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Manifestações de crença: limites entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio

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GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E POLITICA SOCIAL: DEBATES CONTEMPORÂNEOS
MANIFESTAÇÕES DE 
CRENÇA: LIMITES ENTRE A 
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E 
DISCURSO DE ÓDIO
Adrian Gabriel Serbim de Lima Fontes
Nathalya Dhervellyn Rabelo de Barros Araujo
INTRODUÇÃO
Em outubro de 2019, o Ministério Público de Pernambuco abriu um inquérito civil para apurar conduta 
de LGBTfobia por um padre, durante missa realizada em Recife. A denúncia, feita por ativistas do movimento 
Leões do Norte contra o padre Rodrigo Alves de Oliveira Arruda, vigário na Paróquia Nossa Senhora do Rosário, 
alega que o padre acusou o STF de “ativismo judicial”, legislando na ausência de lei específi ca, tipifi cando casos 
de violência contra LGBTs como racismo, com base na Lei do Racismo. Segundo (G1 - O portal de notícias da 
Globo, 2019). Na missa, que se realizou em junho de 2019, o padre ainda pediu aos fi éis que participassem de um 
abaixo assinado contra a criminalização da LGBTfobia.
Não é surpresa a declaração dada pelo referido padre em missa. Ainda que diante da pluralidade sexual e 
de gênero, a mesma fala tem sido ouvida nos púlpitos das igrejas evangélicas. Tais discursos são justifi cados como 
exercício do direito à liberdade de expressão, liberdade de expressão essa que gera um discurso de ódio e fere di-
versos direitos garantidos pela Constituição a todos, inclusive às minorias sexuais. 
Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo debater os limites entre a liberdade de expressão religiosa 
e o discurso de ódio e apresentar a laicidade que a Constituição Federal de 1988 garante aos cidadãos, através da 
liberdade de escolher suas crenças e convicções, enquanto um direito democraticamente conquistado. Para isso, 
nos valeremos de uma revisão documental e bibliográfi ca e de discussões da perspectiva qualitativa para realização 
de tal intento.
1 FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO E DISCURSO DE ÓDIO
É tênue a linha entre liberdade de expressão e discurso de ódio dentro das paredes eclesiásticas. O que 
seria, entretanto, o discurso de ódio? De acordo com o laboratório de ideias Saferlab (O QUE É DISCURSO DE 
ÓDIO, s.d., n.p.), são manifestações que atacam e incitam o ódio contra determinados grupos sociais. Acrescenta 
ainda que esse se situa num equilíbrio completo entre direitos e princípios fundamentais, incluindo a liberdade de 
expressão e a defesa da dignidade humana. O discurso de ódio é, nessa lógica, a fala com repulsa, com aversão, 
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GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E POLITICA SOCIAL: DEBATES CONTEMPORÂNEOS
não necessariamente traduzindo-se em aos que por si só já confi guram uma lesão corporal. Em suma, o discurso 
de ódio é, portanto, o abuso da liberdade de expressão. 
Dessa maneira, questiona-se: qual é o limite entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio? Quais 
são os limites impostos à liberdade religiosa dentro desse cenário brasileiro, levando em consideração especial-
mente fatores políticos e religiosos, dada a laicidade do Estado? Diz Lafer (2009, p. 228) que “em um Estado 
laico, as normas religiosas das diversas confi ssões são conselhos dirigidos aos seus fi éis e não comandos para a 
sociedade”.
Acrescenta ainda Mayer-Pfl ug (2009, p. 97) que o referido discurso tem como alvo grupos minoritários, 
pois “não se confunde com o insulto individual, ou seja, com a difamação de um determinado indivíduo em 
particular, mas sim com o insulto a um determinado grupo ou classe”, e Oliva (2015, p. 58) leciona ainda que 
reproduzir de forma extrema a ideologia do heterossexismo, o discurso de ódio se torna uma exteriorização da 
homofobia.
Apresentando um contexto histórico na perspectiva religiosa cristã, Borrillo (2010, p. 43) explica o cris-
tianismo como um agente desumanizador dos indivíduos homossexuais, com base na lei judaica, colocando esses 
fora do plano de salvação, além de à margem da natureza, ao defi nir a heterossexualidade como o único compor-
tamento qualifi cado como natural ou normal. Essa, porquanto responsável pela reprodução, teria o prazer sexual 
como legítimo. Diz o autor que “[...] vai construir, assim, uma norma que continua modelando a ideologia sexual 
ocidental: o coito heterossexual do tipo conjugal e a submissão da mulher na relação sexual, cujo único objetivo 
consiste na inseminação procriadora” (2010, p. 53). Conforme aponta Louro (2000, s.p.), a heterossexualidade 
é tida como a regra, o normal e universal, enquanto as outras formas de sexualidade são antinaturais, anormais. 
