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Na aula anterior, falamos sobre a atuação do profissional TILSP em ambientes educacionais. Discutimos, também, que cada etapa da educação nacional tem especificidades quanto aos objetivos, às competências e às atividades. Quando falamos sobre educação de surdos, ainda veremos distinções entre o nível e o uso linguístico em cada uma dessas etapas. Nesta aula, focaremos a discussão sobre a atuação do TILSP nos cursos de nível superior. A principal distinção entre a Educação Básica e o Ensino Superior é a relação com a produção de conhecimento científico. A Educação Básica dá maior ênfase em situar os estudantes nos conhecimentos acumulados. No Ensino Superior, espera-se que os estudantes não só consumam e compartilhem conhecimento, mas que também o produzam. Desse modo, podemos dizer que o meio acadêmico permite visibilidade e aprofundamento de diversos temas por permitir que as discussões sejam aprofundadas. Entretanto, produzir conhecimento envolve, minimamente, ter conhecimento básico sobre os temas discutidos, sendo fundamental o acesso pleno às discussões e aos conhecimentos já produzidos. Como os profissionais intérpretes atuam nessas circunstâncias? Há a necessidade de formação ou competências específicas? Nesta aula, trataremos dessas e de outras questões voltadas a esse ambiente educacional em particular. Compreender características do ensino superior: acesso e produção de conhecimento. Discutir sobre diferença linguística e acesso ao conhecimento universitário. Analisar as relações entre diferença linguística, vocabulário acadêmico e atuação do intérprete. Pensar sobre a formação do intérprete para atuação no ensino superior. Tilsp e Políticas Públicas Aula 4: Funções dos intérpretes e tradutores nas universidades Introdução Objetivos Estrutura e objetivos do ensino superior A educação superior se configura como um espaço político importante. Embora ela não componha a educação básica obrigatória, a entrada no ensino superior possibilita que discussões e conhecimentos sejam produzidos e difundidos. O ensino superior, tal qual se consolidou historicamente, na tradição ocidental, visa atingir três objetivos, que são obviamente articulados entre si. O primeiro objetivo é o da formação de profissionais das diferentes áreas aplicadas, mediante o ensino/aprendizagem de habilidades e competências técnicas; o segundo objetivo é o da formação do cientista mediante a disponibilização dos métodos e conteúdos de conhecimento das diversas especialidades do conhecimento; e o terceiro objetivo é aquele referente à formação do cidadão, pelo estímulo de uma tomada de consciência, por parte do estudante, do sentido de sua existência histórica, pessoal e social. (SEVERINO, 2007, p. 22) A organização do ensino superior é baseada no tripé ensino-pesquisa-extensão. Em outras palavras, o espaço universitário deve compartilhar conhecimentos já constituídos, ajudando os seus estudantes a ingressar no meio científico, de forma condizente com o espaço acadêmico, ensino, promover a produção de conhecimentos de acordo com as demandas da sociedade nas mais diversas áreas, pesquisa, popularizar e dar acesso ao conhecimento, ou ainda, oferecer soluções criativas para as demandas histórico-sociais, extensão. Sobre a questão do ensino, podemos fazer dois destaques. O primeiro diz respeito às metodologias e às didáticas próprias do ensino superior. Como se busca fomentar a autonomia de estudo, a proposta pedagógica costuma trazer ações de incentivo a busca, seleção, análise e teses de materiais. Em outras palavras, as aulas, no espaço acadêmico, não são — ou não deveriam ser — encerradas naquele espaço, mas devem favorecer que o estudante reflita sobre o tema, de forma autônoma, em outros espaços, com outras informações e pessoas. Atualmente, é possível vermos uma crescente busca pelo uso do ensino híbrido e das metodologias ativas, que consistem em estratégias para que os estudantes participem ativamente na construção e consolidação do seu conhecimento. Figura 4.1 Democratização do acesso ao ensino superior como gerador de heterogeneidade Fonte: Freepik (2020). Ensino híbrido: trata-se de uma proposta metodológica que mescla atividades de diferentes naturezas, presenciais e virtuais, podendo ser mediadas pelos docentes ou autogeridas