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Alpinismo Sistêmico

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Capítulo 1 
 
Alpinismo Sistêmico:1 
dos primórdios cartesianos às falácias construcionistas 
 
 
Nina Vasconcelos Guimarães 
 
 
“Quero-me permitir falar com e não para o cliente, 
envolvendo-me numa parceria genuína de 
construção de narrativas. Quero ter habilidade de estar 
em contato emocional com uma dificuldade ou 
problema e não me sentir compelida a proclamar 
sobre o que os outros “devam” fazer, não me apressar 
 para “consertar” o problema e não fingir 
estar desligada, isolando-me emocionalmente” 
(Guimarães, 2014). 
 
 
Introdução 
 
Este capítulo é um convite instigante ao leitor. O percurso a ser traçado é um 
mapa da Teoria Sistêmica, desde seus primórdios (final da década de cinquenta), 
quando contrariou os ensinamentos que a precederam, até o momento atual, 
quando incluiu a virada paradigmática da década de oitenta, trazendo para o seu 
acervo os ensinamentos do Construtivismo, do Construcionismo Social e da 
Narrativa Terapêutica. Denominei-o Alpinismo Sistêmico, porque se trata de 
uma trilha sinuosa, marcada por inúmeros caminhos que vieram, ao longo dos 
tempos, compondo uma prática sólida, consistente e responsável de intervenções 
sistêmicas individuais, conjugais, familiares e comunitárias. Todas elas 
corporificando uma áurea de conhecimentos sistêmicos que assume a postura 
ética de nunca se considerar obsoleta e, assim, continuamente, revisar-se por 
meio de diálogos pulsantes geradores de multiversos. Originalmente, este 
capitulo fez parte de minha dissertação de mestrado em 2005, cujo titulo foi 
 
1GUIMARÃES, Nina Vasconcelos. Alpinismo sistêmico: dos primórdios cartesianos às falácias 
construcionistas. In.: GUIMARÃES, Nina Vasconcelos (org.). Autoridade e autonomia em tempos 
líquidos: a teoria sistêmica na contemporaneidade. Belo Horizonte: Ophicina de arte & prosa, 2014, p.15-
39. 
Diferenciação do Self e o Ser Terapeuta, e, hoje, integro outras páginas à versão 
original, por considerar os avanços contínuos da abordagem sistêmica, 
principalmente no que concerne ao Construcionismo Social. Espero que, nesta 
escalada, o leitor corra os riscos necessários e imprescindíveis à natureza 
humana. 
 
 
Origem e Desenvolvimento da Terapia Familiar 
 
O movimento da Terapia Sistêmica tem suas raízes na cultura americana 
dos anos cinquentas, quando a concepção mecanicista não respondia mais às 
exigências da época, havendo necessidade de uma nova abordagem que 
respondesse à complexidade de fatores relacionados à compreensão dos 
problemas como um todo. 
 
No início dessa década, o referencial teórico era eminentemente 
psicanalítico. Ferés-Carneiro e Ponciano (2001), em seus estudos a respeito da 
história da Terapia de Família, chegaram a um consenso de que os primeiros 
trabalhos da área foram realizados em famílias com membros esquizofrênicos. As 
autoras referem-se a Sullivan e Fromm-Richmann (dec. 40 e 50) como os 
pioneiros do estudo das relações interpessoais em famílias com essa 
problemática. Bowen, em 1954, incluiu as famílias no tratamento dos pacientes 
esquizofrênicos, em virtude da percepção de que eles eram influenciados, na 
presença dos familiares. A natureza desse tratamento identificava o problema 
como inerente aos relacionamentos entre os pacientes, seus pais e aqueles entes 
significativos de suas vidas. 
Ainda na mesma época, a Teoria Geral dos Sistemas de Von Bertallanffy 
(1968), o projeto de Bateson (1951) sobre esquizofrenia, no Mental Research 
Institute de Palo Alto, as ideias desenvolvidas por Jackson (1967) sobre 
homeostase familiar e o trabalho subsequente de Watzlawick e outros (1967) 
sobre a Pragmática da Comunicação Humana foram as matrizes fundamentais na 
construção do pensamento sistêmico. Nesse período, na costa leste dos EUA, 
estavam sendo construídas as bases teóricas e clínicas do que, mais tarde, tornou-
se a Psicoterapia Familiar. 
A Teoria e a Prática Sistêmicas originaram-se da Teoria Geral dos Sistemas 
(1968) e da Cibernética de Wiener, no final da década de 40. A aplicação dessas 
duas vertentes teóricas à prática clínica se deu pelas contribuições do antropólogo 
Gregory Bateson, nos primórdios da década de 50. Nessa época, surgiram 
diferentes modelos e escolas de Terapia Familiar, com distintas compreensões e 
interpretações; entretanto todas elas estavam sob o mesmo guarda-chuva 
paradigmático. Grandesso (2000) afirma que 
enquanto a Teoria Geral dos Sistemas propunha-se a estudar as 
correspondências ou isomorfismos entre os sistemas de todo o tipo 
(von Bertalanffy, 1975, orig. 1968), a Cibernética, originalmente, 
ocupava-se dos processos de comunicação e controle, tanto nos 
sistemas naturais como nos artificiais (Wiener, 1961, orig. 1948). (p. 
120). 
 
