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1 Beatriz Machado de Almeida Deontologia e Ética médica – Aula 2 INTRODUÇÃO DEONTOLOGIA A deontologia é a disciplina que prescreve/recomenda um comportamento, muito relacionada aos deveres. Há um grande questionamento inclusive sobre o grande número de deveres, proibições e poucos direitos no código de ética médica. Mesmo na hora de exercer o direito, o foco não está nos médicos, mas sim nas pessoas que necessitam da assistência. • É uma disciplina muito jurídica, buscando uma boa relação com o CREMEB, CFM e com a justiça. Vivemos um período de muita denúncia médica, tanto pelo próprio conselho de medicina (processo administrativo), quanto no poder judiciário (processo judicial). No processo do conselho, o que pode acontecer de pior é a cassação do registro médico (muito raro). Na justiça, o pior é a necessidade de pagamento de um volume grande de dinheiro em indenização. Atualmente, já há um tribunal formado para nos julgar, diferentemente do julgamento de Nuremberg. A maior característica do tribunal de Nuremberg foi a exceção, sendo criado pra julgar coisas que já tinham acontecido, dando a sensação de injustiça muito grande. Neste caso, seria incapaz de ter neutralidade, distanciamento, já entra no julgamento com ¨placar desfavorável¨. ¨Eu não entro no jogo empatado, e sim perdido, sendo difícil reverter essa primeira impressão negativa¨. VOLTANDO AO FILME No filme ¨O julgamento de Nuremberg¨, foram classificados 4 tipos de crime, cada um com suas penalidades. Apesar do crime ter sido o mesmo em algumas situações, tinham penalidades diferentes. MORAL X ÉTICA A moral é uma produção cultural, valendo pra um espaço e um período. A moral é vivida e praticada, sentida à cor da pele. Trata-se de racismo, pois as nações se consideravam uma superior à outra. A ética é um exercício filosófico teórico. Se integra a esse questionamento também o julgamento de estrangeiros e a briga com seus países de origem para poder julgá-los conforme as leis do local de origem. A moral muda e, por conta disso, o Código de Ética Médica também muda. O que os médicos faziam há 40 anos atrás e que era considerado normal, hoje em dia pode ser considerado violência, perda de autonomia, invasão, aniquilação, constrangimento. Mesmo que o código não mude, a sua interpretação ao longo do tempo, sim, pois muda-se a visão de certo e errado, bonito e feito, de permitido e proibido, ou pela mudança da norma posta ou pela mudança da aplicação/interpretação. Pensamento: como as pessoas que cometeram o mesmo crime, uma foi enforcada, outra presa por 10 anos e outra absolvida? No direito, isso é normal. No direito criminal existe o crime simples e o crime qualificado, mesmo sendo o mesmo. Exemplo: dá pra matar alguém de 2 formas: 1 – 1 único tiro (crime de homicídio – artigo 121 do código penal); 2 – colocar fogo. O crime de homicídio é o mesmo, mas o crime usando o fogo como método é um homicídio qualificado, porque além da morte, o fogo teve o objetivo de fazê-la sofrer. Existem fatores agravantes ou atenuantes, apesar de planejar os detalhes do homicídio, a pessoa pode se arrepender, tentar salvar a vítima e ainda sim ela acabar morrendo do mesmo jeito. Portanto, foi um homicídio qualificado, mas terá um atenuante do arrependimento na tentativa de salvar a vítima. Dosimetria da pena, avalia-se: Forma qualificada, circunstância agravantes ou atenuantes, causas de aumento ou redução da pena. Esta é apenas uma analogia, pois no sistema dos Conselhos de Medicina não existem essas figuras. Primeiro que não é crime! O que se comete é infração. Exemplo: médico que atendeu o paciente e não fez o prontuário. Neste caso, ele cometeu uma infração ética que pode ter fatores atenuantes, como por exemplo: plantão cheio, equipe reduzida, demanda excessiva. Assim, compreende-se que o Constituição Federal 1988 2 Beatriz Machado de Almeida Deontologia e Ética médica – Aula 2 profissional não consiga trabalhar de maneira ótima. Portanto, mesmo que não exista escrito nos conselhos as terminologias e o método escrito como no código penal, se utiliza de alguns desses conselhos para realizar os julgamentos de infrações éticas. Retomando o filme: um dos personagens, ministro da indústria, tinha sido mandando por Hitler para destruir todas as fábricas alemãs, porém ele desobedeceu ao comando direto do seu líder, respondendo: ̈ nenhum líder tem o direito de destruir os meios de produção de uma nação¨. Dessa forma, ele foi um dos que pegou pena de prisão e não de morte. Em um capítulo de Adolfo Sanchez Vasquez diz: A responsabilidade tem que ser proporcional ao que você tem de poder. Quanto mais alto na cadeia de comando, maior o peso da sua responsabilidade. Então, o soldado não tem responsabilidade quase nenhuma, porque ele é¨ uma máquina de obedecer¨. Percebe-se que a probabilidade de absolvição ou de pegar uma pena pequena era grande para o baixo escalão, pois eles não tinham nem noção completa do que estava acontecendo, e se tivessem, não tinha margem de manobra pra tentar mudar. Obedeciam-se às ordens, e caso contrário, seriam punidos. Lógico que se poderia alegar que eles tinham o poder de escolha, mas o preciso era muito alto. No tribunal de Nuremberg, tiveram pessoas que cometeram o mesmo crime, mas com penas diferentes. PAPEL DO CONSELHEIRO X MÉDICO Os conselheiros do CREMEB são em maior quantidade homens do que os médicos julgados (mais mulheres), são mais idosos do que os médicos (mais jovens), são mais da capital do que os médicos (mais do interior) e mais especialistas do que os médicos (mais generalistas). Então, há uma disfunção do sistema, pois há um julgamento por pessoas que tem o ponto de vista diferente. O ideal seria ser julgado pelo seu semelhante, ou seja, pessoa que tem a capacidade de se colocar no lugar do julgado. Empatia é diferente de alteridade, mas são conceitos próximos. Alteridade é tentar se colocar no lugar do outro (o que á praticamente impossível), o que ajuda a ser empático. Para conseguir ser empático, é necessário ter algo de interseção com o outro (como descreve o capitão do filme), ou seja, para alinhar os horizontes, precisa compartilhar a visão. Pessoas muito diferentes não conseguem fazer isso. CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988 • Constituição é a lei básica de uma nação e, a partir dela, surgem outras leis. A receita de como fazer uma lei é dita pela constituição. Se não segue esse procedimento, a lei já nasce viciada. • Uma das funções da constituição é limitar o poder do estado, para que este não seja despótico, aniquilador da liberdade do indivíduo. Ou seja, faz o papel de equilibrar o poder do estado (muito grande) com o indivíduo (muito fraco), estabelecendo direitos para a sociedade. O estado pode muito, mas não pode tudo. A pessoa, mesmo fraca e de forma individual, pode opor resistência ao grande poder estatal. • Ponto importante: fundar o estado, definindo que o estado brasileiro (Brasil) é uma república presidencialista, com legislativo bicameral (câmara e senado), definidos pela constituição. O estado é estabelecido pela constituição e não o contrário. • Em resumo, o CF funda o Estado e delimita o seu poder para proteger o cidadão. Então, ela cria o estado, organiza e diz de que maneira o estado vai se relacionar com o indivíduo. A constituição não é a forma de comunicação, mas cria essa forma de comunicação, como por exemplo, quando a cria o plebiscito, o referendo, a lei de iniciativa popular. Então, a CF cria mecanismos de comunicação entre o estado e cidadão. Não se faz uma lei do dia para noite. Existe um rito, inclusive, há necessidade de marcar com antecedência uma audiência, em que as pessoas podem se inscrever para participar, com direito de voz evoto do representar de um grupo que tenha a ver com a lei. Isso tem um tempo de 15 minutos, pode fazer slide pra apresentar e poder fazer a cabeça dos deputados e senadores. Então, essa forma de comunicação entre sociedade e estado, chamada de audiência pública, está prevista na constituição. 