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Biossíntese de Lipídeos -Os lipídeos desempenham uma grande variedade de funções: são a principal forma de armazenamento de energia na maioria dos organismos e os principais constituintes das membranas celulares. Lipídeos especializados atuam como pigmentos (carotenos), cofatores (vitamina K), detergentes (sais biliares), hormônios (sexuais: testosterona e estrógenos) e entre outras funções. -São os principais formadores dos triacilgliceróis, lipídeos de membrana e com função de armazenar energia. -Portanto, a capacidade de sintetizar uma variedade de lipídeos é essencial a todos os organismos. -Como visto, toda a rota de biossíntese anabólica requer gasto de energia (principalmente ATP) e de poder redutor (principalmente NADH, FADH2 ou NADPH), diferente das rotas catabólicas que produzem essas moléculas. -Assim, a biossíntese de lipídeos não é diferente: requer energia e poder redutor para ocorrer. -Outra característica das rotas biossintéticas é que elas são diferentes das rotas catabólicas, ou seja, não são as rotas catabólicas ao inverso, apesar de poderem compartilhar algumas etapas. -No entanto, a biossíntese de lipídeos é uma via completamente diferente da rota de catabolismo. Ela é catalisada por enzimas diferentes, localizam- se em diferentes compartimentos celulares -> enquanto a degradação acontece na mitocôndria das células animais e nos peroxissomos das células vegetais, a biossíntese ocorre no citosol das células animais e nos cloroplastos das células vegetais. -Uma outra diferença é a participação de um intermediário de 3 carbonos (MALONIL- CoA) que não participa como intermediário na oxidação dos ácidos graxos. -Apesar de serem rotas diferentes, observa-se que tanto na degradação quanto a biossíntese ocorrem 4 etapas principais. -Na oxidação ocorre uma oxidação seguida de uma hidratação, outra oxidação e, por fim, uma cisão. -Já na biossíntese, ocorre primeiro uma condensação (com o malonil-CoA), em seguida uma redução, depois uma desidratação e, por fim, uma nova redução. -Este ciclo se repete e, em cada volta, são adicionados dois carbonos até a formação do PALMITATO, um ácido graxo de 16 carbonos. -O malonil-CoA é formado a partir do acetil-CoA em um processo catalisado pela enzima ACETIL- COA CARBOXILASE. Esta enzima catalisa duas reações distintas: em bactérias, três subunidades formam essa enzima, em mamíferos, ela é uma única proteína multifuncional. Em todos os casos, o complexo enzimático possui um grupo prostético: a BIOTINA (vitamina B7), que é ligada covalentemente a um resíduo de lisina na proteína. -A reação de carboxilação é realizada em duas etapas e é muito semelhante a outras reações de carboxilação dependentes de biotina já vistas (como a da piruvato carboxilase, que catalisa a carboxilação do piruvato à oxaloacetato). -Primeiramente, um grupo carboxil (derivado do bicarbonato, o qual é a forma solúvel do CO2 em meio aquoso celular) é transferido para a biotina em uma reação dependente de ATP. -A biotina transfere o grupo carboxil para o acetil- CoA gerando o malonil-CoA. Obs.: para cada mol de malonil-CoA, ocorre a hidrólise de 1 mol de ATP. -Como nas células animais a síntese dos ácidos graxos ocorre no citosol, uma etapa importante é a transferência do acetil-CoA da mitocôndria para o citosol para ser utilizado na síntese de malonil- CoA. -Nos mamíferos, os ácidos graxos são formados principalmente a partir dos carboidratos, sendo o produto inicial o acetil-CoA que será utilizado na formação do malonil-CoA. Além disso, o produto é o ácido palmítico, um ácido graxo de 16 carbonos. -A síntese de ácidos graxos é iniciada quando a demanda por ATP é baixa. A energia contida no acetil-CoA mitocondrial (formado principalmente pela