pelos discentes. Notas https://lms2.atenalms.com.br/courses/estaciomais/CLV119/aula4/img/1.zoom.jpg Metodologias ativas: são metodologias didáticas centradas no estudante, envolvendo-os em diferentes aspectos do ensino-aprendizagem, como planejamento, estudo e avaliação. Para exemplificar, uma proposta que se encaixa como metodologia ativa é a “sala de aula invertida”, que consiste em proporcionar o contato prévio dos discentes com os conteúdos para que posteriormente se possa, em sala, com os docentes, tirar dúvidas e aprofundar conhecimentos. Ao contrário de uma aula expositiva, onde o professor apresenta o conteúdo ao estudante, que, depois da exposição, refletirá ou realizará atividades sobre o tema, nessa proposta, o estudante acessa o conteúdo e pode discutir com o professor os pontos que considerar mais relevantes ou mais complexos. A formação para docência no ensino superior deve priorizar propostas didáticas que engajem os estudantes e, até mais do que isso, possam dirimir eventuais dificuldades que o estudante tenha com tais propostas, que costumam ser distintas das ações habituais da educação básica. O segundo destaque é justamente a questão da acessibilidade. A democratização do acesso ao ensino superior fez com que a comunidade acadêmica se tornasse, cada vez mais, heterogênea. Democratização do acesso: democratizar significa tornar possível à maioria da população. Ao tratarmos de acesso — à escola, aos espaços culturais etc —, a expressão "democratização do acesso" está relacionada à diminuição ou à eliminação das barreiras que impedem ou dificultam o acesso de alguns grupos a esses espaços. Os diversos movimentos sociais vêm buscando garantir o direito ao acesso dos grupos que enfrentam barreiras para dar continuidade a sua formação. Pensar em acessibilidade envolve refletir sobre as condições materiais, físicas, psicossociais, históricas — e até mesmo acadêmicas — desses estudantes. Falando em dimensão epistemológica, a universidade deve incentivar a produção autoral de conhecimento, favorecendo que os estudantes reflitam sobre a realidade a sua volta e maneiras de otimizá-la. A pesquisa é um importante alicerce do espaço universitário, pois faz com que estudantes e docentes se debrucem sobre os conhecimentos ali discutidos, ponderem e proponham outros. Por esse mesmo motivo, quanto maior a representatividade, maior a visibilidade social de temas relevantes e, consequentemente, uma discussão mais pontual sobre políticas de acessibilidade e inclusão. Formação para docência Notas Movimentos sociais Notas Representatividade: para as Ciências Sociais, a representação social está ligada a questões políticas, culturais e históricas. A presença ou a não presença de determinados grupos sociais na mídia, na literatura ou em outros materiais, influencia a percepção social sobre aquele grupo. Podemos destacar, também, que a presença de grupos diversos nos espaços de discussão política permite a discussão de questões do ponto de vista daquele grupo. Além disso, nossa identidade é fortemente influenciada pela presença ou ausência de determinados grupos nos meios e materiais de comunicação e culturais. A representatividade, portanto, pode ser entendida como a presença de sujeitos nos mais variados espaços sociais — espaços de destaque, visibilidade, autoridade, — inclusive que representem um determinado grupo social, permitindo a construção de valores sociais igualitários. É de extrema importância que a universidade seja parceira da sociedade e os conhecimentos sejam compartilhados. Paula (2013, p. 20) defende a extensão ao dizer que [...] é tarefa da universidade para a sociedade, dialogar com ela, tentar responder às suas demandas e expectativas, reconhecera sociedade, em sua diversidade, tanto como sujeito de direitos e deveres quanto como portadora de valores e culturas tão legítimos quanto àqueles derivados do saber erudito. É tarefa da extensão construir a relação de compartilhamento entre o conhecimento científico e tecnológico produzido na universidade e os conhecimentos de que são titulares às comunidades tradicionais. É tarefa da extensão a promoção da interação dialógica, da abertura para alteridade, para a diversidade como condição para a autodeterminação, para a liberdade, para a emancipação. Diante do exposto, em relação à extensão universitária, é