O seu contexto de surgimento foi bem descrito por Anderson (1994): 
[...] circunstâncias clínicas e experiências, combinadas com a 
inefetividade das teorias e técnicas prevalecentes para se transferirem 
de forma bem-sucedida para essas circunstâncias e experiências, 
compeliram para uma busca por novas explicações [...] Um problema 
e uma procura por compreendê-lo e solucioná-lo foram o imã e o 
catalisador unificante que uniram os que viriam a ser chamados 
terapeutas familiares e estabeleceram a arena para a colaboração. (p. 
147-148). 
 
Bertallanffy, em 1968, introduziu a noção de sistema, depois associada à 
família, que apresentava a ideia de interdependência e interseção entre os 
comportamentos de seus membros. 
A Psicologia começou, então, a pesquisar e a voltar sua atenção para os 
fenômenos interpessoais e para os contextos onde estes se apresentavam, 
diminuindo a sua imperiosa preocupação anterior com os fatores intrapsíquicos. 
A nova abordagem questionava a visão do indivíduo prisioneiro das próprias 
dificuldades e de sua dinâmica interna e propunha uma imagem de ser social, 
cujo comportamento era compreensível à luz das organizações e do 
funcionamento do sistema de relações em que está inserido. Ou seja, “a vida 
psíquica do indivíduo não é apenas um fenômeno interno, mas também um 
processo que se modifica na interação com o mundo que o circunda.” 
(MINUCHIN, 1988, p. 9). Os fenômenos eram estudados dentro de seus 
contextos e, a partir da causalidade circular, pressuposto que sustenta a ideia de 
que os componentes de um sistema interagem em uma sequência circular, com 
relações bilaterais entre seus elementos constituintes, acreditando-se que a 
ordem dos fatores não altera o produto. 
O sintoma passou a ser visto, cada vez mais, como o resultado de uma 
disfunção relacional de toda a família, que indicava a existência de um conflito 
entre continuidade e mudança, vínculos de pertencimento e necessidade de 
individuação dos seus componentes singulares. O pertencimento significa a 
capacidade do indivíduo de absorver os valores e crenças do seu núcleo familiar, 
desenvolvendo, com isso, uma forte sensação de ser alguém pertencente a esse 
sistema. A individuação é a necessidade de cada um dos componentes da família 
de – uma vez fazendo parte dela – garantir poder ser considerado um ser único, 
uma pessoa singular, diferente de seus familiares. 
 
Nasceu, assim, o movimento da Terapia Familiar, que se estruturou ao 
redor de algumas ideias, tais como: a família, considerada como um sistema no 
qual cada comportamento devia ser compreendido em função da relação 
estabelecida entre os comunicantes; a concepção do sintoma como anomalia 
individual substituída pelo termo “paciente designado”, o portador do sintoma, 
que exprime – em nome dos demais membros do sistema familiar – as 
dificuldades relacionadas ao crescimento e à evolução da família (GRANDESSO, 
2000). O objetivo da Terapia não era mais a mudança de apenas um indivíduo 
em particular, mas a alteração dos modelos de relação entre os indivíduos. 
Essas mudanças puderam ser alcançadas devido ao rompimento com o 
paradigma tradicional (pressupostos dasimplicidade, da estabilidade e da 
objetividade), que, por muito tempo, influenciou a Psicologia em seu estudo do 
comportamento humano. A lógica disjuntiva e separatista do pressuposto da 
simplicidade permitiu que os biólogos classificassem os seres vivos; os químicos, 
os elementos químicos; os psicólogos, os tipos de personalidade. O pressuposto 
da estabilidade sustentava a crença de que o mundo era estável e de que as coisas 
se repetiam nele com regularidade, tornando possível prever o resultado dos 
fenômenos, uma vez conhecendo suas condições iniciais. Por sua vez, o 
pressuposto da objetividade acreditava que o cientista podia descobrir e 
descrever os mecanismos de funcionamento da natureza, ocupando uma posição 
externa que lhe desse uma visão abrangente, afastando sua subjetividade. 
O século XX observou avanços nos três pressupostos epistemológicos 
adotados pela ciência tradicional, fazendo emergir uma ciência novo-
paradigmática. Ao invés da noção de simplicidade, surge a de complexidade. O 
pressuposto da estabilidade desenvolve-se para o da instabilidade. O critério da 
objetividade dá lugar ao da intersubjetividade. 
Essa evolução incluiu progressos e transformações oriundas de outras 
áreas de conhecimento, entre os quais se destacam: (1) o princípio da incerteza 
de Heisenberg (1958), no campo da Física Quântica, que colocava em cheque a 
possibilidade de uma observação objetiva da realidade, independentemente do 
observador; (2) os estudos de Prigogine (1984) sobre sistemas afastados do 
equilíbrio, que elevava o papel do acaso como contexto gerador de perturbações, 
flutuações e bifurcações, que possibilitavam um salto qualitativo nas 
organizações dos sistemas, admitindo a imprevisibilidade e (3) as contribuições 
de Maturana e Varela (1987), no campo da Neurobiologia, que afirmavam um 
determinismo estrutural nas respostas de um ser vivo, gerado por sua estrutura, 
e o ambiente, que funcionava apenas como instigador e perturbador do sistema. 
A Física Moderna de Einstein (1905) e Heisenberg (1958), contrapondo-se 
ao pressuposto clássico da simplicidade, estabelece a noção de mundo como um 
todo unificado e inseparável; uma complexa teia de relações na qual os 
fenômenos são determinados por conexões com a totalidade. Essas conexões 
podem ser locais e não locais, instantâneas e imprevisíveis, conduzindo a uma 
nova noção de causalidade estatística, que supera e transcende a concepção 
clássica e linear2 de causa e efeito. 
Quando Einstein (1905) admitiu a simultaneidade e a relatividade de 
acontecimentos, provocou uma grande ruptura com o paradigma da ciência 
moderna, demonstrando que a simultaneidade de acontecimentos distantes não 
poderia ser verificada, mas apenas definida. O tempo e o espaço absolutos de 
Newton (séc. XIX) deixaram de existir; o paradigma mecanicista começou a abrir 
espaço para a Mecânica Quântica com Heisenberg e Bohr (1927), demonstrando 
que não era possível observar. ou medir um objeto sem interferir nele ou alterá-
lo e, consequentemente, só era possível alcançar resultados aproximados e 
 
