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(PARA LEITURA PRÉVIA) SÍNTESE FINAL DO LIVRO “O LIDER SEM ESTADO-MAIOR”, DE CARLOS MATUS . O governante compromete-se com metas ambiciosas de diferenciação política para competir com seus rivais. Tais metas não são proporcionais à sua capacidade pessoal para dirigir, às capacidades da equipe de governo — que o governante reúne; à cultura institucional da massa de servidores públicos — que o governante herda e que serão os operadores de seu governo; e à baixa capacidade e qualidade de gestão do aparato organizacional público — que o governante comanda e conserva. Juntos, harmonizam-se por suas carências, mas em proporções abissais se comparadas com a magnitude e complexidade das metas visadas. As promessas se sintonizam com os desejos, as capacidades, distantes das promessas. O governante enfrenta fortes restrições para cumprir os compromissos assumidos, em razão da baixa qualidade de seu gabinete, o qual, com suas diretrizes e práticas de gestão, impõe um teto de baixa qualidade ao cumprimento de todas as exigências que lhe sejam feitas. Apesar da aparência imponente, o gabinete do governante trabalha com métodos medíocres: não sabe o que é governar. No entanto, o governante sente-se satisfeito com seu gabinete: nem sente que precisaria melhorá-lo, nem saberia como fazê-lo porque o desacerto está no comando. O custo dessa incapacidade recai principalmente sobre as costas de grande parcela da população. Na tentativa de realizar o impossível, o governante não cumpre o prometido e, por essa via, deteriora a governabilidade do sistema e não aprende, por que não sabe que não sabe. Encontra-se entorpecido por uma prática que acredita dominar, mas que na realidade o domina. Acumula experiência, mas não adquire perícia; tem o direito de governar, sem ter a capacidade para governar. Esse não é um princípio do regime democrático, mas é uma possibilidade, e não poderia ser diferente, porque a democracia inclui o direito de errar. Nesse caso, pode ser que seu período eficaz de governo resulte nulo, pela impossibilidade de combinar, ao mesmo tempo, o poder para fazer e a capacidade cognitiva para fazer. As falhas essenciais podem ser encontradas: a) na formação departamentalizada do líder e no fato de que desconhece as disciplinas específicas das ciências e técnicas de governo, porque subjugado pela formação vertical e unidimensional das faculdades departamentalizadas da universidade e pelo cálculo intuitivo da prática política. As limitações da formação do governante independem da graduação universitária e são mais fortes que sua inteligência, honestidade e vontade de servir; b) na tradição de reunir, em vez de criar uma equipe de governo, mediante a qual o governante reproduz em sua equipe, suas próprias carências. Para evitar, intuitivamente, o intenso conflito cognitivo que surge nos gabinetes cuja formação não seja homogênea, elimina-se o trabalho em equipe. Desse modo, aumenta-se a descoordenação e reduz-se o conflito cognitivo; c) na deficiente cultura institucional do aparato público, que o torna adaptável e satisfeito com a própria mediocridade, estabiliza a situação de carência cognitiva e reforça a fricção burocrática que entorpece a gestão; d) na concepção inadequada do sistema público, caracterizado por um modelo macro institucional sobrecarregado e rígido, ao qual se somam as deficiências macroorganizacionais, as práticas de trabalho arcaicas da alta direção e os micro procedimentos organizativos contaminados por alta fricção burocrática; e) na incapacidade para reformar, modernizar ou revolucionar as organizações públicas. As tentativas de reforma voltam-se para a redefinição do tamanho do Estado, a supressão e/ou fusão de órgãos públicos, a reestruturação dos organogramas e a demissão de funcionários públicos. O problema central — aumento da capacidade institucional de governo — não é contemplado, porque se localiza: (a) no modelo macro institucional, que determina a flexibilidade ou inflexibilidade das regras que regem os diversos tipos de organizações públicas que tal modelo constitui e reconhece; (b) na qualidade dos sistemas de alta direção praticados pela gestão pública; e (e) na unidimensionalidade da formação dos executivos do aparato público e dos dirigentes políticos. Uma coisa é fazer economia no gasto público; outra, bem diferente, é aumentar a capacidade de produção, a produtividade e a qualidade de gestão da máquina pública. Nesse quadro de impotência, os meios e o projeto pessoal passam a ser mais importantes que os fins e o projeto social. As atividades-meio consomem o tempo das atividades-fim. Predominam ou o julgamento intuitivo ou tecnocrático e não há espaço para o julgamento tecnopolítico; a fricção burocrática tem poder maior que a energia aplicada. E como ninguém cobra nem presta contas por desempenho, de modo sistemático, sobre produtos e resultados, a prática política e administrativa gira em um círculo vicioso que reforça e estabiliza o estilo ineficiente de governo. O