oxidação dos carboidratos) pode ser estocada como gordura pela síntese de ácidos graxos. -Em humanos, essa biossíntese ocorre principalmente no fígado e nas glândulas mamárias e secundariamente nos adipócitos e rins. -A síntese dos ácidos graxos ocorre no citosol e é sabido que o acetil-CoA formado a partir do piruvato ocorre na mitocôndria. Assim, o acetil- CoA precisa ser transportado para fora da mitocôndria para ser utilizado na biossíntese dos ácidos graxos. -Como a mitocôndria não possui um transportador de acetil-CoA, os seus carbonos são transportados na forma de CITRATO. -Vale salientar que, em animais, o acetil-CoA produzido pela oxidação dos ácidos graxos não são fonte de carbono para a síntese dos ácidos graxos, uma vez que as vias de biossíntese e degradação são reguladas de maneira inversa, ou seja, enquanto uma está ativa, a outra está inativa. -Assim, vale recordar que os acetil-CoAs provenientes da oxidação dos ácidos graxos em animais são oxidados até CO2 no ciclo de Krebs. -Para o acetil-CoA ser transportado para fora da mitocôndria, primeiro ele reage com o oxaloacetato para formar citrato, uma reação do ciclo de Krebs catalisada pela CITRATO SINTASE. -O citrato, então, atravessa a membrana interna da mitocôndria pelo transportador de citrato. No citosol, a clivagem do citrato catalisado pela CITRATO LIASE regenera o acetil-CoA e o oxaloacetato em uma reação dependente de ATP. -O oxaloacetato não pode retornar diretamente à matriz mitocondrial, já que não existe um transportador específico para ele. Assim, o oxaloacetato citosólico é convertido a malato em uma reação catalisada pela MALATO DESIDROGENASE CITOSÓLICA. -O malato pode retornar à matriz mitocondrial pelo transportador MALATO-α-CETOGLUTARATO e na matriz o malato é oxidado a oxaloacetato, completando o ciclo. -No entanto, a maior parte do malato produzido no citosol é utilizado para a produção de NADPH citosólico, composto importante nos outros passos da biossíntese de lipídeos. -A reação catalisada pela enzima MÁLICA oxida o malato a piruvato, que é então transportado para a mitocôndria pelo transportador de piruvato. -Na mitocôndria, o piruvato é convertido a oxaloacetato pela PIRUVATO CARBOXILASE. -Este ciclo consome 2 ATPs, um pela citrato liase e outro pela piruvato carboxilase para cada acetil que é transportado da mitocôndria para o citosol. -Outra molécula importante para a biossíntese de ácidos graxos é o NADPH. -Nos hepatócitos e adipócitos o NADPH citosólico é predominantemente gerado pela via das pentoses-fosfato e pela enzima málica. -Nas células fotossintéticas das plantas, a síntese dos ácidos graxos não ocorre no citosol, e sim no estroma dos cloroplastos -> isso faz sentido, já que o NADPH é amplamente produzido nos cloroplastos pelas reações da fase clara. -Em todos os organismos, as longas cadeias de carbono nos ácidos graxos são construídas por uma sequência de 4 reações que se repetem e, em cada ciclo, são adicionados dois carbonos na cadeia de ácido graxo nascente. -Essas 4 reações são catalisadas por um sistema de enzimas conhecido como ÁCIDO GRAXO SINTETASE. -A síntese inicia-se com a ligação de um grupo malonila e uma acetila (ou acilas maiores) à enzima ácido graxo sintetase. Esses grupos estão ligados covalentemente à enzima por uma ligação tioéster. -Após a ligação desses dois grupos, a primeira reação é uma condensação de um grupo acila e dois carbonos do malonil com eliminação de CO2. O carbono β do produto dessa condensação é uma função cetona. -Nas reações subsequentes, esse carbono β é reduzido em 3 etapas praticamente idênticas às reações da β-oxidação, mas na sequência inversa. -Na segunda reação, o grupo β cetônico é reduzido. -Na terceira reação, a eliminação de água cria uma dupla ligação e, por