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Autora: Profa. Ivy Judensnaider Métodos de Pesquisa Professora conteudista: Ivy Judensnaider Natural e residente em São Paulo, formou-se economista pela Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (1981), mestre em História da Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004) e doutoranda no Programa de Ensino de Ciências e Matemática da Unicamp. Atualmente, é professora da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) J92m Judensnaider, Ivy. Métodos de Pesquisa / Ivy Judensnaider. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 136 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Pesquisa. 2. Projeto. 3. Comunicação. I. Título. CDU 001.8 U510.67 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Kleber Souza Ricardo Duarte Sumário Métodos de Pesquisa APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 MÉTODO, METODOLOGIA E PESQUISA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES ............................................. 11 2 OS DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA ....................................................................................................... 12 3 EXPLORANDO E DETALHANDO OS MÉTODOS DE PESQUISAS QUALITATIVAS......................... 22 3.1 A análise do discurso .......................................................................................................................... 23 3.2 Os estudos de caso .............................................................................................................................. 25 3.3 Os estudos culturais e etnográficos .............................................................................................. 31 3.4 A pesquisa-ação .................................................................................................................................... 35 3.5 Os experimentos ................................................................................................................................... 38 3.6 A pesquisa documental ...................................................................................................................... 43 3.7 A pesquisa bibliográfica ..................................................................................................................... 45 4 EXPLORANDO E DETALHANDO OS MÉTODOS DE PESQUISAS QUANTITATIVAS ..................... 49 4.1 Os surveys ................................................................................................................................................ 49 4.2 Os web surveys (ou online surveys) .............................................................................................. 62 Unidade II 5 O PROJETO DE PESQUISA ............................................................................................................................. 71 5.1 A escolha do tema ............................................................................................................................... 72 5.2 A problematização ............................................................................................................................... 74 5.3 A formulação da hipótese ................................................................................................................ 76 5.4 A identificação de objetivos ............................................................................................................. 77 5.5 Os métodos e as técnicas: as escolhas metodológicas ......................................................... 78 5.6 A justificativa ......................................................................................................................................... 80 5.7 O referencial teórico............................................................................................................................ 81 5.8 O cronograma de atividades ............................................................................................................ 89 5.9 As referências ......................................................................................................................................... 91 5.10 Outros elementos do projeto ........................................................................................................ 91 6 ASPECTOS ÉTICOS ENVOLVIDOS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS ...................................................... 92 7 A APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DE UMA PESQUISA: A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA PARA A COMUNIDADE ACADÊMICA .............................................. 96 8 A APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DE UMA PESQUISA: A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA PARA A COMUNIDADE NÃO ACADÊMICA .................................114 7 APRESENTAÇÃO Prezado aluno, O livro-texto que aqui apresentamos servirá de apoio ao estudo da disciplina Métodos de Pesquisa. Note que ele está dividido em duas unidades. Em cada uma delas será possível encontrar: • textos explicativos que elucidam a matéria; • resumos do conteúdo estudado; • exercícios comentados; • tópicos para refletir, em que o convidamos a pensar sobre assuntos da atualidade; • a seção saiba mais, em que indicamos filmes e livros que, de alguma forma, complementam os temas investigados; não deixe de explorar essas sugestões: garantimos a ampliação do seu conhecimento sobre os temas apresentados, o que será extremamente útil, não apenas na questão específica da disciplina, mas na sua vida profissional; • lembretes que trazem anotações pontuais que o remetem a alguma informação já conhecida; • observações que apresentam apontamentos que chamam sua atenção para algum ponto que merece ser destacado sobre o assunto em desenvolvimento – são recursos que reforçam algumas questões que quisemos salientar. Na unidade I, você entrará em contato com os conceitos de metodologia, método e pesquisa. Em seguida, refletirá sobre os diferentes tipos de pesquisa e de métodos, e poderá compreender as principais características dos métodos quantitativos e qualitativos; para que possa decidir sobre quais métodos utilizar, traremos exemplos e aplicações de estudos do tipo survey, grupos focais, estudos de caso, observação e pesquisa-ação. Também investigaremos os experimentos, a análise do discurso, os estudos sobre estado da arte e, finalmente, os estudos documentais, culturais e etnográficos. Na unidade II, investigaremos quais os principais passos para a realização de pesquisas, incluídas a elaboração do projeto de pesquisa e a comunicação dos resultados da pesquisa. A respeito da comunicação científica, discutiremos como ela ocorre em doisambientes: no ambiente acadêmico e no ambiente não acadêmico. Os nossos objetivos não incluem, única e exclusivamente, a transferência de conteúdos. Nossa proposta é, em especial, a de colaborar para o desenvolvimento de competências relacionadas à pesquisa e à investigação científica. Por conta disso, não nos limitaremos a explicar as diferentes modalidades de pesquisas e métodos; procuraremos, também, trazer exemplos de estudos envolvendo escolhas metodológicas distintas, ou em função dos problemas de pesquisa que se colocaram diante dos pesquisadores ou por conta das áreas de conhecimento das quais essas investigações emergiram. 8 Dessa forma, dará para notar que os conteúdos procuram dialogar com as diferentes vertentes do conhecimento científico. Esperamos que você aprecie o texto. Bons estudos! INTRODUÇÃO Provavelmente você, universitário, imagina que a pesquisa científica seja privilégio de cientistas trancados em laboratórios ou perdidos nas bibliotecas, sendo assunto de pouca importância para quem está desenvolvendo competências e habilidades no Ensino Superior. No entanto, realizar pesquisa é justamente uma das principais atividades dos alunos que estão em processo de formação nas universidades. A pesquisa científica faz parte do cotidiano dos discentes, sejam quais forem as suas áreas de formação, sejam quais forem os semestres sendo cursados. Estamos fazendo pesquisa quando selecionamos e analisamos artigos acadêmicos sobre determinado tema; fazemos pesquisa quando entrevistamos, de forma sistemática, clientes ou fornecedores; fazemos pesquisa quando observamos o comportamento de pessoas ou animais; fazemos pesquisa quando investigamos a resistência de materiais para a construção de prédios ou viadutos. A atividade profissional requer que dominemos os principais métodos de pesquisa para que possamos dar conta de oferecer respostas aos problemas que encontramos, ou que estão colocados à nossa frente. É claro que qualquer pessoa pode elaborar um questionário e entrevistar clientes ou fornecedores. Qualquer um pode testar um processo de gestão e concluir sobre a viabilidade ou não de sua utilização. Qualquer indivíduo pode selecionar textos em uma plataforma digital e resumi-los. Qualquer um pode afirmar que determinada substância tem poderes curativos. Para realizar essas tarefas, parecem ser suficientes o bom senso e a experiência pessoal. Por que, então, são necessários conhecimentos específicos para efetuar pesquisas? A explicação pode parecer óbvia, mas não o é: conhecer e dominar métodos de pesquisa garantem a formulação de problemas de qualidade, a oferta de soluções com fundamentação científica, a construção de um conhecimento que, embora possa ser modificado no futuro, nos dá alguma certeza, mesmo que probabilística, sobre o mundo no qual vivemos. De fato, será realizada pesquisa científica em cada uma das disciplinas do seu curso, e o desenvolvimento de habilidades metodológicas será essencial para a