Buscar

Le Monde Diplomatique Brasil (Out_21)

Prévia do material em texto

2 Le Monde Diplomatique Brasil OUTUBRO 2021
A FRANÇA SE REBAIXA
O império não 
se desarma
POR SERGE HALIMI*
O
s Estados Unidos jamais perma-
necem humildes por muito tem-
po. Um mês depois de sua derro-
ta afegã, a ordem imperial foi 
restabelecida. Prova-o a afronta que 
Washington acaba de infligir a Paris.
Um mês? Nem isso. Mal os talibãs 
acabavam de se apossar do aeroporto de 
Cabul, os neoconservadores se esguei-
ravam de novo para fora de seus covis. O 
Ocidente tinha “perdido o Afeganis-
tão”? Seria preciso então reafirmar sua 
presença em todos os outros lugares pa-
ra deixar claro a seus rivais estratégicos, 
China e Rússia em particular, que ele 
não recuaria diante do próximo comba-
te. “A guerra não acabou”, resumiu o se-
nador Mitt Romney, ex-candidato repu-
blicano à presidência. “Estamos mais 
em perigo que antes. E teremos de in-
vestir mais para garantir nossa segu-
rança.”1 Após disseminarem o caos no 
Oriente Médio, os Estados Unidos agora 
voltam os olhos para o Pacífico e mobi-
lizam sua Marinha contra a China. Um 
casinho de nada, sem dúvida...
Esse é, ao que tudo indica, o motivo 
principal da crise diplomática atual en-
tre a França e os Estados Unidos, e não 
a cólera de Paris por ter sido despojada 
de um lucrativo contrato de armamen-
to naval. Trata-se, com efeito, de saber 
como a Europa deve reagir à aliança 
militar antichinesa que Washington 
acaba de anunciar com o Reino Unido e 
a Austrália. Porque, quanto ao resto – a 
humilhação pública espetacular, a des-
lealdade dos “aliados”, a falta de con-
senso em torno de uma decisão geopo-
lítica de grande importância –, o Eliseu 
se acostumou às afrontas norte-ameri-
canas nos últimos quinze anos, quer se 
trate da espionagem de presidentes da 
República revelada pelo WikiLeaks, do 
desmembramento da Alstom pela Ge-
neral Electric (graças a embustes judi-
ciários que beiram o banditismo) ou 
das multas faraônicas extorquidas de 
empresas e bancos franceses que não 
haviam aplicado sanções, contrárias 
ao direito internacional, decretadas 
pelos Estados Unidos contra Cuba ou o 
Irã.2 Para responder ao insulto de aus-
tralianos e norte-americanos de outra 
forma que não a chamada inócua dos 
embaixadores sediados em Camberra e 
Washington, Emmanuel Macron faria 
bem em conceder imediatamente asilo 
político a Julian Assange e Edward Sno-
wden, que lançaram luz sobre os sub-
terrâneos do império. O mundo inteiro 
notaria esse golpe estrondoso.
Enquanto seus presidentes tagare-
lam, a França se rebaixa. Voltou ao co-
mando integrado de uma Organização 
do Tratado do Atlântico Norte (Otan) 
dirigida por Washington; renuncia ca-
da vez mais à sua soberania diplomáti-
ca, submetendo-se a uma União Euro-
peia povoada de vassalos dos Estados 
Unidos; mantém contra a Rússia uma 
série de sanções que proíbem todo en-
tendimento “do Atlântico aos Urais”, 
única perspectiva suscetível de arran-
car o Velho Continente das garras nor-
te-americanas ou chinesas. Para não 
definhar na insignificância, a França 
deve urgentemente deixar claro a 
Washington, mas também a Pequim, 
Moscou, Tóquio, Hanói, Seul, Nova Dé-
li e Jacarta que ela não aceitará jamais a 
guerra do Pacífico que os Estados Uni-
dos estão preparando.3 
*Serge Halimi é diretor do Le Monde 
Diplomatique.
1 CNN, 29 ago. 2021.
2 Ver Jean-Michel Quatrepoint, “Au nom de la 
loi... américaine” [Em nome da lei... norte-a-
mericana], Le Monde Diplomatique, jan. 
2017.
3 Ver Martine Bulard, “L’Alliance atlantique bat 
la campagne en Asie” [A aliança atlântica em 
campanha na Ásia], Le Monde Diplomatique, 
jun. 2021.
©
 C
es
ar
 H
ab
er
t P
ac
io
rn
ik
3OUTUBRO 2021 Le Monde Diplomatique Brasil
EDITORIAL
O Brasil autoritário
POR SILVIO CACCIA BAVA
M
ergulhado em um pesadelo 
em plena pandemia, o Brasil 
vive, desde o golpe que depôs 
a presidenta eleita, Dilma 
Rousseff, em 2016, o fim de seu mais re-
cente período democrático.
A coalizão dos governantes, tendo à 
frente o presidente Jair Bolsonaro, ataca 
o Parlamento, o Judiciário, e assim vai 
alimentando sua base radicalizada, im-
pondo a pauta nacional, num processo 
contínuo de destruição e aparelhamen-
to das instituições do Estado brasileiro.
A perspectiva de continuidade do 
Partido dos Trabalhadores no governo, 
depois de eleito por quatro mandatos 
consecutivos para a Presidência da Re-
pública, fez que as elites econômicas 
rasgassem a Constituição de 1988 e 
adotassem a via do golpe parlamentar, 
com o apoio do Tio Sam. “As políticas 
sociais não cabem no Orçamento da 
União”, declaravam parlamentares gol-
pistas, secundando seu mentor intelec-
tual, o ex-ministro da Economia do 
tempo da ditadura, Delfim Netto.1 
As intenções de golpe já estavam 
presentes desde o início do segundo 
mandato do presidente Lula. Podemos 
observar isso nas palavras do então se-
nador Jorge Bornhausen, presidente do 
PFL, partido de direita. Já em 2006 ele 
declarava: “Vamos acabar com essa ra-
ça. Vamos nos livrar dessa raça por, pe-
lo menos, 30 anos”.2 Essas intenções se 
materializaram em 2016, com o respal-
do das elites econômicas e por meio de 
uma aliança entre partidos conserva-
dores, militares e igrejas evangélicas 
neopentecostais. Os principais jornais 
e canais de TV, controlados por cinco 
das famílias mais ricas do Brasil, foram 
preparando as condições para o golpe, 
que, hoje sabemos, contou com a parti-
cipação ativa da NSA, a agência de inte-
ligência norte-americana, inspiradora 
da Operação Lava Jato, uma iniciativa 
jurídica que se apresentou como uma 
operação contra a corrupção, estigma-
tizou o Partido dos Trabalhadores e 
prendeu arbitrariamente, antes das 
eleições, o candidato que provavel-
mente iria se reeleger, Lula. 
As mudanças vão além das mani-
festações fascistas do grupo no poder. 
Elas operam uma profunda mudança 
neoliberal no padrão de acumulação – 
reforma trabalhista, reforma da Previ-
dência, privatizações, concessões –, 
processo de destituição de direitos que 
já se mostra eficaz para as grandes em-
presas, que apresentam hoje balanços 
robustos e um importante aumento da 
lucratividade. 
Os resultados do segundo trimestre 
de 2021 apontam que o lucro de dez em-
presas entre as maiores da Bolsa brasi-
leira dobrou em relação ao primeiro tri-
mestre de 2021, passando de R$ 52 
bilhões para R$ 110 bilhões. Em relação 
ao mesmo período de 2020, os ganhos 
se multiplicaram por dez.3 Entre elas 
estão Petrobras, Vale, Banco Itaú, Ban-
co Bradesco, Ambev e Usiminas. 
A destruição criativa,4 eufemismo 
tomado da teoria de Schumpeter para 
promover a destruição do Estado e sua 
capacidade de regulação, associada ao 
intenso processo de fusões e incorpo-
rações tornam os grandes grupos eco-
nômicos ainda mais poderosos e pro-
movem uma ainda maior concentração 
de riquezas e o aprofundamento da 
desigualdade, maior chaga da socie-
dade brasileira. Paulo Guedes, minis-
tro da Economia, declara: “Vamos pri-
vatizar tudo”.5 As imensas reservas de 
petróleo do pré-sal foram as primeiras 
a parar na mão das grandes petroleiras 
internacionais, especialmente norte-a-
mericanas. Ele também propõe o corte 
nos gastos sociais e, assim, vocaliza a 
voracidade das classes dominantes, 
contando com o apoio das principais 
associações empresariais. 
Logo após o golpe de Estado parla-
mentar, o novo presidente, Michel Te-
mer, encaminhou ao Congresso Nacio-
nal a Emenda Constitucional n.95, 
aprovada em dezembro de 2016, que 
congelou os gastos sociais por vinte 
anos, os quais só poderão ser corrigi-
dos pela inflação do ano anterior. Co-
nhecida como “PEC da Morte”, ela vai 
retirar, ao longo dos anos, recursos 
substanciais das políticas sociais, es-
pecialmente da saúde e da educação.
A “Ponte para o futuro”, documento 
estratégico apresentado em 2015 pelo 
PMDB e implementado desde o come-
ço do governo de Michel Temer, que su-
cedeu ao governo de Dilma Rousseff, é 
seguido fielmente até hoje e se apresen-
ta como o mapa da mina.6 Entende-se 
dessa formapor que o grande capital, 
especialmente o setor financeiro e do 
agronegócio, mantinha-se, até há pou-
co, alinhado e dando suporte ao gover-
no Bolsonaro. 
Inspiradas no passado colonial es-
cravocrata, no patrimonialismo, no ra-
cismo, no autoritarismo, na xenofobia, 
no fundamentalismo religioso e numa 
moral extremamente conservadora, 
por falta de outro candidato com pos-
sibilidades de disputar com Lula as 
eleições de 2018, as classes dominan-
tes se viram constrangidas a apoiar 
um capitão do Exército que se tornara 
político depois de afastado da corpo-
ração por acusações de conspiração e 
terrorismo. Esse capitão, um parla-
mentar sem expressão, eleito sete ve-
zes deputado federal por sua base em 
meio aos policiais e militares, defensor 
dos interesses corporativos da tropa, 
depois que a Justiça impediu Lula de 
disputar as eleições e o prendeu, tor-
nou-se presidente da República com 
57,7 milhões de votos. 
Uma declaração recente do coronel 
do Exército Marcelo Pimentel, crítico 
de Bolsonaro, abre outra vertente de 
análise. Ele aponta a existência do que 
chama de Partido Militar, isto é, “um 
grupo coeso, hierarquizado, disciplina-
do, com algumas características autori-
tárias e claras pretensões de poder polí-
tico, dirigido por um núcleo de generais 
formados nos anos 1970 na Academia 
Militar das Agulhas Negras, que inte-
graram ou integram o Alto Comando 
do Exército. Em sua dinâmica, eles têm 
ideário e fundamentação similar a um 
partido político formal. Seus dirigentes 
e o capitão sempre foram colegas e ami-
gos próximos, desde 1973”.7 Sua análise 
aponta que a candidatura de Bolsonaro 
teria sido uma criação desse grupo. 