Para que se compreenda melhor um dos pontos da intolerância religiosa contra minorias sexuais, é im-
portante conceituar o que é o fundamentalismo religioso. O fundamentalista religioso é o indivíduo que, colo-
cando sua religião, seus dogmas e crenças acima de todas as outras, não consegue aceitar os demais bem como 
convicções pessoais, sendo ainda incapaz dialogar com o diferente, o que, nesse contexto de intolerância, abre-se 
margem para diversas manifestações de violência. São discursos teológicos fundamentalistas e hegemônicos, uma 
vez que “foi por meio deles que impuseram-se crenças, violaram-se direitos, justifi caram-se guerras e mantiveram 
privilégios.” (GEBARA, 2017, p. 49)
Somente a título de menção para contribuir com pensamento apresentado, o conceito de hegemonia é 
recorrente em todas as construções teológicas baseadas no sentido literal bíblico, e, portanto, excludentes. Para 
Gruppi (1978, p. 67), 
uma classe é hegemônica, dirigente e dominante até o momento em que - através de uma classe sua ação 
política, ideológica, cultural - consegue manter articulado um grupo de forças heterogêneas e impedir que o 
contraste existente entre tais forças exploda, provocando assim uma crise na ideologia dominante, que leve à 
recusa de tal ideologia, fato que irá coincidir com a crise política das forças do poder. 
Conforme já mencionado, a teologia tradicional, que hoje predomina em nosso país, é uma teologia he-
gemônica, com narrativas que reforçam a dominação através de um recurso de fé. As variações sexuais e de gê-
nero que destoam da norma hegemônica são tidas como diferenças indesejáveis, e reiteram a heterossexualidade 
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GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E POLITICA SOCIAL: DEBATES CONTEMPORÂNEOS
obrigatória, compulsória (Natividade, 2013, p. 49). 
Acrescenta Boff (2002, p. 25) que o fundamentalismo se preocupa com as normas e a literalidade sem 
cuidar do seu espírito, desconsiderando a constante mudança da história, que exige novas versões e interpreta-
ções que mantenham a essência da norma. Para estes, o seu ponto de vista tem caráter absoluto, imutável. Rocha 
(2014, p. 3-4) defi ne o fundamentalismo religioso: 
[...] um modo de ser, de pensar e de agir, que resulta de uma crença e de uma adesão incondicionais a uma 
doutrina religiosa, qualquer que ela seja, judaica, cristã ou islâmica, considerando-a como a única detentora 
do Bem e da Verdade. E em virtude dessa atitude radical, os fundamentalistas religiosos tratam como inimi-
gas todas as outras religiões e pessoas, que não comunguem com suas crenças, nem com seus ideais, tanto 
religiosos como políticos.
 Dessa maneira, o fundamentalismo religioso se desdobra como uma maneira de reforçar padrões e com-
portamentos conservadores, negando a existência da diversidade humana. Conforme disposto no art. 18 da 
CFRB/88, é obrigação do Estado garantir a liberdade religiosa conferida a todos, e isso implica lidar com todas 
elas em igualdade.
2 DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO À LUZ DOS CONCEITOS BÍBLICOS
É interessante pontuar que o fundamentalismo religioso institui uma heterossexualidade compulsória, 
que por sua vez resulta em um rebaixamento de outras vivências e realidades sexuais e de gênero, uma verdadeira 
homotransfobia.
Com exceção das poucas igrejas inclusivas existentes, o discurso tem sido o mesmo: Deus ama o pecador, 
mas não aceita o pecado. A Igreja abraça o indivíduo, porém, uma vez convertido, deve esse abandonar as práti-
cas apontadas como pecado, e viver uma nova vida, como bem apontou Silva(2015, s.p). Pregações e discursos 
fundamentalistas heterossexistas dentro dos templos, no país em que mais se mata LGBTs, se revelam ultrajantes, 
e ainda que cobertas pela liberdade religiosa, servem como pano de fundo para a intolerância. 
A igreja é uma realidade monolítica e homogênea, guiada por autoridade não apenas central, mas centraliza-
dora e que tem bem defi nida as mínimas confi gurações para quem deseja fazer parte dela. Quem não puder, 
tente, se arrependa, tente de novo, ainda que passe a vida angustiado e tenha a sua autoestima esfacelada pela 
luta interna contra si mesmo, tenha a esperança de ser feliz, um dia, no céu, quando tudo acabar. Mas cuida-
do, pode ser que ao chegar ao banquete eterno encontremos à mesa muita gente diferente, aparentemente 
não convidada (Mt 8,11). (MORELLO, 2011)
É latente a presença da religião no contexto social brasileiro. Segundo os dados do Censo Demográfi co 
2010 (IBGE, 2010), a religião com maior número de praticantes é a católica, com 64,6% da população, vindo os 
evangélicos em segundo lugar, com 22,2% de adeptos. Tais números são expressões signifi cativas das crenças que 
predominam na sociedade brasileira, principalmente no que respinga nas minorias sexuais. 