formação e a atuação profissionais. O conhecimento crítico a respeito dos diferentes métodos de pesquisa lhe permitirá boas escolhas. Afinal, como já dissemos, qualquer um pode achar que está realizando pesquisa; no entanto, qual conhecimento nos proporciona maior grau de confiança? Certamente, aquele que foi produzido em condições nas quais eram conhecidas todas as variáveis envolvidas na situação. Caso alguém diga que o chá de camomila é indicado para doentes que apresentem sintomas de gripe, estaremos mais seguros de utilizá-lo se soubermos que essa indicação foi fruto de um trabalho sistemático de investigação. Ficaremos mais tranquilos se tivermos a garantia de que este procedimento foi testado junto a um número grande de pessoas, que os sintomas anteriores e posteriores foram 9 controlados de forma rigorosa, que a dosagem dele foi medida com instrumentos acurados, que a pesquisa foi realizada em diferentes regiões do país e em períodos distintos do ano. Caso tenhamos que orientar uma empresa na descontinuidade de algum produto, podemos enviar e-mails para nossos amigos próximos e indagar sobre os usos e a satisfação no consumo deste bem. No entanto, garantiremos maior confiança na sugestão a ser dada se os resultados tiverem sido fruto de uma investigação sistemática, usando como amostra um grupo de pessoas que, de forma contínua, consuma o produto. Podemos procurar entrevistar pessoas de diferentes idades, níveis socioeconômicos, profissões e regiões geográficas. Podemos formular um questionário que permita abordarmos todos os entrevistados da mesma forma, buscando diminuir os efeitos e os vieses dos entrevistadores. Podemos submeter nossos dados a tratamento estatístico, buscando compreender se a população como um todo apresenta ou não o mesmo comportamento observado na amostra. Tanto o conhecimento científico quanto o metodológico estão sujeitos a mudanças ao longo do tempo. Um método válido no início do século XIX pode não o ser mais no século XXI. Uma forma específica de estudar fenômenos da natureza pode ter se mostrado ineficaz depois de décadas (ou séculos) de uso. Perguntas que nunca foram colocadas antes podem emergir em função de modificações nas condições nas quais vivemos. Vazamentos de óleo nos oceanos provocaram discussões que não haviam acontecido antes; a pandemia do coronavírus estimulou o debate sobre o papel do isolamento social no controle de doenças e o processo de descoberta de vacinas; a escassez de recursos hídricos tem contribuído para aumentar o volume de pesquisas a respeito de processos produtivos; o aumento populacional nas grandes cidades tem tornado imperativo que discutamos as relações sociais, a violência e a mobilidade urbana. Embora a produção do conhecimento científico seja histórica e socialmente determinada, a validação de métodos de pesquisa e o consenso da comunidade científica em torno deles tornam possível reconhecer como ciência os resultados obtidos a partir de certos procedimentos. Fazer ciência não significa afirmar certezas eternas sobre os fenômenos estudados, mas colocar à disposição da crítica e da mudança tanto os métodos utilizados para a investigação quanto os resultados obtidos. Nossa proposta, a partir de agora, é a de possibilitar a reflexão sobre os métodos atualmente percebidos como válidos pela comunidade científica. Bem distantes da intenção de defender verdades perenes, buscaremos familiarizá-lo com os diferentes tipos de pesquisa e de procedimentos metodológicos. 11 MÉTODOS DE PESQUISA Unidade I 1 MÉTODO, METODOLOGIA E PESQUISA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES Segundo Zanella (2013), a ciência é a produção humana na sua atividade de conhecer e refletir a respeito do mundo e dos fenômenos da natureza. Assim, a ciência é fruto da reflexão de um sujeito (quem busca saber) sobre um objeto (o alvo dessa reflexão). Por exemplo, o biólogo que busca compreender a transmissão de características genéticas nos seres humanos é o sujeito cognoscente, o indivíduo que busca o conhecimento; o seu objeto de estudo é a transmissão de características genéticas nos seres humanos. O geógrafo que procura entender os movimentos migratórios é o sujeito do conhecimento; os movimentos migratórios fazem parte do conjunto de objetos de estudo sobre os quais ele investiga. O método diz respeito ao caminho que o sujeito cognoscente faz em direção ao seu objeto. Em outras palavras, são os procedimentos que o agente do conhecimento escolhe para que possa refletir, conhecer e entender um fato ou um aspecto da natureza. Essas práticas envolvem atividades e processos intelectuais e técnicos. Em outras palavras, incluem a razão e a ação, a ordenação dos pensamentos de forma a decidir sobre como compreender algo, e a subsequente atividade realizada com o objetivo de apreender este objeto. Por sua vez, a metodologia compreende o estudo dos métodos. Quais são, afinal, os métodos adequados para conhecer o comportamento de uma coelha junto à sua cria? Quais sãoos caminhos para que se possa identificar falhas no processo de produção de uma lâmpada? Como compreender uma obra literária a partir da análise das personagens? Como identificar traços culturais comuns em dois grupos étnicos distintos? As maneiras como os sujeitos do conhecimento dirigem-se ao objeto: este é o campo da metodologia. Veja bem: não se trata de estudar a coelha, refletir sobre os processos de produção da lâmpada, realizar uma análise literária ou compreender as diferenças culturais entre dois grupos. Trata-se de discutir sobre as formas a partir das quais a coelha será observada, o processo de produção da lâmpada será investigado, as personagens serão interpretadas e os grupos serão estudados. Estamos, aqui, falando dos caminhos escolhidos pelos pesquisadores para atingir determinados objetivos, em geral associados a oferecer respostas a perguntas feitas; em outras palavras, associados à realização da pesquisa, este conjunto de procedimentos sistemáticos para a construção do conhecimento. 12 Unidade I Figura 1 – O método é o conjunto de procedimentos que o agente do conhecimento (o pesquisador) escolhe para que possa entender um fato ou um aspecto da natureza Cada área do conhecimento legitima e consagra determinados métodos. Claro que há métodos comuns a todas as áreas do saber, mas, em geral, há especificidades metodológicas que surgem em função da especificidade dos problemas colocados à frente dos pesquisadores. As formas de investigar um objeto, portanto, dependem das intenções dos sujeitos do conhecimento e da natureza dos objetos que se deseja conhecer. Os biólogos desenvolveram métodos particulares para estudar a natureza e os seres vivos. Os físicos, por sua vez, têm feito uso de outros métodos para estudar a matéria, a energia e os movimentos. Os economistas vêm utilizando certos métodos para investigar como a sociedade utiliza recursos escassos para o atendimento de necessidades ilimitadas. Os psicólogos apropriaram-se de processos a fim de estudar os comportamentos e os fenômenos psíquicos humanos. É plausível que os procedimentos para estudar processos inflacionários sejam distintos daqueles utilizados para estudar as relações sociais entre membros de “tribos urbanas”. Da mesma maneira, os métodos utilizados para compreender as variáveis associadas à produtividade do solo podem ser diferentes dos aplicados no estudo das bactérias patogênicas. O que há em comum é que todos os métodos buscam isolar fatores subjetivos na investigação dos objetos de estudo, fazer uso de formas racionais de entender as relações de causalidade entre variáveis, e sistematizar procedimentos que permitam o alcance de resultados e a redução de incertezas. 2 OS DIFERENTES TIPOS DE PESQUISA Em geral, e provavelmente você fez isso até agora, costumamos dividir as pesquisas em dois grandes grupos: o das pesquisas teóricas e o das pesquisas aplicadas. As pesquisas teóricas têm como proposta ampliar o conhecimento em determinada área, propondo novas questões ou novas explicações para problemas já estudados. Um exemplo de pesquisa teórica é o trabalho de Scognamillo-Szabó e Bechara (2010), no qual os autores propuseram uma revisão sobre a filosofia da acupuntura, em particular quanto às suas origens na China, a posterior expansão no Ocidente e suas aplicações em termos de efeitos terapêuticos na veterinária. Partindo do pressuposto de que a acupuntura defende a associação entre saúde e variáveis neurais e endócrinas – que, por sua 13 MÉTODOS DE PESQUISA vez, relacionam-se com a nutrição, os hábitos de vida e as condições do ambiente – os autores buscaram resgatar a aplicação de técnicas de acupuntura na veterinária no contexto brasileiro. A pesquisa aplicada, em contrapartida, tem como objetivo propor soluções a determinados problemas. Seu campo é a aplicação prática, ou seja, o uso da ciência em situações concretas para resolver questões existentes. Em outras palavras, ela busca controlar ou provocar mudanças nos fenômenos da natureza e na sociedade; ela intervém e se pretende intervencionista, já que precisa lidar com situações reais. Um exemplo de pesquisa aplicada pode ser visto no trabalho de Ilha e Cruz (2006), que envolveu conhecimentos nas áreas de pedagogia, geografia e engenharia de jogos eletrônicos. Os professores fizeram uso do SimCity4, um game no qual o usuário torna-se prefeito de uma cidade, tendo que decidir sobre assuntos financeiros e outras questões nos âmbitos estéticos, ambientais, culturais e burocráticos. O jogo foi utilizado por três professores (das disciplinas matemática, geografia e língua portuguesa) junto a alunos de 1ª série do Ensino Médio da Escola Técnica do Vale do Itajaí (SC), considerada problemática em função da quantidade de estudantes repetentes na sala. Como