importante destacar o relevante papel que ela desempenha. Seria pouco frutífero acessar ideias, refletir sobre a realidade, propondo estratégias diferenciadas para as demandas da sociedade e deixar esses saberes apenas no espaço universitário. São nos programas de extensão que os saberes produzidos ecoam pela sociedade, permitindo que a comunidade fora da universidade acesse conhecimentos e os utilize em sua realidade. Severino (2007) ainda destaca que a extensão deve ser entendida como o processo que articula o ensino, a pesquisa e a construção da interação entre a Universidade e a sociedade. Segundo o autor, ela "[...] enriquece o processo pedagógico, ao envolver docentes, alunos e a comunidade num movimento comum de aprendizagem (SEVERINO, 2007, p. 24)”. Essas ações, além de permitir uma maior difusão da língua, ainda aproximam as pessoas da formação continuada por meio de cursos e ações das universidades. Acesso ao ensino superior: políticas públicas e acesso da comunidade surda ao ensino superior Figura 4.2 - Libras como componente curricular no ensino superior Fonte: Freepik (2020). Voltando nossa atenção para a questão da acessibilidade, o ingresso das pessoas surdas no ensino superior tem acontecido de forma mais efetiva nos últimos vinte anos. Nas últimas duas décadas, muito tem se modificado quanto à garantia do direito à educação. Fazendo uma rápida retrospectiva: a vigente Lei de Diretrizes e Bases da Educação — LDB — foi promulgada em 1996; a Lei n.º 10.436, que reconhece a Libras foi assinada em 2002; o Decreto n.º 5.626, que regulamenta a Lei de Libras e define outras estratégias de acessibilidade para a comunidade surda é de 2005; a Lei n.º 12.319, que regulamenta a profissão de tradutor intérprete de Libras foi assinada em 2010; a Lei Brasileira de Inclusão — LBI —, n.º 13.146, foi sancionada em 2015. Entre a LDB, que determina que a educação de pessoas com deficiência “[...] ocorra preferencialmente na rede regular de ensino [...] (BRASIL, 1996)” e a LBI, que reafirma a educação como “[...] direito da pessoa com deficiência, assegurado pelo sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida [...] (BRASIL, 2015)”, inclusive indicando a “[...] oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas [...] (BRASIL, 2015)”, passaram-se 19 anos. As transformações ocorridas nesse período foram essenciais para que as políticas fossem, pouco a pouco, tornando-se mais consolidadas. Para a comunidade surda, o reconhecimento legal da Língua de Sinais se configurou como importante marco, mesmo havendo críticas da comunidade a essa lei. Falando mais especificamente do ensino superior, o Decreto 5.626/2005, ao estabelecer que a disciplina de Libras deveria ser ensinada, pesquisada e difundida no Ensino Superior, atendendo as três dimensões próprias desse nível, constituiu-se um importante documento para garantir acesso da comunidade surda ao meio acadêmico. Como forma de atender ao disposto no Decreto sobre a Educação Básica, foi criado, em 2005, o curso de Pedagogia Bilíngue (Língua Portuguesa – Libras), que hoje conta com professores surdos, intérpretes e outras propostas acessíveis, sendo uma porta de entrada para muitos da comunidade surda ao Ensino Superior. Além disso, tal curso possibilitou uma maior discussão sobre propostas didáticas relevantes para a comunidade, principalmente as voltadas para a visualidade, que são, muitas vezes, negligenciadas em outros cursos. https://lms2.atenalms.com.br/courses/estaciomais/CLV119/aula4/img/2.jpg Para que a Libras se tornasse um componente curricular nos cursos de graduação e pós graduação, dentro da proposta pensada para o ensino superior, tornou-se muito importante aprofundar as pesquisas na área. Assim, com o intuito de formar docentes para atuar nessa área, em 2006, houve a criação do curso de Licenciatura em Letras, com habilitação em Libras, popularmente chamado de Letras-Libras. Consequentemente, isso fez com que a comunidade surda tivesse maior visibilidade na ciência, a língua de sinais ocupasse importante espaço nas pesquisas científicas e as discussões sobre as barreiras enfrentadas pelas pessoas surdas chegassem à formação de profissionais de diversas áreas. Por que fazer esse resgaste histórico? Porque é necessário entender a importância das políticas públicas bilíngues para a