fim, a ligação dupla é reduzida, formando o grupo acil graxo saturado correspondente. -A partir daí, este grupo é transferido para o sítio acila inicial (onde se ligou o primeiro acetil-CoA) e uma nova molécula de malonil-CoA seliga à enzima, recomeçando o ciclo. -Existem duas variantes para essa enzima, a ácido graxo sintetase I, encontrada em vertebrados e em fungos e a ácido graxo sintetase II, encontrada em bactérias e plantas. -A AGS I de mamíferos consiste em uma única cadeia polipeptídica multifuncional com 7 sítios ativos localizados em diferentes domínios da proteína. -A AGS I de fungos é diferente: consiste em dois polipeptídios multifuncionais, sendo que, dos 7 sítios ativos, 3 estão em uma subunidade e 4 estão em outra. -A AGS II de vegetais e bactérias é um sistema dissociado: cada etapa da síntese é catalisada por uma enzima diferente. -Esse sistema leva à formação de um único produto e não são liberados intermediários. -Quando o comprimento da cadeia chega a 16 carbonos (ácido palmítico), o produto é liberado. Portanto, esse sistema só produz o ácido graxo saturado de 16 carbonos palmitato. -Os demais ácidos graxos nesses organismos são produzidos a partir do palmitato ou por outras reações enzimáticas. -Já o sistema AGS II de plantas e bactérias gera uma variedade de produtos, incluindo ácidos graxos saturados de vários comprimentos, assim como insaturados e ramificados. -Usa-se a enzima AGS I de mamíferos para explicar como é a síntese de ácidos graxos por esse complexo enzimático: -Antes das reações de condensação (que constroem a cadeia do ácido graxo) possam iniciar, dois grupos tióis do complexo enzimático devem ser carregados com os grupamentos acilas do malonil-CoA e do primeiro acetil-CoA. -Os grupos acetil do acetil-CoA são transferidos para um grupo SH de uma cisteína na β CETOACIL ACP SINTASE (KS). -A segunda reação é a transferência do grupo malonil do malonil-CoA para o grupo SH da ACP. Observa-se que a proteína carreadora de grupos acila (ACP) possui um grupo prostético (4’ fosfo- panteína) que é muito similar ao da coenzima A. -O grupo SH desse grupo prostético é o que vai se ligar ao malonil. -Uma vez ligado à enzima, os grupos malonil e acetil estão ativados para iniciar as reações de alongamento da cadeia. -A primeira da série de 4 reações começa com a condensação envolvendo os grupos acetil e malonil e leva a formação de uma cetoacetil ligado covalentemente ao grupo SH da ACP. A condensação é simultânea a perda de CO2 -> o carbono perdido nessa etapa é o mesmo proveniente do CO2 na formação do malonil. Assim, não existe adição de carbono a partir do CO2 na síntese de ácidos graxos (todos os carbonos são provenientes do acetil-CoA). A descarboxilação nessa etapa é essencial para a reação de condensação ser termodinamicamente favorável. -A etapa dois é a redução do cetoacetil formado na etapa de condensação no carbono 3, formando o β-hidroxibutiril-ACP. Essa reação é catalisada pela β cetoacil ACP redutase (KR). -A etapa três é uma desidratação: a água é removida dos carbonos 2 e 3, formando uma ligação dupla. A enzima que catalisa essa reação é a hidroacil ACP desidratase (HD). -A etapa quatro é a redução da dupla, formando o butiril-ACP pela ação da enzima enoil-ACP redutase (ER). -Essas reações se repetem até formar o palmitato. Notar que, ao final de cada volta, o ácido graxo nascente é translocado da ACP para a β cetoacil ACP sintase, deixando o SH da ACP livre para receber um novo malonil e iniciar uma nova volta de alongamento. -Pode-se dividir a síntese do palmitato em duas etapas: 1-Formação de 7 moléculas de malonil-CoA. II-Ciclos de condensação e redução. -No passo inicial, tem-se um acetil-CoA e um malonil-CoA. Nos passos seguintes, tem-se um malonil-CoA para cada adição de