objetivos, os professores se propuseram a identificar os resultados de aprendizagem com a utilização do game, a importância de atividades lúdicas durante a aula e as possibilidades de trabalhar o desenvolvimento do conhecimento e de habilidades com o uso de tecnologia. A intenção envolveu a intervenção em sala de aula com o propósito de resolver uma questão prática: o desempenho dos alunos poderia melhorar caso fosse utilizado um jogo eletrônico em sala de aula? É possível que surja o seguinte questionamento: essa tipificação (teórica versus aplicada) envolve categorias excludentes? Quer dizer, uma pesquisa é sempre puramente teórica ou aplicada? A resposta é negativa: pesquisas teóricas podem gerar tecnologias e instrumentos práticos; ao mesmo tempo, pesquisas aplicadas podem fazer surgir perguntas novas, antes não pensadas, e que exigem a ampliação do conhecimento teórico para serem resolvidas. Veja, por exemplo, o caso da pesquisa teórica sobre a radiação emitida por estrelas e planetas; esta investigação acabou por permitir o desenvolvimento de termômetros auriculares (que medem a temperatura do ouvido). Os estudos teóricos sobre física quântica originaram o conhecimento necessário para o surgimento e a utilização das tomografias computadorizadas e das ressonâncias magnéticas. Figura 2 – A pesquisa teórica e o desenvolvimento tecnológico nem sempre caminham juntos, já que os desenvolvimentos tecnológicos não são, necessariamente, previstos pela pesquisa teórica em qualquer área. Em outras palavras, há ocasiões em que os artefatos tecnológicos ocorrem quase que desvinculados das pesquisas por meio das quais aquele conhecimento foi desenvolvido 14 Unidade I Há casos de descompasso entre o conhecimento teórico e o desenvolvimento de equipamentos tecnológicos. Um caso extremamente interessante é o da radiatividade e da aplicação tecnológica desse conhecimento. No século XIX, Marie Curie (1867-1934) já estudava o fenômeno da radiatividade, o que permitiu que ela descobrisse novos elementos, tais como o polônio e o rádio. No entanto, os efeitos do contato com materiais radiativos permaneceram desconhecidos por muito tempo, sendo que um dos exemplos mais simbólicos dessa falta de informação foi o das assim chamadas “garotas do rádio”. No início do século XX, uma empresa norte-americana utilizava uma tinta à base de rádio para pintar relógios, recurso utilizado para que os ponteiros brilhassem no escuro. Dada a necessidade de afinar o traço, as operárias lambiam a base do pincel para a aplicação da tinta. Anos depois, essas moças começaram a apresentar fortes dores nas bocas e deformidades ósseas. Após um árduo processo na justiça, elas conseguiram uma indenização da empresa em que trabalhavam. A pergunta que moveu o processo todo foi a seguinte: o quanto as empresas sabiam a respeito dos efeitos do rádio no corpo humano? O que as companhias, naquele momento, poderiam ter feito para proteger os trabalhadores desses efeitos? Há controvérsias sobre isso, já que a própria Marie Curie morreu por conta de uma leucemia, provavelmente em função da exposição a materiais radiativos. Saiba mais Uma investigação maisdetalhada sobre o caso das “garotas do rádio” está disponível em: LEAL, K. P.; FORATO, T. C. M. História da radioatividade e natureza da ciência: possibilidades de diálogo. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA, 23., 2019, Salvador. Anais [...]. São Paulo: SBF, 2019. v. 1. p. 1-8. Disponível em: https://www.academia.edu/42129608/Hist%C3%B3ria_ da_Radioatividade_e_Natureza_da_Ci%C3%AAncia_possibilidades_de_ di%C3%A1logo. Acesso em: 21 dez. 2020. Também é possível refletir sobre a questão do descompasso entre conhecimento e aplicação – por desinformação ou por descuido – a partir da narrativa da minissérie para a televisão Chernobyl (2019), que narra um desastre em uma usina nuclear na Ucrânia, em 1986. Centenas de milhares de trabalhadores envolveram-se com os trabalhos de descontaminação naquele que é considerado um dos piores acidentes nucleares da história. A minissérie mostra como os soviéticos buscaram esconder do mundo o que havia acontecido, demora que só fez aumentar os prejuízos ecológicos, humanos e materiais. Ainda hoje, a região em torno da usina apresenta elevados índices de radiação, o que impede a permanência de seres humanos no local, e a cidade de Chernobyl foi abandonada. CHERNOBYL. Direção: Johan Renck. Estados Unidos; Reino Unido: HBO, 2019. 330 min. (5 episódios). 15 MÉTODOS DE PESQUISA Há outras formas de categorizar as pesquisas que não apenas separando-as em teóricas e aplicadas. Em geral, elas podem ser caracterizadas em função dos objetivos, das abordagens e dos procedimentos. Vejamos essas divisões com mais detalhes. Quanto aos objetivos Em relação aos seus objetivos, as pesquisas podem ser exploratórias, descritivas ou explicativas. A pesquisa exploratória tem o propósito de ampliar o conhecimento a respeito de determinado objeto ou fenômeno. Em grande parte das vezes, ela é a primeira etapa de uma pesquisa mais complexa, em especial quando o pesquisador não conhece o tema com profundidade. Imaginemos que um banco pretenda informatizar vários dos seus processos, diminuindo a necessidade de os clientes irem à agência física. Parece razoável pensar que a primeira coisa a ser investigada diz respeito aos hábitos dos consumidores em relação aos serviços digitais e às agências físicas. Uma pesquisa exploratória pode revelar quais as atitudes dos correntistas sobre o atendimento presencial, as dificuldades e desconfianças dos clientes em relação a aplicativos digitais, suas necessidades em termos de atendimento e suporte da gerência. O problema-alvo da pesquisa exploratória, depois, pode ser investigado mais detalhadamente em outra fase da pesquisa – e a partir de outros métodos – mas, no primeiro instante, é fundamental que o pesquisador conheça o chão em que está pisando, que ele tenha as informações básicas para planejar uma investigação mais profunda. Este é o sentido da pesquisa exploratória: promover uma primeira aproximação com o objeto de estudo ou com o problema que orienta a investigação, em especial quando o tema é novo ou pouco conhecido. Por exemplo, em função da inexistência de estudos sobre a influência da tecnologia no comportamento do jovem, Nicolaci-da-Costa (2004) entrevistou vinte jovens cariocas, na sua maioria estudantes do Ensino Médio ou Ensino Superior; como resultado, a autora identificou que o uso do celular havia promovido mudanças profundas no comportamento dos entrevistados, que, por conta do uso da telefonia móvel, haviam conseguido ampliar sua autonomia e liberdade, bem como sentiam-se menos solitários. Esta pesquisa caracteriza-se como exploratória, já que o tema (mudanças no comportamento em função do uso de celular) havia sido pouco estudado até então. A pesquisa descritiva tem objetivos distintos dos da pesquisa exploratória: ela não pretende uma primeira aproximação com o tema; ao contrário, ela se propõe a descrever com o máximo de exatidão possível os fatos, os fenômenos ou os objetos. Seu propósito não é levantar informações iniciais, mas elaborar um panorama que apresente a realidade com detalhes. Em geral, faz-se pesquisa descritiva quando se pretende descrever as características de determinado grupo, ou se deseja descobrir a proporção de pessoas que, em um grupo, apresentam comportamentos específicos. Matsuura, Costa e Folegatti (2004), por exemplo, realizaram entrevistas pessoais com quatrocentos consumidores de uma cidade da Bahia com o objetivo de apontar quais os atributos da fruta banana eram percebidos como mais relevantes. A pesquisa descritiva fez uso de métodos estatísticos e, como resultado, identificou que o sabor, a vida útil e a aparência eram os atributos que os entrevistados percebiam como mais importantes. Outra pesquisa descritiva, desta vez na área da Sociologia, foi realizada por Costa Júnior e Silva (2018), que buscaram descobrir os atributos associados 16 Unidade I à qualidade dos candidatos ao poder executivo municipal, por meio de 252 entrevistas com eleitores de duas cidades do Maranhão; como resultado, os autores encontraram que as variáveis associadas a plano de governo, propostas políticas, equipe de governo e condutas éticas dos candidatos eram os atributos mais relevantes no momento de decidir o voto. Diferentemente da pesquisa exploratória e da pesquisa descritiva, a pesquisa explicativa tem o objetivo de identificar fatores determinantes que explicam a ocorrência de fenômenos, sejam eles naturais ou sociais. Ela não quer apenas se aproximar do tema, tampouco limitar-se a descrever a realidade; a pesquisa explicativa quer explicar, quer mostrar a relação de causa e efeito entre variáveis. Se a pesquisa descritiva ocupa-se em descrever o que é, a explicativa busca entender o porquê de os fenômenos ou os fatos acontecerem. Observação As variáveis são características dos elementos de uma amostra ou população. Por exemplo, a idade, o sexo, o grau de instrução, a nacionalidade caracterizam pessoas ou grupos. Em um teste de produto, o grau de satisfação dos consumidores é uma variável. No processo de fabricação de camisetas, o tempo de duração de cada etapa do processo fabril é uma variável. Em uma pesquisa eleitoral, a intenção de voto é uma variável; a rejeição a candidatos é outra. Figura 3 – A variável corresponde a determinada característica de um fenômeno, uma amostra ou uma população. Por exemplo, no processo de fabricação de camisetas, o tempo de duração de cada etapa do processo fabril é uma variável Com o propósito de determinar as variáveis responsáveis pelo IDH-M dos municípios do Paraná, Scarpin e Slomski (2007) realizaram uma pesquisa explicativa. O IDH-M é o Índice de