De acordo com o segmento cristão e católico de maior predominância (assim dito por existirem seg-
mentos evangélicos minoritários que abraçam essas minorias), a cultura cristã se baseia numa formação básica 
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GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E POLITICA SOCIAL: DEBATES CONTEMPORÂNEOS
da família, composta pela fi gura masculina do pai, que trabalha para o sustento do lar, a fi gura feminina da mãe, 
que tem a função de cuidar da casa e educar as crianças e pelos fi lhos. É um modelo burguês de família bastante 
discrepante em relação à sociedade brasileira no contexto atual, onde o núcleo familiar é bastante diversifi cado, e 
como tal, merece atenção e proteção. O referido modelo, além da intolerância, reforça a misoginia, a homofobia 
e o patriarcalismo. 
Através do método literal, utilizam-se livros como Levíticos e Romanos para condenar a diversidade de 
sexualidades. A heteronormatividade é requisito de salvação. Não adentraremos nos aspectos teológicos da Bí-
blia, bem como suas traduções, mas é fundamental apresentar o método histórico-crítico como um importante 
método de interpretação da Bíblia. Tal método, bastante controverso, não tem como objetivo desestabilizar os 
princípios bíblicos, e sim transformar a Bíblia de instrumento de opressão à um instrumento contra-hegemônico 
de acolhimento de todos os seres com suas individualidades respeitadas. De acordo com documento da Pontifícia 
Comissão Bíblica (A INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA NA IGREJA, 1993, n.p.), através de documento emitido 
pelo Vaticano, é um método indispensável para a compreensão dos textos antigos:
É um método histórico, não só porque ele se aplica a textos antigos — no caso, aqueles da Bíblia — e estu-
da seu alcance histórico, mas também e sobretudo porque ele procura elucidar os processos históricos de 
produção dos textos bíblicos, processos diacrônicos algumas vezes complicados e de longa duração. Em 
suas diferentes etapas de produção, os textos da Bíblia são dirigidos a diversas categorias de ouvintes ou de 
leitores, que se encontravam em situações de tempo e de espaço diferentes.
É um método crítico, porque ele opera com a ajuda de critérios científi cos tão objetivos quanto possíveis em 
cada uma de suas etapas (da crítica textual ao estudo crítico da redação), de maneira a tornar acessível ao 
leitor moderno o sentido dos textos bíblicos, muitas vezes difícil de perceber.
Método analítico, ele estuda o texto bíblico da mesma maneira que qualquer outro texto da antiguidade e o 
comenta enquanto linguagem humana. Entretanto, ele permite ao exegeta, sobretudo no estudo crítico da 
redação dos textos, perceber melhor o conteúdo da revelação divina.
Dessa forma, são insatisfatórias e controversas as alegações, do ponto de vista teológico, de que a Bíblia 
condena as variantes sexuais e de gênero, criando a fi gura da heterossexualidade compulsória. Pressupostos como 
certo ou errado, pecado ou não, não podem respingar na sociedade a ponto de serem utilizados como argumen-
tos que privilegiam uma camada religiosa em detrimento de uma camada vulnerável como os cidadãos LGBT. 
Acrescenta Dias (2014, p. 88) que
[...]um sistema onde a heterossexualidade é institucionalizada como norma social, política, econômica e 
jurídica, não importa se de modo explícito ou implícito. Uma vez institucionalizado, o heterossexismo mani-
festa-se em instituições culturais e organizações burocráticas, tais como a linguagem e o sistema jurídico. Daí 
advém, de um lado, superioridade e privilégios a todos que se adequam a tal parâmetro, e de outro, opressão 
e prejuízos a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e até mesmo a heterossexuais que por ventura se 
afastem do padrão de heterossexualidade imposto.
O objetivo do artigo não é de fi nalidade teológica, portanto, ainda que se interprete a Bíblia em seu sen-
tido literal, não pode tal argumento ser utilizado como justifi cativa para perpetuação de discursos que incitam o 
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GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E POLITICA SOCIAL: DEBATES CONTEMPORÂNEOS
ódio e a intolerância, ainda que dentro das igrejas, uma vez que não se pode privilegiar o direito à liberdade de 
expressão em prejuízo aos princípios da dignidade da pessoa humana na fi gura do ofendido. 
