, verificar-se-á uma mitigação dessa condição da ação, a qual deixa de ser uma condição autônoma e passa a integrar a condição do “interesse de agir”, conforme será melhor tratado no item 3.4, abaixo. 3.2 Interesse de agir Pode ser entendido como a necessidade de se invocar a tutela jurisdicional no caso concreto, ou seja, não havendo uma neces- sidade concreta do amparo do judiciário, falta-lhe o interesse de agir; uma relação do binômio necessidade-adequação. Como exemplo, pode ser trazida a pretensão de um sujeito em cobrar um dívida que ainda não está vencida. Nasce da resistência que alguém oferece à satisfação da pretensão de outrem, já que este não pode fazer “justiça com as próprias mãos”. A utilização da via jurisdicional deve ser indispensável para que não falte o interesse de agir. No Processo Penal, a necessidade é absolutamente presumida, uma vez que não há pena sem o devido processo legal; é dessa existência do binômio necessidade- -adequação que se exige a necessidade da justa causa36 na esfera Penal, como funda- mento probatório razoável para sustentar a acusação. 35 Essas situações ensejam a rejeição da denúncia ou queixa ou, se recebidas, devem causar o trancamento da ação Penal por meio de habeas corpus. 36 A necessidade da justa causa é matéria a ser estudada de modo mais aprofundado quando do tratamento dos princípios, sendo que, sob o aspecto processual geral, a sua falta significará falta de interesse processual para a ação Penal, por falta da necessidade, adequação ou utilidade, causando constrangimento ilegal. Por mais extenso que seja o conceito de Liebman acerca do interesse de agir, dema- siado relevante é trazê-lo à tona em suas próprias palavras, a fim de que se possa compreender a essência da ideia e a inten- ção, já que a teoria por ele apresentada foi a adotada pelo nosso ordenamento jurídico: O interesse de agir é um interesse processual, secundário e instru- mental com relação ao interesse substancial primário; tem por objeto o provimento que se pede ao juiz como meio para obter a satisfação de um interesse primá- rio lesado pelo comportamento da parte contrária, ou, mais genericamente, pela situação de fato objetivamente existente. Por exemplo, o interesse primá- rio de quem se afirma credor de 100 é obter o pagamento dessa importância; o interesse de agir surgirá se o devedor não pagar no vencimento e terá por objeto a sua condenação e, depois, a execução forçada à custa do seu patrimônio. O interesse de agir decorre da necessidade de obter através do processo a proteção do interesse substancial; pres- supõe, por isso, a assertiva de lesão desse interesse e a aptidão do provimento pedido a protegê- -lo e satisfazê-lo. Seria uma inu- tilidade proceder ao exame do pedido para conceder (ou negar) o provimento postulado, quando na situação de fato apresentada não se encontrasse afirmada uma lesão ao direito ou interesse que se ostenta perante a parte con- trária, ou quando os efeitos jurí- dicos que se esperam do provi- mento já tivessem sido obtidos, ou ainda quando o provimento pedido fosse em si mesmo inade- quado ou inidôneo a remover a lesão, ou, finalmente, quando ele não pudesse ser proferido, por- que não admitido pela lei (p. ex.: :, a prisão por dívidas). Natu- ralmente, o reconhecimento da ocorrência do interesse de agir ainda não significa que o autor tenha razão: quer dizer apenas Teoria Geral do Processo 12. que o seu pedido se apresenta merecedor do exame. Ao mérito, e não ao interesse de agir, per- tence toda e qualquer questão de fato e de direito relativa à pro- cedência do pedido, ou seja, à juridicidade da proteção que se pretende para o interesse subs- tancial. Em conclusão, o interesse de agir é representado pela rela- ção entre a situação antijurídica denunciada e o provimento que se pede para debelá-la mediante a aplicação do direito; deve essa relação consistir na utilidade do provimento, como meio para proporcionar ao interesse lesado a proteção concedida pelo direito”37. 3.3 Legitimidade das partes Tanto da parte requerente como da parte requerida, o autor deve ser visto como aquele a quem a lei assegura o direito de invo- car a tutela jurisdicional, o titular da ação, enquanto o requerido é aquele em face de quem pode o autor pretender algo. Um pai, por exemplo, não pode cobrar judicialmente uma dívida em face de seu filho; é réu da ação de cobrança e o devedor; o réu da ação de despejo é o locatário, etc. A grande difi- culdade que se encontra aqui é individuali- zar a pessoa a quem pertence o interesse de agir e a pessoa em face da qual ele existe. A legitimidade, conforme entende Alfredo Buzaid, é a pertinência subjetiva da ação, ou seja, nós não podemos propor ações sobre todas as lides que ocorrem no mundo. Somente podem demandar aqueles que forem sujeitos da relação jurídica de direito; cada um deve propor as ações relativas aos seus direitos (legitimação ordinária), salvo casos excepcionais expressamente previstos em lei (legitimação extraordinária)38. 