2 Uma relação causal se denomina linear quando não intervêm processos de retroalimentação, ou 
seja, quando a sequência de causa e efeito não retorna ao ponto de partida. O caráter linear de 
causa e efeito é evidente. 
probabilísticos. Outra condição teórica para a crise do paradigma clássico foram 
os avanços do conhecimento nos domínios da Microfísica, da Química e da 
Biologia. 
O químico Prigogine (1984) conquistou espaço nas ciências com sua 
abordagem, que se aplica a todos os sistemas que trocam energia com o ambiente. 
Denominou estruturas dissipativas aos sistemas abertos, assinalando que, 
quanto mais complexo forem, mais energia despenderão no funcionamento de 
suas conexões. Introduziu uma nova concepção para o termo caos, considerando-
o como flutuações aparentemente desordenadas que apresentam uma ordem 
dinâmica, abandonando, assim, a antiga associação do termo à desordem ou a 
algo negativo. No mundo vivo, ordem e desordem sempre são criadas 
simultaneamente, sem uma previsão do que pode vir a acontecer. Na nova ciência 
da complexidade, o conceito de instabilidade dinâmica (caos) de Prigogine 
modificou a formulação de leis da natureza, quando as próprias ciências físicas 
eram, antes, afinadas com os princípios da ciência tradicional. Passou-se a 
admitir a imprevisibilidade, a incontrolabilidade e a irreversibilidade de eventos 
da natureza. (ESTEVES DE VASCONCELLOS, 1995; 2002). 
Morin (2003), filósofo francês, desde o final da década de sessenta, 
desenvolveu um pensamento crítico em relação aos princípios objetivos da 
simplicidade e da lógica disjuntiva e reducionista. Para ele o pensamento 
complexo nega a linearidade e a visão unidimensional ao defender o diálogo 
crítico e reflexivo das inter-relações entre ciência, sociedade, técnica e política. 
Evidencia a necessidade de o cientista se comprometer na reflexão de si mesmo e 
de sua participação no universo sociocultural, estabelecendo uma comunicação 
entre o fenômeno observado e o observador. Sua proposta de construção de um 
conhecimento multidimensional privilegia o pensamento complexo ao 
considerar todas as influências recebidas, tanto externas quanto internas. O cerne 
do seu pensamento é distinguir e nunca separar. Petraglia (2001) compartilha 
essa afirmação de Morin quando diz que o ser humano – ao produzir 
conhecimento – deve “interpretar os aspectos da ambiguidade, sem 
desconsiderar a multidimensionalidade do real, os diversos caracteres do 
fenômeno.” (p. 50). 
Ao contrapor a Ciência Clássica, que tentava dissolver a complexidade 
aparente dos fenômenos, Morin (2003) propõe fundamentos do novo paradigma 
complexo, capaz de ampliar os horizontes das explicações científicas, tanto nas 
ciências físicas e biológicas como nas sociais, favorecendo um diálogo entre 
ordem, desordem e organização, enquanto diretrizes não excludentes e, sim, 
dialogicamente inseparáveis. Assim, afirma que 
o problema da complexidade não é o da completude, mas o da 
incompletude do conhecimento [...] Se tentamos pensar no fato de que 
somos seres ao mesmo tempo físicos, biológicos, sociais, culturais, 
psíquicos e espirituais, é evidente que a complexidade é aquilo que 
tenta conceber a articulação, a identidade e a diferença de todos esses 
aspectos [...] Ao aspirar à multidimensionalidade, o pensamento 
complexo comporta, em seu interior, um princípio de incompletude e 
de incerteza. (p. 176-177). 
Vale lembrar que, em um primeiro momento de estruturação da Terapia 
Familiar Sistêmica, as famílias eram associadas a máquinas homeostáticas e, 
consequentemente, o terapeuta era considerado um “reparador de defeitos” 
(engenheiro social), que detectava a disfunção familiar e intervinha, apoiado em 
técnicas apropriadas, para alcançar mudanças. Esse período ficou conhecido 
como Cibernética de Primeira Ordem ou Cibernética dos Sistemas Observados 
(VON FOERSTER, 1974). A realidade representacional defendia a ideia de que o 
observador estava separado do evento observado, podendo descrevê-lo a partir 
de uma epistemologia objetivista. 
Esteves de Vasconcellos explica (2002): 
 
