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A FILOSOFIA E O CORPO ● Platão: ideias e sentidos A preocupação grega com o corpo estendeu-se para a filosofia, que dedicou grande esforço para compreendê-lo. Platão, que era excelente atleta e via o cultivo do corpo como uma exigência para o desenvolvimento da alma, elaborou uma concepção baseada no dualismo psicofísico. Platão considerava uma duplicação da realidade, composta pelo mundo das ideias (imaterial e inteligível) e pelo mundo dos sentidos (sensível, material e físico). Para Platão, as ideias são eternas, sempre existiram e sempre existirão, e compõem um mundo considerado perfeito, distinto deste em que vivemos. Na criação do mundo que conhecemos, um espírito artesão (que Platão denominou demiurgo) contemplou as ideias que habitam esse mundo ideal e fez cópias delas a partir da matéria sem forma. E assim tudo foi criado, como cópias imperfeitas dessas ideias. Se, para Platão, o corpo humano é parte do mundo sensível, a alma é parte do mundo ideal. A alma tem a mesma constituição das ideias; portanto, é perfeita e imortal. O corpo, tendo uma constituição material, é imperfeito e mortal. Por isso, o ser humano precisa cuidar do corpo, exercitá-lo, cultivá-lo: é por meio do cuidado com o corpo que podemos cuidar da alma, fazendo com que ela domine esse corpo imperfeito. Mas, quando o corpo morre, a alma se libera e volta ao mundo das ideias, podendo depois encarnar em outro corpo. Vê-se então que, para Platão, a alma é mesmo um “recheio’ do corpo. ● Aristóteles: matéria e forma Insatisfeito com a perspectiva platônicas, Aristóteles defendeu a noção de hilemorfismo, segundo a qual todas as coisas resultam de dois princípios diferentes e complementares: a matéria e a forma. A matéria é aquilo de que é feita; a forma é o que faz com que a coisa seja aquilo que é. No caso do ser humano, o corpo físico é a matéria, enquanto a forma é dada pela alma. Mais do que em Platão, essas duas realidades são inseparáveis, embora distintas. Uma só pode agir em conjunto com a outra. Essa concepção de Aristóteles pode ser chamada de orgânica: a alma é aquilo que anima o corpo, que lhe confere movimento, estando totalmente integrada a ele. Para Aristóteles, mesmo que fosse possível conceber uma alma separada de um corpo, essa alma não pensaria. Ainda que tenha avançado em relação ao dualismo de Platão, em Aristóteles a alma continua sendo o “recheio” do corpo, pois é ela que lhe dá o movimento e a ação. ● Espinosa: corpo-mente Bento de Espinosa, não tinha uma visão dualista. O filósofo não utilizava a palavra alma, preferindo falar sempre em mente. Para ele, mente e corpo são uma coisa só. Contrariando uma tradição filosófica de mais de dois mil anos, Espinosa elaborou uma concepção não dualista do ser humano. Com essa posição, ele nega que a mente prevaleça sobre o corpo. Como um e outro são a mesma coisa, nem o corpo pode obrigar a mente a pensar, nem a mente pode obrigar o corpo a agir. “O corpo humano pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, enquanto outras tantas não tornam sua potência de agir nem maior nem menor” - SPINOZA, Ética. Belo Horizonte. Autêntica, 2007. p. 163. Para Espinosa, as ações do corpo dependem dos estímulos que ele recebe. Espinosa chamou esses estímulos de afecções. O corpo pode ser afetado de diferentes formas e age a partir dessas afecções. Dependendo de como o corpo é afetado, sua potência de agir aumenta. Há também afecções que diminuem a potência de um corpo. Como corpo e mente são uma coisa só, Espinosa denomina o aumento da potência de agir de alegria, enquanto a diminuição dessa potência é a tristeza. Novos conceitos na filosofia do corpo No século XX a filosofia do corpo recebeu contribuições de Maurice Merleau e Michel Foucault. ● Merleau, em sua obra “Fenomenologia da percepção”, desenvolveu-se o conceito corpo próprio. Merleau muda o foco da afirmação de Descartes (penso, logo existo), que coloca certeza da existência no pensamento, para situá-la no corpo. ● Merleau criticou a filosofia e fisiologia (estudo biológico do corpo) por serem mecanicistas, isto é, por considerarem o corpo como objeto. Segundo Merleau, isso significa que o corpo é pura materialidade, que só ganha sentido se for “recheada” pela mente ou alma. ● Corpo próprio é a idéia de que cada pessoa é um corpo que percebe e pensa - e pensando, atua no mundo e sobre si mesmo. ● Foucault reflete sobre outro aspecto da corporeidade: a atuação do poder sobre o corpo. O “desprezo pelo corpo” que vemos na idade moderna é apenas aparente. Durante aquele período, foi feito grande esforço para manter o corpo controlado, para que ele pudesse ser tomado como força de trabalho. ● Segundo Foucault, um importante mecanismo de controle era o poder disciplinar. Esse poder era exercido em instituições, como fábricas, escolas, hospitais, prisões e quartéis. ● Pense no exemplo da escola: cada estudante tem um registro, tem número de chamada, é avaliado por meio de notas que medem seu aproveitamento. São formas de disciplinar os estudantes para que se mantenha certa ordem estabelecida. Esse tipo de controle transforma corpos em sujeitos presos a identidade que lhe são atribuídas. ● A tomada de consciência possibilita uma “revolta do corpo” que busca mais liberdade e menos controle. Para que o corpo seja afirmado, é preciso que seja conhecido; para ser conhecido, o corpo precisou ser disciplinado. ● Não sabemos o que pode o corpo, pois nosso olhar para ele é limitado; o corpo é colocado em determinadas formas por um processo de educação, mas o corpo também resiste às normas e busca outras possibilidades.
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