37 LIEBMAN, Enrico Tulio. Manual de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1985, v.1, p. 155. 38 BUZAID, Alfredo. Estudos de direito. São Paulo: Saraiva, 1971. No nosso ordenamento processual civil, temos a regra de que “ninguém poderá plei- tear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”39. A primeira parte dessa norma é a denominada legi- timidade ordinária; a parte final trata da legitimidade extraordinária (ou anômala), quando o próprio ordenamento autoriza que alguém demande em nome próprio defendendo interesse alheio, podendo ser substituição processual40 (ex.: :: Ministério Público quando pede a tutela de interesses difusos ou coletivos) ou representação pro- cessual (ex.: :: o espólio no inventário). No Processo Penal, conforme entendi- mento do doutrinador Vicente Greco Filho, o problema da legitimidade é essencial, visto que há uma legitimação genérica conferida ao Ministério Público,como titular natural da ação Penal (legitimação ordinária), salvo quando a lei dispuser diferente (legitimação extraordinária do ofendido ou de terceiro). No entanto, mesmo que seja conferida legitimidade extraordinária ao ofendido ou terceiro, estes agirão em nome próprio, na defesa de direito alheio, já que o jus puniendi na esfera Penal é sempre de titularidade do Estado (na ação Penal pri- vada subsidiária da pública, a legitimação do ofendido é extraordinária e sucessiva, pois condicionada à inércia do Ministério Público)41. O não atendimento da legitimidade de partes como condição da ação leva à carên- cia da ação no sentido técnico processual, mas no Processo Penal é causa de nulidade absoluta. Por fim, após analisar cada uma das condições da ação, afirma-se que a ação não depende de uma sentença favorável, mas requer a presença das referidas condições da ação, acerca das quais são tecidas algumas críticas. Considerando que o Código de 39 Art.6º do CPC/1973 e art.18 do CPC/2015. 40 Parte dos doutrinadores, entre os quais Pedro Dinamarco, entendem a substituição processual como sinônimo da legitimação extraordinária e não como espécie dela. 41 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 10. ed., São Paulo: Saraiva, 2013 (com a colaboração de João Daniel Rassi), p. 125. Teoria Geral do Processo 13. Processo Civil adotou a teoria de Liebman, entende-se que quando tais condições estão ausentes há a carência da ação. Porém, esta teoria não traz explicações satisfatórias acerca de eventual situação em que o juiz julga o processo em que o autor não preen- cheu as condições da ação42. O que haveria de ser feito nesse caso? Seria o caso de mera faculdade jurídica, como afirmam os ensi- namentos de Adolf Wach? Essas três condições da ação apresenta- das são consideradas como indispensáveis ao exercício de qualquer ação, razão pela qual podem ser chamadas de genéricas. Entretanto, existem outras condições neces- sárias conforme o caso, que condicionam o exercício de determinada ação, isto é, condi- ções específicas (como exemplo de condição específica43 na esfera Penal está a represen- tação da parte ofendida ou seu represen- tante legal, quando necessária ao exercício da ação Penal). 3.4 As condições da ação sob a ótica do novo CPC Por ora ainda aplicam-se as regras do CPC de 1973; todavia, deve-se atentar para as regras previstas pelo novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor no mês de março de 2016. O novo CPC reafirma que se considera proposta a ação com a apresentação da peti- ção inicial44, sendo consideradas idênticas as ações com mesmas partes, causa de pedir e pedido, sendo que este último não se con- funde com a ação. Além disso, trouxe a necessidade de se outorgar ao juiz poder para julgar parcela de um pedido ou um dos pedidos cumu- lados, quando estes estiverem “maduros” 42 Caso em que as partes não alegam a falta de condições da ação e nem o juiz as observa. 43 Essas condições específicas também podem ser chamadas de condi- ções de procedibilidade, as quais são caracterizadas como fatos, naturais ou jurídicos, cuja existência é exigida pela lei para a proposição da ação Penal. 