São discursos que perpetuam a violência física, verbal e emocional, ao colocar em uma posição de superio-
ridade a heteronormatividade , e relegam às sexualidades e gêneros dissidentes a posição de desviantes. 
3 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE CRENÇA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 
Embora não exista menção direta e específi ca sobre a liberdade de expressão na CFRB/88, a presente 
Constituição é fruto de uma evolução histórica de constituições anteriores em relação à liberdade de pensamento 
e de expressão, bem como se complementa com a Declaração Universal de Direitos Humanos, e demais tratados 
importantes sobre o assunto (Marinoni, 2018, p. 516). O art. 19 da Declaração preconiza que “toda pessoa tem 
direito à liberdade de opinião e expressão”. 
 O art. 5º, VI da CFRB/88 decorre dessa liberdade de expressão, e dispõe que é inviolável a li-
berdade de consciência e de crença, assegurando-se o livre exercício dos cultos religiosos. O indivíduo é livre, 
portanto, para escolher a crença ou religião que lhe convém, sendo livre também sua exteriorização, através do 
exercício da religião, como os cultos, missas, rituais, cerimônias, etc. É, nos dizeres de Marinoni (2018, p. 543), 
tanto a liberdade de ter quanto a de não ter ou deixar de ter uma religião. 
 Acrescente-se a isso que, frente à liberdade de expressão e de crença, existe o dever de respeitar as con-
cepções e práticas pessoais de outros indivíduos, ainda que suas condutas sejam incompatíveis com os princípios 
religiosos do outro. A liberdade de expressão, portanto, não comporta o discurso de ódio. 
Apesar do indivíduo ser livre para escolher a religião que quer seguir, a verdade é que, pelas suas próprias 
confi gurações heterossexistas e patriarcais, as igrejas propõem o acolhimento com fi ns de “cura”, ou desde logo 
condenam o indivíduo, não havendo outra possibilidade àquele, senão um distanciamento total, ao menos pro-
curar uma congregação que o inclua. Nesse sentido, 
recorrentes “exemplos” de cura contrastam o momento anterior e posterior à conversão do “ex-homosse-
xual”, sinalizando para a necessidade de adequação ao modelo normativo para os gêneros. Nestas narrativas, 
o passado está associado a uma espécie de inversão do gênero, oposto ao presente “restaurado”, quando o 
homossexual masculino, por exemplo, pode transformar o “pecado do homossexualismo” na “bênção da 
heterossexualidade” por meio do casamento e da constituição de uma “família de Deus”. (NATIVIDADE, 
2006, p. 118). 
Esse “acolhimento” oferecido por diversas denominaçõesreligiosas se dá com o objetivo de oferecer 
terapias de “cura” para algo que não é doença. Natividade (2013, p. 46) defi ne essa atuação como “uma estratégia 
política higienista, agenciada no plano das micro-relações cotidianas, que não atinge os sujeitos diretamente com 
a ameaça da violência física, mas antagoniza e desqualifi ca sexualidades consideradas indesejáveis”. 
Ao mesmo tempo, o Brasil é um Estado laico, neutro, não confessional, e deve em suas posições e pro-
posições, manter-se equidistante de fi ns religiosos. Nos dizeres de Lafer (2009, p. 226), “laico signifi ca tanto o 
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GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E POLITICA SOCIAL: DEBATES CONTEMPORÂNEOS
que é independente de qualquer confi ssão religiosa quanto o relativo ao mundo vida civil.” É a separação total 
entre Igreja e Estado. 
Acrescenta Novelino (2016, p. 354) que, “em um Estado neutro, só podem ser consideradas legítimas as 
decisões políticas que puderem ser justifi cadas à luz de argumentos acessíveis em geral”. Para o autor, os argu-
mentos religiosos não devem ser totalmente excluídos, uma vez que seriam privilegiados então os não religiosos, 
mas defende que deve existir simetria e equilíbrio entre os pontos de vista, pois admitir justifi cações religiosas no 
processo deliberativo na esfera pública é ferir o princípio da separação Igreja-Estado. 
Apesar da religião representar uma forma de instituição social, tal como escola, família, trabalho, seus 
princípios e fundamentos não podem orientar a construção política de um Estado que se afi rma enquanto laico. 
Nesse sentido, Cunha (2016, p. 4) diz que “o Estado laico não pode admitir que as instituições religiosas im-
ponham que tal ou qual lei seja aprovada ou vetada, nem que alguma política pública seja mudada por causa de 
valores religiosos. Não se pode colocar a orientação heteronormativa em grau de superioridade, em detrimento 
das demais expressões e variantes de sexualidade e gênero. 