a Primeira Cibernética trata dos processos morfostáticos (manutenção 
da mesma forma) resultantes de retroação negativa por retroação 
autorreguladora, a qual conduz o sistema de volta a seu estado de 
equilíbrio homeostático, otimizando a obtenção da meta. A Primeira 
Cibernética trata, pois, da capacidade de auto-estabilização ou de 
automanutenção do sistema. (p. 225). 
 
A Terapia, portanto, era “manipulada” por um expert, o terapeuta, que 
assumia uma posição hierárquica superior no sistema terapêutico, sendo 
considerado agente condutor do processo e, como tal, oferecia uma intervenção 
padrão para cada situação específica. A intervenção terapêutica era considerada 
uma estratégia aplicada para obterresultados bem definidos. 
Na visão da Cibernética de Primeira Ordem, 
a tarefa da Terapia é reparar o defeito (disfunção) do sistema familiar, 
e o terapeuta está preparado para essa tarefa, sabendo o que é uma 
estrutura familiar funcional. Encontra-se, então, em condições de 
avaliar como o sistema está (diagnóstico) e que perspectivas de 
mudança apresenta (prognóstico), assim como de selecionar as 
técnicas adequadas (programa) e de verificar se, de fato, a intervenção 
levou o sistema na direção pretendida (avaliação). (ESTEVES DE 
VASCONCELLOS, 2002, p. 122). 
 
 
Esteves de Vasconcellos (2002), ao conceituar o segundo momento da 
Cibernética de Primeira Ordem, diz que ela trata 
[...] dos processos morfogenéticos (gênese de novas formas) 
resultantes de retroação positiva ou retroação amplificadora de 
desvios, amplificação que pode – caso não produza a destruição do 
sistema e se a estrutura do sistema permitir – promover sua 
transformação, levando-o a um novo regime de funcionamento. A 
Segunda Cibernética trata, então, da capacidade de automudança do 
sistema. (p. 225). 
 