44 Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispen- sáveis à propositura da ação (novo CPC, lei 13.105/2015). para julgamento no curso de procedimento que tem que prosseguir para a elucidação de fato, pertinente à outra parcela do pedido ou ao outro pedido cumulado45. No novo Código, não se fala em condições da ação, apenas se adverte a necessidade de ter interesse e legitimidade para se postular em juízo, deixando a pos- sibilidade jurídica do pedido de constituir unidade autônoma capaz de impedir o jul- gamento do mérito. Pode, então, a impossi- bilidade jurídica do pedido ser considerada como parte integrante do requisito interesse de agir. Diz o art. 485 que o órgão jurisdicio- nal não resolverá o mérito em diversas hipó- teses, entre essas quando “verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual” (inciso VI). 4. PRINCÍPIOS Antes de adentrar a cada um dos prin- cípios entendidos como pertencedores à Teoria Geral do Processo e importante ressaltar a complexidade da compreensão do Direito à luz dos princípios, pois essa compreensão exige uma quebra com o positivismo do Estado liberal, uma ruptura com um sistema que se expressa por meio de um direito constituído por regras. Não significa que haja uma imprevisibi- lidade em relação às tomadas de decisões, mas que as regras devem ser interpretação à luz de outra regra ainda maior e não em sua literalidade. Como a sociedade está em constante evolução, os princípios devem ser redimensionados nessa mesma intensidade e velocidade, já que adquire substantivi- dade com o contato com a realidade, sendo avesso à lógica da aplicação das regras. Não se aplica uma regra de hierarquia entre os princípios, mas faz-se uma pon- deração quanto à sua aplicação e propor- cionalidade. Conforme o caso em questão, poderá ser adotado um critério de “peso” entre os princípios, mas nunca de validade. 45 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: teoria geral do processo. 8. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 184. Teoria Geral do Processo 14. Assim se faz a aplicação dos princí- pios, os quais trazem as premissas básicas que devem orientar a aplicação das demais normas, de modo que convivam entre si de forma harmônica e sejam aplicados con- forme o caso concreto. Apesar de interpretados, no início, sob um aspecto único, conforme o caso, passam a se desdobrar e dar origem a novas princípios mais específicos, que serão utilizados de forma mais direcionada para aquela área/esfera do Direito. Dessa forma, dentro da esfera da Teoria Geral do Processo, encontramos princípios aplicados na jurisdição, na ação, no processo, nos atos, em todos, etc. Vejam-se os principais princípios aplicados na jurisdição, dentro da Teoria Geral do Processo: 1. Princípio da investidura: a jurisdição só pode ser legitimamente exercida por quem tenha sido dela investido por autoridade competente, em con- formidade com as regras legais, caso contrário poderá incidir no crime de usurpação do exercício da função pública (art. 328 do Código Penal). À ausência de investidura podem ser atribuídos os mesmos efeitos legais aplicados aos atos de juízes aposenta- dos, por exemplo. Quanto à ofensa a este princípio, há dois posicionamentos diferentes: parte da doutrina afirma serem inexistentes os atos e o processo realizado nessa situação; outra parte da doutrina alega a ocorrência da nulidade dos atos. 2. Princípio da aderência ao território ou improrrogabilidade da jurisdição: a jurisdição deve ser exercida sobre um determinado território, fora do qual, em regra, não podem exercer a juris- dição. O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição sobre todo o território do país; os Tri- bunais de Justiça têm jurisdição sobre todo o território do respectivo Estado; os Tribunais Regionais sobre determi- nada região do país, compreendendo um ou mais Estados; os juízes, no âmbito da sua respectiva base territo- rial e assim por diante. Quando houver a necessidade de se praticar um ato fora da respectiva jurisdição, deve a autoridade solicitar a cooperação de outro juízo no local onde o ato deva ser realizado. Toda- via, esse princípio não é absoluto e comporta algumas exceções, tanto no âmbito civil (ex.: :: prevenção, citação em comarca contígua) quanto no Penal (ex.: :: desclassificação da infração de competência de outro juízo, desafora- mento de crime). 3. Princípio da indelegabilidade: o juiz investido deve exercer suas funções pessoalmente, não podendo delegar as mesmas, o que, no nosso enten- dimento, não se confunde com a necessidade de praticar ato fora do território de sua jurisdição por meio da carta precatória, uma vez que, neste caso, ambos os juízes,deprecante e deprecado, estão atuando no âmbito de suas competências46. 