Privilegiar a heteronormatividade hegemônica, que é embasada em preceitos religiosos, como única ex-
pressão válida de sexualidade, desconsiderando a pluralidade de fatores que infl uenciam e determinam sexualida-
des e gêneros, apesar de não se confi gurar um discurso, per se, de ódio, é marginalizar tais indivíduos, deslegitimar 
sua expressão de sexualidade, encontrando, dessa forma, terreno fértil para preconceitos e discursos odiosos. 
Ademais, ao criar uma falsa percepção da existência de apenas uma expressão de sexualidade como válida, e sob 
falsas premissas, criar um pânico moral social em relação à LGBTs, mitiga-se qualquer tentativa de legislar a favor 
de direitos fundamentais destes. 
Reprise-se que o Brasil é signatário do documento elaborado pela Organização das Nações Unidas, intitu-
lado de Princípios de Yogyakarta sobre a Aplicação do Direito Internacional de Direitos Humanos às Questões 
de Orientação Sexual e Identidade de Gênero, em 2006. O objetivo do documento é orientar os Estados na 
garantia de direitos humanos para a população LGBT, o que aponta a obrigação do Estado na concretização de 
direitos mínimos para esse grupo vulnerável. 
O princípio nº 1, dos Princípios de Yogyakarta, o qual o Brasil é signatário, evidencia que todos os seres 
humanos de todas as orientações sexuais e identidades de gênero têm o direito de desfrutar plenamente de todos 
os direitos humanos. Para que tal objetivo se concretize, os Estados deverão, sobretudo, implementar programas 
de educação e conscientização de maneira a promover e aprimorar o gozo pleno de todos os direitos humanos 
por todas as pessoas, respeitando a diversidade, bem como as políticas públicas do Estado deverão ser integradas 
de maneira a reconhecer e afi rmar a indivisibilidade de todos os aspectos da identidade humana, inclusive os 
relativos à orientação sexual e identidade de gênero. 
4 O PAPEL ESTATAL NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DAS MINORIAS SEXUAIS
No intuito de abarcar todas as variantes de gêneros e sexualidades, reconhecendo todos os indivíduos 
como sujeito de direitos, conforme a própria Constituição Federal defi ne, e entendendo a ausência de políticas 
públicas específi cas, principalmente no que se refere à violência e preconceito, surge em 2004 o programa Brasil 
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GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E POLITICA SOCIAL: DEBATES CONTEMPORÂNEOS
Sem Homofobia, apresentado pelo governo federal. Tendo como objetivo combater a violência contra a popu-
lação LGBT, um dos vieses foi a formação de educadores de questões de gênero e sexualidade, que deu vida 
ao projeto Escola Sem Homofobia. Pejorativamente conhecido como “kit gay”, o material sequer chegou a ser 
distribuído nas escolas por pressões de setores conservadores da sociedade, sob a alegação de estímulo ao “ho-
mossexualismo e promiscuidade”. 
De acordo com Costa (2019, p. 14):
O episódio não foi sufi ciente para por fi m a abordagem de gênero nas escolas. A partir de então, a bancada 
evangélica criou uma perseguição ao que denominam “ideologia de gênero”, o conceito representa mais uma 
distorção do que os estudiosos denominam teoria de gênero, que nada mais é do que o estudo sobre gênero 
e sua construção na sociedade.
Os debates sobre a chamada ideologia de gênero refl etiram também na tentativa do governo federal de in-
cluir no Plano Nacional de Educação (PNE) em 2014, temas como: educação sexual, combate às discriminações 
e promoção da diversidade de gênero e orientação sexual. A discussão sobre o documento foi alvo de ataques de 
fundamentalistas e conservadores, utilizando os mesmos argumentos da polêmica do “kit gay”, causando o que o 
Cohen (1972) chama de “pânico moral”, através das reações exageradas da mídia, da opinião pública, dos alardes 
criados com fatos distorcidos de maneira a criar um caos social. 
Conforme Souto (2018), em 2017 foi apresentado um relatório pelo Grupo Gay da Bahia - GGB, que re-
gistrou a cada 19 horas, um LGBT é morto barbaramente ou cometeu suicídio vítima de LGBTfobia. A pesquisa 
mostra ainda que se matam muito mais homossexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e África, onde 
há pena de morte contra os LGBT. 
Aqui cabem os seguintes questionamentos: é possível um Estado laico revogar a execução de uma política 
pública com base em oposições assentadas numa construção religiosa? Pode o Poder Judiciário deixar de lado o 
princípio da imparcialidade, e fundamentar suas decisões em princípios religiosos? É possibilitado ao legislador 
apresentar projetos de lei com base em crenças pessoais? Qual a relação entre o discurso de intolerância e pre-
conceito reverberado dentro das igrejas e a prática de violências, em especial em temas que confrontam os prin-
cípios mais enraizados no catolicismo e no protestantismo brasileiro? Embora tenhamos esses questionamentos, 
não há uma resposta exata, porém a realidade é que fatos apontam algumas pistas que podem ser traduzidas em 
respostas. 