Desenvolvimento Humano do município, e varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior é o desenvolvimento humano; quanto mais próximo de 0, menor o desenvolvimento humano. O IDH, do qual o IDH-M deriva, foi elaborado para mensurar o desenvolvimento humano de forma mais qualitativa, não usando como parâmetro única e exclusivamente a renda. São três os fatores que participam do índice: a longevidade 17 MÉTODOS DE PESQUISA (média de idade da população), a educação (o número de anos de escolaridade da população) e a renda da população corrigida pelo custo de vida. O estudo mostrou que, dentre 87 variáveis independentes (10 variáveis não contábeis e 77 contábeis), as seguintes explicavam o aumento ou a diminuição do desenvolvimento humano nas cidades: distância do município em relação à capital, altitude geográfica, proporção da população vivendo na área rural, receita tributária, gastos e despesas com pessoal na área administrativa, saúde e saneamento, nível de investimentos e gastos com indústria e comércio. Observação Uma variável dependente é aquela que acontece por conta de outra, independente. Simplificando: se tivermos uma relação do tipo “se X, então Y”, X será nossa variável independente e Y a dependente. A variável Y depende da variável X; se X aumentar/diminuir, ou se X ocorrer, então Y aumentará/diminuirá,ou Y ocorrerá. Pense na seguinte relação: renda e consumo. É bem provável que à medida que a renda aumente, o consumo também o faça. Pessoas com mais renda consomem mais, pessoas com menos renda consomem menos. No nosso exemplo, a renda é a variável independente e o consumo é a variável dependente. Outro exemplo de pesquisa explicativa pode ser visto no estudo de Sgroi (2008), no qual a autora pesquisou quais variáveis poderiam explicar o peso ao nascimento; partindo da premissa de que o peso ao nascimento determinava a probabilidade de sobrevivência do nascituro e a ocorrência de doenças na vida adulta, ela estudou os dados de 383 crianças com menos de 11 meses completos, na cidade de São Paulo. Como conclusão, a autora identificou que a probabilidade de a criança nascer com peso médio inferior ao de outras aumentava caso a mãe fosse fumante, tivesse ganho pouco peso durante a gravidez, fosse hipertensa e tivesse comparecido a poucas consultas de acompanhamento pré-natal. Lembrete Nos termos de que falamos anteriormente, o peso da criança ao nascimento é a variável dependente. Número de visitas de pré-natal, tabagismo, ganho de peso durante a gravidez e pressão arterial da mãe são as variáveis independentes. Quanto à abordagem As pesquisas também podem ser categorizadas em função da sua abordagem: há pesquisas qualitativas e pesquisas quantitativas. As pesquisas qualitativas não estão preocupadas em projetar os seus resultados para a população como um todo. Caso uma pesquisa qualitativa mostre que a maior parte da amostra (grupo de pessoas que correspondem à população, em relação a características específicas) prefere o sorvete de morango 18 Unidade I ao de chocolate, nada permite concluir que tal fato também ocorra na população. A preocupação da pesquisa qualitativa não é estatística, e por isso ela não costuma fazer uso de instrumental ou de técnicas estatísticas. A pesquisa qualitativa não está preocupada em mensurar, mas em aprofundar o conhecimento sobre o fenômeno ou o objeto de estudo. Ela trabalha com dados qualitativos, não métricos. De forma contrária, a pesquisa quantitativa tem a preocupação de mensurar, de medir a ocorrência do fenômeno. Seu material são os dados quantitativos, métricos, quantificáveis. Vejamos como um mesmo tema pode ser abordado de duas diferentes formas. A segurança alimentar é um tema que vem recebendo atenção de nutricionistas e outros profissionais da área de saúde, economistas e gestores públicos. De forma resumida, a segurança alimentar diz respeito ao direito da população ao acesso e à qualidade da alimentação. Para investigar o assunto, Sampaio et al. (2006) realizaram entrevistas junto a dois grupos focais, cada um deles com 12 participantes. Diferentes segmentos da população rural estavam representados no grupo (assentados, agricultores, quilombolas etc.) e os participantes foram convidados a refletir sobre o significado de termos relacionados à segurança alimentar, tais como: “qualidade de alimentação”, “alimentação saudável” e “fome”. Os pesquisadores não se preocuparam em quantificar os resultados, mas em compreender quais significados e sentidos os entrevistados atribuíam aos termos pesquisados. Como resultado, os autores identificaram que os participantes entendiam que segurança alimentar estava associada ao trabalho, à saúde, à moradia e à renda; qualidade de alimentação, por sua vez, estava relacionada a alimentos sem agrotóxicos. Como pode ser visto, esta foi uma pesquisa qualitativa. Observação Os grupos focais reúnem pessoas com determinadas características para debater um assunto proposto pelo pesquisador. É um método menos “engessado” do que o uso de questionários, porque as pessoas são livres para comentar o que quiserem. O pesquisador funciona como mediador, buscando conduzir o debate e identificar pontos em comum ou discordâncias latentes. É um método muito utilizado na área de marketing e comunicação e, principalmente, no caso de pesquisas eleitorais. Também tendo a segurança alimentar como objeto de estudo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) executa levantamentos periódicos sobre orçamentos familiares e gastos das famílias com vários itens de alimentação. Esta pesquisa, chamada POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) foi realizada três vezes: em 2002/2003, 2008/2009 e 2017/2018. Na última edição, os pesquisadores introduziram no estudo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, que busca quantificar a percepção dos respondentes em relação ao acesso aos alimentos. Segundo o IBGE (2019a), os resultados “referem-se às aquisições monetárias e não monetárias efetuadas, aos rendimentos e à variação patrimonial das famílias – aspectos básicos para a análise dos orçamentos domésticos –, os quais são apresentados para Brasil e Grandes Regiões, em nível de total”. Apenas para exemplificar, e mostrar os resultados de pesquisas quantitativas, apresentamos um recorte de uma das tabelas de 19 MÉTODOS DE PESQUISA resultados. A escolhida por nós mostra os dados sobre despesas com alimentação no domicílio, em especial no consumo de açúcares e derivados. Essas informações estão segmentadas por classe de rendimento familiar, no Brasil, no período de 2017-2018. Tabela 1 – Despesa monetária e não monetária média mensal familiar, com alimentação, por classes extremas de rendimento total e variação patrimonial mensal familiar, segundo os tipos de despesa, com indicação do número e tamanho médio das famílias – Brasil – período 2017-2018 Tipos de despesa Despesa monetária e não monetária média mensal familiar, com alimentação (R$) Total Classes de rendimento total e variação patrimonial mensal familiar (1) Até 1908 Mais de 1908 a 2862 Mais de 2862 a 5724 Mais de 5724 a 9540 Mais de 9540 a 14310 Mais de 14310 a 23850 Mais de 23850 Açúcares e derivados 19.93 10.07 13.38 19.71 26.66 36.65 40.55 58.63 Açúcar refinado 2.11 1.89 1.93 2.31 2.11 2.30 2.30 2.15 Açúcar cristal 2.84 2.86 3.02 3.20 2.67 2.05 1.80 1.39 Light e diet 0.19 0.06 0.03 0.13 0.18 0.39 0.93 1.78 Outros 14.79 5.26 8.38 14.07 21.69 31.91 35.51 53.30 Fonte: IBGE (2019b). Como pudemos perceber, a pesquisa do IBGE busca quantificar, mensurar o consumo de alimentos. Os dados com os quais ela trabalha são quantitativos. A pesquisa de Sampaio et al. (2006), citada anteriormente, não se preocupou em quantificar, mas sim em identificar valores, sentimentos e atitudes em relação à segurança alimentar; os dados com os quais os pesquisadores trabalharam foram de natureza qualitativa. Assim, um mesmo tema pode ser objeto de abordagens diferentes; o que determina a perspectiva é o objetivo do pesquisador. Figura 4 – A escolha da abordagem, se qualitativa ou quantitativa, depende dos objetivos da pesquisa e do pesquisador 20 Unidade I Quanto aos procedimentos Outra forma de categorizar as pesquisas diz respeito aos procedimentos adotados para a coleta dos dados e das informações. Segundo esse critério, podemos dividir as pesquisas em dois grandes grupos: • Pesquisas do tipo desk research: são pesquisas de “gabinete”, quer dizer, que não necessitam de contato com pessoas ou situações. Elas são realizadas “na mesa”, a partir de dados já existentes. Gomes, Salvador e Domingos (2010), por exemplo, selecionaram algumas campanhas publicitárias de uma empresa de cosméticos e, analisando o conteúdo das peças, identificaram as estratégias persuasivas utilizadas na comunicação para criar identidade entre o produto e as consumidoras, em especial incluindo mulheres que não seguem os padrões de beleza tidos como ideais. Outro exemplo de pesquisa desk research é oferecido por Silva, Kushano e Ávila (2008): após a análise dos dados estatísticos sobre a segmentação da população brasileira por faixa etária, os autores sugeriram a segmentação do mercado de turismo, propondo serviços diferentes para o público infantil, os adolescentes, e o público de terceira idade. Este trabalhofoi feito “na mesa”, a partir das informações já coletadas pelo IBGE. Finalmente, outro tipo de pesquisa do tipo desk research é aquele realizado tendo como base documentos históricos: por exemplo, Iacomini Júnior, Cardoso e Prado Júnior (2018) usaram como fonte documental os dois primeiros discursos presidenciais proferidos por Michel Temer (quando da sua posse como interino e após a perda de mandato da presidente Dilma Rousseff). Os pesquisadores analisaram os textos discursivos e mostraram