4. Princípio da indeclinabilidade: o juiz não pode declinar do seu ofício, deixando de atender às pretensões apresentadas, nem mesmo em caso de lacuna ou obscuridade, quando deverá utilizar as fontes permiti- das (costumes, analogia e princípios gerais). Está relacionado com o poder que a sociedade tem de provocar o pronunciamento jurisdicional. 5. Princípio do juiz natural: o juiz com- petente, independente e imparcial deve existir antes do fato a ser por ele julgado e processado. Não pode ser um juiz constituído após os fatos para julgar aquela questão específica (juí- zes/ tribunais de exceção). A vedação vem expressa na Constituição Fede- ral (art.5º, XXXVII), que determina que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”. Esse princípio é deri- 46 Há controvérsia na doutrina, pois para alguns a expedição de carta precatória representa mera delegação de jurisdição; para outros, a única hipótese de delegação de jurisdição é a carta rogatória. Teoria Geral do Processo 15. vado dos princípios da legalidade e da igualdade. Interessante ressaltar aqui o debate que se forma em torno deste princípio quanto aos efeitos do julgamento rea- lizado sem a observância do mesmo. Parte da doutrina entende que, nesse caso, o resultado é a inexistência dos atos praticados pelo juízo incompe- tente, não só a nulidade, o que impede que eventual sentença transite em julgado (exceto em casos que tragam benefício ao réu, quando deve preva- lecer o princípio favor rei). A juris- prudência, por sua vez, tem decisões no sentido de que se trata de vício que causa a anulação desde o início do processo47. Contudo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os atos ordinatórios e probatórios praticados por juiz incompetente são reputados irregulares, porém, não são anulá- veis, máxime quando não cerceiam o direito de defesa, não lhe acarretando prejuízo48. Ainda na esfera jurispru- dencial, já se decidiu que, quando se tratar de ratificação de atos processu- ais somente postulatórios e instrutó- rios, não há ofensa ao princípio do juiz natural49. Outra questão em debate é sobre even- tual violação deste princípio quando o julgamento de recurso é realizado por Câmara composta, majoritaria- mente, por juízes de primeiro grau. Nesse caso, ouve uma modificação no entendimento jurisprudencial, quando o Supremo Tribunal Federal passou a entender que a convocação de juízes de primeiro grau em substituição aos Desembargadores, de forma majori- tária no julgamento dos recursos nas 47 TRF 3ª R., 2ªT., Rec. 96.03.36870-9, Rel. Sylvia Steiner, j. 5.11.1996. 48 STF, 1ªT, HC 76.394, Rel. Moreira Alves, j. 9.6.1998, RTJ, 170/250. 49 TRF 3ªR., Ap., Rel. Peixoto Junior, RT, 725/715. Câmaras, não ofenderia o princípio em questão50. 6. Princípio da inércia: não pode haver jurisdição sem provocação do interessado, pois a imparcialidade exigida na atividade do juiz os impede de exercer a função sem que haja um pedido, mesmo na esfera penal, em que, por regra, a provocação é feita pelo Ministério Público. A inércia referida é quebrada pelo exercício do direito de ação, e, a partir daí, o processo se movi- menta por impulso oficial. Também não é absoluto, admitindo algumas exceções, como, por exem- plo, a exigência do reexame necessário em determinados casos legais51. 7. Princípio do acesso à justiça: a todos é assegurado o acesso ao Judiciário, para defesa de seus direitos, isto é, o sistema deve ser acessível a todos de forma igual e os resultados produzi- dos devem ser individuais e social- mente justos. 8. Princípio da boa-fé: o estado e a socie- dade atuam juntos com a intenção de que o processo seja eficaz, correto, prestigiado e útil ao seu objetivo (por isso da preocupação das regras pro- cessuais). Também procuram assentar os procedimentos sob os princípios da boa-fé e da lealdade entre as partes e juiz. Na tentativa de coibir a má-fé e velar pela lealdade processual, o juiz deve agir com poderes inquisitoriais, deixando de lado o caráter dispositivo do Processo Civil. 9. Princípio do duplo grau de jurisdição: este princípio não está previsto de forma expressa na Constituição Fede- ral, mas é extraído de uma interpre- tação quanto aos recursos, quando se prevê uma estrutura de maneira esca- lonada, em graus de jurisdição, não se 50 STF, HC 96.821/SP, Pleno, Rel. Ricardo Lewandowski, j. 8.4.2010, DJe, 25.6.2010. 