Grandesso (2000) afirma que “esses processos de ampliação do desvio por 
meio da retroalimentação positiva e os processos sistêmicos de mudança daí 
decorrentes foram descritos por Maruyama (1968) como Segunda Cibernética, 
constituindo-se, assim, no segundo momento da Cibernética de Primeira 
Ordem.” (p. 125). Nessa época, os modelos de Terapia Familiar utilizavam 
técnicas geradoras de crise, provocando instabilidades que desequilibravam o 
sistema. São exemplos disso, dentre outros, o modelo estrutural de Minuchin 
(1988) e Minuchin e Fishman (1990), além da Terapia Experiencial Simbólica de 
Whitaker e Bumberry (1990). 
Os avanços subsequentes da Cibernética incluíram os estudos de máquinas 
não triviais consideradas imprevisíveis e indetermináveis (acaso) e de sistemas 
auto-organizadores, autônomos, regidos por suas próprias leis, incluindo os 
sistemas humanos e sociais. Daí surge um contexto favorável ao desenvolvimento 
da Cibernética de Segunda Ordem, decorrente das influências de Maturana e 
Varela (1987) no campo da Neurobiologia. Ambos descreveram os sistemas vivos 
como autopoiéticos, ou seja, sistemas que criam os componentes necessários para 
manter sua própria organização, o que lhes confere autonomia de funcionamento. 
Qualquer mudança que ocorre em um sistema vivo responde a um determinismo 
estrutural, ou seja, quando um organismo interage com seu meio ambiente, o que 
vai determinar sua resposta é sua estrutura, sendo o ambiente apenas um 
contexto instigador, capaz de perturbar o sistema. Daí decorre a impossibilidade 
de uma interação instrutiva, na qual um indivíduo tenha supremacia sobre outro 
indivíduo; em vez disso, é possível é um acoplamento estrutural – um encaixe 
íntimo ou ajuste recíproco entre as ações dos dois indivíduos – caracterizando 
perturbações recíprocas entre eles. Outros trabalhos desses mesmos autores dão 
relevância especial ao papel da linguagem como construtora de realidades. A 
abordagem científica de Maturana (1987), denominada Biologia do Conhecer, 
sustenta a ideia de que os seres humanos são constituídos biologicamente na 
linguagem, extinguindo completamente o ideal de objetividade. 
Nas décadas de setenta e oitenta, ocorreu um desenvolvimento no campo 
da Cibernética que resultou na passagem da Cibernética de Primeira Ordem ou 
dos Sistemas Observados para a Cibernética de Segunda Ordem ou dos Sistemas 
Observantes. Novas tendências foram, assim, incluídas à prática sistêmica, que 
questionava o lugar do observador como exterior ao sistema, a ideia modernista 
da existência de um “mundo real”, que se conhece por meio da certeza objetiva, 
assim como a noção de linguagem como representação desse mundo real. A 
principal mudança ocorrida na Terapia Familiar, a partir da evolução da 
Cibernética de Primeira Ordem para a Cibernética de Segunda Ordem, diz 
respeito à compreensão do lugar do terapeuta, que sai de uma condição de 
detentor do poder, que avalia e diagnostica, para uma posição mais igualitária de 
corresponsabilidade junto ao cliente, pela realidade coconstruída por ambos. 
Sluzki (1996), oportunamente, ressalta que essa passagem não traiu os pontos de 
vista sistêmicos anteriores, “já que, em nossa prática clínica, dá-se uma oscilação 
entre ser coconstrutor (participar), de um lado, e observador (olhar de fora), de 
outro.” (p. 211). 
Até o início dos anos oitentas, de acordo com Schinitman e Fuks (1996), a 
Terapia Sistêmica estudava os modelos de comunicação, os processos 
interpessoais, as estruturas e organizações apresentadas pelas famílias. A partir 
desse momento, ela passou a incluir o estudo de contextos mais amplos, as 
construções narrativas por meio de modelos textuais e hermenêuticos, 
considerando a terapia um contexto favorecedor de metáforas dialógicas que 
promovem aberturas de significados e múltiplas alternativas ao cliente. 
Com o desenvolvimento da Cibernética de Segunda Ordem e a inclusão do 
observador como uma figura relevante e participativa do contexto terapêutico, foi 
possível passar das metáforas cibernéticas às metáforas hermenêuticas, no 
campo da Terapia Familiar. A impossibilidade de considerarmos a neutralidade 
do observador e a realidade objetiva, bem como as influências dos conceitos de 
autorreferência3 e ressonância4 de Elkaim (1990), fizeram o sistema terapêutico 
passar a ser percebido como um sistema observante. (VON FOERSTER, 1974). O 
papel do terapeuta, desmistificado como expert, assume a característica de um 
facilitador do diálogo que utiliza o seu mundo interno na coconstrução da 
realidade apresentada. O conceito de autorreflexividade passou a ocupar uma 
posição central, significando “um diálogo interno do indivíduo consigo mesmo e 
a tomada de consciência dos próprios preconceitos e teorias através das quais se 
vê e se compreende o outro e o ambiente circundante.” (BOSCOLO E 
BERTRANDO, 1996, p. 23). Essa foi uma importante mudança epistemológica, 
pois ampliou e aprofundou os efeitos da abertura da “caixa preta”, ocorrida dez 
anos antes, favorecendo a passagem de uma visão reducionista, baseada na 
descoberta de padrões comportamentais, para uma visão de maior complexidade 
e abertura, inclusive em direção ao mundo interno do indivíduo, suas histórias, 
seus significados e suas emoções. 
Considerando o terapeuta não mais como um mero observador e sim como 
construtor da realidade no contexto interacional proporcionado pela 
Psicoterapia, Rapizo (2002) afirma 
se o mundo em que vivemos se configura com os outros na convivência 
e na linguagem, podemos concluir que construímos também a 
linguagem e a nós mesmos nessa convivência. Conhecer e conhecido, 
sujeito e objeto, determinam-se mutuamente e surgem 
simultaneamente. (p. 52). 
 
De acordo com essa afirmação, baseada em uma epistemologia 
construtivista, o conhecimento, até mesmo o científico, é construído ativamente 
pelo sujeito cognoscente, que é influenciado por suas próprias crenças e 
pressupostos, o que permite o surgimento de várias interpretações possíveis da 
“realidade”. Portanto se procura eliminar a presunção do saber e se descarta a 
possibilidade da descoberta de uma realidade ontológica objetiva. Quando um 
 
3 Autorreferência: “aquilo que o psicoterapeuta descreve surge em uma intersecção entre seu meio 
e ele próprio: não pode separar suas propriedades pessoais da situação que descreve”. (ELKAIM, 
1990, p. 15) 
4 A ressonância “manifesta-se em uma situação na qual a mesma regra se aplica ao mesmo tempo 
à família do paciente, à família de origem do terapeuta, à instituição onde é recebido o paciente, 
ao grupo de supervisão, etc [...] As ressonâncias são constituídas por elementos semelhantes, 
comuns a diferentes sistemas em interseção...” (ELKAIM, 1990, p. 17) 
observador entra em contato com uma determinada realidade,seleciona alguns 
aspectos em detrimento de outros, e tais semelhanças e diferenças não podem ser 
atribuídas a um mundo independente, mas sim a escolhas feitas pelo próprio 
observador. Essa é uma posição contrária à objetivista, por meio da qual, no dizer 
de Grandesso (2000), 
o conhecimento se apresenta tanto mais confiável quanto mais se 
puder separar o sujeito cognoscente do objeto conhecido, controlando, 
tanto as falhas do observador como as imprecisões dos instrumentos. 
(p. 73). 
 