O Poder Legislativo, que hoje possui em sua maioria parlamentares pertencentes à bancada popularmente 
conhecida como BBB – boi, bíblia e bala. Para Facchini e Sívori (2017, s.p.), 
o rganizados como bancada no Congresso Nacional, na sua atuação pública, parte importante desses parla-
mentares evoca uma visão idealizada de unidade do “povo de Deus” como suposta maioria nacional para 
agitar ansiedades morais com um relato apocalíptico no qual os direitos e políticas para mulheres e LGBTS, 
além de cercear a liberdade religiosa, ameaçariam a integridade moral das crianças e da família brasileira.
Em 2011, um juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de Goiânia anulou o primeiro registro de união estável 
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GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E POLITICA SOCIAL: DEBATES CONTEMPORÂNEOS
realizado no Brasil após decisão do STF, em 9 de maio de 2011. Curioso é o fato do juiz ser também pastor da 
Assembléia de Deus. Ao chegar no dia seguinte à decisão no Congresso Nacional e ovacionado pela bancada 
evangélica, o mesmo disse: “Deus me incomodou, Deus como que me impingiu a decidir. Como indivíduo, tenho 
direito a expressara minha fé e sou livre para exercer o meu ministério. Isso não interfere nos meus julgamentos. 
Mas sou pastor da Assembleia de Deus Madureira. E não nego a minha fé.” 
A decisão judicial foi anulada posteriormente e registro da união estável passou novamente a ser válido. 
Essa união religião-estado mostra não ter limites quando é frontalmente inconstitucional, além de deixar expos-
to o esforço em massa da bancada evangélica no sentido de querer defi nir os direitos sexuais conforme os seus 
próprios princípios e dogmas. Nesse mesmo contexto, observe-se a fala do Cardeal Orani Tempesta, Arcebispo 
do Rio de Janeiro, em artigo denominado “Ideologia de gênero”: 
O tempo urge! Está para ser ultimado o decreto sobre a Base Nacional Curricular Comum em nosso país 
que, se for deixado com a menções sobre a ideologia de gênero, nos deixará à mercê de um futuro perigoso 
para a nossa civilização. Mesmo sendo rejeitado amplamente em quase todas as Assembleias legislativas do 
Brasil a Ideologia de gênero vai entrando pelo judiciário ou por decretos executivos. É importante o nosso 
posicionamento neste momento crucial da história de nossa nação. Precisamos nos preocupar com o futuro 
deste País, especialmente no que toca ao modo como serão educadas as futuras gerações à luz da nova Base 
Nacional Curricular Comum (BNCC), do Ministério da Educação e Cultura (MEC), que prevê a inserção 
obrigatória da tão perigosa “Ideologia de Gênero” no currículo escolar de nossas crianças e adolescentes. 
Essa teoria faz parte de um conjunto maior de ideias que se destinam a descontruir a sociedade atual em vista 
de uma anarquia geral. (2017, s. p.)
 É notória a ausência de qualquer interesse em aprovar projetos – aqui não se menciona apenas os que 
se referem à criminalização da LGBTfobia – que certamente darão condições aos indivíduos desse grupo de ter 
uma vida igual à qualquer outro cidadão brasileiro, conforme preconizado pela CFRB/88. Esta garante que to-
dos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, tendo o indivíduo o direito fundamental à livre 
orientação sexual. Além da ausência de interesse legislativo, é nítida a atuação forte e constante no sentido de 
normatizar sexualidades, validando-as ou não de acordo com os direcionamentos político-religiosos do governo 
em gestão. 
U m exemplo foi o então candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro, que teve como slogan em 
sua campanha a frase “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, apontando desde o início o direcionamento 
religioso que o seu governo teria, concretizado por suas aparições em cultos em igrejas evangélicas, bem como 
seus ministros “terrivelmente” religiosos, dentre outros fatos contrários à posição de laicidade em que deve se 
pautar o Estado.
U ma outra resposta aos questionamentos apresentados pode ser encontrada no que a teóloga argenti-
na Marcella Althaus-Reid apresenta em seu livro From feminist theology to indicent theology. Para a autora, a teologia 
tradicional é marcada por uma ideologia e economia heterocêntrica capitalista. Como tal, essa teologia reforça 
o discurso normativo patriarcal, machista e heterocêntrico. Percebe-se, portanto, fortes indicativos da linha ado-
tada pelos que, em tese, deveriam ser neutros quando da proposição de leis e políticas públicas, especialmente às 
minorias sexuais. 