dois carbonos na cadeia carbônica. -No total, é necessário 7 malonil-CoA (que vão fornecer 14 carbonos) e 1 acetil-CoA (que vai fornecer 2 carbonos). -Para cada formação de malonil, tem-se o gasto de 1 ATP. Portanto, são 7 ATPs gastos para a formação do palmitato. -Para cada ciclo, tem-se o gasto de 2 NADPH. Como são 7 voltas, o gasto é de 14 NADPH. -Reparar que cada volta produz uma molécula de água e, portanto, deveriam ser 7 moléculas de água, e não 6 como está na equação. -No entanto, é descontada uma água que é usada para a liberação do palmitato da enzima ao final da biossíntese. -Portanto, no balanço geral tem-se: -Se considerar que o malonil-CoA é formado a partir do acetil-CoA... -Assim, a biossíntese de ácidos graxos (como o palmitato) requer acetil-CoA e o fornecimento de energia química de 2 formas: I-ATP. II-Poder redutor do NADPH. -Em eucariotos não fotossintéticos, existe um curso energético adicional para a síntese de ácidos graxos, devido à necessidade de transportar o acetil-CoA (que é gerado na mitocôndria) para o citosol. -Essa etapa, como visto anteriormente, consome 2 ATPs para cada acetil-CoA que é lançado para o citosol. Assim, nestes organismos, temos um consumo total de 3 ATPs para cada unidade de 2 carbonos que é adicionada ao ácido graxo nascente. -Devido ao custo energético que envolve a biossíntese dos ácidos graxos, ela é precisamente regulada. Nas células dos vertebrados, existem dois tipos de regulação: I-Regulação alostérica. II-Regulação através da modificação covalente dependente de hormônios. -Quando uma célula tem combustível metabólico mais que suficiente para suprir suas necessidades energéticas, geralmente o excesso é convertido em ácido graxo e armazenado como triacilglicerol. -A reação catalisada pela acetil-CoA carboxilase é a etapa limitante da biossíntese dos ácidos graxos. -Nos vertebrados, o principal produto da síntese de ácidos graxos (PALMITOIL-CoA) é o inibidor alostérico por retroalimentação da acetil-CoA carboxilase. -Já o citrato é o ativador alostérico, um composto chave no metabolismo dos ácidos graxos. Quando as concentrações de acetil-CoA e de ATP na mitocôndria aumentam, o citrato é transportado para fora da mitocôndria, tornando tanto precursor para a formação de acetil-CoA citosólica quanto um sinal alostérico para a ativação da acetil-CoA carboxilase. -A acetil-CoA carboxilase também é controlada por fosforilação induzida pelos hormônios glucagon e epinefrina. A fosforilação diminui a atividade da enzima, diminuindo a síntese do malonil-CoA e, portanto, a síntese dos ácidos graxos. -A acetil-CoA carboxilase de plantas e bactérias não sofre regulação pelo citrato ou por um ciclo de fosforilação e desfosforilação. A vegetal é ativada principalmente por um aumento do pH do estroma, que ocorre com a iluminação da planta. -Já as bactérias não sintetizam triacilgliceróis para armazenar energia. Nelas, a síntese de ácidos graxos é estritamente regulada em um processo coordenado com o crescimento celular, uma vez que os ácidos graxos nesses organismos são sintetizados para fazerem parte dos lipídeos que compõem as membranas plasmáticas. -Se a síntese de ácidos graxos e a β-oxidação ocorressem simultaneamente, os dois processos seriam um ciclo fútil, um grande desperdício de energia. Portanto, vale lembrar que a β-oxidação é bloqueada pelo malonil-CoA, que inibe a acilcarnitina transferase I. -Assim, durante a síntese dos ácidos graxos a produção do primeiro intermediário (malonil-CoA) desliga a β-oxidação, inibindo a entrada dos ácidos graxos na mitocôndria, onde seriam oxidados. Assim, eles seguem para serem utilizados na síntese de triacilgliceróis ou outros lipídeos importantes para a homeostase celular.
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