consolidação da participação da comunidade surda no ensino superior. Para se fazer uma leitura mais objetiva sobre esses dados, podemos apontar que: a) dar visibilidade à língua de sinais com legislação própria e normativas para que compusesse o currículo do ensino superior foi essencial para a ocupação desse espaço pela comunidade surda; b) a maior abertura para acesso das pessoas surdas ao ensino superior fez com que se discutisse, de forma mais aprofundada, as especificidades linguísticas e culturais da comunidade, principalmente na questão didático-pedagógica; c) ocupar a carreira docente universitária possibilitou a quebra de alguns paradigmas e preconceitos, favorecendo outras perspectivas sobre ser surdo e a língua de sinais. E como essas questões se relacionam à formação do profissional TILSP? Em primeiro lugar, o reconhecimento da profissão de tradutor intérprete de Libras acontece a partir das discussões mais acentuadas sobre acessibilidade de docentes e discentes surdos. Sabemos, por exemplo, de muitos programas e projetos em diversos locais do Brasil que contam com intérpretes em ambientes educacionais. No entanto, em outras áreas, como as da saúde e da segurança pública, ainda não há o mesmo contingente. Isso mostra o peso que as discussões educacionais têm na área de interpretação e tradução de Libras. Aprenda mais sobre as perspectivas do intérprete de Libras e a acessibilidade das pessoas surdas no Ensino Superior. Leia a dissertação de Quirino (2016), “O intérprete de libras no contexto do ensino superior: visão sobre suas práticas”. Clique aqui [https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/190798/SILVA%20Ronaldo%20Qui rino%202016%20%28Disserta%c3%a7%c3%a3o%29%20UTP.pdf] A ocupação dos profissionais TILSP nos espaços de educação também fez com que se levantasse a importante questão da formação técnica, teórica e de qualidade para a atuação como TILSP. Já revisitamos, na aula anterior, a parte histórica onde os familiares, conhecidos, amigos ou voluntários atuavam na tradução, o que, em parte, dificultava as Aprenda mais A ocupação https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/190798/SILVA%20Ronaldo%20Quirino%202016%20%28Disserta%c3%a7%c3%a3o%29%20UTP.pdf discussões sobre qualidade e técnica. Atualmente, há uma posição política para que a pessoa que assuma o papel de tradutor e intérprete seja qualificada para atuar, estando inclusive determinado em lei a formação adequada. Continuando a falar sobre formação, segundo a Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), [...] os tradutores e intérpretes da Libras, quando direcionados à tarefa de interpretar nas salas de aula dos cursos de graduação e pós-graduação, devem possuir nível superior, com habilitação, prioritariamente, em Tradução e Interpretação em Libras. Essa exigência entra em consonância com tudo o que já vimos, ao longo de nossos estudos, sobre o papel e os objetivos do ensinosuperior. Essa etapa da escolarização foca a construção do conhecimento e, para isso, é necessário o acesso pleno às informações e às produções. Um intérprete que desconheça o ambiente acadêmico pode reforçar desigualdades por não conseguir oferecer, ao estudante surdo, o acesso ao que é dito em sala de aula. Para além disso, a presença do intérprete de Libras no espaço educacional vai além de apenas transmitir informações. Perlin (2006, p. 141, grifo nosso) defende que “[...] tais profissionais são, também, intérpretes da cultura, da Língua, da história, dos movimentos, das políticas da identidade e da subjetividade surda e apresentam suas particularidades, sua identidade, sua cosmogonia”. Figura 4.3 - A importância do acesso pleno às informações e às produções na etapa de escolarização Fonte: Freepik (2020) Cosmogonia: conjunto de crenças e teorias que buscam explicar a origem ou o princípio do universo. A participação da comunidade surda nas discussões acadêmicas e a atuação do profissional TILSP Notas Acesso à informação https://lms2.atenalms.com.br/courses/estaciomais/CLV119/aula4/img/3.zoom.jpg Na aula anterior, falamos sobre as diferenças de acesso à informação entre surdos e ouvintes. Algumas informações, entre expressões, palavras ou ditos, circulam cotidianamente na mídia, nos diversos espaços que frequentamos e no ambiente doméstico. Como a língua nesses espaços é