desnível entre as metas a que se propôs o governante e sua capacidade para executá-las é crescente, porque seu capital cognitivo estancou. Em contrapartida, a complexidade dos problemas sociais que deve enfrentar para alcançá-las aumenta com o desenvolvimento da interação social apoiada no avanço das ciências. A universidade latino-americana volta as costas a esse desafio; não há escolas de governo, só de administração de empresas. Os organismos internacionais de financiamento e cooperação técnica sofrem das mesmas carências que os países aos quais devem prestar auxilio, pois se nutrem da mesma cultura de gestão e das mesmas universidades. Os partidos políticos, imersos na micropolítica, reproduzem seu estilo inoperante e parecem anestesiados ante o jogo que declara como parte da paisagem social os problemas mais importantes sofridos pelo cidadão comum. Para os meios de comunicação existem somente falhas e escândalos; a capacidade de governo pessoal e institucional não é um problema nem produz notícias. O cidadão comum observa incrédulo o espetáculo do jogo político, apartando-se dele e, dia após dia, desvaloriza a importância da democracia e exige efetividade. O universo da política move-se sem cessar, cada vez mais isolado da vida cotidiana dos cidadãos. Ocasionalmente, um dirigente de valor e inteligência luta para integrar esses dois universos, satisfaz sua ambição pessoal de chegar ao cume sem, no entanto diferenciar-se da capacidade média de gestão de seus antecessores. Toma as rédeas do aparato público, mas não sabe como transformá-lo porque está despreparado para governar. Não consegue diferenciar-se pelos resultados, sem mudar a capacidade e a qualidade de sua produção. Tal capacidade reside nas ferramentas de trabalho que utiliza no processo de trabalho da maquinaria que comanda. Contudo, desconhece a existência de outras ferramentas de trabalho. Em sua autossuficiência, julga-se seguro de dominá-las integralmente e acredita que não haja algo de novo a aprender. Sua ignorância é sólida, e sem estrias. Acredita que tudo depende do jogo da micropolítica ou do modelo econômico em voga, dos acordos de bastidores, das leis não aprovadas pelo Congresso Nacional, do apoio de determinados grupos, da repressão a outros, da incompreensão do cidadão médio e da oposição cega que tudo critica. Sente-se autoconformado e governa autosatisfeito não com os resultados obtidos, mas, sim, com o esforço despendido para alcançá-los. A relação esforços-resultados é medíocre, mas tampouco sabe como melhorá-la. Assim, sucedem-se os dirigentes enquanto os problemas crescem e permanecem, junto com as frustrações. O cidadão comum suprime a informação negativa e esquece a política, que permanece concentrada em grupelhos. Nos próximos trinta anos, quando todos os grandes problemas nacionais passarem a fazer parte da paisagem social daminoria — a democracia será viável, sem a cooperação da maioria que sofre os problemas?—, permanecerá o debate restrito à mediocridade intelectual do embate entre a barbárie política do passado populista e a barbárie tecnocrática dos economistas do momento? Teremos anestesia sem cirurgia versus cirurgia sem anestesia? O governante tem um débito com o julgamento tecnopolítico. O julgamento intuitivo e o julgamento técnico não resolverão nossos problemas. O ciclista continua a pedalar ativamente com a bicicleta quase parada. Já não se trata de fazer política, mas de exercitar-se, num esporte aeróbico, para queimar calorias. A finalidade é viver do meio: muito suor e poucos resultados. No entanto, o condutor se autoqualifica como homem prático, distante das presunções intelectuais da juventude, já esquecidas. A política não é um serviço: deve-se viver dela. Concentrado em seu intenso trabalho de atleta inoperante, o dirigente não escuta nem percebe que se inclina perigosamente em direção ao solo e, ao cair, ainda sonha com as glórias pessoais que a maioria ignora ou despreza. A droga do poder tem universo próprio. A topografia política não mostra relevos, parecendo ser repetitiva e monótona. Iguala todos os atletas da política e da gestão pública em tomo da média imposta pelo peso e qualidade da bicicleta. Em última instância, a capacidade para governar, do líder, determina a adaptação à organização arcaica ou à mudança das ferramentas de governo. Viver para mudar a política ou mudar para viver da política: esta é a opção do líder. Ele decide o propósito do jogo político: produzir fatos e atingir metas dentro do espaço da capacidade prévia para governar, fortalecer tal capacidade renovando a organização que comanda, ou mudar ou revolucionar as regras do jogo, para ampliar seu espaço de possibilidades. Há três tipos de jogos complementares, mas, quando predomina o primeiro, como hoje, o sistema político chega ao limite da mediocridade ultra estável. Qual é a expectativa de vida dessa democracia sem resultados? MATUS, CARLOS, O líder sem Estado Maior, Edições FUNDAP. São Paulo, SP, 2000. p. 187.
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