Se existe ou não o assim denomina-
do Partido Militar ainda é uma questão 
controversa, mas o crescente protago-
nismo militar não deixa margem a dú-
vidas. E eles parecem não querer voltar 
aos quartéis e abrir mão de seus postos 
no governo. 
©
 C
la
ud
iu
s
4 Le Monde Diplomatique Brasil OUTUBRO 2021
Na campanha eleitoral de 2018, as 
denúncias de manipulação da opinião 
pública por parte de Bolsonaro e seus 
apoiadores, pela via das fake news dis-
seminadas nas redes sociais, têm farta 
comprovação. Um dos principais as-
sessores da campanha eleitoral de Bol-
sonaro foi Steve Bannon, o especialista 
em fake news e segmentação do público 
eleitor, o mesmo que ajudou a eleger 
Trump. O Tribunal Superior Eleitoral 
abriu um inquérito sobre essas denún-
cias e já teria todos os elementos para a 
cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.8 
O relatório foi encaminhado ao Supre-
mo Tribunal Federal e dirigido a Ale-
xandre de Moraes, o ministro encarre-
gado do inquérito das fake news.
Tanto a campanha eleitoral quanto 
o governo Bolsonaro dispõem de uma 
poderosa estrutura de comunicação 
que atua nas redes sociais. Seu núcleo 
de criação é o assim chamado “gabine-
te do ódio”, uma central de produção 
de fake news hoje instalada no Palácio 
do Planalto, sede do governo, que con-
ta com uma pequena equipe liderada 
pelo filho Carlos. Aí se cria o mundo 
fantasioso das mentiras e da radicali-
zação. A disseminação das fake news 
fica a cargo de cerca de 100 hubs, e é por 
aí que a máquina bolsonarista alimen-
ta suas bases. 
Pelo uso dessa máquina de comuni-
cação de fake news são destruídas repu-
tações de opositores e veiculadas falsas 
informações que alimentam a base ra-
dicalizada do bolsonarismo, estimada 
por pesquisas em cerca de 12% da po-
pulação brasileira, e seus apoiadores 
menos fiéis, em 15%.9 
Por exemplo, o presidente, mesmo 
depois de o Congresso rejeitar a adoção 
do voto impresso, continua defenden-
do essa tese alegando a possibilidade 
de fraude com o uso das urnas eletrôni-
cas – uma cópia do comportamento de 
Trump, o que já lhe custou outra quei-
xa-crime encaminhada pelo TSE ao 
STF. Em sua atuação nas redes sociais 
em defesa do voto impresso, uma pes-
quisa pôde identificar que 65% dos 
hubs eram compostos por influencia-
dores digitais (pagos com dinheiro pú-
blico); 20% eram parlamentares e mili-
tantes membros dos partidos de 
extrema direita; 5% eram pessoas 
apoiadoras, além de serem usados mui-
tos milhares de robôs.10 Vale esclarecer 
que o Brasil é considerado um dos paí-
ses mais avançados no uso das urnas 
eletrônicas, e desde 1996, data de sua 
implantação, nunca houve nenhuma 
denúncia a respeito de sua utilização.
O processo de cassação da chapa 
eleitoral do presidente eleito pelo uso 
das fake news ou os mais de 130 pedidos 
de impeachment que se acumulam na 
mesa da presidência da Câmara dos 
Deputados só não prosperam porque 
bolsonaristas em postos-chave, como a 
Procuradoria-Geral da República e a 
presidência da Câmara dos Deputados, 
obstruem essa iniciativa. 
A pandemia foi o ponto de inflexão 
da conjuntura que faz que Bolsonaro e 
seus três filhos parlamentares estejam 
perdendo prestígio e sejam acusados de 
principais responsáveis pelos mais de 
595 mil mortos por Covid-19 no Brasil. A 
recusa por Bolsonaro de comprar as va-
cinas disponibilizadas pela Pfizer e pe-
lo Butantan matou 90.000 pessoas, se-
gundo estudos de epidemiologistas.11
O fim do auxílio emergencial de R$ 
600 (cinco parcelas) e de R$ 300 (quatro 
parcelas) para mais de 67,9 milhões de 
brasileiros (um terço da população), 
durante os primeiros nove meses da 
pandemia, também contribuiu para 
essa inflexão. Lembrando que foi o 
Congresso que elevou para esses valo-
res o auxílio emergencial, proposto em 
R$ 200 por Bolsonaro e Guedes. 
A insatisfação dos brasileiros com o 
governo cresce à medida que uma Co-
missão Parlamentar de Inquérito do 
Senado, controlada pela oposição, vai 
demonstrando a negligência delibera-
da, proposital, do governo federal no 
trato com a pandemia e a corrupção ge-
neralizada dos ocupantes do governo, 
o que envolve tanto a família do presi-
dente, ele incluído, como os cerca de 6 
mil militares aposentados e da ativa 
que ocupam postos-chave no governo.
Os ocupantes do governo não têm 
nenhuma preocupação com o país e 
com a população e exercem a economia 
da pilhagem, o que ocorre nos ministé-
rios, na facilitação da grilagem de ter-
ras, na mineração clandestina, no con-
trabando de madeiras nobres, nos 
incêndios na Amazônia e no Pantanal, 
no desmatamento para a ampliação do 
agronegócio, na venda do patrimônio 
público, entre outras frentes. 
A devastação ambiental, principal-
mente na Amazônia e no Pantanal, 
áreas de expansão ilegal do agronegó-
cio, é sem precedentes e tem sensibili-
zado o mundo inteiro. Suas consequên-
cias serão sentidas agora e pelas futuras 
gerações, tornando as crises hídricas 
(que já vivemos agora), os apagões de 
energia, as secas e os eventos climáti-
cos extremos fenômenos recorrentes. 
Os militares que estão em postos de 
decisão nos ministérios, autarquias e 
empresas públicas recebem, além de 
seus soldos, salários e benefícios pela 
posição que ocupam, os quais chegam, 
no caso da presidência da Petrobras, a 
uma remuneração mensal de R$ 260 
mil.12 Esses números contrastam com 
a pobreza da maioria, já que mais da 
metade dos brasileiros não ganha R$ 
800 mensais.
À medida que cai seu prestígio e sua 
reeleição fica ameaçada, Bolsonaro 
busca reforçar seus laços com as bases 
que o elegeram. Coopta, por meio de 
emendas parlamentares (que garan-
tem recursos para aplicação em obras 
públicas em seus redutos eleitorais), 
deputados e senadores do chamado 
Centrão, conjunto de partidos fisiológi-
cos que apoiam sempre quem lhes ofe-
recer maiores benefícios, o que assegu-
ra ao presidente uma base parlamentar 
suficiente para bloquear pedidos de 
impeachment. Nomeia ministros e 
preenche uma vaga no Supremo Tribu-
nal Federal com evangélicos neopente-
costais, além de favorecer essas igrejas 
tanto com benefícios fiscais quanto 
com repasse de recursos para progra-
mas sociais. Por fim, amplia enorme-
mente a presença de militares aposen-
tados e da ativa em seu governo e lhes 
oferece cargos de importância. 
Por outro lado, a precarizaçãodas po-
líticas sociais, o desemprego e a fome co-
bram respostas do governo, que ignora as 
necessidades da grande maioria. Mais de 
125 milhões de brasileiros (58%) vivem 
hoje em algum grau de insegurança ali-
mentar e 20 milhões passam fome.13 A 
erosão das bases de apoio de Bolsonaro 
junto aos evangélicos neopentecostais se 
dá em razão da necropolítica no trato da 
pandemia. Deixam de apoiá-lo os mais 
pobres, que pararam de receber o auxílio 
emergencial. Setores militares que se 
opõem ao envolvimento do Exército no 
governo também se desgarraram do 
apoio ao presidente. E setores das classes 
médias que o apoiaram na luta contra a 
corrupção ficam estarrecidos com o grau 
de corrupção em seu governo, envolven-
do-o diretamente, o que a CPI da Co-
vid-19 desvenda.
O estreitamento de sua base faz o ca-
pitão radicalizar seu discurso. Setores 
importantes do Judiciário e do Parla-
mento vão se bandeando para a oposi-
ção ao verificarem que a nau do governo 
está fazendo água e passam a defender o 
Estado democrático de direito. 
A ameaça de golpe, diuturnamente 
enunciada, e a forma criminosa e negli-
gente no trato da pandemia levam o 
grande capital a também dizer um bas-
ta, ensaiando retirar seu apoio, por en-
quanto ainda retórica. Na área econô-
mica, a compreensão de que a 
instabilidade política não é boa para os 
negócios, que ele se tornou um pato 
manco e que terminaram as possibili-
dades de reformas vai restringindo o 
apoio dos empresários. 
A um ano das eleições presiden-
ciais, a sociedade brasileira está dividi-
da. Estima-se que o núcleo duro de 
sustentação de Bolsonaro, a extrema 
direita, seja algo como 12% do eleitora-
do; mais 15% são simpatizantes. Os se-
tores progressistas e de defesa do Esta-
do democrático são por volta de 30% 
do eleitorado. E cerca de 40% são passi-
veis de se alinhar de um lado ou de ou-
tro, a depender das circunstâncias e 
dos candidatos. Neste momento, Lula, 
candidato novamente às eleições de 
2022, tem 40% da preferência eleitoral, 
e Bolsonaro, 24%.14
A elite brasileira mais esclarecida 
começa a considerar que não há plano 
B na polarização entre Bolsonaro e Lu-
la, não há espaço para que se tente 
criar uma terceira via com Bolsonaro 
na disputa. Uns acreditam que Lula 
hoje é a melhor solução para pacificar 
o país, desde que ele aceite governar 
sem tentar recuperar os direitos se-
questrados pelo golpe. Outros acham 
que, se Bolsonaro for afastado, há es-
paço para uma candidatura de direita 
disputar com Lula, mas não têm can-
didato ainda. 
Se as acusações e os processos que 
se acumulam contra ele e seus filhos 
prosperarem, o que sobra para Bolso-
naro é tentar o golpe, criando uma si-
tuação de convulsão social e decretan-
do o estado de sítio para controlar a 
situação. Para isso, ele conta com o 
apoio maciço das forças policiais, de 
setores das Forças Armadas e das milí-
cias (grupos armados compostos por 
militares e policiais aposentados e da 
ativa que impõem o controle de um ter-
ritório e cobram da população e dos ne-
gócios por sua segurança), todos gru-
pos fortemente armados. 
A denúncia reiterada de que as ur-
nas eletrônicas permitem a fraude é 
preparatória para contestar o resultado 
das eleições, caso ele perca. Sua estra-
tégia apostava na melhoria da econo-
mia e do emprego, o que não vai ocor-
rer, e num “pacote de bondades”, como 
mais um auxílio emergencial para me-
lhorar a posição do presidente entre os 
mais pobres, que, pelas limitações le-
gais do teto dos gastos sociais impostas 
pelo Congresso golpista, não terá nem o 
valor nem o sucesso do auxílio emer-
gencial precedente. 
A campanha eleitoral já começou, 
mas a avaliação dos dados atuais de-
monstra que o presidente não tem 
chances nas urnas. O cerco se fecha. As 
acusações de corrupção que envolvem 
o clã Bolsonaro, especialmente seus fi-
lhos Carlos e Flávio, estão colocando o 
presidente em pânico. Eles podem ser 
presos, e aí ele radicaliza. 