majoritariamente oral, a pessoa surda frequentemente deixa de criar vínculo com informações que são, de certa forma, corriqueiras. Para termos um pouco da dimensão de como isso ocorre, basta observar brincadeiras infantis onde as crianças desempenham papéis – a jornalista, a médica, a professora. Nos jogos infantis, é possível perceber a criança tentando repetir jargões, expressões, posturas de cada um desses profissionais. Com o passar do tempo, essas expressões, que apenas simbolizavam uma postura, podem passar a ter significado. As crianças e os jovens surdos não veem, na mídia, referências surdas em diferentes profissões, ou seja, não veem cotidianamente um médico, um pesquisador ou uma autoridade falando em Libras, para que possam se apropriar dos termos, da postura ou dos jargões. Sem essa referência, a escolarização das pessoas surdas também envolve preencher certas lacunas, mesmo no ensino superior. O intérprete, com experiência no meio acadêmico, por ter sido ele mesmo estudante e pesquisador, pode usar seu conhecimento desse ambiente, aliado às técnicas de tradução, para fazer escolhas que garantam o acesso das pessoas surdas ao conhecimento científico. Isso envolve: a. zelar pela qualidade da sua atuação, sem omitir, alterar ou inserir informações; b. fazer uma escolha pertinente de vocabulário; c. mediar dúvidas junto ao docente, para que sejam criadas estratégias para saná-las; d. usar suas experiências na língua e cultura surda para colaborar nas discussões pedagógicas, quando solicitado; e. favorecer a diminuição de preconceito e estereótipos relacionados à pessoa surda, mantendo uma atuação ética. Em tempo, vale destacar que omitir, alterar ou inserir informações não faz parte do escopo dos processos de tradução. Sabemos que traduzir também envolve técnicas que fazem com que o texto possa diferir do texto original, o que não quer dizer que o tradutor intérprete está autorizado a modificar o teor da mensagem ali presente. O intérprete educacional, por exemplo, talvez tenha que fazer acréscimos com explicações para que seja possível que a pessoa surda compreenda a informação e construa conhecimento adequado. É importante destacar os desafios que se apresentam ao tradutor e intérprete na atuação no Ensino Superior. Silva (2013, p. 31) aponta alguns desafios a serem superados. 1- Desconhecimentos da Instituições de Ensino Superior, sobre os direitos que amparam esses alunos. 2- Falta de acessibilidade linguística em vestibulares 3- Defasagem do ensino proporcionada aos surdos, em todos os seus períodos de escolarização, advinda da falta de recursos humanos e materiais da organização escolar, que não contempla, em seu projeto político pedagógico, ações para esse público. 4- A baixa estima desses alunos quanto à sua aprendizagem e à possibilidade de adentrar o nível superior. 5- O descrédito da família desse aluno quanto a sua aprendizagem. (SILVA, 2013, p.31) Uma das tarefas dos intérpretes, nesses espaços, é pensar, junto aos atores envolvidos nesse nível educacional, estratégias de acesso e permanência dos sujeitos surdos nas instituições, entendendo que sua própria entrada e permanência é parte dos processos de acessibilidade dados aos surdos. Além de pensar em termos posturais e de ações, devemos refletir, também, na atuação desse profissional nas universidades. A atuação do intérprete no ensino superior precisa considerar a escolha de vocabulário, visto que as produções acadêmicas costumam ter linguagem formal e técnica, específica da área de atuação. O cuidado deve ser tomado tanto na tradução e na interpretação da língua portuguesa para a língua de sinais quanto no sentido inverso. A atenção ao vocabulário, na direção língua oral para língua de sinais, colabora para a inserção dos estudantes surdos no meio acadêmico, favorecendo a compreensão de conceitos aprofundados, por diferenciá-los de sinais de conhecimentos do senso comum. Na direção língua de sinais para língua oral, a importância é dupla: além da questão linguística, de fazer com que o vocabulário acadêmico circule no ambiente universitário e seja compartilhado entre surdos e ouvintes, colabora-se para a desconstrução de estereótipos em relação à língua de sinais e à comunidade surda. Muitos pensam a língua de sinais como uma língua “incompleta”, comparando-a com a língua oral, ou ainda, pensam