Os construtivistas desconsideram a correspondência entre representação 
e realidade. Para eles o conhecimento é fruto da experiência compartilhada por 
uma comunidade de observadores defendendo a convivência com a diversidade 
de “múltiplas vozes”, influenciada pela cultura e por uma língua, que constituem 
um mundo polissêmico. A realidade para a Cibernética de Primeira Ordem era 
objetiva e descritiva, fruto da metaposição do observador e de sua crença em 
poder reproduzi-la com a mesma precisão de uma máquina fotográfica, isenta das 
influências do olhar do observador. A Cibernética de Segunda Ordem, ao incluir 
o observador como coparticipante do fenômeno observado, eleva o sentido de 
experiência compartilhada, admitindo uma realidade coconstruída e inventada. 
O Construtivismo deu início a essa revolução, colocando o observador no 
centro da cena, prosseguindo com o Construcionismo Social, que defende a ideia 
de a realidade ser construída na linguagem, tornando-se o ponto central não 
somente da terapia, mas da própria vida. 
A concepção pós-moderna da linguagem questiona os pressupostos 
milenares da cultura ocidental da língua como principal veículo de representação 
do mundo, aquele utilizado para comunicar os conteúdos mentais do indivíduo. 
A linguagem deixa de ser empregada como transmissora de conhecimento e passa 
a ser considerada como geradora de mundos possíveis. Grandesso (2000), 
baseada na perspectiva construcionista de Gergen (1998), ressalta que 
todo e qualquer conhecimento resulta do intercâmbio social e, 
portanto, da interdependência e não da individualidade de mentes 
individuais. A linguagem é compreendida, então, como um processo 
interativo, construído nos espaços compartilhados de pessoas em 
relação. (p. 53). 
 
Hoffman (1998) refere-se a esse aspecto do Construcionismo Social, 
afirmando que 
[...] os teóricos da construção social veem as ideias, os conceitos e as 
recordações surgindo do intercâmbio social mediado pela linguagem. 
Todo o conhecimento – sustentam eles –produz-se no espaço entre as 
pessoas, no reino do ‘mundo comum’ ou da ‘dança comum’. Somente 
pela conversação permanente com os que lhes são próximos é que o 
indivíduo desenvolve um senso de identidade ou uma voz interior. (p. 
14) 
 
Para essa corrente de pensamento o conhecimento de si mesmo e do 
mundo à sua volta se desenvolve na rede de conversações e nos contextos 
compartilhados na linguagem e na cultura. É nessa ação humana conjunta, 
circunscrita por uma cultura, uma história e um contexto social – configurada na 
linguagem – que (1) os indivíduos vão-se construindo psicologicamente, (2) o 
conhecimento passa a ser fruto de interpretações linguísticas compartilhadas em 
práticas sociais, e (3) as mudanças ocorrem, quando a comunidade consensual de 
interlocutores deixa de legitimar a utilidade daquela “verdade provisória”. Nesse 
sentido, Grandesso (2000), fundamentada em Gergen (1994), salienta 
uma vez que os termos e as formas pelas quais alcançamos 
compreensão do mundo e de nós mesmos são artefatos sociais, as 
descrições e explicações que desenvolvemos resultam da coordenação 
da ação humana e não do mundo tal qual ele poderia ser, ou das 
tendências genéticas de estruturas internas ao indivíduo. O significado 
das palavras decorre do contexto dos relacionamentos. (p. 84). 
A Epistemologia Construcionista Social admite que o conhecimento é 
construído em um espaço social comum de pessoas em relação, a partir do ato da 
compreensão dos sujeitos linguísticos influenciados pela intersubjetividade da 
linguagem e da cultura. 
Diante dessa nova ecologia de ideias e práticas, as metáforas sistêmicas 
mudaram. As famílias passaram a ser vistas e reconhecidas não enquanto 
unidade de tratamento, mas como um desenho social flexível no qual pessoas 
compartilham significados. A Terapia é entendida como um contexto que desafia 
as “histórias saturadas de problemas” (White, 1989) trazidas pelos clientes, que, 
considerando a linguagem como geradora de sentidos, torna possível oferecer 
alternativas mais libertadoras e transformadoras. As palavras e ações assumem 
significados a partir do contexto do qual fazem parte, como também criam novos 
contextos. Goolishian e Anderson (1996), por sua vez, definem a Terapia como 
uma conversação na qual “o consultante e o terapeuta falam um com o outro, não 
ao outro.” (p. 198). Fruggeri (1998) afirma que “a Psicoterapia emerge, aqui, 
como um processo de comunicação no qual diferentes parceiros constroem os 
papéis recíprocos e juntos constroem um contexto interpessoal dentro de um 
domínio consensual.” (p. 57). 
As narrativas trazidas pelos clientes constituem construções complexas 
por eles selecionadas a partir de suas ricas experiências, podendo ser 
transformadas de acordo com a interação estabelecida com o social. A produção 
narrativa não é o resultado de uma mente individual, mas sim da natureza 
interpessoal da produção discursiva, pela qual são transmitidos sistemas de 
valores e, a partir dos quais, são sustentadas práticas sociais e visões de mundo. 
“As construções dos terapeutas estão ligadas ao modo como suas ações são 
interpretadas pelo cliente, ao modo como suas perguntas, comentários e 
intervenções são ‘ouvidos’ pelo cliente.” (FRUGGERI, 1998, p. 56). 
A narrativa é constituída por acontecimentos passados e presentes que 
viabilizam desdobramentos futuros, indicando uma continuidade na existência 
do indivíduo e um referencial para interpretar o cotidiano e construir 
possibilidades futuras. Ela permite expressar não somente a forma como 
compreendemos nossa experiência, mas também como ampliamos, ou 
restringimos nossas possibilidades existenciais. Para Hoffman (1998), cada vez 
mais, os terapeutas demonstram um novo interesse nos modos reflexivos, 
associativos e metafóricos da Terapia. Nesse contexto, afirma ela (ibidem), “uma 
maneira de introduzirmos a dúvida necessária é construir uma situação na qual 
uma pluralidade de histórias seja estimulada e os formatos associativos 
mantenham os significados variáveis.” (p. 29). 
O indivíduo, em suas construções narrativas, privilegia e exclui parte dos 
acontecimentos, de forma a torná-las inteligíveis e compreensíveis nas interações 
sociais. Essa seletividade do processo atribui um sentido às experiências, assim 
como constrói o nosso conceito de self, que também é complementado e 
reconstruído por novas narrativas que incluam, em determinado contexto social, 
os eventos excluídos em outros. Grandesso (2000) atesta 
as histórias acabam tendo um efeito concreto não só de organizar, mas 
também de modelar a vida das pessoas, definindo um senso subjetivo 
de terem uma vida privada, que não só organiza sua compreensão do 
passado, mas sua situação atual e seu futuro possível. (p. 203). 
 