Toda a máquina de propaganda 
montada pelo governo convocou civis, 
militares e a Polícia Militar (o que cons-
titucionalmente é proibido) para os 
atos públicos do Dia da Independência, 
o 7 de Setembro. O monitoramento das 
redes sociais identificou o uso de mais 
de 2.600 robôs atuando na convocação, 
representando 23% dos conteúdos ana-
lisados do período no Twitter.15
Na busca de uma demonstração de 
força, Bolsonaro propôs uma megamo-
bilização nessa data, tendo como pauta 
ataques ao Supremo Tribunal Federal, 
ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Con-
gresso, assim como a defesa do voto 
impresso, mesmo depois de o Congres-
so ter rejeitado essa proposta, e da li-
berdade de uso das redes sociais para 
veicular fake news. 
5OUTUBRO 2021 Le Monde Diplomatique Brasil
O 7 de Setembro transcorreu com 
significativas mobilizações sociais bol-
sonaristas nas principais capitais do 
país, especialmente em São Paulo, 
onde as igrejas neopentecostais mobi-
lizaram suas bases para o evento. As 
mobilizações foram importantes e de-
monstraram a força do bolsonarismo, 
mas pacíficas, sem incidentes graves. 
Para isso houve o empenho e o controle 
efetivo dos governadores sobre suas 
polícias militares. 
Revigorado pelas manifestações, 
ele radicalizou mais. Diante da multi-
dão que o apoiava no ato em São Paulo, 
ele quebrou seu comedimento expres-
so em Brasília horas antes e declarou 
que não obedecerá ao Supremo Tribu-
nal Federal, chamando de canalhas al-
guns de seus ministros, e que só sairá 
morto da Presidência. 
Na avaliação de analistas da con-
juntura, o golpe está em curso. Não se 
trata de colocar os tanques na rua, até 
porque Bolsonaro não os tem, mas de 
um processo contínuo de aparelha-
mento e implosão das instituições do 
Estado e enfrentamento dos outros po-
deres da República. 
As resistências são débeis. O presi-
dente do Supremo tem uma fala fraca e 
genérica em defesa das instituições de-
mocráticas. O presidente do Senado 
6 Disponível em: www.fundacaoulysses.org.br/
wp-content/uploads/2016/11/UMA-PONTE-
-PARA-O-FUTURO.pdf.
7 Disponível em: www.cartacapital.com.br/poli-
tica/o-brasil-e-refem-do-partido-militar-diz-
-coronel-reformado. 
8 Por unanimidade, o plenário do Tribunal Su-
perior Eleitoral também aprovou o encami-
nhamento ao Supremo Tribunal Federal de 
notícia-crime contra o presidente Jair Bolso-
naro, para apurar possível conduta criminosa 
relacionada aos fatos apurados no Inquérito 
n. 4.781, conhecido como “Inquérito das 
Fake News”. Disponível em: www.correio-
b ra z i l i ense .com.b r /po l i t i ca / 2021/ 08 /
4941363-tse-aprova-envio-de-noticia-crime-
-contra-bolsonaro-ao-stf-por-ataques-as-
-eleicoes.html. 
9 Silvio Caccia Bava, “A direita tem história”, Le 
Monde Diplomatique Brasil, ago. 2021.
10 MAP – Agência de análise de dados da mídia. 
Resultado analisando a polêmica do voto im-
presso. Citado por: “Renda e saúde: a ‘vida 
real’ nas redes sociais”, O Estado de S. Paulo, 
25 jul. 2021.
11 Celso Rocha Barros, “A CPI provou tudo”, Fo-
lha de S.Paulo, 27 set. 2021.
12 “Militares que comandam estatais acumulam 
até R$ 260 mil em salários”, Folha de S.Paulo, 
5 set. 2021. 
13 “Efeitos da pandemia na alimentação e na 
situação da segurança alimentar no Brasil”, 
coordenada pelo Grupo de Pesquisa Ali-
mento para Justiça da Universidade Livre de 
Berlim, na Alemanha, em parceria com a 
Universidade Federal de Minas Gerais 
(UFMG) e com a Universidade de Brasília 
(UnB).
14 Disponível em: www.gazetadopovo.com.br/
republica/pesquisa-eleitoral-mostra-lula-na-
-frente-de-bolsonaro-agosto-2021/. 
15 Projeto Pegabot, do Instituto de Tecnologia 
Social do Rio de Janeiro. Folha de S.Paulo, 7 
set. 2021.
suspendeu por dois dias as sessões – al-
guns avaliam que é para não dar palan-
que para a oposição. O presidente da 
Câmara dos Deputados avalia que tudo 
está normal, que as polêmicas fazem 
parte da democracia. As Forças Arma-
das não abrem a boca. 
No dia seguinte, 8 de setembro, bol-
sonaristas tentaram invadiro Ministério 
da Saúde e o Supremo Tribunal Federal, 
no que foram contidos. Caminhoneiros 
bloquearam estradas em dezesseis esta-
dos, exigindo o impeachment dos mem-
bros do STF. Talvez o prelúdio da ação 
das milícias bolsonaristas na sociedade, 
um ensaio de golpe. Pressionado pelos 
outros poderes e pela possibilidade de 
perder sua base no Congresso, Bolsona-
ro pediu a desmobilização dos cami-
nhoneiros, o que lhe custou a denomina-
ção de “frouxo” de parte de sua base 
radicalizada. 
Se é possível imaginar que haja uma 
estratégia golpista, ela conta com o 
apoio internacional da ultradireita. O 
STF, no dia 8, mandou a Polícia Federal 
reter no aeroporto internacional de 
Brasília e tomar depoimento de Jason 
Miller, ex-assessor de Trump e de Steve 
Bannon, que se retirava do país em um 
jatinho privado e é acusado de finan-
ciar e orientar a convocação das mobi-
lizações bolsonaristas. 
1 Rodolfo Borges, “Os direitos do brasileiro 
deixaram de caber no orçamento do Gover-
no”, El País, 19 out. 2015. Disponível em: ht-
tps://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/24/
politica/1443113983_470233.html. O ex-
-ministro Delfim Netto lembra que “não há 
nada na Constituição que impeça a constru-
ção da ‘sociedade civilizada’ que ela projeta. 
Bastaria às autoridades eleitas desde 1990 
adequá-la aos limites que se impuseram ao 
longo do tempo – da forma como está, a Car-
ta Magna exige um crescimento médio do 
país de 4% ao ano para funcionar (o que só 
ocorreu, durante a democracia inaugurada 
em 1985, no Governo Lula [...])”. 
2 O senador Jorge Bornhausen, banqueiro, pre-
sidente nacional do PFL, revelou o esquema: 
“Estou encantado com a crise política. Ela vai 
livrar a gente desta raça por pelo menos 30 
anos”. Disponível em: https://smabc.org.br/
acabar-com-essa-raca. 
3 “Dez das maiores empresas da Bolsa veem 
lucro dobrar no 2º trimestre”. Disponível em: 
www.infomoney.com.br/mercados/dez-das-
-maiores-empresas-da-bolsa-veem-lucro-do-
brar-no-2o-trimestre/. 
4 Alexa Salomão, “A máquina de crescimento 
quebrou” – Entrevista de Armínio Fraga, ex-
presidente do Banco Central para o Instituto 
de Estudos de Política Econômica/Casa das 
Garças (Iepe/CdG), 2021.Disponível em:
 https://iepecdg.com.br/artigos/a-maquina 
-de-crescimento-quebrou/. 
5 O ministro da Economia, Paulo Guedes, deta-
lhou em entrevista ao jornal Valor Econômico 
seus planos para acelerar a privatização de 
todas as empresas estatais brasileiras. Como 
o tempo gasto, em média, para preparar a ven-
da de uma estatal é de um ano e meio, Gue-
des pretende fazer o processo em blocos, em 
vez de tratar individualmente de cada caso. 
Disponível em: https://congressoemfoco.uol.
com.br/economia/guedes-propoe-privatizar-
-tudo-e-desvincular-todas-as-despesas/.
• Aprenda com professores especialistas
• Aulas on-line e ao vivo pela plataforma Zoom
+ Plataformas on-line para imersão no idioma
https://www.cartacapital.com.br/politica/o-brasil-e-refem-do-partido-militar-diz-coronel-reformado
https://www.cartacapital.com.br/politica/o-brasil-e-refem-do-partido-militar-diz-coronel-reformado
https://www.cartacapital.com.br/politica/o-brasil-e-refem-do-partido-militar-diz-coronel-reformado
https://smabc.org.br/acabar-com-essa-raca
https://smabc.org.br/acabar-com-essa-raca
6 Le Monde Diplomatique Brasil OUTUBRO 2021
Baixa percepção da população sobre a comunicação como direito é consequência da concentração. A conformação 
de mercado trouxe consigo o distanciamento do caráter público e educativo da radiodifusão e se reflete na 
agenda de regulação dos meios de comunicação, em que os próprios meios disseminam a narrativa de 
censura para distorcer o debate
POR ANA CAROLINA WESTRUP, IRAILDON MOTA E MABEL DIAS*
CAPA
Q
uando falamos sobre o exercício 
do direito humano à comunica-
ção nos deparamos com um dos 
indicadores mais importantes 
para medir o grau de pluralidade de vo-
zes presentes nos meios de comunica-
ção: a concentração midiática. Reco-
nhecer a comunicação como um direito 
humano passa, em muitos aspectos, 
por enxergar de forma crítica a concen-
tração dos fluxos de comunicação e 
seus impactos para a cidadania, em 
consonância com o grau de midiatiza-
ção da sociedade. No Brasil, a discus-
são sobre a concentração midiática e a 
ausência da efetivação do direito hu-
mano à comunicação como a condição 
de cidadania tem contornos históricos 
pelo modo como nosso sistema de mí-
dia foi desenvolvido e ganha novos de-
safios com a disseminação da internet 
e do modelo de plataformas digitais.
O sistema de radiodifusão no Bra-
sil foi configurado dando privilégio à 
iniciativa privada. Além disso, o país 
observa fenômenos como os “coronéis 
da mídia” e a expansão da evangeliza-
ção eletrônica, em um cenário em que 
a comunicação pública sofre desmon-
tes e ataques. Da mesma forma, a con-
centração dos fluxos de informação 
graças à ascensão dos monopólios di-
gitais na internet intervém diretamen-
te em direitos digitais fundamentais, 
como a privacidade e a liberdade de 
expressão.
PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS 
DE RADIODIFUSÃO: PRIVILÉGIO 
DA INICIATIVA PRIVADA
O início da expansão do rádio, na déca-
da de 1930, se deu sob marcos regulató-
rios em que o Estado brasileiro conce-
deu à iniciativa privada o privilégio na 
prestação desse serviço público, com 
base no modelo que o professor Othon 
Jambeiro, da Universidade Federal da 
Bahia (UFBA), classificou como trus-
teeship model. Assim nasceu o primeiro 
conglomerado de comunicação no Bra-
sil: Emissoras e Diários Associados. 
Criado pelo jornalista e empresário As-
sis Chateaubriand, o grupo chegou a 
possuir 36 emissoras de rádio, 18 de TV, 
34 jornais diários e várias revistas.