como estes materializaram a disposição do presidente de governar com a ajuda da elite parlamentar. • Pesquisas que envolvem investigação em campo: estas dependem de informações dadas por pessoas. Elas não podem ser realizadas “na mesa”; ao contrário, elas necessitam que o pesquisador entre em contato com pessoas ou grupos com as características desejadas ou envolvidas na situação de interesse. Por exemplo, Silva et al. (2014) estudaram o papel do Agente Comunitário de Saúde (ACS) no município de Cubatão, entrevistando pessoas e observando, no local, as relações entre os agentes e a comunidade. Outra pesquisa realizada em campo pode ser vista em Souza e Loureiro (2014): após as fortes chuvas ocorridas no estado do Rio de Janeiro (entre 2010 e 2013), os autores entrevistaram profissionais que atuaram de forma voluntária junto aos desabrigados, buscando levantar os principais aspectos socioambientais e psicossociais envolvidos nesta atividade. Categorizando pesquisas Como já deu para perceber, podemos caracterizar a pesquisa a partir de diferentes critérios. Portanto, não há nada de errado em classificarmos uma pesquisa como sendo exploratória, qualitativa e do tipo desk research. Quais são as características de uma pesquisa assim? Ela é exploratória, pois pretende conhecer um assunto com o qual o pesquisador não está familiarizado; ela é qualitativa, pois o pesquisador não pretende mensurar fenômenos, mas tão somente investigar razões, sentimentos e motivos associados a determinado fenômeno ou objeto; ela é do tipo desk research, pois não necessita que o pesquisador 21 MÉTODOS DE PESQUISA entre em contato com pessoas ou situações, por meio de entrevistas ou de observação. A pesquisa é exploratória do ponto de vista de seus objetivos; ela é qualitativa em relação à abordagem; ela é do tipo desk research em termos de seus procedimentos. No que se refere aos seus objetivos, à abordagem e aos procedimentos, podemos caracterizar uma pesquisa como descritiva, quantitativa e de campo. Quais são os aspectos de uma pesquisa assim? Ela é descritiva por descrever determinada realidade ou situação; ela é quantitativa por mensurar o fenômeno ou características específicas; ela é de campo por conta de o pesquisador fazer contato com as pessoas ou com a situação que está sob estudo. A seguir, apresentamos um quadro que descreve as principais características das pesquisas em termos de suas categorias. Quadro 1 – Categorização das pesquisas Quanto aos objetivos Pesquisas exploratórias: pretendem uma primeira aproximação com o tema, em geral pouco estudado e conhecido. Pesquisas descritivas: preocupam-se em descrever uma situação ou fenômeno, buscando identificar as características de determinado grupo, ou desejam descobrir a proporção de pessoas que, em um grupo, apresentam comportamentos específicos. Pesquisas explicativas: buscam explicar os motivos pelos quais os fenômenos ou fatos ocorrem. Em geral, estão preocupadas em identificar relações de causa e efeito. Quanto à abordagem Pesquisas qualitativas: não têm a pretensão de quantificar ou mensurar características ou fenômenos. Elas envolvem descobrir razões, motivos e sentimentos associados a determinadas ocorrências, e trabalham com dados qualitativos, não métricos. Pesquisas quantitativas: buscam mensurar e quantificar os fenômenos. Elas envolvem mensurar, medir a ocorrência do fenômeno. Seu material são os dados quantitativos, métricos, quantificáveis. Quanto aos procedimentos Pesquisas do tipo desk research: são realizadas “na mesa”, a partir de dados já existentes ou de documentos. Pesquisas de campo: requerem o contato com pessoas ou situações in loco, e envolvem entrevistas e observações. Exemplo de aplicação Para permitir a reflexão a respeito desses diferentes tipos de pesquisa, sugerimos que, tendo a sua área de interesse como foco, você imagine situações em que seja necessário realizar uma: • Pesquisa explicativa, quantitativa e de campo. • Pesquisa descritiva, quantitativa e do tipo desk research. • Pesquisa descritiva, quantitativa e de campo. • Pesquisa exploratória, qualitativa e documental. 22 Unidade I A fim de atingir os objetivos do nosso livro-texto, faremos, a partir de agora, uma reflexão a respeito dos diferentes métodos utilizados nas pesquisas científicas. Apenas para efeito de simplificação, adotamos o critério de dividir esses métodos (e suas respectivas técnicas) em dois grupos: métodos utilizados nas pesquisas qualitativas e métodos utilizados nas pesquisas quantitativas. Em relação a esse critério de categorização, algumas considerações devem ser feitas: • Uma pesquisa quantitativa pode ser realizada após uma qualitativa; na verdade, a pesquisa qualitativa costuma anteceder a quantitativa, especialmente quando o pesquisador não conhece bem o assunto que será estudado; assim, um mesmo projeto de pesquisa pode envolver elementos das duas modalidades. • Há pesquisadores que adotam, como categoria, a pesquisa quali-quanti. Nessa modalidade estariam as pesquisas que fazem uso de técnicas ou processos da pesquisa qualitativa e da pesquisa quantitativa. Neste livro-texto, nossa opção foi pela separação das duas abordagens, buscando identificá-las com as técnicas mais comumente utilizadas. • Em outros livros, a respeito de métodos de pesquisa, poderão ser encontradas outras divisões e outros formatos de categorização. Há inúmeras formas de classificar os métodos empregados nos estudos científicos, sendo que os critérios não dependem apenas do autor, mas da área na qual a investigação está sendo realizada. Aqui, optamos pela divisão em função da abordagem (qualitativa ou quantitativa), considerada por nós ideal para a reflexão a respeito das ocasiões e dos contextos em que estes métodos poderão ser utilizados. 3 EXPLORANDO E DETALHANDO OS MÉTODOS DE PESQUISAS QUALITATIVAS Como vimos, temos várias formas de categorizar e tipificar pesquisas. A partir de agora, iremos explorar e detalhar os métodos mais frequentemente utilizados, bem como as técnicas que os acompanham no caso de pesquisas qualitativas. Lembrete O método diz respeito aos processos de investigação; por sua vez, as técnicas são os instrumentos que materializarão a adoção do procedimento adotado. Em relação às pesquisas qualitativas, abordaremos a análise do discurso, o estudo de caso (e as técnicas de grupos focais, de realização de entrevistas semiestruturadas e de observação), os estudos culturais e etnográficos, a pesquisa-ação e os experimentos. 23 MÉTODOS DE PESQUISA 3.1 A análise do discurso Há muita controvérsia a respeito de a análise do discurso (AD, como costuma ser denominada) configurar uma metodologia ou uma técnica. Os pesquisadores geralmente tipificam a AD em função de suas várias vertentes, e distinguem a análise do discurso da análise de conteúdo. Essas questões extrapolam os limites e objetivos deste nosso livro-texto e, portanto, não avançaremos nessa discussão. Passando ao largo desse conflito, é importante considerar que a AD tem como objeto o discurso, que corresponde ao texto (verbal e não verbal) emitido por um sujeito que se apropria de regras de linguagem e que “fala” a partir de um determinado contexto social e histórico. Quando alguém fala, escreve, canta, desenha ou interpreta, e quando esta fala, esta escrita, esta canção, este desenho ou esta interpretação produzem algum sentido, estamos nos referindo a um discurso.Sentido, aqui, está associado aos significados atrelados à produção textual: quando escrevemos, escrevemos algo que esteja carregado de algum significado. Assim, a AD ocupa-se com o sentido produzido, seja ele intencional ou não. O texto (verbal ou não verbal) deve ser interpretado e seu sentido apreendido para além do que está visível. O que pode não estar visível? Podem não estar claras as intenções do sujeito que emitiu o discurso, as marcas históricas de vida desse sujeito, as marcas sociais dos grupos aos quais o sujeito pertence; o trabalho da AD é justamente o de identificar o que está oculto e que, de certa forma, explica o discurso feito pelo sujeito. Tomemos como exemplo a letra de uma música muito popular na década de 1970. Eu te amo, meu Brasil As praias do Brasil ensolaradas O chão onde o país se elevou A mão de Deus abençoou Mulher que nasce aqui tem muito mais amor O céu do meu Brasil tem mais estrelas O sol do meu país mais esplendor A mão de Deus abençoou Em terras brasileiras vou plantar amor 24 Unidade I Eu te amo, meu Brasil, eu te amo Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil Eu te amo, meu Brasil, eu te amo Ninguém segura a juventude do Brasil [...]