91
GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E POLITICA SOCIAL: DEBATES CONTEMPORÂNEOS
Um acontecimento fortemente marcado pela questão que envolve Estado laico e religião foi a recente 
decisão do Supremo em utilizar da Lei 7.716/89, comumente chamada de Lei do Racismo. A partir da decisão, 
de junho do presente ano, até que o Congresso Nacional edite lei específi ca, as condutas homotransfóbicas serão 
igualadas ao crime de racismo. Em suma, não houve criação de tipo penal, nem o STF invadiu competência do 
Poder Legislativo. A tese apresentada é de que o grupo LGBT se enquadra por analogia ao grupo de raça social, 
conforme a Lei de Racismo, conduta inafi ançável e imprescritível.
Diversos argumentos surgiram no sentido de alegar que o STF estaria violando o princípio da reserva 
legal ou criando nova fi gura penal. Porém, não teriam tais argumentos o propósito de adiar indefi nidamente uma 
necessidade urgente, visto o aumento exponencial dos crimes atrozes cometidos contra indivíduos LGBT, bem 
como a nítida falta de interesse do Poder Legislativo em suprir essa mora legislativa? De onde se justifi ca essa 
ausência de propostas legislativas? Pode-se afi rmar que advém sobretudo das crenças pessoais e religiosas pre-
sentes e tão enraizadas em nossos legisladores, que os impede de assistir esse grupo vulnerável com um mínimo 
de existência digna? 
Para uma melhor compreensão, é imprescindível a defi nição de Barroso (2018, s.p) sobre judicialização 
e ativismo judicial. Para o autor, estamos diante da judicialização nos casos de questões relevantes do ponto de 
vista social, político ou moral, sendo decididas pelo Poder Judiciário, em instância fi nal. Já o ativismo judicial se 
dá com a participação do Poder Judiciário de maneira mais ampla, principalmente na concretização de fi ns cons-
titucionais, havendo uma maior interferência deste nos espaços dos outros dois poderes. Acrescenta ainda que “o 
ativismo é uma atitude, a escolha de um modo específi co e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o 
seu sentido e alcance”.
Natividade (2009, s.p.) apresenta alguns movimentos orquestrados com o fi m de demonstrar em realidade 
como se opera a infl uência religiosa na política brasileira. Fazendo um compilado em sites religiosos, através de 
artigos, notícias, enquetes e debates, o autor demonstrou como é forte o movimento evangélico no sentido de 
eliminar qualquer proposição legislativa em favor dos LGBT. São modelos de cartas de protesto a serem enviadas 
para senadores, é a criação de pânico moral, através de falsas premissas, como a destruição da família brasileira, 
crescimento de pedofi lia, extermínio do heterossexual, aumento da AIDS, colocando ainda o indivíduo LGBT 
como sendo perigoso, devendo ser controlado pelo Estado. 
O absurdo vai longe: o autor apresenta a fala de Júlio Severo, escritor de blog evangélico, que denuncia 
que “Lula e seus seguidores no governo insistem em inverter os valores, lutando contra o bem e protegendo 
o mal”. Outra fala absurda do mencionado escritor é afi rmar que a criminalização da LGBTfobia criará uma 
“ditadura gay”. Fato é que esses ataques ardilosos e aterrorizantes da camada religiosa tem minado a laicidade 
do Estado bem como direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal e demais tratados de direitos 
humanos, asseguradores da livre expressão de sexualidade e gênero. 
Natividade (2013, p.39) observou que a bancada evangélica se utiliza de diversas estratégias para obstruir 
projetos de leis que contemplam demandas da comunidade LGBT, como pareceres negativos, votos em sepa-
rado, pedidos de emenda. Demonstrou ainda que a interferência religiosa extrapola o Legislativo, alcançando os 
Poderes Judiciário e Executivo. 
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Nesse ponto, é interessante a leitura dos argumentos contrários à decisão do STF sobre criminalização da 
LGBTfobia. Walter Silva (BARIFOUSE, 2019), representante da Frente Parlamentar da Família e Apoio à Vida, 
que reúne mais de 200 membros do Senado e da Câmara, alega que “dar o privilégio de criminalizar um discurso 
contrário à homossexualidade é uma agressão à democracia e a um direito fundamental”. É uma fala absurda do 
início ao fi m. O que se buscou com essa decisão não foi criar uma categoria privilegiada de cidadãos intocáveis 
e protegidos, agredindo a democracia e os direitos fundamentais, conceitos esses totalmente desvirtuados pela 
fala incoerente. 