Em razão da pressão de empresários 
do setor de comunicações no Brasil, em 
1962 João Goulart sancionou o Código 
Brasileiro de Telecomunicações (CBT), 
como espelho dos interesses comerciais 
da Associação Brasileira de Radiodifu-
sores (Abert), criada exatamente nesse 
período. Em 1965, as empresas Globo, 
que já eram donas do jornal O Globo, da 
Rio Gráfica Editora e da Rádio O Globo, 
investiram na criação da TV Globo gra-
ças ao polêmico acordo que garantiu 
fluxo de capital do grupo internacional 
Time Life, o que contrariava a legisla-
ção brasileira, que proibia capital es-
trangeiro em empresas nacionais. A ex-
pansão do Grupo Globo se deu de forma 
exponencial nos anos seguintes, adqui-
rindo uma liderança de mercado peran-
te a audiência em praticamente todos 
os seus produtos e serviços.
A Constituição Federal de 1988 in-
seriu alguns princípios para conter a 
concentração, como a proibição de mo-
nopólios e oligopólios; no entanto, o ar-
tigo 220 nunca foi devidamente regula-
mentado. Como resultado, temos hoje 
no Brasil um dos cenários de maior 
concentração no mundo, com apenas 
cinco grupos de comunicação detendo 
a propriedade de 26 dos 50 veículos de 
maior audiência no Brasil, como mos-
trou o Monitoramento da Propriedade 
da Mídia, muitos deles tendo também 
interesses econômicos que significam 
riscos à independência da mídia.
CORONÉIS DA MÍDIA E 
A EXPANSÃO DA MÍDIA RELIGIOSA
Aliado ao modelo de expansão do setor 
de radiodifusão comercial, o caso brasi-
leiro ainda tem a especificidade de um 
número significativo de grupos políticos 
detentores de concessões públicas de ra-
diodifusão. Uma publicação do Intervo-
zes de 2007, “Concessões de rádio e TV: 
onde a democracia ainda não chegou”, 
mostra como o processo de abertura fa-
voreceu os políticos donos de mídia.
O início se deu no governo do gene-
ral João Batista de Figueiredo, por meio 
de um processo de barganha política 
em que a principal moeda de troca fo-
ram as concessões e outorgas de rádio e 
TV. Em 1983 foram outorgadas oitenta 
concessões públicas, e, nos últimos dois 
meses do governo Figueiredo, pratica-
mente às vésperas da convocação da As-
sembleia Constituinte, foram autoriza-
das 91 concessões, a grande maioria 
relacionada a setores conservadores.
Essa práticateve continuidade no 
governo de José Sarney. O presidente e 
seu ministro das Comunicações, Antô-
nio Carlos Magalhães, distribuíram 
1.028 concessões de TV e rádio até a 
promulgação da Constituição Federal 
de 1988. Em troca, os parlamentares 
aprovaram cinco anos de mandato pa-
ra Sarney. Esse contexto relacionado 
aos políticos detentores de concessão 
de radiodifusão foi denunciado pela 
campanha Fora Coronéis da Mídia, 
marcando a Semana pela Democrati-
zação das Comunicações em 2014, ação 
que se seguiu nos anos posteriores.
Já em 1989, outro ator importante 
entrou no sistema dos medias no Brasil. 
Com a aquisição da emissora Record, o 
bispo Edir Macedo, líder da Igreja Uni-
versal do Reino de Deus (Iurd), com sua 
estratégia de evangelização eletrônica, 
iniciou o processo de consolidação da 
emissora que se tornaria a segunda 
maior rede de televisão no país, em 
2008, concorrendo com o SBT pela se-
gunda posição na audiência, atrás ape-
nas da Rede Globo. O conglomerado 
Record possui gráficas, rádios, emisso-
ras de TV, portais de notícias, como o 
R7, e uma plataforma de streaming.
Ao apoiar o governo de Jair Bolsona-
ro, o que não é novidade na estratégia do 
bispo, Edir Macedo obteve benefícios 
significativos em verbas publicitárias, 
abocanhando cerca de R$ 28,6 milhões 
do governo federal de janeiro de 2019 a 
maio de 2020 (Agência Pública, 15 jun. 
2020). O Grupo Record não está sozi-
nho: nove dos cinquenta veículos de 
maior audiência no Brasil hoje perten-
cem a lideranças e igrejas religiosas cris-
tãs (evangélicas e católicas) (Le Monde 
Diplomatique Brasil, 16 abr. 2018).
OS ATAQUES À 
COMUNICAÇÃO PÚBLICA
No outro lado da moeda, a comunica-
ção pública vive atualmente sob inten-
so ataque. O caso da Empresa Brasil de 
Comunicação (EBC) é um bom exem-
plo para essa afirmação. Em maio de 
2007, seguindo o princípio constitucio-
nal da complementaridade entre os sis-
temas público, privado e estatal, os 
contornos da EBC foram estruturados 
com base nas discussões do 1º Fórum 
de TVs Públicas, organizado pelo Mi-
nistério da Cultura, na época coman-
dado pelo ministro Gilberto Gil. 
Entretanto, desde 2016 a EBC está 
em profundo ataque, desde a cassação 
do Conselho Curador, um espaço fun-
damental para a participação da socie-
dade civil, culminando com a tentativa 
de sua privatização, incluída em março 
de 2021 no Plano de Desestatização do 
governo Bolsonaro.
O que vemos, portanto, é a consoli-
dação de uma concentração midiática, 
de forma vertical e horizontal, que tem 
como consequência a baixa percepção 
da população sobre esse serviço como 
direito. Ou seja, essa conformação de 
mercado trouxe consigo o distancia-
mento do caráter público e educativo do 
setor da radiodifusão, e isso se reflete na 
agenda de regulação dos meios de co-
municação, em que os próprios meios, 
que estão em uma condição privilegiada 
no debate público, disseminam a narra-
tiva de censura à imprensa para distor-
cer a necessidade de um debate sobre a 
democratização da mídia brasileira.
Em 2014, entidades que atuam pela 
democratização da comunicação, por 
meio da Campanha para Expressar a Li-
berdade, elaboraram o projeto de ini-
ciativa popular Lei da Mídia Democráti-
ca, que traz uma série de propostas para 
regulamentar os meios de comunicação 
no Brasil. O projeto aponta caminhos 
para a promoção da pluralidade de 
ideias, o fomento à cultura nacional, a 
universalização dos serviços essenciais 
de comunicação e a participação popu-
lar na definição das políticas públicas 
de comunicação, entre outros.
Concentração midiática: por que 
é tão difícil enfrentá-la no Brasil?
http://brazil.mom-rsf.org/br/
http://brazil.mom-rsf.org/br/
https://www.intervozes.org.br/arquivos/interrev001crtodnc.pdf
https://www.intervozes.org.br/arquivos/interrev001crtodnc.pdf
https://intervozes.org.br/mobilize/fora-coroneis-da-midia/
https://intervozes.org.br/mobilize/fora-coroneis-da-midia/
https://www.kantaribopemedia.com/audiencia-do-horario-nobre-15-mercados-06-09-a-12-09-2021/
https://www.kantaribopemedia.com/audiencia-do-horario-nobre-15-mercados-06-09-a-12-09-2021/
https://apublica.org/2020/06/governo-gastou-r-30-milhoes-em-radios-e-tvs-de-pastores-que-apoiam-bolsonaro/
https://apublica.org/2020/06/governo-gastou-r-30-milhoes-em-radios-e-tvs-de-pastores-que-apoiam-bolsonaro/
https://apublica.org/2020/06/governo-gastou-r-30-milhoes-em-radios-e-tvs-de-pastores-que-apoiam-bolsonaro/
https://diplomatique.org.br/igrejas-cristas-no-topo-da-audiencia/
https://diplomatique.org.br/igrejas-cristas-no-topo-da-audiencia/
https://diplomatique.org.br/igrejas-cristas-no-topo-da-audiencia/
https://diplomatique.org.br/igrejas-cristas-no-topo-da-audiencia/
https://intervozes.org.br/carta-a-sociedade-por-que-a-ebc-nao-deve-ser-privatizada/
https://intervozes.org.br/carta-a-sociedade-por-que-a-ebc-nao-deve-ser-privatizada/
https://intervozes.org.br/mobilize/campanha-para-expressar-a-liberdade/
https://intervozes.org.br/mobilize/campanha-para-expressar-a-liberdade/
7OUTUBRO 2021 Le Monde Diplomatique Brasil
Entretanto, a ausência de vontade 
política e um trabalho incessante de dis-
torção dos meios de comunicação tradi-
cionais sobre o tema nos abrigam sob 
um marco regulatório para a radiodifu-
são das décadas de 1930 e 1960, uma es-
tagnação que expressa a vontade comer-
cial e política dos empresários do setor.
O caso dos coronéis da mídia é em-
blemático. Apesar de o artigo 54 da 
Constituição Federal proibir que políti-
cos possuam concessão de rádio e TV, 
nosso sistema de radiodifusão é eivado 
desse fenômeno. Em resposta, o Parti-
do Socialismo e Liberdade (Psol) e o 
Coletivo Intervozes entraram com Ar-
guições de Descumprimento de Precei-
to Fundamental da Constituição 
(ADPFs) no Supremo Tribunal Federal 
para fazer valer as regras constitucio-
nais. E têm conseguido algumas vitó-
rias. Em julho de 2021, a juíza federal 
Wanessa Figueiredo dos Santos Lima, 
acatando pedido do Ministério Público 
Federal (MPF), decidiu anular a reno-
vação das concessões de serviços de ra-
diodifusão que tinham o deputado fe-
deral Damião Feliciano (PDT), da 
Paraíba, como sócio.
Em fevereiro de 2021, o Tribunal Re-
gional Federal da 3ª Região (TRF3) 
manteve o cancelamento da concessão 
da Rádio Metropolitana Santista, con-
firmando a decisão proferida em pri-
meira instância, em 2018. A emissora 
tinha em seu quadro societário o então 
deputado federal Antônio Carlos Mar-
tins de Bulhões (PRB-SP).
Ações como essas são fundamen-
tais para combater a concentração mi-
diática no Brasil, mas é preciso um 
reordenamento no marco regulatório, 
como acontece em países democráti-
cos em todo o mundo. A ausência de 
um marco regulatório capaz de enfren-
tar os desafios da concentração midiá-
tica e a regulação de conteúdo, em um 
momento de convergência digital, ele-
va cada vez mais o problema em rela-
ção à busca incessante por audiência. 
Isso pode explicar a existência de pro-
gramas policialescos na grade de pro-
gramação dos principais meios de co-
municação brasileiros, que, mesmo 
violando direitos humanos, continuam 
sendo exibidos, com cenas e narrativas 
cada vez mais violentas.
MONOPÓLIOS DIGITAIS
Em que pesem os dados ainda muito 
presentes de exclusão digital no Brasil e 
as discrepâncias de acesso, a pesquisa 
“TIC Domicílios” de 2020, realizada pe-
lo Comitê Gestor da Internet no Brasil 
(CGI.br), revelou que o Brasil tem 152 
milhões de usuários de internet, o que 
corresponde a 81% da população com 
10 anos ou mais. Assistimos, portanto, 
à disseminação da internet como um 
novo lócus de realização das mais di-
versas atividades humanas, dos negó-
cios às interações sociais.