a comunidade surda como tendo dificuldade na relação com conceitos abstratos. Já abordamos, de maneira resumida, o papel ético e político que pode ser assumido pelo profissional TILSP. É importante pensar que as escolhas durante o fazer tradutório podem reforçar pensamentos preconceituosos em relação à língua de sinais e às pessoas surdas, principalmente no ambiente acadêmico, onde se preza pelo estudo, pela difusão e pela produção de conhecimentos. Pensar que uma língua ou um grupo social é incapaz de estabelecer relações com a ciência pode interferir diretamente na atuação do docente e na sua visão em relação aos estudantes. O que discutimos até aqui trata fundamentalmente da relação do intérprete diretamente com o discente. No entanto, o intérprete fará mediações entre os docentes e os discentes. É importante lembrar que o intérprete não está ali como professor, ou seja, não é dele a responsabilidade de ensinar, embora se reconheça as peculiaridades de sua atuação e a interferência no processo de aprendizagem. Contudo, reconhecer o papel dos diferentes atores na sala de aula é importante tanto para assegurar um melhor aprendizado quanto para preservar relações profissionais. Figura 4.4 - Estrutura da sala de aula regular Fonte: Adaptada de Oliveira (2012). Apesar de não ser sua responsabilidade ensinar, é aconselhável que, sempre que couber, o intérprete compartilhe, com os docentes ou os discentes, conhecimentos culturais e linguísticos que colaborem com o processo de aprendizagem. Por desconhecer a língua de sinais, as estratégias em explicações ou conversas, até mesmo para expressar ou sanar dúvidas podem não ser eficientes. O conhecimento da relevância da visualidade e como ela se revela na organização linguística e de pensamento colabora para que haja uma comunicação mais efetiva. Outra questão importante é permitir que discentes e docentes se comuniquem de maneira adequada. Isso significa que, quando o discente surdo tem uma dúvida, deve haver sua transmissão ao docente — ainda que o intérprete tenha conhecimento para responder ao seu questionamento —, permitindo que o docente acompanhe o desenvolvimento do discente. Da mesma forma, se um discente ouvinte não compreende algo durante uma aula em língua de sinais, cabeao intérprete repassar a dúvida ao docente surdo. Figura 4.5 - Estrutura da sala, segundo o modelo de Oliveira (2012) Fonte: Adaptada de Oliveira (2012). A atuação do intérprete na mediação docentes x discentes https://lms2.atenalms.com.br/courses/estaciomais/CLV119/aula4/img/4.4.zoom.png https://lms2.atenalms.com.br/courses/estaciomais/CLV119/aula4/img/4.5.zoom.png O trabalho do intérprete, em sala de aula, também passa por assegurar a participação dos surdos nas atividades. Sendo a língua portuguesa a língua majoritária, podem surgir dificuldades na participação por terem interações ocorrendo em grande parte na língua oral, com pouca possibilidade de tradução. Os surdos, sejam discentes ou docentes, quando minoria, acabam por experimentar impedimentos na comunicação. Logo, o intérprete precisa transmitir a intenção de participação da pessoa surda e interpretar o que ela tem a dizer. A relação entre professor e estudante fica mediada por outra pessoa e, por isso, há uma quebra na relação imediata entre professor, conhecimento e estudante. Antes da presença dos surdos, podemos pensar um modelo de aula com a seguinte estrutura: Figura 4.6 - Estrutura da sala de aula regular Fonte: Adaptada de Oliveira (2012). Entretanto, com a inserção do estudante surdo na sala de aula, esse modelo clássico precisou ser revisto. Seguindo o modelo de Oliveira (2012), a sala de aula, inclusive com o profissional e o intérprete, passa a ter a seguinte configuração: Há a falsa impressão de que as pessoas surdas, no espaço, só interagirão com quem sabe a língua de sinais. Isso não ocorre — e nem pode ocorrer — no meio acadêmico. Quando a pessoa surda faz uma pergunta em sala ou dá uma complementação à explicação, ela não está falando com o intérprete ou para o intérprete, mas, sim, mediada por ele com todos os presentes, surdos ou ouvintes, falantes ou não de libras. Por isso, é essencial entender o que nos fala Gesser (2014) em sua afirmação de que [...] o intérprete não é a voz do surdo, como sustenta o senso comum. Isso poderia causar a falsa impressão