. Fonte: Farias (1970). À primeira vista, a música fala das belezas e das maravilhas do Brasil. Ela faz referência ao céu, às estrelas, ao sol, às bênçãos de Deus e à força da juventude. O refrão, que se repete várias vezes, menciona o profundo amor pelo país. Para qualquer um que leia a letra, trata-se de um hino, de uma homenagem a um país muito querido. Há algo oculto na letra da canção? Vejamos: essa música foi composta na década de 1970 e, praticamente, tornou-se o fundo musical das campanhas e mensagens do governo àquele momento. No entanto, esse governo não havia sido eleito de forma democrática; ele havia se imposto por meio dos arranjos políticos entre a elite industrial, o capital internacional e as forças militares brasileiras. Uma das expressões mais propagandeadas naquele período dizia que, caso alguém não amasse o Brasil, deveria deixá-lo. Assim, o sentimento nacionalista pressupunha o apoio a um regime que governava por meio da perseguição política, da censura e da violência. Os alvos preferenciais da ação do governo eram, justamente, os jovens, insatisfeitos com os rumos da política brasileira e desejosos do retorno à normalidade democrática. Assim, apesar do tom ufanista e nacionalista da música, a leitura das camadas invisíveis do texto nos leva a concluir que, aos olhos dos dias de hoje, ela simboliza, com perfeição, um período triste da história brasileira, quando a crítica e a discordância em relação ao governo eram confundidas com atitudes antigovernistas e de desamor ao país. Figura 5 – Há o discurso e há os sentidos visíveis e invisíveis do discurso 25 MÉTODOS DE PESQUISA A descoberta dos sentidos produzidos por um discurso é feita pela AD, e esta é uma modalidade de pesquisa muito utilizada nos casos de estudos qualitativos; aliás, trata-se de uma pesquisa que se adequa perfeitamente às necessidades e características da pesquisa qualitativa, já que seu foco é o de identificar motivos, razões e sentimentos por trás dos fenômenos, sem preocupar-se com a quantificação e a mensuração. Oliveira e Facundes (2018), por exemplo, selecionaram charges sobre política, com os respectivos comentários publicados em uma página de rede social que tinha, àquele momento, mais de 3 milhões de seguidores. Partindo do pressuposto de que as charges eram produzidas em função de determinadas condições históricas e sociais, os autores buscaram identificar quais sentidos eram gerados pelo discurso do chargista, sentidos esses que podiam ser apreendidos tanto na análise do discurso da charge propriamente dita quanto nos comentários dos usuários em relação ao conteúdo. Gonçalves (2013) realizou a análise do discurso científico de três diferentes revistas: Scientific American Brasil, a Pesquisa Fapesp e a Superinteressante. Assumindo que os discursos das revistas poderiam evidenciar distintos modos de produção, a autora revelou que a Scientific American Brasil buscava apoiar-se em fontes e mostrar-se próxima à ciência; a Pesquisa Fapesp, por sua vez, adotando um tom jornalístico, buscava mostrar o trabalho e a opinião de cientistas brasileiros; por fim, a Superinteressante era o veículo com menor compromisso com o linguajar científico, sendo comum a adoção de gírias e analogias de fácil compreensão. 3.2 Os estudos de caso Os estudos de caso são uma modalidade de pesquisa qualitativa muito utilizada nas áreas de administração, contábeis e economia. Também é frequente o seu uso no campo da psicologia e da pedagogia, bem como em marketing, comunicação e gestão de RH. Eles têm a proposta de investigar, a fundo, um assunto, fenômeno, fato ou comportamento específico. Buscam-se as principais, e únicas, características do objeto, supondo-se que ele seja representativo; assim, o alvo dos estudos de caso é uma unidade individual, seja ela uma empresa, uma área da empresa ou um grupo muito específico de pessoas. Segundo Yin (2001, p. 19), os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto de vida real. Assim, um estudo de caso pode envolver o uso de vários instrumentos simultaneamente, somando métodos de campo e de desk research; em outras palavras, ele tanto pode incluir a coleta de dados estatísticos quanto incluir entrevistas com poucas pessoas ou a observação do ambiente. Como seu propósito é investigar profundamente uma situação específica, ele fará uso das técnicas necessárias 26 Unidade I para levantar as informações desejadas. A sua investigação costuma ser detalhada e exaustiva, quer dizer, explora-se a fundo a análise dos casos, que devem ser selecionados de forma bastante rigorosa. Souza, Machado e Noronha (2015) realizaram um estudo de caso no qual foram analisadas as Unidades de Saúde da Família em um município de médio porte do Rio de Janeiro. Por meio de análise de documentos, de observação durante as visitas às unidades e de entrevistas com os gestores e outros profissionais, os autores buscaram identificar as condições de atendimento aos munícipes e as formas como estavam articulados os vários serviços de saúde da cidade. Como resultado, eles perceberam que, apesar da ampliação do atendimento e do acesso aos serviços de saúde, inúmeros obstáculos persistiam, tais como: falta de adequação da infraestrutura das unidades e de clareza quanto ao papel e às funções das clínicas instaladas recentemente. Quais critérios foram utilizados por Souza, Machado e Noronha (2015, p. 168) para que as unidades de saúde do município de Três Rios fossem escolhidas? Segundo os autores, o município foi escolhido em função dos seguintes critérios: ser de médio porte populacional e ter relevância regional; ter uma abrangência populacional da Estratégia Saúde da Família superior a 70%; contar com diferentes tipos de serviços de saúde (atenção básica, serviços especializados e hospitalares, públicos e privados). Em outras palavras, o município tinha as características que, na opinião dos pesquisadores, eram as ideais para investigar os aspectos necessários. Como selecionamos um caso para estudo? Ele deve, a princípio, conter as características principais que supomos corresponder ao conjunto do qual ele faz parte. Imagine a seguinte situação: você pretende descobrir como se dá o processo de transição de uma empresa familiar para uma estrutura organizacional não familiar. Qual instituição escolherá como objeto do seu estudo? Ela deverá ser grande ou pequena? Ela precisará ser líder de mercado ou bastará que tenha apenas uma porcentagem dele? Ela necessitará ter contratado uma consultoria para acompanhar o processo de transição ou poderáter realizado o processo sem ajuda de terceiros? As respostas a essas perguntas devem ser de conhecimento do pesquisador, já que elas indicarão quais empresas serão investigadas com profundidade. Os estudos de caso costumam ser criticados justamente por conta daquilo que é sua principal característica: como eles estudam um ou poucos casos, é difícil estabelecer generalizações a partir de seus resultados. Por mais que o objeto tenha as características do conjunto ao qual pertence, a situação é única e, por isso, seus resultados são únicos. Em função disso, os estudos de caso são amplamente utilizados nos eventos de pesquisas exploratórias e, algumas vezes, nas situações de pesquisas descritivas; em relação à utilização do estudo de caso para investigações explicativas, há que se tomar cuidado com a reduzida possibilidade de projeção dos dados levantados para o conjunto de casos do universo estudado. Segundo Yin (2001, p. 81), o pesquisador envolvido em estudos de caso deve mostrar determinadas habilidades e competências bem específicas: 27 MÉTODOS DE PESQUISA • Deve ser capaz de fazer boas perguntas – e interpretar as respostas. • Deve ser um bom ouvinte e não ser enganado por suas próprias ideologias e preconceitos. • Deve ser adaptável e flexível, de forma que as situações recentemente encontradas possam ser vistas como oportunidades, e não como ameaças. • Deve ter uma noção clara das questões que estão sendo estudadas, mesmo que seja uma orientação teórica ou política, ou que seja de modo exploratório. Essa noção tem como foco os eventos e as informações relevantes, que devem ser buscados em proporções administráveis. • Deve ser imparcial em relação a noções preconcebidas, incluindo aquelas que se originam de uma teoria. Assim, deve ser sensível e estar atento a provas contraditórias. São diversas as técnicas empregadas em estudos de caso. As mais utilizadas são a realização de grupos focais, de entrevistas semiestruturadas e de observação. Os grupos focais, dos quais já falamos anteriormente quando da apresentação do trabalho de Sampaio et al. (2006), constituem uma técnica de pesquisa que permite identificar opiniões convergentes e divergentes em um grupo de pessoas com as características desejadas. Em geral, reúnem por volta de dez pessoas em uma sala preparada para a atividade, e a discussão é coordenada por um moderador, cuja função é apresentar tópicos para o debate e conduzir a conversa de forma a permitir a participação de todos e a identificar pontos de conflito ou de concordância. Os participantes costumam ser recrutados em razão de características como idade, sexo, classe social, histórico de compras e hábitos de consumo. Para que não haja a formação de “grupinhos”, e para que tampouco alguns monopolizem o debate, procura-se escolher pessoas que não se conheçam previamente. Figura 6 – Os grupos focais são realizados a partir da seleção de um grupo de indivíduos com as características desejadas. O objetivo do pesquisador, nesses casos, é o de identificar pontos de consenso e de conflito entre os participantes 28 Unidade I Observação As agências de propaganda e marketing que realizam grupos focais costumam utilizar salas com espelhos falsos. Assim, as pessoas que estão debatendo na sala não veem os pesquisadores em outra sala, assistindo, gravando e filmando o que está acontecendo. Segundo os preceitos éticos de pesquisa, os participantes devem ser informados de que estão sendo observados e que suas reações e falas estão sendo registradas. Francisco et al. (2009) realizaram três grupos focais, cada um com dez adolescentes matriculados em três escolas públicas na cidade de Araçatuba, no estado de São Paulo. Os pesquisadores partiram da premissa de que havia pouco estudo sobre o conhecimento dos adolescentes acerca de saúde bucal; inclusive, tal lacuna prejudicava estudos quantitativos, já que não se conhecia a adequação da terminologia ao vocabulário dos jovens. Tratou-se, portanto, de uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa. Outro exemplo do uso desse método em pesquisas qualitativas é oferecido por Reinaldo et al. (2016), que realizaram seis grupos focais (cada um com seis professores) com o objetivo de compreender as opiniões e os sentimentos dos docentes em relação ao uso de smartphones pelos alunos em sala de aula. Os pesquisadores perceberam contradições, receios e ambiguidades nas respostas dos professores, que expressaram preocupação quanto ao fato de os objetos serem percebidos como “salvadores” do ensino, sem que seu uso seja realizado de forma a se adequar às práticas e propostas pedagógicas. Ainda, os participantes manifestaram-se quanto à importância da informática e das TICs como instrumentos a serem utilizados no processo de ensino-aprendizagem, em particular quando forem parte de um projeto educativo global. Observação TIC é a abreviação de Tecnologia de Informação e Comunicação e se refere a qualquer tecnologia que seja usada para tratamento da informação ou para comunicação, independentemente de ser na forma de hardware ou software. Além de grupos focais, os estudos de caso podem envolver a realização de entrevistas semiestruturadas. Ao contrário das entrevistas estruturadas, que são rígidas e conduzidas por questionários, as semiestruturadas utilizam roteiros que reúnem temas a partir dos quais o entrevistado será estimulado a falar de forma livre. Assim, em vez de responder a perguntas diretas que envolvam respostas sob a forma de alternativas padronizadas, ou que exijam objetividade e concisão, o entrevistado será conduzido a dissertar sobre um tema ou assunto relacionado ao interesse do pesquisador. As opiniões do entrevistado, inclusive, podem fazer com que o pesquisador adicione algo ou retire algum tópico do roteiro, de forma a aproveitar a entrevista o máximo possível. 