51 Há divergência doutrinária acerca da constitucionalidade do reexame necessário, mas, atualmente, prevalece o entendimento de que, por não constituir um recurso propriamente dito, mas mera condição de eficácia da sentença, é admitido como constitucional. Teoria Geral do Processo 16. esgotando a primeira decisão sem que haja a possibilidade de ser reanalisada ou revista. Esses são alguns dos principais princí- pios gerais que se aplicam tanto no Processo Penal quanto no Processo Civil, sendo que ainda existem outros (princípio da publici- dade, da instrumentalidade das formas, da oralidade, da razoável duração do processo, etc). No entanto, no intuito de diferenciar os princípios conforme cada ramo do Direito, percebe-se que a Constituição Federal pre- ocupou-se mais em fixar as garantias para o Processo Penal do que para o Processo Civil52. Foi quase omisso o texto constitu- cional a respeito dos princípios especiais do Processo Civil, ao qual aplica-se o conjunto dos princípios gerais e também o princípio da igualdade. Aos nossos olhos, isso pode ser explicado pela existência e tentativa de coibição do arbítrio Penal, bem como pelo fato de que está envolvida a liberdade pes- soal no Processo Penal. 4.1 Principais princípios constitucionais do Processo Penal O princípio tido como mais importante para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da estrutura do Processo Penal é o devido processo legal53 – que, conforme entendi- mento de parte da doutrina, é gênero para as espécies do contraditório e da ampla defesa – , pois é em torno dele que gravita todo o processo e seus respectivos procedi- mentos; é o rigor de obediência ao previa- mente estabelecido em lei, é a cláusula de segurança do sistema jurídico. A ampla defesa é a concessão ao réu da oportunidade de contraditar a acusação dentro dos prazos, limites e formas estabe- lecidos pela lei, como, por exemplo: o exer- cício da defesa técnica, a apresentação for- 52 Sobre o tema, consultar José Lisboa da Gama Malcher, Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2009, Capítulo III. 53 Tem como fundamento legal o art.5º, LIV da Constituição Federal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. mal de acusação, a instrução contraditória, a adoção do sistema acusatório, a citação regular, dentre outros. A ampla defesa e contraditório devem ser efetivados dentro dos limites do cabí- vel e do razoável em cada caso concreto, sob pena de ser considerado indefeso o réu, acarretando em nulidade, conforme dispõe a Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal: “No Processo Penal, a falta da defesa consti- tui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. A ampla defesa e o contraditório têm como fundamento constitucional o art.5º LV (aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela ine- rentes), todavia, não se confundem. O con- traditório não se refere apenas à instrução, colheita de provas, mas à própria oportuni- dade de contrariar a acusação de modo efi- ciente, em tese. O contraditório pode ser definido como o instrumento para a efetivação da ampla defesa, consistente em: poder contrariar a acusação, requerer a produção de provas que devem ser pertinentes, acompanhar a produção das provas, falar sempre depois da acusação, recorre quando inconformado, etc. Abusca pela verdade real é princípio do Processo Penal que interfere no princípio da ampla defesa, já que o poder inquisitivo do juiz na produção das provas permite- lhe ultrapassar a descrição dos fatos como aparecem no processo, para determinar a realização de provas ‘de ofício’ em busca da mencionada verdade real, ou seja, aquilo que efetivamente ocorreu. Esse entendi- mento de que o dever de produzir provas não é apenas das partes, deriva do fato de que, por existirem interesses maiores em discussão, as provas deverão ser produzi- das em favor da sociedade. Atualmente, não vigora o entendimento de que apenas as provas previstas devem ser Teoria Geral do Processo 17. valoradas pelo juízo, prevalecendo a regra da liberdade dos meios de prova, desde que não violem o ordenamento jurídico. Outro princípio exclusivo da esfera Penal é o da Nula poena sine iudicio, que significa que nenhuma sanção Penal pode ser imposta sem a intervenção do juiz, por meio do processo competente. De alta relevância para o Direito Penal também é o princípio da não culpabilidade, ou direito ao silêncio, direito a não autoincri- minação, ou ainda, em latim, nemo tenetur se detegere.54. Por este princípio, entende-se que ninguém pode ser compelido a produ- zir prova contra si, ou seja, ninguém pode ser obrigado a falar no interrogatório, nem a participar de reconstituição de crime ou fazer exames invasivos, etc. Esse princípio consta na Convenção Americana de Direi- tos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, promulgado pelo decreto nº. 678/1992 e incorporado ao sistema constitucional bra- sileiro)55. Tal princípio refere-se sempre aos fatos, uma vez que o ônus de demonstrar a ocor- rência do delito é da acusação; caso contrá- rio, não havendo prova da materialidade ou em