Mais que espaço ou suporte, trata-se 
de um sistema sociotécnico composto 
não apenas de tecnologias (redes, pro-
tocolos, dispositivos, programas), mas 
também de instituições, pessoas e re-
gras. A internet, portanto, é fundamen-
talmente um espaço de poder em dispu-
ta, no qual operam diversos grupos 
(governos, organismosmultilaterais, 
empresas transnacionais e locais, orga-
nizações da sociedade civil), que bus-
cam agir de acordo com seus interesses 
e adotam estratégias de negócio que 
afetam a coletividade.
Se a internet foi pensada como um 
espaço aberto, de trocas igualitárias e 
promessas democratizantes, o que tem 
ocorrido na última década é a crescen-
te concentração em torno de platafor-
mas digitais e uma crescente inserção 
destas na dinâmica capitalista atual. 
Em 2018, o Intervozes lançou a pes-
quisa “Monopólios digitais: concentra-
ção e diversidade na internet”, em que 
analisou especificamente a camada de 
aplicações e conteúdos. A pesquisa 
apontou que as grandes plataformas, 
como Google e Facebook, constituem 
monopólios digitais caracterizados por 
forte domínio de um nicho de mercado, 
grande número de clientes, sejam eles 
pagos ou não, operação em escala glo-
bal, espraiamento para outros segmen-
tos para além do nicho original, ativi-
dades intensivas em dados, controle de 
um ecossistema de agentes que desen-
volvem serviços e bens mediados por 
suas plataformas e atividades e estraté-
gias de aquisição ou controle acionário 
de possíveis concorrentes ou agentes 
do mercado. 
Em síntese, as plataformas digitais 
se firmam na mesma lógica de disputa 
de atenção que a radiodifusão, obtendo 
seus recursos com o mercado publici-
tário, mas com um método mais sofis-
ticado e complexo, que usa de forma in-
tensiva os dados pessoais dos usuários 
para a captura da atenção e o direcio-
namento de propagandas e conteúdos.
A complexidade não se dá somente 
no modelo de funcionamento, mas pela 
própria natureza desses monopólios. O 
Google, por exemplo, representa uma 
das gigantes transnacionais, as Big Te-
chs, empresas que concentram bilhões 
de pessoas em suas arquiteturas e lu-
cram valores inimagináveis. A marca 
Google vale atualmente US$ 323 bi-
lhões. Lidar com esse cenário de ex-
pansão desse modelo de negócios que 
interfere na autonomia do usuário é 
mais um desafio na agenda do direito 
humano à comunicação.
O Brasil tem duas legislações im-
portantes que impactam no modelo de 
funcionamento das plataformas no 
país: o Marco Civil da Internet (2014) e 
a Lei Geral de Proteção de Dados Pes-
soais (LGPD, 2018). Resultados da mo-
bilização da sociedade civil, ambas 
são consideradas avanços significati-
vos para a defesa da integralidade da 
rede, a garantia da liberdade de ex-
pressão e a proteção da privacidade 
dos dados pessoais. 
Entretanto, as duas legislações se 
encontram sob ataque. A recente Medi-
da Provisória n. 1.068, de 6 de setembro 
de 2021, editada pelo governo Bolsona-
ro, que altera o Marco Civil da Internet 
e a Lei de Direitos Autorais, estabelece, 
em síntese, regras para que as platafor-
mas sejam obrigadas a manter no ar to-
do o conteúdo que o Ministério Público 
não considera passível de remoção com 
“justa causa” sem uma ordem judicial, 
como mostra nota da Coalizão Direitos 
na Rede (6 set. 2021).
Da mesma forma, a Autoridade Na-
cional de Proteção de Dados (ANPD), 
órgão responsável pela fiscalização e 
aplicação da norma, com início em 
2020, está atrelada ao Executivo e nas 
mãos de militares, em um momento-
-chave para aplicação dessa legislação, 
visto que durante os primeiros anos de 
trabalho da ANPD serão formulados 
parâmetros e diretrizes para orientar a 
aplicação da LGPD, ou seja, as decisões 
a serem tomadas pela Autoridade agora 
definirão como a proteção de dados se 
dará no futuro.
Observamos, assim, que no Brasil 
há um desafio acumulado de concen-
tração midiática, da radiodifusão ao 
avanço das plataformas. Essa agenda 
precisa ser tratada com a seriedade de-
vida, em prol de um aspecto fundamen-
tal de nossa democracia – a liberdade de 
expressão –, em que todos participem, 
como nos ensinou Paulo Freire, de um 
ciclo positivo de comunicação. 
*Ana Carolina Westrup é doutoranda em 
Sociologia na UFS, pesquisadora do Leep 
e bolsista CNPq em Tecnologia Social; 
Iraildon Mota é comunicador e presidente 
da ONG Comradio; Mabel Dias é jornalista 
e mestranda na UFPB. Todos são integran-
tes do Intervozes – Coletivo Brasil de Co-
municação Social.
© Rapha Baggas
https://telaviva.com.br/29/07/2021/justica-anula-concessao-de-radio-e-tv-de-parlamentar-da-paraiba/
https://telaviva.com.br/29/07/2021/justica-anula-concessao-de-radio-e-tv-de-parlamentar-da-paraiba/
https://intervozes.org.br/trf3-mantem-cancelamento-da-concessao-da-radio-metropolitana-santista-do-ex-deputado-antonio-bulhoes/
https://intervozes.org.br/trf3-mantem-cancelamento-da-concessao-da-radio-metropolitana-santista-do-ex-deputado-antonio-bulhoes/
https://diplomatique.org.br/a-estetica-dos-programas-policialescos-chega-ao-noticiario-tradicional/
https://diplomatique.org.br/a-estetica-dos-programas-policialescos-chega-ao-noticiario-tradicional/
https://diplomatique.org.br/a-estetica-dos-programas-policialescos-chega-ao-noticiario-tradicional/
https://diplomatique.org.br/a-estetica-dos-programas-policialescos-chega-ao-noticiario-tradicional/
http://intervozes.org.br/arquivos/interliv012monodig.pdf
http://intervozes.org.br/arquivos/interliv012monodig.pdf
http://intervozes.org.br/arquivos/interliv012monodig.pdf
https://direitosnarede.org.br/2021/09/06/urgente-cdr-repudia-mp-que-altera-marco-civil-da-internet-e-alerta-para-riscos/
https://direitosnarede.org.br/2021/09/06/urgente-cdr-repudia-mp-que-altera-marco-civil-da-internet-e-alerta-para-riscos/
https://direitosnarede.org.br/2021/09/06/urgente-cdr-repudia-mp-que-altera-marco-civil-da-internet-e-alerta-para-riscos/
https://direitosnarede.org.br/2021/09/06/urgente-cdr-repudia-mp-que-altera-marco-civil-da-internet-e-alerta-para-riscos/
https://diplomatique.org.br/lei-geral-de-protecao-de-dados-em-vigor-anpd-militarizada/
https://diplomatique.org.br/lei-geral-de-protecao-de-dados-em-vigor-anpd-militarizada/
8 Le Monde Diplomatique Brasil OUTUBRO 2021
A mídia e o projeto de 
desdemocratização do Brasil
A crença dos governos petistas de que o fortalecimento da principal adversária do Grupo 
Globo, a RecordTV, pudesse favorecer, do ponto de vista midiático, um cenário mais 
plural teve consequências trágicas e centrais na ascensão da extrema direita. 
A lição de que o controle remoto não resolveria a questão veio tardiamente 
POR JANAINE AIRES E SUZY DOS SANTOS*
BAND, SBT, RECORD E REDETV! MERGULHAM NO BOLSONARISMO
A 
comunicação no Brasil nunca foi 
democrática, e a dependência da 
verba pública colabora para que 
os interesses políticos do grupo vi-
gente penetrem com maior facilidade na 
programação televisiva e radiofônica e 
na imprensa. Focada no entretenimento 
e com uma estrutura que espelha até ho-
je as diretrizes para a comunicação defi-
nidas pela ditadura, é a televisão que 
constrói a agenda pública brasileira.
Entre 2003 e 2018 houve uma mu-
dança paradigmática nesse setor: o nú-
mero de emissoras sob posse de grupos 
políticos tradicionais estagnou e as 
emissoras vinculadas a entidades reli-
giosas quintuplicaram. Atualmente, 
36,5% das emissoras de televisão estão 
ligadas direta ou indiretamente a polí-
ticos e/ou parentes, enquanto 42,7% 
são vinculadas a entidades religiosas.
À queima-roupa, os números po-
dem indicar que essa realidade é uma 
consequência da ampliação da por-
centagem de evangélicos na popula-
ção brasileira. Ledo engano. A mudan-
ça reflete a fragilidade das políticas 
públicas para a comunicação no país 
na garantia de maior equidade, plura-
lidade e equilíbrio de vozes. Foi a mí-
dia capilar e interiorana que permitiu 
a ascensão de discursos conservado-
res, credibilizados pelos meios tradi-
cionais e fartamente difundidos pelas 
plataformas estrangeiras.
A crença dos governos petistas de 
que o fortalecimento da principal adver-
sária do Grupo Globo, a RecordTV, pu-
desse favorecer, do ponto de vista midiá-
tico, um cenário mais plural teve 
consequências trágicas e centrais na as-
censão da extrema direita. A lição de que 
o controle remoto não resolveria a ques-
tão veiotardiamente. Às vésperas do im-
peachment, em uma ligação para o líder 
da Igreja Universal do Reino de Deus e 
então dono da RecordTV, Dilma Rous-
seff (PT) pediu o apoio da emissora e de 
sua bancada de 23 parlamentares: “Eu 
vou orar por você e pelo Brasil”, teria dito 
Edir Macedo. A bancada de “aliados” foi 
unânime na aprovação do impedimento 
da presidenta e, no dia seguinte, já com-
punha o governo interino.
O fato é que o poder econômico e 
político das igrejas tem moldado a co-
municação nacional, e a maior parte 
dos líderes religiosos que compõem a 
base de apoio ao governo de Jair Bolso-
naro é radiodifusora. 
A transferência direta é o principal 
mecanismo de acesso aos meios de co-
municação por grupos religiosos, que 
compram aos montes as emissoras em 
situação de penúria financeira. À posse 
direta de meios, soma-se o fato de que o 
arrendamento de programação provo-
ca efeitos na estrutura midiática nacio-
nal. “Se não vender horário para igreja, 
quebro!”, afirmou Marcelo de Carva-
lho, um dos donos da RedeTV!, em en-
trevista ao repórter Maurício Stycer. 