29 MÉTODOS DE PESQUISA Essa modalidade é muito adequada às situações de pesquisas exploratórias, já que permite que o pesquisador investigue o seu objeto de estudo com mais liberdade. Como a elaboração de um questionário requer um conhecimento bastante sólido para que as perguntas sejam formuladas (mesmo no caso de perguntas “abertas”, que não têm respostas padronizadas, mas exigem objetividade), o roteiro pode ser utilizado por meio da sugestão de debate sobre elementos nos quais o pesquisador está interessado. Esse foi o caso, por exemplo, de Calixto (2008), que investigou a percepção de oito diretores de escola de Ensino Fundamental de Marília (SP) a respeito do Programa Progestão de formação continuada. Este programa, de responsabilidade da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, tem como um de seus objetivos realizar cursos de formação para gestores escolares, capacitando-os para o exercício de uma liderança comprometida com propostas de gestão democrática. O tema havia sido pouco investigado até então, dado o fato de o programa ter pouco tempo de vida. Assim, para que os diretores pudessem verbalizar suas opiniões com liberdade, a pesquisadora achou por bem realizar entrevistas semiestruturadas. Este também foi o caso de Sales e Dimenstein (2009), que realizaram entrevistas semiestruturadas com dez psicólogos que atuavam na saúde pública em Natal (RN). Em sua maioria formados pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), estes profissionais foram questionados sobre a relação entre a formação acadêmica no curso de graduação e as atividades profissionais desenvolvidas no ambiente de trabalho. O estudo identificou fragilidades na formação dos profissionais, que atuavam em um cotidiano para o qual não haviam sido preparados. Da mesma forma que ocorreu no exemplo anterior, tratou-se de uma pesquisa qualitativa exploratória. A observação é outra técnica utilizada em estudos qualitativos, e ela permite observar como os fenômenos ocorrem no seu ambiente natural. Vejamos um exemplo: caso um pesquisador tenha interesse em compreender o comportamento de consumidoresdiante da gôndola de determinado produto, ele pode realizar uma abordagem direta, perguntando aos consumidores o que procuram, o que levam em consideração no momento de decidir a compra, o que buscam evitar etc. No entanto, essas respostas podem estar contaminadas por erros: os consumidores podem oferecer como resposta aquilo que consideram um comportamento desejável, omitindo informações ou escondendo suas reais intenções ou motivações. Uma forma de se averiguar o comportamento tal como ele ocorre é a pesquisa de observação: no nosso exemplo, bastaria que alguém ficasse próximo à gôndola, observando os consumidores e anotando os aspectos considerados relevantes. Figura 7 – As pesquisas de observação são bastante comuns nas áreas de comunicação e marketing, especialmente nos pontos de venda 30 Unidade I Você deve estar se perguntando: é possível que o consumidor altere o seu comportamento em função de saber que está sendo observado? Sim, ele pode comportar-se de certa forma por conta de se saber observado, e é por isso que o pesquisador deve procurar se incorporar ao ambiente da forma mais natural e discreta. Enquanto técnica utilizada para pesquisas qualitativas, a observação apresenta inúmeras vantagens: ela permite que determinada situação ou fenômeno seja investigado de forma exploratória, levantando-se informações que possibilitam a coleta de dados em situações em que a comunicação não pode ser realizada facilmente, e permite que o pesquisador descubra aspectos até então desconhecidos a respeito do seu objeto de estudo. Em contrapartida, ela tem como desvantagem a subjetividade na qual pode incorrer o observador, levando-o a cometer erros na coleta de dados, ou a apropriar-se de maneira parcial da realidade que está colocada à sua frente. Há vários tipos de técnicas de observação possíveis de serem utilizadas: a observação pode ser espontânea e informal, ou pode ser planejada e sistemática. O observador pode listar, com minúcias, o comportamento ou os fatos que pretende verificar, ou pode agir de modo a ter liberdade na seleção dos elementos a serem considerados. Em relação à observação, é importante considerar que um determinado fenômeno, fato ou comportamento pode ser observado por um único ou por vários pesquisadores. A presença de vários pesquisadores torna a pesquisa mais evidente, o que pode introduzir mais “ruídos” no comportamento que se quer observar; no entanto, garante maior imparcialidade na coleta de dados, já que esta não depende única e exclusivamente de uma só pessoa. Embora pareça simples de ser realizada, a pesquisa de observação depende de uma série de decisões e escolhas do pesquisador: • Qual fenômeno (fato ou comportamento) será observado? • Quais devem ser os elementos que caracterizarão o fenômeno de interesse? O que precisa acontecer para que entendamos ter ocorrido o fenômeno que nos interessa? • Por quanto tempo devemos realizar a observação? • O observador deve ficar visível ou evitar que sua presença seja notada? • Como deverão ser anotados os elementos observados? • Quantos pesquisadores participarão da observação? A pesquisa de observação pode trazer inúmeras informações aos pesquisadores que não poderiam ter sido coletadas de outra forma. Quase sempre esta pesquisa é realizada de forma associada a outras técnicas, em especial à análise de documentos (ou dados secundários) e à realização de entrevistas semiestruturadas. 31 MÉTODOS DE PESQUISA A observação pode ocorrer em duas situações distintas: no ambiente natural, sem que haja qualquer controle, e no ambiente controlado. Vamos supor que queiramos entender como pessoas se comportam em filas de atendimento no supermercado: é possível observar, de fato, uma fila no supermercado, ou podemos criar uma situação artificial na qual exista uma fila que permita observarmos o comportamento dos indivíduos. Vejamos outro exemplo: caso queiramos estudar o efeito do ruído na produtividade de uma fábrica, podemos fazê-lo de duas diferentes formas: observando o comportamento dos trabalhadores em uma fábrica quando da ocorrência de um barulho intenso, ou convidando colaboradores para que executem determinada tarefa em um ambiente com muito ruído. Nos dois exemplos, a primeira situação é de observação natural, e a segunda é uma situação de laboratório, forjada para que certos aspectos sejam analisados. O observador também pode escolher entre duas diferentes maneiras de se relacionar com o ambiente observado: ele pode manter-se à distância, buscando não se envolver com o fenômeno a ser observado (como no caso que citamos sobre o comportamento do consumidor no supermercado), ou ele pode participar (em diferentes graus de intensidade) com a situação objeto de estudo. O participante total é aquele que se propõe a participar em todas as atividades do grupo em estudo, atuando como se fosse um de seus membros; a identidade e os propósitos do pesquisador são desconhecidos pelos sujeitos observados. Na modalidade de participante como observador, o pesquisador estabelece com o grupo uma relação que se limita ao trabalho de campo; a participação ocorre da forma mais profunda possível através da observação informal das rotinas cotidianas e da vivência de situações consideradas importantes (LIMA; ALMEIDA; LIMA, 1999, p. 132). No caso em que o observador mistura-se ao ambiente, envolvendo-se, de alguma forma, com o fenômeno investigado, dizemos que a observação é participante. Loureiro et al. (2018), por exemplo, investigaram o compartilhamento de conhecimento em uma empresa inovadora do setor sucroenergético. Por meio do uso dessas técnicas, os pesquisadores identificaram a inexistência de uma política organizacional que orientasse os funcionários quanto à proteção da informação, o que fragilizava um dos aspectos vistos como críticos no ambiente competitivo empresarial, qual seja, o tratamento do ativo conhecimento. Com relação à observação participante, ela tornou possível que os pesquisadores entendessem a dinâmica e o cotidiano organizacional da instituição. 