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A Laicidade, o Direito e o Cidadão A expressão “Laico” vem originalmente da palavra grega laikós, que tem como significado literal “do povo”. Era utilizado inicialmente para fazer referência ao conjunto de devotos de determinada religião, que apesar de terem fé, não faziam parte, nem possuíam funções relacionadas ao clero, tal como narra d’Avila-Levy e Cunha (2018, p. 42) No interior da era histórica medieval, abrangida pela já aludida concepção cosmológica e teocêntrica, há uma distinção entre o religioso que está investido de ordens sacras (sacerdos, sacerdotis do latim) e o comum das pessoas que não as receberam. Estas últimas são membros do povo (laós/laói) fiéis à doutrina religiosa cristã, embora vivendo em um espaço também denominado de profano. Ou seja, os que não são religiosos, no sentido de que não estão investidos das ordens sacras e que vivem no cotidiano da vida comum, são laicos. A clareza do soberano em saber distinguir a religiosidade como parte do indivíduo, e da mesma estar diretamente ligada ao entendimento de investidura numa função em torno da religião, com relação aos fiéis de um modo geral, é essencial para tratar o ponto em que há um rompimento desta concepção fechada, e limitada. Estes dois indivíduos que se relacionam dentro de uma mesma comunidade, vivem durante grande parte da história uma suma imposição entre melhor, e dotado de privilégios, em contraste ao comum, e inferior ao outro. Sendo incontestável tais posições que oprimiram por muitos anos a sociedade como um todo. A interpretação não literal do termo laicismo veio sofrer alterações substancia e essenciais em meados da era moderna, em que houveram grandes pensamentos, e movimentos, que contestavam o absolutismo, a imposição do poderio da Igreja Católica, findando numa espécie de relação de “libertação” entre o religioso e o fiel, sendo este último diretamente ligado ao secular, a todo e qualquer indivíduo que se encontra em situação cotidiana distinta à do religioso no que tange à funções. Segundo Ivi Gandra Martins: É importante lembrar que a ideia de laicidade decorre do que deveria ter sido natural na formação do Estado Moderno, ou seja, que o Poder Religioso não se confunde com o Poder Político. O Poder Religioso cuida das relações dos homens entre si, em sociedade, ou nas sociedades organizadas em Estado. São dois poderes diferentes, com áreas de atuação diferentes. No exercício da cidadania, todavia, tanto os que acreditam em Deus, quanto os que não acreditam têm o direito de atuar. (MARTINS, 2019, p.40) Para muitos, ainda existe uma imensa obscuridade com relação à interpretação do termo e da importância de ter conhecimento cabível sobre o assunto, isso é resultado ao fato da superficialidade no qual se é falado nesta garantia constitucional, e nas consequências de não ter profundidade quanto a ela, em razão do espaço em que a Igreja ocupou na evolução do Estado, e principalmente das escolas confessionais. Sua definição conceitual faz menção direta à necessidade de ter este direito garantido. Ao longo das civilizações, se pode traçar uma linha histórico-evolutiva, que demonstre o anseio social destas civilizações, em relação aos absurdos que as mesmas eram expostas devido à não separação do Estado e da religião de forma em que um não interferisse no outro, ainda que reconhecessem a incontestável importância de cada um. Os riscos de possuir um poder absoluto concentrado em uma só pessoa, de modo que o mesmo tenha a verdade absoluta em si, é extremo, e de consequências trágicas. Roseli Fischmann (2008, p. 16 e 17), menciona que: (...) o caráter laico do Estado, que lhe permite separar-se e distinguir-se das religiões, oferece à esfera pública e à ordem social a possibilidade de convivência da diversidade e da pluralidade humana. Permite, também, a cada um dos seus, individualmente, a perspectiva da escolha de ser ou não crente, de associar-se ou não a uma ou outra instituição religiosa. E, decidindo por crer, ou tendo o apelo para tal, é a laicidade do Estado que garante, a cada um, a própria possibilidade da liberdade de escolher em que e como crer, ou simplesmente não crer, enquanto é plenamente cidadão, em busca e no esforço de construção da igualdade. A importância de trazer o assunto para o debate, diz respeito ao cidadão, enquanto sujeito com direitos fundamentados em garantias constitucionais, e ao fato de que o mesmo é responsável por pleitear o devido cumprimento desta garantia. A suma da Liberdade Religiosa diz respeito à uma amplitude de liberdades garantidas, tais elas que proporcionam o próprio conceito de Dignidade da Pessoa Humana, que é o ínfimo devido na relação de Estado – Cidadão, além de gerar uma estruturação coletiva quanto ao respeito pelo que se está ansiando. Não diz menção unicamente ao fato de ter uma crença, mas à Liberdade de poder fazer esta escolha sem que o Estado interfira, ou imponha a obrigatoriedade de possuí-la. O cidadão, apesar de ser o principal interessado na garantia de seus direitos, termina inserido num contexto social absurdamente complexo, em que se vê ansiando que para que se cumpra o direito a seu respeito, o de outro seja relativizado. E não há que se falar em Dignidade da Pessoa Humana, se qualquer uma das garantias que paute a Constituição seja relativizada. Para Rousseau (2013), há uma diferenciação, na grande maioria das vezes, entre a vontade geral e a vontade do povo. Enquanto a vontade geral se delimita a partir do interesse comum, como da existência de associação, a outra se baseia a partir do interesse privado, sendo assim o resultado da soma de uma diversidade de particulares. E ainda que as duas caminham para uma colocação entre maior e menor grau, que quando separadas, se destroem, a partir disso resultam no que se tornaria vontade geral. No entanto, quando a sociedade se encontra dotada de uma série de diferenças, e a partir dela se tem a formação de pequenas associações que representem as partes, e briguem entre si, a vontade geral pode ser corrompida pelo que seria a gritante diferença uma que separou um grupo de outro. Desse modo, a Constituição, devidamente protegida, garante plenamente que a igualdade entre as pequenas diferenças seja valorada no teor da Lei, e não do clamor específico de determinado grupo, que possa ser entendido como vontade geral. A constituição garante que a todos, sem distinção, sejam asseguradas suas devidas liberdades, e em razão do benefício do cidadão, o Estado trabalhe em colaboração com a instituição religiosa. É dever do Estado garantir que esta seja a realidade vivenciada na sociedade em que tal legislação é tida como superior a todo e qualquer governo. A ignorância social ainda é, de fato, um problema muito extremo, no que se refere aos próprios direitos, deveres e garantias. Deste modo, à medida que o debate político insere tais pautas, a sociedade é instigada, filosoficamente, ao conhecimento do fato. E o resultado disto, é o saber. A educação permanece sendo a maior ferramenta para o avanço social.
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