É por meio do arrendamento que a 
paisagem audiovisual brasileira se al-
terou profundamente. Dados da Anci-
ne de 2016 indicam que o gênero reli-
gioso é predominante na programação 
televisiva nacional, correspondendo a 
21,2% do conteúdo analisado na cidade 
de São Paulo. Era de se imaginar. Po-
rém, a agência reguladora não inclui 
nessa soma conteúdos que não se en-
caixem na concepção de “igreja eletrô-
nica”, isto é, exibição de cultos e de 
missas. Logo, conteúdos como a tele-
novela bíblica Os Dez Mandamentos, 
comprada pelo governo federal por R$ 
3 milhões para ser exibida na TV Brasil, 
não entram nesse cálculo. Os telejor-
nais diários das emissoras religiosas 
também não. Os reality shows, progra-
mas de variedades e de entrevistas não 
são considerados conteúdos religiosos, 
mesmo que a atração principal seja o 
papa ou uma cantora gospel. 
A televisão brasileira é muito mais 
religiosa do que se imagina. Foi esse 
capital que os líderes políticos católi-
cos ofereceram ao atual presidente da 
República. Como ex-votos modernos, 
os católicos prometeram “mídia positi-
va”, “boas notícias”, “comunicação pa-
ra a família” e “uma comunicação em 
defesa da vida e dos costumes” em tro-
ca de dinheiro e da aceleração de suas 
outorgas. 
A justiça não aplica os frágeis meca-
nismos existentes e insiste não ser pos-
sível diferenciar o que é conteúdo e o 
que é publicidade. Assim, esse debate 
pouco tem avançado, a ponto de emis-
soras como a CNT terem 91,2% de sua 
grade arrendada sem grandes cons-
trangimentos. A fiscalização, que nun-
ca foi eficiente, tornou-se ainda mais 
frágil com as medidas de Michel Temer 
(MDB) em 2017, responsável por flexi-
bilizar as regras para a renovação das 
concessões e por enterrar a comunica-
ção pública brasileira ainda nos pri-
meiros minutos do golpe de 2016. Além 
do rápido e intenso desmonte do proje-
to de comunicação pública, um dos 
primeiros investimentos do governo 
Temer foi a compra de conteúdo edito-
rial nas emissoras de televisão e de rá-
dio do Brasil em defesa do governo e de 
suas propostas reformistas.
O ex-presidente não é habilidoso so-
mente em escrever cartinhas. Seu pla-
no de publicidade teve como primeiro 
alvo o que parte da imprensa descreveu 
como “os locutores e apresentadores 
populares, principalmente do Nordes-
te”, que seriam pagos para explicar as 
mudanças de um ponto de vista positi-
vo. Investiu-se também em youtubers 
escolhidos a dedo para defender a re-
forma do ensino médio. A compra de 
conteúdo editorial segurou as pontas 
de um governo falido e sem apoio po-
pular e é reproduzida também como 
parte da estratégia do governo atual.
Engana-se, porém, quem acredita 
que a compra de conteúdo editorial 
tem efeitos somente nas telas e nas on-
das do rádio. O investimento na mídia 
reverbera na parcela de representação 
política que os meios de comunicação 
ocupam na Câmara dos Deputados, 
nas assembleias estaduais, nas câma-
ras municipais e nos cargos nos dife-
rentes níveis executivos. É como um 
óleo milagroso que alimenta as engre-
nagens ora barulhentas, ora silenciosas 
de um motor midiático-político. 
Além dos 30% do Congresso que são 
proprietários de concessões de radio-
difusão, desde o período de redemo-
cratização todas as legislaturas da Câ-
mara têm em média 10% de deputados 
com perfil que podemos denominar 
como “comunicadores-políticos”. São 
políticos que exercem concomitante-
mente mandatos eletivos e trabalham 
como apresentadores, repórteres e/ou 
comentaristas nos meios de comunica-
ção. Entre 2003 e 2018, 29% estavam 
vinculados a programas policiais; 21%, 
a plataformas religiosas; 16%, a progra-
mas assistencialistas; 14%, a progra-
mas sobre a defesa de direitos; 6%, ao 
telejornalismo; e 14%, a plataformas 
diversas, como programas de entrevis-
ta e de esportes. 
Essa realidade é praticamente invi-
sível para a imprensa e mesmo nas mo-
bilizações políticas. Nos escândalos da 
compra de vacinas, por exemplo, não se 
cita que o deputado Ricardo Barros 
(PP), líder do governo na Câmara, acu-
sado de agenciar a compra de vacinas 
superfaturadas, é dono da rádio CBN de 
Maringá e casado com a ex-governado-
© Marcos Corrêa/PR
Jair Bolsonaro ao lado de Edir Macedo e Silvio Santos no 7 de setembro, 2019
9OUTUBRO 2021 Le Monde Diplomatique Brasil
ra do Paraná Cida Borghetti (PP), que 
nasceu politicamente no programa 
Curitiba Vips. Ou que Marcos Tolentino, 
que chegou à CPI da Covid investigado 
como laranja de um banco que teria da-
do garantias à Precisa Medicamentos 
na intermediação para a compra da Co-
vaxin, é dono de uma rede de televisão, 
a Rede Brasil, e apontado como laranja 
do deputado federal Celso Russomanno 
(Republicanos). 
O negacionismo também tem con-
cessões de radiodifusão e se sustenta 
como a face discursiva da lavagem de 
dinheiro e do projeto de desdemocrati-
zação nacional. Foi essa mídia essen-
cialmente capilar, principal responsá-
vel por privilegiar a perspectiva 
econômica em detrimento da saúde, 
que conferiu credibilidade às informa-
ções falsas disparadas pelo gabinete do 
ódio e fortaleceu o discurso de polari-
zação política que opôs o governo fede-
ral aos estaduais. 
Essa espécie de política de celebri-
dades à brasileira e a dependência da 
verba pública explicam o protagonis-
mo que Sikêra Júnior e Datena obtive-
ram como porta-vozes do governo fe-
deral. Seus programas Alerta Nacional 
(RedeTV!) e Brasil Urgente (Band), res-
pectivamente, recebem tratamento 
privilegiado como difusores de pro-
nunciamentos da Presidência – um 
contraste significativo, considerando 
os inúmeros episódios de violência 
com a imprensa livre. 
Bolsonaro concedeu sucessivas en-
trevistas exclusivas para o programa 
Brasil Urgente ao longo da cobertura da 
pandemia, incluindo ocasiões que ante-
cediam seus pronunciamentos. Em 16 
de março, em 33 minutos, em que se fala 
sobre a participação de Bolsonaro nos 
protestos contra a ordem democrática; 
em 27 de março, em 77 minutos, quando 
classificou a quarentena imposta como 
uma alternativa abusiva e contrariou os 
números indicados pelos governos esta-
duais; e em 8 de abril de 2020, quando 
deu uma entrevista exclusiva, de 28 mi-
nutos, sobre a eficácia da hidroxicloro-
quina. Em maio de 2020, verificou-se 
uma ruptura mesmo que parcial nesse 
vínculo. Datena fez pronunciamentos 
públicos em que declarava não desejar 
mais entrevistar o presidente, embora 
tenha feito outras entrevistas a posterio-
ri e inserções diárias com representan-
tes do governo federal. 
Naquele momento, tratava-se de 
uma resposta aos ataques que a emis-
sora em que trabalha sofreu na divul-
gação do vídeo ministerial tido como 
prova dos autos do inquérito sobre a in-
terferência do presidente na Polícia Fe-
deral após denúncia do ex-ministro da 
Justiça Sérgio Moro. O programa veicu-
lou – inesperadamente, já que desco-
nhecia o teor do vídeo antes da exibi-ção – ao vivo críticas do superintendente 
da Caixa Econômica, Pedro Guima-
rães, à Rede Bandeirantes, acusada de 
exigir dinheiro para a divulgação de 
conteúdo, ou seja, a venda de conteúdo 
editorial. Na reunião ministerial, o su-
perintendente afirmou: “Hoje de ma-
nhã, o pessoal da Band queria dinhei-
ro. O ponto é o seguinte: vai ou não vai 
dar dinheiro para a Bandeirantes? Não 
vai dar dinheiro para a Bandeirantes? 
Passei meia hora levando porrada, mas 
repliquei”. 
O superintendente em questão es-
tava participando diariamente do pro-
grama de Datena, apresentando as me-
didas para o pagamento do auxílio 
emergencial aos brasileiros, com inser-
ções com média de 40 minutos. Datena 
contestou a informação e disse ao vivo 
que suas participações no programa 
eram gratuitas. Sanado o desconforto 
com a revelação, o superintendente foi 
substituído pelo próprio ministro da 
Cidadania, responsável pelo auxílio, 
Ônix Lorenzoni, que seguiu partici-
pando do programa diariamente. 
Já a RedeTV! investiu na contratação 
de Sikêra Júnior desde a ascensão de 
Bolsonaro. O apresentador bolsonarista 
se popularizou por suas participações 
cômicas no programa Plantão Alagoas, 
do SBT em Maceió. Foi criado o progra-
ma Alerta Nacional, produzido pela TV 
A Crítica do Amazonas e exibido em ca-
deia nacional. O próprio presidente é 
entusiasta do programa e já concedeu 
diferentes entrevistas exclusivas. Entre 
elas, a que comentou uma falsa notícia 
em que um porteiro não identificado foi 
notificado como vítima da Covid-19, 
mas teria sofrido um acidente ao trocar 
um pneu. E a que fez no hospital em que 
estava internado com dores abdomi-
nais e soluços persistentes. 
A produção tem uma estrutura pe-
culiar. No formato, Sikêra comenta ma-
térias de todo o país, acompanhado por 
um elenco cômico que interpreta e im-
provisa respondendo ao seu comando 
teatral. Diferentemente de Datena, sua 
mediação está baseada no drama, e não 
no jornalismo. Os comentários radicais 
e cômicos do programa de televisão são 
editados e disponibilizados na internet 
em pílulas de poucos minutos, permi-
tindo a circulação nas redes sociais e 
seu compartilhamento por aplicativos 
como o WhatsApp. Quanto mais polê-
mico o comentário, maior o alcance. 
Ambos os apresentadores, mesmo que 
não tenham cargos eletivos, classifi-
cam-se como comunicadores-políticos 
e desconstroem as barreiras entre os 
sistemas midiáticos e políticos brasilei-
ros por meio da barganha pela visibili-
dade e pela mídia positiva. 
A RecordTV é a rede que melhor ad-
ministra seus comunicadores-políticos. 
Sua plataforma articulada nos últimos 
anos é taticamente construída na tele-
visão e no rádio e calculada nos templos 
da Universal. Seus parlamentares estão 
majoritariamente vinculados ao parti-
do Republicanos, que agrega meticulo-
samente outras denominações religio-
sas com e sem mídia, de modo que 
geopoliticamente os interesses do gru-
po se mantenham intactos. 
Atualmente, o Republicanos tem 31 
deputados federais. Desde sua funda-
ção, em 2005, o partido mantém a meta 
de duplicar sua bancada a cada legisla-
tura. Atualmente, mais da metade tem 
vínculos institucionais com a Igreja: 
treze são bispos ou pastores da Igreja 
Universal do Reino de Deus, três são da 
Assembleia de Deus e um é da Igreja 
Batista. O restante da bancada é forma-
da por radiodifusores e/ou comunica-
dores-políticos, como Celso Russo-
manno (SP), já citado, apresentador do 
quadro “Patrulha do Consumidor”, e 
Amaro Neto (ES), apresentador do pro-
grama Balanço Geral ES, por exemplo, 
vinculados à programação da emissora 
e de suas afiliadas. 