de que os surdos não falam, precisam de uma voz, mas entendemos que eles possuem uma língua, reconhecida e capaz de expressar seus sentimentos e sensações, assim como suas manifestações artísticas e políticas. Sendo o trabalho do tradutor extremamente valioso para que essa fala seja traduzida para a língua oral da localidade, não como substituição da voz surda, mas como parte de um trabalho de parceria em que a língua sinalizada se torna conhecida para a comunidade ouvinte vice-versa, não substituindo os interlocutores, mas mediando as situações comunicativas. (GESSER, 2014. p. 47) Neste contato entre línguas e culturas, podem ficar evidentes algumas questões relacionadas à situação histórico-linguístico e social da comunidade surda. As relações com informações podem ser diferentes das estabelecidas por aquela comunidade ouvinte. Nessa situação, o intérprete pode atuar informando, quando possível, diferenças entre os conhecimentos, a necessidade de se apresentar referências ou informações complementares. Uma complementação importante a essa discussão é que as diferenças linguísticas acabam por manifestar diferentes formas de perceber ou apreender conceitos. Quando a diferença linguística se configurar em uma barreira para a compreensão, é papel do intérprete fazer os https://lms2.atenalms.com.br/courses/estaciomais/CLV119/aula4/img/4.6.png devidos apontamentos. Para exemplificar, é comum que, ao longo de algumas aprendizagens, os docentes usem analogias, metáforas, ditos ou comparações. Muitas vezes, por não compor o escopo cultural da comunidade surda, ou ouvinte, elas podem não ser compreendidas, dificultando a aprendizagem daquele conceito. Para finalizar, cabe ratificar a importância da heterogenia no meio acadêmico. A participação de diversos grupos sociais no ensino superior faz com que as pesquisas científicas se ampliem. No caso da comunidade surda, sua presença, no meio acadêmico, como professores e estudantes, tem fomentado o aumento das pesquisas sobre e na língua de sinais, promovendo maior acesso à literatura e aos saberes acadêmicos. Para conhecer mais sobre a permanência de estudantes surdos no Ensino Superior, assista ao vídeo "Curta libras 25 - surdos no ensino superior". Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Exercícios de fixação Questão 1. Assinale a alternativa que não condiz com o trabalho do intérprete educacional em nível superior. a) Participar das discussões de acessibilidade promovidas pela Instituição. b) Participar das reuniões departamentais e colegiados que compõem os cursos dos estudantes surdos. c) Participar das atividades extraclasse que compreendam atividades curriculares. d) Participar dos processos que envolvam o ingresso do estudante, como a tradução do vestibular. e) Participar das reuniões em que o aluno surdo for solicitado, mesmo que essas não sejam aulas. Questão 2. Para atuar em nível superior, é exigido do intérprete uma formação específica. Assinale a alternativa que contemple essa formação exigida. a) Nível médio. b) Nível técnico, com curso de extensão universitária. c) Nível básico educacional, com certificação de proficiência, como a do Prolibras. d) Nível superior. p e) Pós-graduação, como especialização, mestrado ou doutorado. Questão 3. Em sua atuação na Universidade, o intérprete não é meramente um transmissor de conhecimento. Nesse sentido, assinale a alternativa que seja condizente com a atuação desse profissional em nível superior. I. zelar pela qualidade da sua atuação, sem omitir, alterar ou inserir informações. II. fazer uma escolha pertinente de vocabulário, reconhecendo o nível educacional do estudante; III. mediar dúvidas, junto ao docente, para que sejam criadas estratégias para saná-las. IV. favorecer a diminuição de preconceito e estereótipos relacionados à pessoa surda, mantendo uma atuação ética. a) II e III estão corretas, enquanto I e IV estão incorretas. b) I, III, IV estão corretas, enquanto II está incorreta. c) I, II, III estão corretas, enquanto IV está incorreta. d) I, III e IV estão incorretas, enquanto II está correta. e) I, II, III e IV estão corretas. Questão 4. Como a sala de aula apresenta muitas vozes, nem sempre é dada ao intérprete a possibilidade de acompanhar as discussões realizadas ou a troca de falas entre estudantes. Nesses casos, qual deve ser o procedimento