caso de insuficiência de prova, deverá o acusado ser absolvido, sob a proteção do princípio in dubio pro reo, que será anali- sado nos parágrafos abaixo. Nas palavras do doutrinador Leonardo Greco: É no campo das provas que o processo pode aproximar-se da realidade da vida, contribuindo para que a justiça consiga dar razão a quem tem direito e, mesmo quando não o fizer, para que a sociedade possa nela con- 54 Fundamento legal: art. 5º, LVII da Constituição Federal: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença Penal conde- natória”. A diversidade da terminologia é extensa, e no Brasil, por exemplo, Mirabete chama de “estado de inocência”, enquanto Tourinho fala em “prin- cípio da inocência”. 55 Ler o estudo de Maria Elizabeth Queijo. O direito de não produzir prova contra si mesmo: o princípio do nemo tenetur se detegere e suas decorrências no Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003, e João Claudio Couceiro, A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. fiar, por ter feito o máximo possí- vel para realizar esse ideal56. O princípio do in dubio pro reo ou favor rei é fundamentado na presunção da inocência, por meio da qual, na dúvida quanto à situação de fato, a conclusão deve ser absolutória, já que não se pode condenar sem provas suficientes. Como o desenvolvimento desse estudo sobre Direito, que não é uma ciência exata, importante também é destacar o pensa- mento do ilustre doutrinar Rogério Lau- ria Tucci, que, sob outro ângulo, confere a denominação de princípio apenas à regra mais geral, do qual decorrem as demais regras integrantes do sistema, e afirma: (..) o único princípio do Processo Penal é o ‘publicístico’, regra não escrita, primeira e generalíssima, que rege o sistema processual Penal. Entre o princípio orien- tador (publicístico) e as regras (gerais e específicas), interca- lado está o tema da legalidade. São regras gerais a ‘oficialidade’ (promoção da ação e impulso do procedimento Penal), a ‘judicia- riedade’ (atuação dos agentes do Poder Judiciário, órgãos auxilia- res, colaboradores e terceiros) e a ‘verdade material’ (dado mais relevante do escopo do Processo Penal)57. Além desses mencionados princípios, existem outros que são de grande valia e aplicação no ramo do Direito Processual Penal, como: princípio da vedação das pro- vas ilícitas; princípio da publicidade; da persuasão racional ou livre convencimento motivado; da vedação do bis in idem; da boa-fé processual, dentre outros que mere- cem destaque, mas que, por ora, deixarão de ser tratados de forma mais aprofundada, por serem princípios mais específicos, com 56 A prova no Processo Civil: do Código de 1973 ao novo Código Civil, Arquivos de Direito, Nova Iguaçu-RJ, v.1, n.6, 2004, p.63-114. . 57 TUCCI, Rogério Lauria. Princípios e regras orientadores do Processo Penal brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1986. Teoria Geral do Processo 18. o objetivo de não se afastar muito do tema central que é a Teoria Geral do Processo. 4.2 Os princípios constitucionais do Processo Civil Como já mencionado, salvo os princí- pios gerais já comentados, pouquíssimos são os princípios especiais do Processo Civil previstos expressamente pela Constituição, de modo que ao Processo Civil se aplica o conjunto das garantias gerais e o princípio da igualdade, o qual, por sua vez, possibi- lita a aplicação de tratamento diferenciado aos desiguais, conforme cada caso concreto sob análise. 5. Interpretação, Integração e Eficácia da Norma Processual no Tempo e no Espaço A interpretação da norma proces- sual quanto ao sujeito que a realiza pode ser: autêntica, jurisprudencial e doutriná- ria. Com relação ao meio de interpretação empregado, pode ser: gramatical (ou lite- ral), lógica e teleológica. Quanto aos resul- tados que podem ser obtidos da interpre- tação, podem ser: declarativo, restritivo, extensivo, progressivo ou analógico58. Autêntica é a interpretação oriunda da mesma origem que a lei, sendo que quando vem inserida na própria legislação é cha- mada “contextual”; jurisprudencial são as orientações e entendimentos que os juízos e tribunais vêm proferindo sobre as normas, como as súmulas e súmulas vinculantes; doutrinária é a interpretação apresentada pelos estudiosos e comentadores do Direito em suas obras. 