Hoffman (1998) afirma que os primeiros terapeutas de família foram 
muito cautelosos em relação à ideia de self. Segundo essa autora (ibidem), os 
pioneiros no estudo familiar, contrários à posição sustentada pelo 
Construcionismo Social, “tendem a acreditar que as ideias que uma pessoa tinha 
a respeito de si mesma só mudariam quando as ideias das outras pessoas sobre 
ela mudassem.” (p. 16). 
A antiga visão dos processos narrativos conceitua o self como uma 
estrutura fixa, inata, a-histórica, individualista e unitária, tendo sido substituída 
por uma autobiografia em constante desenvolvimento e mudançanas 
experiências narradas. Partindo de fatos passados e histórias de gerações 
precedentes, o indivíduo é capaz de fazer uma releitura dos acontecimentos de 
sua vida, ampliando a compreensão de comportamentos presentes, incluindo sua 
postura profissional. 
 
 
A Falácia Construcionista 
 
Uma das críticas mais severas dirigidas à versão modernista de Terapia diz 
respeito ao cuidado e à preocupação excessivos com o indivíduo, negligenciando 
as condições culturais com as quais as dificuldades psicológicas podem ter uma 
relação significativa. As terapias modernas e pós- modernas coincidem no 
objetivo final de garantir a autonomia do sujeito, empoderando-o a assumir suas 
características autorrealizadoras; no Modernismo, esse projeto terapêutico ainda 
se baseava na existência de uma ontologia mentalista (o ego), e o processo se dava 
pela avaliação racional e da experiência emocional do paciente associada a uma 
imagem modernista de “funcionamento pleno” e indivíduo “bom”. O ser humano 
“saudável” consistia em uma “receita” legitimada por uma cultura e reforçada 
pelos processos terapêuticos. 
Essa Psicoterapia mais tradicional focalizava o interesse do terapeuta em 
um passado distante de seu cliente, em vez de privilegiar o presente angustiante 
e complexo que ele oferecia. Os problemas faziam parte do interior de um cérebro 
que funcionava mal, e as condições externas que produziam estresse nem sequer 
eram consideradas. No decorrer dos anos, o comportamento do terapeuta não 
podia mais ser compreendido independentemente do comportamento do cliente 
- as narrativas individuais perdiam, aos poucos, a força e o poder para as 
narrativas relacionais. Foi nesse cenário que novas exigências urgiram. 
A pós-modernidade ou pós-estruturalismo é uma época marcada por 
perspectivas múltiplas dialógicas que promoveram inúmeros saltos qualitativos - 
as estruturas universais deram lugar ao multiverso, e as famílias passaram a ser 
consideradasistemas sociais orientados pela linguagem, geradoras de 
significados e em estado de desequilíbrio. O modelo hierárquico que enaltecia o 
terapeuta enquanto expert cede lugar a uma responsabilidade mais igualitária. 
Estamos diante de uma virada paradigmática - para muitos angustiante, para 
outros tantos já mais do que necessária. 
O momento de salto paradigmático é sempre precedido por uma série de 
questionamentos cujas respostas não mais atendem às necessidades locais. O 
conjunto de crenças, valores e premissas que constituíam o corpo de 
conhecimento e de "verdade" que, até então, atendiam aos anseios do indivíduo, 
perde sua força, exigindo novas explicações e respostas, sustentadas por uma 
nova visão paradigmática. Embora crítico e turbulento, o momento de virada 
paradigmática é, também, o de grandes oportunidades, pois são das cinzas de 
dúvidas que os diálogos promovem novas vozes de esperanças para a existência 
humana (Gergen, 2009). 
É desse turbilhão de vozes pertencentes a diversas áreas de conhecimento 
que surge o movimento denominado Construcionismo Social. Esse movimento 
desafia as tradições de conhecimento e linguagem até então adotadas, a realidade 
representacional e a estabilidade do significado (Anderson, 2009). Ele não se 
baseia em uma única teoria, mas sim em um diálogo fértil de lógicas, valores e 
visões que nunca vão compor uma verdade definitiva, uma vez que o próprio 