Segundo a tese apresentada pelo STF, a repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem 
restringe o exercício da liberdade religiosa de expressão, desde que as manifestaçõesnão confi gurem discurso de 
ódio. Segundo Teraoka (2010, p. 194): 
seja qual for a tipifi cação da conduta, a legislação não poderá impedir a divulgação ou propagação de ideias 
religiosas. Os líderes religiosos, suas homilias e livros poderão continuar a desestimular a prática homossexu-
al. Porém, já não podem e não poderão humilhar ou estimular atos violentos ou repulsa aos homossexuais.
As igrejas evangélicas poderão dizer-se contra as relações homossexuais, porém desde que não incitem 
ou induzam à discriminação ou preconceito. Revela-se crucial, portanto, que o tênue limite entre liberdade de ex-
pressão e discurso de ódio seja conhecido, com o intuito de garantir o respeito à diversidade humana bem como 
às liberdades individuais. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição garante a todos a liberdade de consciência, no sentido de aderirem à crenças e valores 
morais de acordo com seus desejos e convicções pessoais, desde que esses não perpassem a esfera individual e 
entrem na vida política, colidindo frontalmente com os direitos fundamentais de outros indivíduos, em especial 
aqui as minorias sexuais, justifi cados sob uma premissa religiosa pessoal.
Entendendo que a liberdade de expressão e a liberdade de orientação sexual são dois direitos funda-
mentais, como harmonizá-los de maneira a respeitar os diferentes grupos, sem privilegiar um em face do outro? 
Ambos são premissas importantes em um Estado Democrático de Direito, e portanto, a não observância destes, 
ainda que sutil, confi gura-se um ataque à dignidade da pessoa humana. Silva (2012, p. 3) diz que não há liberdade 
se o indivíduo não pode escolher entre duas opções disponíveis, se a escolha for predeterminada ou se as opções 
não existirem. 
Desse modo, apesar de não haver uma construção única ou padrão sobre quando há excesso ou abuso no 
exercício do direito de liberdade de expressão e de crença, temos construções normativas e principiológicas ba-
lizadoras dos limites intransponíveis, quais sejam: a dignidade da pessoa humana, a não discriminação, o respeito 
à diversidade, a orientação sexual e a identidade de gênero, conforme os Princípios de Yogyakarta. 
Em situações mais complexas, cabe ao julgador, no caso concreto, verifi car os limites e possíveis viola-
ções no discurso proferido, pois, ainda que o direito à liberdade de expressão e de crença se consagre como um 
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princípio fundamental, o mesmo não é absoluto, sendo passível de mitigação para que se adeque à situação em 
concreto e respeite os demais objetivos e fundamentos previstos na Carta Magna. 
Além disso, também se verifi ca que para os protestantes e católicos, a Bíblia é um livro sagrado, todavia, 
a leitura da mesma, desprovida de interpretação histórica e contextual, acaba sendo usada para justifi car opres-
sões como racismo, escravidão, segregação, LGBTfobia, dentre outros. De modo que, estabelecem a diversidade 
sexual como conduta desviante e afi rmam a heterossexualidade como uma expressão compulsória. 
O grande problema é que não se pode privilegiar uma crença que, em tese, deveria ser pessoal, forçando a 
sociedade a viver segundo os ditames de uma concepção própria. Por essa característica, qualquer argumento que 
ataque à atenção estatal destinada às minorias sexuais fundamentado em uma religiosidade pessoal é um atentado 
à democracia. Nos dizeres de Marmelstein (2011, p. 459):
[...] nenhum direito fundamental deve ser interpretado no sentido de autorizar a prática de atividades que 
visem destruir outros direitos ou liberdades. [...] o exercício de direitos fundamentais não pode ser abusivo 
ao ponto de acobertar práticas ilícitas/criminosas cometidas em detrimento de outros direitos fundamentais 
ou de valores constitucionais relevantes. 
Defendemos que somente uma teologia capaz de imbricar questões como sexualidade, gênero, espiritua-
lidade, e interpretação bíblica será capaz de construir uma narrativa contra-hegemônica de inclusão das diversas 
facetas humanas, com a eliminação de discursos teológicos intolerantes e enraizados na sociedade, e consequen-
temente, promovendo uma sociedade justa para todos os cidadãos.
Sendo assim, o Brasil, como Estado Democrático de Direito, que tem como lei maior a Constituição 
Federal e é signatário de diversos pactos internacionais de direitos humanos, deve respeitar a diversidade, aqui 
incluída a diversidade sexual e de gênero. Porém, esse respeito, muito mais do que um não fazer, é um chamado 
para uma atuação direta, constante e efetiva no sentido de proteger os sexualmente vulneráveis, através de leis e 
políticas públicas em sintonia com o preconizado pela CFRB/88, rechaçando qualquer discurso de ódio que se 
apresenta como liberdade de expressão, consequentemente enxergando esses indivíduos como seres constitucio-
nalmente reconhecidos e protegidos. 
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