58 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004, pp. 75-77. Gramatical ou literal é aquela que pro- cura fixar o sentido da palavra/expressão empregada pelo legislador, conforme a “letra da lei”; sendo insuficiente, a interpre- tação lógica deverá buscar a vontade da lei por meio de um confronto lógico entre seus dispositivos; por fim, há ainda a interpreta- ção teleológica, com vista na apuração do valor e finalidade do dispositivo. Declarativo é o resultado ocorrido quando se encontra o significado oculto do texto, sem que haja necessidade de ampliar nem restringir o mesmo; restritiva é a inter- pretação que reduz o alcance da lei para que se possa encontrar sua real vontade (ex.: quando a lei prevê a nulidade pela falta e ‘intervenção’ do Ministério Público, art. 564, III, do Código de Processo Penal, deve-se entender que ela só ocorrerá se for alegada no momento oportuno); extensiva é aquela necessária para ampliar o alcance da lei; progressiva é quando são abrangidas novas concepções oriundas das transformações sociais, científicas, jurídicas ou morais (ex.: a redação antiga do art. 475, do Código de Processo Penal, referia expressamente ao documento. Entendia-se que abrangia tam- bém a alegação de defesa em plenário sobre papéis que não constavam do processo); e analógica é quando se busca a vontade da norma por meio da semelhança com fórmu- las usadas pelo legislador, aplicando-se a um fato não regulado uma norma que disci- plina fato semelhante. Além dessas técnicas de interpretação, existem técnicas específicas desenvolvidas ao longo do tempo, conforme as necessi- dades e exigências de cada ramo, que nor- teiam o modo como devem ser aplicadas as leis: qual lei deve ser aplicada, o motivo de se aplicar uma lei em detrimentode outra, dentre outras questões que deram origem ao desenvolvimento e estudo da lei proces- sual no tempo e no espaço. Assim, as nor- mas processuais, na sua aplicação, sofrem limitações no tempo e no espaço, da mesma forma que toda norma jurídica, conforme será analisado. Teoria Geral do Processo 19. A lei processual no tempo tem a pre- tensão de dirimir os conflitos existentes entre duas ou mais regras jurídicas sobre o mesmo tema, quando uma sobrevém a outra. Nesse aspecto vige o princípio do tempus regit actum, a qual traz dois efeitos: 1) os atos processuais realizados sob a égide da lei anterior são válidos; 2) as normas pro- cessuais têm aplicação imediata, regulando o desenrolar do resto do processo59. Assim, foram fixados o princípio do efeito imediato da lei ou princípio da aplicação imediata. Mesmo que a lei nova crie ou suprima uma ordem jurídica ou modifique estru- turas, deve ser ela aplicada aos processos em curso. Aqui, não se pode confundir as regras processuais com as regras do Direito Material, pois, para o Direito Processual não há retroatividade da lei mais benéfica, enquanto no Direito Material, se a lei poste- rior for mais benéfica à anterior, mesmo que posterior à data do fato, ela poderá ser apli- cada ao réu, em face do princípio da retroa- tividade da lei mais benéfica. Isso porque a lei processual não está regulando o fato cri- minoso, mas o processo; além disso, o prin- cípio da irretroatividade da lei mais severa previsto na Constituição Federal refere-se apenas à lei Penal e não à lei processual Penal. Portanto, mesmo que a nova lei pro- cessual acarrete mais gravames para o autor do delito, pode ser aplicada imediatamente sem que conflite com as normas constitucio- nais; nada impede, porém, que a nova lei ressalve a aplicação de suas regras aos pro- cessos pendentes ou àqueles que ainda não foram iniciados60 (ex.: o código de Processo Penal determinou a aplicação dos dispositi- vos que fossem mais favoráveis ao autor da infração, no que se refere à prisão preven- tiva e fiança). Todavia, se um preceito legal, embora processual, abriga uma regra Penal de Direito Material, aplicam-se a ela os princí- 59 TUCCI, Rogério Lauria. Persecução Penal, prisão e liberdade. Saraiva, 1980. p. 9. Nesse sentido: Supremo Tribunal Federal RTJ 93/94; RT 548/411. 60 É o que ocorre, por exemplo, com mais frequência, em países como a Colômbia e Argentina. pios que regem a lei Penal, de ultratividade e retroatividade da lei mais benéfica. Vale complementar o estudo aqui com a questão da repristinação, prevista no art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o qual prevê que a lei revogada não se restaura por ter a lei revo- gadora perdido a vigência, salvo se dispu- ser expressamente o contrário. Ou seja, a lei que foi revogada só volta a surtir efeito se a lei revogadora perder a vigência e tiver previsto expressamente, em seu texto, essa possibilidade. Quanto ao aspecto da lei processual no espaço, nosso ordenamento é regulado pelo princípio da territorialidade, também conhecido como ‘lei do foro’, o qual prevê a aplicação da lei processual Penal a todas as ações que tiverem curso no território nacio- nal, inclusive as oriundas de atos pratica- dos no território por extensão. Tal princípio