A bancada, comumente, é unânime 
em seus posicionamentos, e votos con-
trários aos interesses do grupo impli-
cam saída do partido, da Igreja e da 
emissora. Flávio Bolsonaro (senador 
pelo Rio de Janeiro) foi filiado ao parti-
do, e Carlos Bolsonaro (vereador da ci-
dade do Rio de Janeiro) e a ex-mulher 
Rogéria Bolsonaro são filiados. 
À primeira vista, a emissora parece 
uma simples apoiadora natural de Te-
mer e de Bolsonaro. Um gesto aparen-
temente banal é prova de que, compa-
rada a outras redes, a capacidade de 
barganha é um pouco maior. No dia 1º 
de setembro de 2019, em pleno Templo 
de Salomão, o presidente da República 
prostrou-se de joelhos diante do líder 
Edir Macedo e de seu genro, Renato 
Cardoso, apresentador do Inteligência e 
Fé e do Love School.
Os telejornais da casa frequente-
mente abrem espaço para o presidente, 
mas são os representantes do grupo 
que sempre têm a palavra final e a voz 
de autoridade. Assim, a RecordTV se-
gue ora “bolsonarista desde crianci-
nha”, ora sinalizando ruptura. Às ve-
zes, só resta ao vice, Hamilton Mourão, 
correr para apaziguar os ânimos, nem 
que seja embarcando para Angola, o 
mais recente motivo de conflito entre o 
governo e o grupo midiático-político e 
religioso – uma evidente demonstração 
de confusão entre o público e o privado 
e também da natureza pragmática dos 
vínculos, consolidada na última déca-
da. O grupo costuma pular do barco 
apenas no último segundo. 
Já o SBT tem outro tipo de estraté-
gia. Seu principal capital político se fir-
ma nas produções de entretenimento 
conservador e acrítico e no apelo popu-
lar, e se encaixa como uma luva para os 
governos autoritários. Sem a boa dose 
de bajulação que só Silvio Santos é ca-
paz de oferecer, o SBT nem existiria, já 
que não teria obtido a autorização dos 
militares em 1981. 
Franca apoiadora do impeachment 
de Dilma, a emissora esteve aberta a to-
das as pautas levantadas pelo governo 
Temer. Quem diria que um salão de be-
leza seria o ponto de encontro entre o 
poder midiático e político brasileiro? 
Foi Robson Jassa que promoveu a con-
versa entre Temer e Santos. Temer e Bol-
sonaro, aliás, foram entrevistados em 
vários programas do SBT, incluindo o 
mais prestigiado, o Programa Silvio San-
tos, rompendo um jejum de participa-
ções políticas da Presidência da Repú-
blica de quase uma década na atração. 
A vitória de Bolsonaro fez o conser-
vadorismo da programação ir mais lon-
ge. Na primeira semana após as elei-
ções de 2018, o SBT exibiu vinhetas em 
tons nacionalistas com dizeres como 
“Brasil, ame ou deixe-o”, que rememo-
ram sua adesão ao autoritarismo e seu 
tradicional papel de subserviência, ca-
pitais políticos fundamentais da emis-
sora. Mais tarde, aderiu ao discurso ar-
mamentista e ao recrudescimento das 
leis penais, incorporando programas 
como O crime não compensa, seis dias 
depois da posse. 
Os principais programas da rede 
são patrocinados pela Havan, loja cata-
rinense de departamento de proprie-
dade de Luciano Hang, um dos princi-
pais empresários que apoiaram o 
impeachment e a ascensão da família 
Bolsonaro. Seus investimentos nos 
programas da casa, como de Ratinho, 
Eliana e Celso Portiolli (Domingo Le-
gal), são importantes. 
Foi ao SBT que a Presidência acenou 
na crise política provocada pela saída 
do ex-ministro Sérgio Moro e pelos im-
pactos sociais e econômicos da pande-
mia de Covid-19. A Presidência decidiu 
recriar o extinto Ministério da Comu-
nicação e entregá-lo a Fábio Faria 
(PSD), deputado federal potiguar com 
“ótimo trânsito no Congresso”, como 
descreveu o ex-presidente da Câmara 
dos Deputados Rodrigo Maia.
Sem o conhecimento técnico da 
área, mas com significativas creden-
ciais do compadrio, Faria, esposo da 
quarta filha de Silvio Santos, Patrícia 
Abravanel, assumiu uma pasta crucial 
para o momento de crise e para o cená-
rio das eleições de 2022. Ele figura ao 
lado de Bolsonaro nas caravanas pelo 
Nordeste, região em que o presidente 
tem baixa penetração, e tem atuado co-
mo seu porta-voz perante a imprensa. 
Turbinada com o poder de outorga de 
novas concessões de radiodifusão e 
com o controle da verba publicitária es-
tatal, a pasta vem promovendo o tal 
“armistício patriótico” que anunciou, 
alimentando com dinheiro essa cadeia 
midiática dependente. 
*Janaine Aires é professora da Universi-
dade Federal do Rio Grandedo Norte; Su-
zy dos Santos é professora da Universida-
de Federal do Rio de Janeiro.
10 Le Monde Diplomatique Brasil OUTUBRO 2021
Jornalismo, silenciamentos 
e consensos fabricados
Como mecanismo de controle, as mídias comerciais agem como ferramentas sociais 
para a produção de consensos. Para legitimar suas expressões de poder, grande parte 
de suas ações ancora-se na farsa da ideologia burguesa da liberdade de expressão 
e “da cultura de liberdade na prática da autonomia” 
POR FRANCIANI BERNARDES E NATALY QUEIROZ*
UMA MÍDIA COMERCIAL CONCENTRADA, OLIGOPOLISTA E ASSENTADA NUM IDEÁRIO COLONIAL
C
omunicação, cidadania e demo-
cracia estão diretamente interli-
gadas. Os regimes democráticos 
têm como pressuposto funda-
mental a liberdade de expressão. A 
arena na qual a democracia se forja é o 
espaço social construído com base em 
fluxos comunicacionais estabelecidos 
entre diversos sujeitos, cada vez mais 
mediados por veículos e tecnologias 
de comunicação. O reconhecimento 
da pluralidade, bem como de suas ten-
sões e complementaridades, como 
inerente às práticas democráticas se 
faz igualmente por meio de processos 
simbólicos tecidos no cotidiano das 
representações midiáticas, nas quais 
é possível reafirmar direitos e deveres 
partilhados entre os indivíduos. É 
nessa dialética que se constrói e se va-
lida a cidadania.
A comunicação é, portanto, ele-
mento político que cimenta nossas re-
lações no dia a dia, sendo também 
campo de uma intensa disputa de po-
der. A política da grande mídia comer-
cial brasileira, concentrada, oligopolis-
ta e assentada num ideário colonial, 
manifestada em suas narrativas dos fa-
tos considerados relevantes, é um ter-
mômetro que demonstra o tamanho do 
desafio para manter bases democráti-
cas e cidadãs em um país abalado pelo 
avanço neoconservador e liberal.
As instituições midiáticas, quando 
organismos privados, se configuram co-
mo empresas capitalistas de comunica-
ção, que visam ao lucro. Nesse sentido, o 
papel mercantil dos meios de comunica-
ção ultrapassa a função dos outros seto-
res econômicos, pois, além de serem for-
madores da opinião, sua mercadoria, 
que é a notícia, atua como mecanismo 
de controle e dominação, posição cen-
tral nesse processo de hegemonia.
Há uma década, o Intervozes – Cole-
tivo Brasil de Comunicação Social de-
senvolve uma série de pesquisas intitu-
ladas Vozes Silenciadas, sobre a 
cobertura da mídia acerca de temas fun-
damentais para a democracia e para a 
conquista da cidadania plena. Nesse pe-
ríodo nos debruçamos sobre assuntos 
pluralidade – pilar fundamental do re-
conhecimento da existência e da cida-
dania desses sujeitos políticos indis-
pensáveis para equilibrar a balança 
dos poderes existentes na sociedade. 
Seguindo à baila das fontes oficiais 
como as principais vozes da notícia, a 
grande mídia comercial e hegemônica 
incorre numa prática rasa de jornalis-
mo declaratório, o qual pode reforçar, 
no âmbito da política, o personalismo, 
marca de projetos autoritários. Além 
disso, pode corroborar a construção de 
consensos que reforçam o descrédito 
nas instituições públicas e o afasta-
mento dos cidadãos e cidadãs da esfera 
política. Isso se materializa de várias 
formas. Uma delas é por meio da crimi-
nalização dos movimentos sociais. Em 
2011, o Vozes Silenciadas analisou a co-
bertura da mídia acerca do MST. Mais 
da metade das matérias correlaciona a 
ação do movimento a atos de violência 
no campo, apresentando-o em 42,5% 
dos casos como autor das ações.
Concomitantemente, ao darem es-
paço às vozes do capital como prioritá-
rias para abordar, por exemplo, pautas 
sobre direitos previdenciários, reforma 
agrária e meio ambiente, os veículos 
comerciais se colocam ao lado de um 
modelo econômico neoliberal, subser-
viente ao Norte global e excludente. No 
Vozes Silenciadas que analisou a co-
bertura jornalística da reforma previ-
denciária de 2019, em um universo de 
mais de duzentas matérias produzidas, 
72,8% das fontes ouvidas eram favorá-
veis ou parcialmente favoráveis à mu-
dança da legislação. Apenas 19% apre-
sentavam posicionamentos contrários 
ou parcialmente contrários.
Como mecanismo de controle, as 
mídias comerciais agem como ferra-
mentas sociais para a produção de con-
sensos. Para legitimar suas expressões 
de poder, grande parte de suas ações an-
cora-se na farsa da ideologia burguesa 
da liberdade de expressão e “da cultura 
de liberdade na prática da autonomia”. 
Não podemos perder de vista que a rela-
ção de produção, distribuição e consu-
mo das informações rebate diretamente 
na formação da opinião pública. 
As informações publicadas nas mí-
dias podem ser, ao mesmo tempo, um 
espetáculo de mercadorização da in-
formação ou a expressão de resistên-
cias. O Vozes Silenciadas evidencia 
que o direito à comunicação e a demo-
cracia necessitam de um jornalismo 
que se efetive como campo voltado ao 
interesse público. 
*Franciani Bernardes é jornalista, douto-
ra em Comunicação e pesquisadora do Ob-
servatório da Mídia, Direitos Humanos, Po-
líticas e Transparências (Ufes); Nataly 
Queiroz é jornalista, professora universitá-
ria e doutora em Comunicação. Ambas fa-
zem parte do Intervozes – Coletivo Brasil 
de Comunicação Socia
como a representação midiática do Mo-
vimento dos Trabalhadores Rurais Sem 
Terra (MST), das manifestações de ju-
nho de 2013, da reforma da Previdência, 
do derramamento de petróleo na costa 
brasileira em 2019 e dos direitos sexuais 
e reprodutivos das mulheres.