desse profissional? Assinale a alternativa correta. a) O intérprete precisa transmitir a intenção de participação da pessoa surda e interpretar o que essa tem a dizer. b) O intérprete deve orientar o surdo a aguardar, pois não há como traduzir a fala dos ouvintes e a do surdo. c) O intérprete deve falar simultaneamente com as pessoas, para mostrar que tem um surdo na sala. d) O intérprete deve anotar os pontos-chave da discussão e repassá-los ao surdo. e) O intérprete deve aguardar a discussão terminar para que o surdo possa falar e ele consiga traduzir com mais calma e tempo de fala. Questão 5. É comum que, ao longo de algumas aprendizagens, os docentes usem analogias, metáforas, ditos ou comparações. Muitas vezes, por não compor o escopo cultural da comunidade surda (ou ouvinte), elas podem não ser compreendidas, dificultando a aprendizagem daquele conceito. Diante dessa atitude, qual deve ser a postura de ação do tradutor intérprete de Libras no contexto educacional? Assinale a alternativa correta. a) Fazer uma tradução literal, pois, apenas assim, os surdos e os ouvintes entenderão o mundo um do outro. b) Fazer uma substituição por termos próximos da língua de sinais, pois, como é a primeira língua dos surdos, eles só entenderão assim. c) Solicitar a modificação da expressão para que o interlocutor surdo ou ouvinte possa entender. d) Fazer os devidos apontamentos, evidenciando o caráter cultural das expressões. e) Informar se existe ou não correspondente na língua oral ou de sinais para aquela Nesta aula, aprendemos os seguintes assuntos:características do Ensino Superior, focando a questão linguística e como elas interferem na atuação do intérprete; a importância de formação adequada para a atuação do profissional TILSP no Ensino Superior; o acesso dos estudantes surdos à escolarização de nível superior e a relevância da atuação adequada do intérprete nesse espaço. Na próxima aula, estudaremos os seguintes assuntos: conceitos de ética; códigos de ética e conduta profissionais; ética na tradução. GESSER, A. Libras, que língua é essa? São Paulo: Parábola, 2014. OLIVEIRA, W. D. Estudos sobre a relação entre intérprete de LIBRAS e o professor: implicações para o ensino de ciências. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2012. PAULA, de. J. A. A extensão universitária: história, conceito e propostas. Interfaces Revista de Extensão, v. 1, n. 1, p. 5-23, jul./nov. 2013. Disponível em: http://www.dche.ufscar.br/extensao/Aextensouniversitriahistriaconceitoepropostas1.pdf [http://www.dche.ufscar.br/extensao/Aextensouniversitriahistriaconceitoepropostas1.pdf] . Acesso em: 15 dez. 2020. PERLIN, G. A cultura Surda e os Intérpretes da Língua de Sinais, ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v. 7, n. 2, p. 136-147, jun. 2006. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/798/813 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/798/813] . Acesso em: 15 dez. 2020. SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007. SILVA, D. S. A atuação do Intérprete de Libras em uma Instituição de Ensino Superior. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2013. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República, [2009]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm] . Acesso em: 15 dez. 2020. informação. Síntese Próxima aula Referências Referências complementares http://www.dche.ufscar.br/extensao/Aextensouniversitriahistriaconceitoepropostas1.pdf https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/798/813 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm BRASIL. Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília: Presidência da República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13146.htm [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13146.htm] . Acesso em: 15 dez. 2020. CURTA Libras 25 - surdos no ensino superior. Produção de Curta Libras. Canal TV Campus UFSM, Rio Grande do Sul, 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch? v=Of1hCmZFTPM&t=1s [https://www.youtube.com/watch?v=Of1hCmZFTPM&t=1s] . Acesso em: 15 dez. 2020. SILVA, R. Q. da.; GUARINELLO, A. C.; MARTINS, S. E. S. de. O. O intérprete de libras no contexto do ensino superior. Revista Teias, Rio de Janeiro, v. 17, n. 46, p. 177-190, jul./set. 2016. 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