encontra amparo legal no art. 1º do Código de Processo Civil, ainda vigente (art. 13 do novo CPC): “a jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, res- salvadas as disposições específicas previs- tas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte” e no art. 1º do Código de Processo Penal: “O Processo Penal reger-se-á, em todo o terri- tório brasileiro, por este Código, ressalva- dos (..)”, sendo que as leis processuais civis estão sujeitas às normas relativas, à eficácia temporal, constantes na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro às leis pro- cessuais penais e às normas da Lei de Intro- dução ao Código de Processo Penal. Considerando o processo como sendo uma série de atos que se desenvolvem no tempo, torna-se delicada a solução dos con- flitos temporais das leis processuais. Um exemplo atual que pode ser mencionado é o novo Código de Processo Civil, que teve seu texto aprovado recentemente, neste ano de 2015, com previsão de entrada em vigor no ano de 2016. O novo Código de Pro- cesso Civil – Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015 – entrará em vigor após decorrido ano da data de sua publicação oficial, revo- Teoria Geral do Processo 20. gando o atual Código de Processo Civil em vigor neste momento (Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973). Nosso ordenamento jurídico, tanto o processual civil como o processual Penal, adotou o sistema de isolamento dos atos processuais, o qual afasta a aplicação da lei nova em relação aos atos já encerrados, aplicando-se apenas aos atos processuais a serem ainda praticados, assegurando que a norma processual não tenha efeito retroa- tivo. Fato este que não afasta a ultratividade das leis processuais, já que a norma revo- gada continua produzindo sua eficácia até que seja concluído o ato por ela regulado. Adentrando-se um pouco mais, especi- ficamente na esfera do Direito Processual Penal, no qual se adotou a teoria da ubi- quidade ou mista61, verifica-se que essas regras abrangem os processos referentes aos crimes praticados no território brasi- leiro, sem prejuízo às convenções, tratados e regras de direito internacional62. Aplica a lei brasileira aos crimes praticados fora do território nacional, desde que estejam sujei- tos à lei Penal nacional, fundamentando-se no princípio da territorialidade. Já os atos referentes a processos penais que devam ser realizados no exterior devem obedecer à lei processual Penal do país onde devem ser efetuados (princípio da lex fori). Como a maioria das regras, há aqui as exceções aos princípios mencionados, pre- vendo casos de extraterritorialidade onde se aplica a lei processual brasileira fora do território nacional, como: território sem soberania de qualquer país (território nul- lius); território estrangeiro com autorização do respectivo estado; território ocupado em caso de guerra, etc. Também há previsão de 61 Essa teoria prevê que se considera praticado no território brasileiro o crime cuja ação ou omissão, ou resultado, no todo ou em parte, ocorreu em território nacional, conforme o art.6º do Código Penal. 62 Essas exceções referem-se às imunidades diplomáticas e se esten- dem a todos os agentes diplomáticos, aos componentes de suas famílias e aos funcionários das organizações internacionais, quando em serviço, excluindo-se seus empregados particulares. As sedes diplomáticas não são consideradas extensão do território estrangeiro, porém, são invioláveis, como garantia aos seus representantes. Entretanto, se os delitos cometidos nas representações diplomáticas forem praticados por pessoas que não gozem de imunidade, será aplicada a lei brasileira. imunidades processuais, parlamentares e prerrogativa de função. As imunidades processuais referem-se à prisão, ao processo, às prerrogativas de foro e para servir como testemunha. Como um dos exemplos pode ser mencionado o caso dos membros do Congresso Nacional, os quais não podem ser presos, salvo em fla- grante de crime inafiançável, quando, então, os autos serão remetidos à respectiva Casa, em 24 horas, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva-se sobre a prisão. 6. PROCESSO DE CONHECIMENTO, DE EXECUÇÃO, CAUTELAR Quando se busca a solução de um lití- gio, o Estado põe à disposição das partes as espécies de tutela jurisdicional, ou seja, possibilita que a parte que busca a tutela jurisdicional escolha qual a forma na qual se enquadra a situação que pretende ver resolvida, enquadrando-se como processo de conhecimento, processo de execução ou processo cautelar. O que diferencia essas espécies de pro- cesso são os provimentos judiciais
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