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esquizofrênica”, uma vida de impulsos momentâneos, sem rotinas sustentáveis, uma vida sem hábitos, uma existência até certo ponto irracional. Temos, então, a emergência de uma “mentalidade contemporânea”, em que o retorno ou a mudança passa por buscarmos uma certa desaceleração, um desprendimento do ritmo acelerado a que estamos submetidos. Para Strey et al. (1998), atualmente tem-se uma certa padronização do modo de pensar, perceber, de sentir, de se relacionar e isso pode ser explicado a partir da análise do modo de produção capitalista, pautado especialmente na competição e no controle. Essa forma de organização da sociedade acaba por alicerçar o processo de constituição do mundo em todas as suas dimensões, inclusive a subjetiva. Tendemos a banalizar a vida, reduzindo-a ao trabalho, fazemos apologia ao individualismo, somos consumistas. Essas e outras características do homem moderno se dão a partir do processo de subjetivação. A subjetividade, dessa forma, é um produto cultural complexo. Desvelar o conjunto de condições que possibilitam a emergência de instâncias individuais e/ou coletivas é um desafio. TÓPICO 1 | SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE 133 3 IDENTIDADE Outro conceito importante em Psicologia Social é o de identidade, que não é exclusividade dessa ciência. Como afirma Strey et al. (1998), a música, a literatura, o cinema e as artes em geral têm se ocupado com frequência dessa temática e o que causa preocupação. O senso comum acaba atribuindo uma variedade bastante grande de significados a esse termo, o que acarreta constantemente uma certa confusão no uso e aplicação desse conceito. É interessante também termos claro que a importância dada ao estudo da identidade foi variável ao longo da história e esteve muito atrelada à relevância atribuída à individualidade nesses diferentes momentos. Para Bock, Furtado e Teixeira (2002), identidade é a denominação atribuída às representações e sentimentos que desenvolvemos a respeito de nós mesmos, a partir do conjunto de nossas vivências. Se a subjetividade é a síntese do que somos, a identidade pode ser entendida como a síntese das representações que temos de nós mesmos: representações por envolver várias instâncias (dados pessoais, trajetória pessoal, qualidades, defeitos etc.). Como expõe Strey et al. (1998), ao nos referirmos ao conceito de identidade, os diversos autores empregam expressões distintas, como: imagem, representação e conceito de si. Em geral, a maioria dos conceitos refere-se ao conjunto de traços, de imagens, de sentimentos, que o indivíduo reconhece como fazendo parte dele próprio. Na literatura norte-americana, o termo utilizado é self ou self concept, o que corresponde a conceito de si. A tradição europeia privilegia a denominação “representação de si”. Essas várias terminologias presentes na diversidade teórico-metodológica, como o interesse dessa temática pelas mais diversas áreas, expressam toda a dificuldade de exprimir conceitualmente sua complexidade. Nesse sentido, rotineiramente, há ainda uma classificação dos chamados sistemas identificatórios. Denomina-se de identidade pessoal os atributos específicos do indivíduo e/ou identidade social os atributos que assinalam a pertença a grupos ou categorias. Com base no pressuposto de que essas duas esferas (individual e social) são diretamente relacionadas e inseparáveis, a expressão “identidade psicossocial” vem sendo empregada nos últimos tempos (NETO apud STREY et al., 1998). Diante da complexidade embutida no termo e após a tentativa de conceituar identidade, faz-se necessário analisarmos algumas especificidades importantes nessa discussão. A primeira delas pode ser resumida em uma questão de suma importância: como se constitui a identidade? Semelhante ao que foi discutido no Tópico 2 da Unidade 2, não há como negarmos os fatores biológicos e genéticos, entretanto, esse suporte biológico para a Psicologia Social não passa de um aparato que nos dá uma UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL 134 gama de potencialidades e limitações típicas do homo sapiens sapiens, ou seja, as características humanas só podem ser compreendidas a partir da verificação das relações sociais estabelecidas. A utilização do termo apropriação no lugar de adaptação traz o caráter ativo desse processo individual com o contexto sócio-histórico. Nesse sentido, a constituição da identidade só pode ser compreendida a partir do contexto histórico e social em que o homem vive. É determinada de um lado, e determinante do outro, a partir do momento que esse processo é ativo a partir da sua inserção e apropriação dessa conjuntura que se faz presente. Se partirmos do princípio de que o indivíduo é um eterno transformar- se, estamos nos transformando a cada momento, então, a consciência que desenvolvemos sobre quem somos também não é estática. As situações sociais que nos deparamos, as relações sociais que estabelecemos, dentre outros inúmeros fatores, farão com que mudemos a todo o momento a impressão que temos de nós mesmos, e essa ideia é transmitida por Ciampa (1994) – psicólogo social brasileiro que, de longa data, vem se dedicando ao estudo da identidade. Ele propõe a presença de múltiplos personagens que ora coexistem, ora se alternam. Esses personagens garantem a processualidade da identidade e emergem constantemente um outro que também faz parte da identidade. O autor emprega o termo “metamorfose” para expressar esse movimento. Ciampa (1994) apresenta relatos da vida de dois personagens, Severino (fictício) e Severina (real), e a partir desses discute o conceito de identidade enquanto algo nada estático. Segundo ele ser é ser metamorfoseada. A metamorfose é a expressão da vida. Como tal é um processo inexorável, tenhamos ou não consciência disso. Tanto Severino como Severina são exemplos de sujeitos que se transformam permanentemente, adquirem consciência disso e se reconhecem como ser humano, metamorfose essa que se concretiza em cada momento, dadas as condições históricas e sociais determinadas. Temos, dessa forma, a temporalidade da identidade. O conteúdo que surgirá dessa metamorfose é subordinado à razão, ao que consideramos que merece ser vivido, é uma produção humana dotada de sentido. A partir dessa constatação, a busca da nossa identidade pode ser uma busca vazia, já que é metamorfose. Cada indivíduo encarna as relações sociais configurando uma identidade pessoal, uma história de vida, um projeto de vida. A identidade traz consigo concomitantemente o ato de pensar e ser, uma articulação de vários personagens, articulação de igualdades e diferenças: identidade é história. Ciampa (1994) dá um exemplo: se sou professor é por que me tornei professor. Se me identifico e sou identificado assim, tenho essa identidade, compreendida como uma posição (tal como filho). A posição que ocupo me identifica, discriminando-me como dotado de certos atributos que me dão uma identidade considerada, embora essa esteja sempre em constante movimento. TÓPICO 1 | SUBJETIVIDADE E IDENTIDADE 135 Em sentido semelhante, Guareschi e Bruschi (2003) afirmam que hoje mais do que nunca o self passa a ser necessariamente incompleto, inacabado. Somos sujeitos em processo, não temos mais uma identidade essencial, mas várias identidades. Assim, “[...] à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiantes de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente”. (HALL apud GUARESCHI; BRUSCHI, 2003, p. 185). As características da sociedade contemporânea trazem consigo o dinamismo enquanto tônica. Precisamos saber lidar com uma variedade enorme de papéis que, diariamente, desenvolvemos e é a partir desses