3.3 Os estudos culturais e etnográficos Há uma modalidade de pesquisa participante que, pelas suas características, destaca-se no conjunto de estudos realizados por meio de observação. Segundo Lima, Almeida e Lima (1999), a observação participante torna possível um contato mais direto do pesquisador com o seu objeto de estudo, o que lhe permite conhecer as experiências cotidianas dos sujeitos da pesquisa, sua realidade e suas ações. Assim, ela pode ser especialmente indicada para as situações em que as pessoas estão desenvolvendo suas atividades no ambiente natural, e nas ocasiões em que o foco se dá na investigação da realidade por meio de uma perspectiva cultural. Tais situações exigem uma abordagem específica, qual seja, a de compreender o ambiente a partir da investigação cultural. 32 Unidade I Figura 8 – Na pesquisa etnográfica, o pesquisador deve visitar os domicílios, acompanhar a rotina do grupo que está sendo estudado e observar o comportamento, os rituais e as tradições da comunidade Bernardi (1974) apud Lima et al. (1996, p. 23) afirma que, em relação à cultura, há quatro elementos essenciais: o anthropos, ou seja, o homem na sua realidade individual e pessoal; o ethnos, comunidade ou povo entendido como associação estruturada de indivíduos; o oikos, o ambiente natural e cósmico dentro do qual o homem se encontra a atuar; o chronos, o tempo, condição ao longo da qual, em continuidade de sucessão, se desenvolve a atividade humana. O processo cultural ocorre por meio da ação dos quatro fatores, já que a ação de uma única pessoa deve ser apropriada pela coletividade para que se transforme em parte do patrimônio comum a todos. Por isso, o trabalho de campo requer visitar os domicílios, acompanhar a rotina do grupo que está sendo estudado, observar o comportamento e os rituais tradicionais; tal procedimento torna essencial, portanto, que haja “sensibilidade do pesquisadordiante das situações com as quais se depara e da interação que estabelece com a população em estudo” (LIMA et al., 1996, p. 24). Os autores (1996, p. 25-26), com base nos trabalhos de outros pesquisadores, resumem as etapas de realização de um estudo etnográfico. 1) Exploração: envolve a seleção e definição de problemas, a escolha do local onde será feito o estudo e o estabelecimento de contatos para a entrada no campo. Nesta fase, são realizadas as primeiras observações com a finalidade de adquirir maior conhecimento sobre o fenômeno e possibilitar a seleção de aspectos que serão mais sistematicamente investigados. Essas primeiras indagações orientam o processo da coleta de informações e permitem a formulação de uma série de hipóteses que podem ser modificadas à medida que novos dados vão sendo coletados. 2) Decisão: consiste numa busca mais sistemática daqueles dados que o pesquisador selecionou como os mais importantes para compreender e 33 MÉTODOS DE PESQUISA interpretar o fenômeno estudado. Assim, os autores, citando Wilson (1977), afirmam que os tipos de dados relevantes são: forma e conteúdo da interação verbal dos participantes; forma e conteúdo da interação verbal com o pesquisador; comportamento não verbal; padrões de ação e não ação; traços, registros de arquivos e documentos. Os tipos de dados coletados podem mudar durante a investigação, pois as informações colhidas e as teorias emergentes devem ser usadas para dirigir a subsequente coleta de dados. 3) Descoberta: consiste na explicação da realidade; isto é, na tentativa de encontrar os princípios subjacentes ao fenômeno estudado e de situar as várias descobertas num contexto mais amplo. Deve haver uma interação contínua entre os dados reais e as suas possíveis explicações teóricas permitindo estruturação de um quadro teórico, dentro do qual o fenômeno pode ser interpretado e compreendido. A pesquisa etnográfica com observação participante requer alguns cuidados por parte do pesquisador, que precisa ter claro o seguinte: • Quais são as características do grupo a ser observado? • Quais são os valores e a cultura do grupo do qual o pesquisador fará parte? • Quais os limites da ação do pesquisador? Até que ponto ele poderá se envolver ou tomar parte de decisões do grupo? Figura 9 – Na pesquisa etnográfica, o pesquisador deve afastar-se do grupo com a mesma delicadeza que usou para dele se aproximar. Afinal, ele integrou-se à comunidade e passou a fazer parte da vida dela São muitas as variáveis envolvidas em um estudo de observação participante etnográfica. Valladares (2007) escreveu uma resenha sobre o trabalho de Whyte (1914-2000), um sociólogo americano que foi pioneiro em estudos de observação participante, em particular para a investigação de aspectos sociais em comunidades urbanas. Na década de 1930, durante três anos, Whyte observou uma área pobre da cidade de Boston, com a ajuda de outro pesquisador. Entre os “mandamentos” sugeridos por Whyte 34 Unidade I para a realização de uma observação participante, destacam-se: rigoroso planejamento dos passos a serem executados; flexibilidade por parte do pesquisador (que não tem como controlar os eventos); consciência de que ele, pesquisador, é um elemento estranho ao ambiente; auxílio de um intermediário que possa colaborar no contato com o grupo e que atue como assistente; consciência de que, além de observar, o pesquisador é observado; generosidade no contato com o grupo, de forma a escutar e ouvir; desenvolvimento de uma rotina de trabalho; capacidade de aprender com os próprios erros; compreensão de que nem todos os resultados poderão/serão divididos com o grupo observado. Saiba mais A fim de conhecer melhor acerca do tema, leia a seguinte resenha: VALLADARES, L. Os dez mandamentos da observação participante. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 22, n. 63, p. 153-155, fev. 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v22n63/a12v2263. pdf. Acesso em: 21 dez. 2020. Caso queira aprofundar os conhecimentos sobre pesquisas etnográficas com observação participante, sugerimos algumas leituras: MICHEL, T.; LENARDT, M. H. O trabalho de campo etnográfico em instituição de longa permanência para idosos. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, v. 17, n. 2, p. 375-380, 2013. Disponível em: https://www. redalyc.org/pdf/1277/127728367024.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020. Nesse texto os autores, no campo da saúde, mostram os resultados do seu trabalho em uma instituição de longa permanência para idosos. Eles relatam com detalhes os procedimentos, bem como as dificuldades encontradas ao longo da pesquisa. Outro exemplo interessante de pesquisa etnográfica a partir de observação participante é: ROCHA, A. L. C.; ECKERT, C. Etnografia de rua: estudo de antropologia urbana. Rua: Revista do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade da Unicamp, Campinas, n. 9, p. 101-127, 2003. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/ bitstream/handle/10183/187458/000431143.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020. Aqui foi realizado um estudo etnográfico baseado em narrativas poéticas e visuais nas cidades de Porto Alegre (Brasil) e Paris (França); os pesquisadores utilizaram instrumentos audiovisuais, buscando identificar formas de relacionamento social no meio urbano e suas variações culturais. 35 MÉTODOS DE PESQUISA 3.4 A pesquisa-ação A pesquisa-ação é outro método aplicado em pesquisas qualitativas que, aparentemente, tem pontos de convergência com as técnicas de observação participante, já que se propõe a investigar um fenômeno ou situação no seu ambiente natural. No entanto, ela difere desta outra em função de ter como objetivo desenvolver uma ação com a intenção declarada de transformar a realidade. Veja bem: na observação participante, mesmo quando inserido no ambiente de pesquisa, o investigador deve agir de forma neutra. Na pesquisa-ação, em contrapartida, o pesquisador pode – e deve – intervir na realidade. “Ao enveredar por esse caminho, a pesquisa-ação conduz a uma nova postura e a uma nova inscrição do pesquisador na sociedade” (BARBIER, 2004, p. 17). O pesquisador é, acima de tudo, um interventor e um agente de mudança. De forma resumida, a pesquisa-ação tem sua realização orientada para dois objetivos: 1. Objetivo prático (ou de resolução de problemas): a pesquisa-ação visa contribuir para o equacionamento do problema central na pesquisa, a partir de possíveis soluções e de propostas de ações que auxiliem os agentes (ou atores) na sua atividade transformadora da situação. 2. Objetivo de conhecimento (ou de tomada de consciência): a pesquisa-ação propicia que se obtenham informações de difícil acesso por meio de outros procedimentos e, assim, possibilita ampliar o conhecimento de determinadas situações. Desse item, são exemplos da pesquisa: reivindicações dos professores; suas representações, dos alunos e da sociedade sobre a profissão, sobre os alunos, sobre as questões pedagógicas; suas capacidades de ação ou mobilização etc. (THIOLLENT, 1994 apud PIMENTA, 2005, p. 532). Em função do seu caráter intervencionista, a pesquisa-ação insere-se no plano das próprias práticas políticas, já que facilita a decisão e cria as condições para que essa decisão materialize-se no campo da realidade. Por isso mesmo, há quem discuta o caráter puramente “científico” da pesquisa-ação, já que ela se propõe a ir além da mera construção do conhecimento. Em contrapartida, os defensores da pesquisa-ação afirmam que esta modalidade põe em debate a própria noção de construção do conhecimento e o papel do cientista: Se por muito tempo o papel da ciência foi descrever, explicar e prever os fenômenos, impondo ao pesquisador ser um observador neutro e objetivo, a pesquisa-ação adota um encaminhamento oposto pela sua finalidade: servir de instrumento de mudança social. Ela está mais interessada no conhecimento prático do que no conhecimento teórico. Os membros de um grupo estão em melhores condições
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