Para isso, colocamos uma lupa sobre 
o modus operandi dos maiores veículos 
de comunicação do país em circulação 
e audiência, a fim de compreender e de-
nunciar como as desigualdades de tra-
tamento jornalístico de temas caros à 
população se imbricam com as velhas 
desigualdades estruturais de classe, ra-
ça e gênero – bases de um sistema so-
cioeconômico e político excludente e 
injusto. No Vozes Silenciadas, as teias 
da narrativa midiática são analisadas 
com base em critérios qualitativos e 
quantitativos, tais como espaço dedica-
do ao tema nos meios de comunicação, 
ganchos temáticos, tipo de abordagem 
e fontes consultadas, entre outros. 
Num período histórico em que a 
própria política se midiatiza e distintos 
agentes disputam o sentido da demo-
cracia mediados por tecnologias de in-
formação e comunicação, ressalta-se o 
papel dos meios de comunicação na 
construção das agendas sociais. Nesse 
contexto, o sujeito que fala e, conse-
quentemente, se evidencia nas mídias 
tem lugar privilegiado na sedimenta-
ção de consensos, os quais podem ser 
balizadores da conquista ou da nega-
ção de direitos. 
As edições do Vozes Silenciadas, de 
forma geral, revelam que o jornalismo 
da grande mídia comercial brasileira se 
mantém como refém dos poderes secu-
larizados da velha política e do capital. 
Isso pode ser evidenciado pela predile-
ção e dependência das fontes oficiais 
na construção das notícias e reporta-
gens. Essa política midiática, ao dar voz 
prioritária aos donos do poder, mesmo 
quando existe um tom crítico, tolhe a 
possibilidade de construção de uma vi-
são ampliada da problemática social 
abordada, circunscrevendo-a às narra-
tivas de apenas um grupo social. 
Na análise da cobertura sobre o 
derramamento de petróleo na costa 
brasileira, por exemplo, 60% das vozes 
escutadas pela imprensa eram repre-
sentantes do poder público, majorita-
riamente das Forças Armadas e do Exe-
cutivo federal. Apenas 5% das fontes e 
personagens eram de povos e comuni-
dades tradicionais, aqueles que tive-
ram sua vida e seu sustento diretamen-
te afetados pelo desastre. Ao agir assim, 
secundarizando e/ou emudecendo as 
vozes de grupos social e historicamen-
te excluídos, como comunidades tradi-
cionais, mulheres, negros e negras, en-
tre outros, a mídia retira de cena a 
© Rapha Baggas
11OUTUBRO 2021 Le Monde Diplomatique Brasil
Violações de 
direitos ao vivo
O maniqueísmo bem versus mal é um traço definidor do discurso simplista utilizado 
para alcançar rapidamentea compreensão do público nos programas policiais na TV. 
Deus e o diabo. Polícia e ladrão. Marginal e trabalhador. Posicionar o suspeito contra 
o “cidadão de bem” engaja o público em uma sensação de pertencimento e 
compartilhamento de emoções 
POR TICIANNE PERDIGÃO*
PROGRAMAS POLICIAIS NA TV
A 
visibilidade alcançada pelo apre-
sentador Sikêra Júnior no Alerta 
Nacional (RedeTV!) retomou o 
debate sobre os limites éticos ul-
trapassados por programas policiais. 
Com uma postura cênica e uma lingua-
gem popular em tons de deboche e re-
volta, Sikêra gera polêmicas ao come-
morar a morte de suspeitos com o 
jargão “CPF cancelado” ou chamar ho-
mossexuais de “raça desgraçada”.
Desde os anos 1960, programas po-
licialescos como Polícia às suas Ordens, 
da TV Excelsior (1966), Patrulha da Ci-
dade, da TV Tupi (1965), e a primeira 
versão de O Homem do Sapato Branco, 
exibido pela Rede Globo (1968), já fa-
ziam a cobertura de crimes dramati-
zando a realidade com trilhas sonoras 
de suspense e sons de sirenes e tiros.
No entanto, foi no começo da déca-
da de 1990 que o programa Aqui Agora, 
do SBT (1991), inovou o formato, trans-
ferindo a narrativa radiofônica para a 
televisão. Seu principal expoente, o ra-
dialista Gil Gomes, destacava a entona-
ção das palavras e aumentava os efeitos 
de suspense e a emoção. A linguagem 
coloquial aproximou os públicos C e D 
dos programas denominados informa-
tivos, gerando uma forte audiência. A 
mudança de horário também foi im-
portante. Exibidos mais cedo, seu su-
cesso rendeu versões regionais e se 
multiplicou pelo país. 
Atualmente, o apresentador tem 
maior destaque, mais tempo de estúdio 
e notícias transmitidas “ao vivo”. É o 
âncora condutor do programa que in-
terfere na cobertura, que pede o enqua-
dramento e a repetição de imagens e 
produz um discurso fortemente opina-
tivo e recheado de juízos de valor con-
tra os suspeitos. 
De modo geral, a construção narra-
tiva é marcada pela ausência de con-
textualização dos problemas relativos à 
violência e à segurança pública. O ma-
niqueísmo bem versus mal é um traço 
definidor do discurso simplista utiliza-
do para alcançar rapidamente a com-
preensão do público. Um bandido que 
comete um crime como esse não tem 
na, as decisões foram 83,3% desfavorá-
veis.4 Além disso, o tempo médio de jul-
gamento é de cinco anos, o que 
contraria a lógica imediata televisiva.
A ausência de fiscalização estatal e 
a morosidade judiciária tornam o am-
biente televisivo livre para exibir o cor-
po estendido no chão. A chegada do 
streaming e a expansão de público do 
YouTube elevaram a competitividade 
do setor. A busca pela audiência gera 
disputas acirradas, intensificando ain-
da mais seu caráter sensacionalista.
Por isso, a criação de uma legislação 
específica oportunizaria um modelo 
mais consistente e estável. Em um plano 
ideal, a legislação contemplaria um sis-
tema sancionatório robusto, com maior 
agilidade e hipóteses claras de infração. 
A aplicação das sanções seria feita por 
um novo órgão fiscalizatório indepen-
dente, dinâmico e com representantes 
de diversos setores da sociedade.
Enquanto isso não acontece, os ca-
sos que chegam aos olhos do Estado ou 
que ativam o sistema judiciário têm em 
comum uma forte mobilização social. 
Diante da dificuldade de mudanças es-
truturais a curto prazo, pressionar po-
líticos, debater e dar visibilidade ao te-
ma movimenta as peças disponíveis. 
Aqui agora. 
*Ticianne Perdigão é mestra em Direito 
(UFPE), doutora em Comunicação (UFPE) 
e professora universitária.
1 Em pesquisa realizada pela socióloga Esther 
Solano, a cultura militar relacionada à ética, à 
disciplina e à defesa da moral e dos bons cos-
tumes foi essencial para eleger o último presi-
dente. SOLANO, E. Crise da democracia e 
extremismos de direita. São Paulo: Friedri-
chEbert-Stiftung, 2018.
2 O Código Brasileiro de Telecomunicação é de 
1962 (Lei n. 4.117) e o Regulamento de Servi-
ços de Radiodifusão é de 1963 (Decreto 
n. 52.795). Ambos foram modificados durante 
o período da ditadura militar. Mesmo conside-
rados ultrapassados, o engessamento é man-
tido exatamente pela incapacidade de provo-
car riscos a emissoras.
3 O levantamento foi realizado pela autora. CA-
BRAL, Ticianne M. P. Fiscalização estatal so-
bre o conteúdo televisivo: violações de direitos 
em programas policiais. Tese (Doutorado em 
Comunicação) – Programa de Pós-Graduação 
em Comunicação. Recife, 2019. São três os ti-
pos de sanções: multa, suspensão de um a 
trinta dias da programação e cassação (art. 
122 da Lei n. 4.117). Nesta última, a Constitui-
ção Federal determina que o cancelamento da 
cassação só pode ser feito por decisão judi-
cial. Nesse caso, especificamente, o processo 
deve ser encaminhado para apreciação do Po-
der Judiciário. Nos exemplos citados, as emis-
soras foram penalizadas por: “Não transmitir 
programas que atentem contra o sentimento 
público, expondo pessoas a situações que, de 
alguma forma, redundem em constrangimento, 
ainda que seu objetivo seja jornalístico” 
(art. 28, 12, “b”, do Decreto n. 52.795/1963) e 
“Promover campanha discriminatória em razão 
de classe, cor, raça ou religião” (art. 122, V, do 
Decreto n. 52.795/1963).
4 A pesquisa foi realizada pela autora sobre 24 
ações que chegaram à segunda instância. 
Não houve delimitação temporal, sendo con-
sideradas todas as ações localizadas no site 
dos tribunais até 2012. CABRAL, Ticianne M. 
P. Controle jurisdicional de conteúdo da pro-
gramação televisiva comercial aberta. Disser-
tação (Mestrado em Direito) – Programa de 
Pós-Graduação em Direito. Recife, 2013.
Deus no coração. Reconhecem? Deus e 
o diabo. Polícia e ladrão. Marginal e 
trabalhador. Posicionar o suspeito con-
tra o “cidadão de bem” engaja o público 
em uma sensação de pertencimento e 
compartilhamento de emoções. 
Ainda, os discursos frequentemente 
apoiam a truculência militar e defen-
dem a violência e o recrudescimento das 
leis penais contra o crescimento da cri-
minalidade. De outro modo, por vezes, 
há um incentivo à “justiça com as pró-
prias mãos”, que fragiliza instituições 
democráticas. Nesse cenário, os apre-
sentadores se colocam como defensores 
da moral e dos bons costumes, em prol 
da paz social. O tom de indignação ser-
ve, ao telespectador, como forma de des-
pressurizar seu medo da violência ou 
suas dificuldades econômicas e sociais 
– do preço do gás alto ao ônibus lotado. 
Quando Sikêra chama os homosse-
xuais de “raça desgraçada”, o apresen-
tador defende o retorno aos valores tra-
dicionais, a exemplo de família e 
religião, como forma de restauração da 
ordem social. Essa pauta conservadora 
pareceu mais evidente nas eleições de 
2018, mas programas policiais sempre 
estiveram aí.1
Em 2015, um estudo realizado pela 
Andi localizou mais de 8 mil violações 
de direitos em programas policiais em 
apenas trinta dias, como: desrespeito à 
presunção de inocência; incitação ao 
crime e à violência; incitação à desobe-
diência às leis ou às decisões judiciá-
rias; exposição indevida de pessoa ou 
família; discurso de ódio e preconceito 
de raça, cor, etnia, religião, condição 
socioeconômica, orientação sexual ou 
procedência nacional.
É relevante observar que, enquanto 
concessionárias do serviço público, as 
emissoras estão sujeitas a deveres, in-
clusive acerca do conteúdo veiculado. 
Na Constituição existem orientações 
sobre os princípios e as finalidades que 
devem ser seguidos pelas emissoras, 
como a preferência pelas atividades 
culturais, educativas e informativas. 
No plano infraconstitucional, há atos 
normativos mais específicos, como o 
Código Brasileiro de Telecomunicação 
e o Regulamento dos Serviços de Radio-
difusão,2 que aprofundam as orienta-
ções de conteúdo e preveem fiscaliza-
ção e sanção estatal para as emissoras. 
No entanto, mesmo diante do pre-
juízo social, o Estado não toma medi-
das para coibir abusos produzidos pe-
las emissoras. De 2011 a 2018, apenas 
cinco emissoras receberam

Continue navegando