3 Beatriz Machado de Almeida Deontologia e Ética médica – Aula 2 Os congressistas demoram pra aprovar uma lei, o que é bom, porque tem o tempo de maturação. Deputado e senador ficam apenas 3 dias em Brasília, porque precisam voltar para tratar de pendências daquele local em que foi eleito: ir para reunião com associação de moradores, sindicato, associação de produtores, falar com os ricos e pobres, os de esquerda e os de direita. Nós somos uma república federativa. Existe uma constituição que engloba o Brasil todo, mas os 27 estados brasileiras tem a constituição estadual, e os nossos municípios tem a lei orgânica. Uma lei na Bahia não é superior nem uma constituição da Bahia, primeiro vem a constituição estadual para depois vim a lei estadual, tanto que a constituição federal e a lei federal está mais acima ainda. Existe uma hierarquia das normas. 1. A Constituição Federal é a lei maior. 2. Leis Federais Complementares (lei complementar precisa de mais votos). 3. Leis Federais Ordinárias (lei comum, exemplo, código civil, por exemplo). 4. Decreto Presidencial. 5. Portaria Ministerial (ministro do estado). 6. Resolução de Autarquia: o código de ética médica é uma resolução do CFM, que é uma autarquia, um Órgão Público Federal que tem o poder de crias normas denominadas resoluções. Todas essas normas saem no Diário Oficial, e as resoluções são ¨mais fracas¨ do que o que tem em cima. Uma resolução do CFM nunca pode derrubar uma lei votada no congresso. Se o presidente da república editar um decreto sobre a medicina, este decreto tem mais poder do que uma resolução do CFM, em razão da hierarquia das normas, também chamada de pirâmide normativa (conceito criado por Hans Kelsen que entende que as normas têm uma hierarquia). A hierarquia começa no âmbito federal e repete-se nos âmbitos estadual e municipal. HIERARQUIA FEDERAL • Constituição Federal. • Leis Federais Complementares. • Leis Federais Ordinárias. • Decreto Presidencial. • Portaria Ministerial. • Resolução de Autarquia. HIERARQUIA ESTADUAL • Constituição Estadual. • Leis Estaduais. • Decreto do Governador. • Portaria do Secretário Estadual. HIERARQUIA MUNICIPAL • Lei Orgânica. • Leis Municipais. • Decreto do Prefeito. • Portaria do Secretário Municipal. O CFM pode recomendar o tratamento precoce mesmo com o Ministério da Saúde dizendo que não funciona. Resolução é obrigatória (se não cumprida, resulta em processo) e recomendação é opcional. Quando o CFM resolve falar sobre tratamento precoce, ele só está dizendo que é um caminho ¨quem não quiser seguir, não precisa¨. A autonomia médica tem limite, sendo finita. Os médicos podem ser autônomos dentro do que é considerado científico. A exemplo da ozônio terapia, injetar o gás ozônio na ampola retal do paciente não está na autonomia médica. No Brasil, a ozônio terapia só pode ser utilizado como pesquisa, para escrever artigo científico para descobrir se resolve ou não. Ou seja, há zero autonomia para que o médico use a ozônio terapia como um tratamento resolvido, aceito, e ficar fazendo propaganda para conseguir mais clientes. Então, a autonomia médica tem limites, tem cabresto, é finita. O decreto do executivo tem limitações dadas pela própria constituição. A constituição funda o estado e delimita seu poder. O presidente da república não pode tudo, por exemplo, ele não pode declarar guerra sozinho, necessitando de um conselho de estado que tem que passar pelo congresso. Os dois maiores poderes (guerra e tributos) que causariam mais 4 Beatriz Machado de Almeida Deontologia e Ética médica – Aula 2 preocupação a uma população não são poderes exclusivos do presidente, passando por outras instâncias. ARTIGO I • O artigo 1º da Constituição estabelece que o Brasil é uma República Federativa, o que quer dizer que os estados independentes se juntam numa federação. Os Estados Unidos, por exemplo, eram 13 colônias, que não se relacionavam entre si, cada uma se relacionava apenas com a Metrópole. A partir do momento em que foi declarada a independência, as colônias decidiram por ficar juntas, formando uma Federação. Os Estados Unidos da América são uma Federação. O Brasil “faz de conta” que aqui também foi assim. Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco resolveram se juntar porque quando a Independência foi proclamada havia a Coroa, um Imperador, ou seja, havia um Império que se dividia em províncias, não eram vários estados que resolveram se aglutinar em uma Federação. Mas com a Proclamação da República por Deodoro da Fonseca fez de conta que o Brasil era uma Federação. E nós somos “muito ruins de pacto federativo”, porque o poder está muito concentrado em Brasília. Os 27 Estados não tem muito poder. Então o Brasil diz que é Federação no papel, mas não se comporta como tal. • Somos um Estado Democrático de Direito, ou seja, não somos um Estado Ditatorial, e o Direito rege as relações do nosso Estado. INCISO III DO ARTIGO I Um dos fundamentos da nossa república é a dignidade da pessoa humana. O que é digno pra uma pessoa pode não ser digna pra outra. • História de arremesso de anões: Na França, uma casa noturna, resolveu inaugurar um jogo pra atrair clientes. O jogo era arremesso de anões, ou seja, os anões eram contratados e, os clientes entre uma cerveja e outra, tentavam jogar os anões. Quem jogasse mais longe, ganhava. O ministério público ajuizou uma demanda pra proibir aquilo, dizendo que era impróprio. A associação (entidade) dos anões entrou na demanda do lado da casa noturna, dizendo que os anões tinham dificuldade para encontrar emprego e que aquilo era uma questão social importante para que os anões tivessem acesso a determinados benefícios (emprego, salário, renda, cidadania). Para eles, isso era exercício de cidadania. A decisão do judiciário é que não se podia compactuar com essa situação. A dignidade humana de cada indivíduo não lhe pertence pra fazer o que quer. Quando você se objetifica, você tira a dignidade do gênero humano e não a sua. A dignidade humana não é de uma pessoa só, mas é um atributo da humanidade de todos nós. Sendo assim, necessita ser preservada. O episódio do arremesso de anões foi de onde nasceu o conceito. ARTIGO V A moral é prática, é vivida. Então, os anões que queriam aquele emprego valoravam de maneira positiva e benéfica a prática do arremesso. Pode ser que outros anões valorassem de maneira negativa, mas era fácil, só não querer o emprego. O problema é que o tribunal decidiu que mesmo os anões que queriam não poderiam. Então, o contrato faz lei entre as partes. Mas quando duas partes assinam o contrato nem por isso ele é automaticamente válido. Eu quero assinar um contrato com você, você quer assinar um contrato comigo, negociamos as cláusulas, estamos mutuamente satisfeitos com o contrato e mesmo assim, o ministério público pode acabar com o esquema. Pode dizer que ambas as partes não podem celebrar o contrato daquele jeito porque aquele contrato retira a dignidade humana de toda a humanidade. Agora usando o conceito de Adolfo Sanchez Vasquez, poderia dizer que o arremesso interessava a moral de alguns anões, mas desinteressava para a moral de outras, tanto que alguns aderiram e outros não. CAPUT (CABEÇA) DO ARTIGO 5 • Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à5 Beatriz Machado de Almeida Deontologia e Ética médica – Aula 2 liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... Como assim iguais perante a lei? Perante a lei já quer dizer o contrário, somos todos diferentes. A lei faz de conta que somos todos iguais, vai conferir uma igualde que nunca existiu. Isso porque alguns são altos, outros baixos, uns fortes, outros fracos, uns magros, outros obesos. A diferença é nossa marca, mas a lei diz que vai nos tratar de forma igual. O conceito de igualdade, hoje em dia, ele se transmuta para equidade. Então, vamos tratar os desiguais de maneira diferente para tentar reequilibrar a balança. Então, o conceito de igualde perante a lei é um conceito que se comunica muito com o de equidade. Considerando que as pessoas vêm de pontos de partidas diferentes, eu dou mais a quem tem menos e dou menos a quem já tinha mais, porque senão não é justo. Professor cita uma charge que diz: “Vamos fazer uma competição justa, a tarefa é subir naquela árvore.” Competidores: um elefante, um macaco, um peixe. A capacidade dos competidores tem de subir na árvore é muito diferente. O juiz diz que é justa, porque a tarefa é igual, mas a escolha da tarefa já privilegiou alguns contra os outros. Não é justo. Então, a igualdade perante a lei é sobretudo uma questão de se colocar contra os privilégios hereditários. Então, a igualdade perante a lei é um conceito republicano, que se contrapõe aos privilégios dinásticos que você não fez nada.
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