movimento condena essa lógica fundamental. As práticas construcionistas 
rompem com as premissas tradicionais a respeito do conhecimento, da pessoa e 
da natureza do “real”, privilegiando um total relativismo das expressões de 
identidade. Convida-nos a uma multiplicidade de versões de realidade,- situadas 
histórica e socialmente. 
É uma proposta inovadora, que constitui uma verdadeira tapeçaria pós-
moderna cujos fios contrariam heranças passadas e propõem uma alternativa 
contemporânea. Nessa tapeçaria, cada cliente traz o seu novelo de histórias, e o 
terapeuta promove um espaço construtivo, onde cada um se sinta reverenciado 
por uma escuta genuína e respeitosa que promova mudança. A principal ideia 
nascida dos diálogos construcionistas é a de que o conhecimento do eu e do 
mundo tem sua origem nos relacionamentos humanos, histórica e culturalmente 
situados (Gergen, 2009). Assim, os diálogos construcionistas desafiam e 
condenam a tradição individualista e elevam o papel do relacionamento para o 
centro do bem-estar humano. Como diz o autor, "[...] não é na mente individual 
que o conhecimento, a razão, a emoção e a moralidade residem, mas nos 
relacionamentos” (p. 12). 
Algumas comunidades científicas resistem fortemente aos argumentos 
construcionistas de que uma determinada verdade nunca deveria sobrepôr-se a 
qualquer outra verdade. Na realidade, a nova ótica defende que as suposições não 
podem ser tratadas como universais. Dessa forma, Gergen (2010), afirma que 
aqueles que buscam a verdade procuram reduzir o mundo a um 
conjunto fixo e único de palavras. Declarar A verdade é congelar 
profundamente as palavras, reduzindo, dessa forma, o reino das 
possibilidades para o surgimento de novos significados" (p. 35). 
 
A atitude coerente do pós-modernismo é a de manter o ceticismo, 
questionando qualquer princípio de verdade único e universal, inclusive o 
próprio discurso pós-moderno (Anderson, 2009). Por exemplo, a ciência médica 
ocidental concebe a deficiência, a saúde, a doença, a vida, a morte, os limites do 
corpo, a natureza da dor, etc, dentro de fronteiras razoáveis para essa 
comunidade linguística, cultural e historicamente situada. Certamente, transpô-
las para outras comunidades poderia ser um erro grotesco, pois sua utilidade está 
nos limites de seus contornos. Concebendo-o dessa forma, a autora afirma que "o 
Construcionismo Social tem uma enorme função libertadora" (p. 12). 
Para atender a essa liberdade, foi necessário romper com algumas 
hipóteses anteriores, relativas à importância da comunicação na vida humana: 
 
• a hipótese realista acreditava que as palavras serviam para retratar 
fidedignamente a realidade tal qual ela se apresentava, com total isenção do 
observador; 
• a hipótese subjetivista garantia que as palavras serviam para expressar o 
mundo interior, as manifestações da mente subjetiva; nesse sentido, a 
linguagem do cliente nada mais era do que a manifestação de sua experiência 
privada; 
• a hipótese estratégica defendia a ideia de o terapeuta selecionar suas palavras 
com o cuidado de inseri-las na conversação num dado momento apropriado, 
permitindo mudar ou o cliente, ou o padrão de suas relações familiares; aqui, 
o risco é de o terapeuta ser visto como um grande manipulador e seus clientes, 
como meros fantoches. 
 
O que o Construcionismo Social propõe, entretanto, é a comunicação 
como uma ação coordenada, o que subentende elevar o interesse pelo significado, 
pela natureza construída da realidade, pelos processos construtivos na Terapia, 
pelo caráter cultural e político das práticas terapêuticas. Segundo Gergen (2009), 
"há uma forte tendência a posicionar o lugar do significado dentro do próprio 
processo de interação. Isto é, o agente individual não é mais enfatizado como a 
fonte do significado; a atenção passa do dentro para o entre" (p. 22). 
Para essa corrente de pensamento, nenhuma declaração em si tem sentido 
sozinha, isoladamente. Ela só adquire significado a partir de uma ação 
suplementar de uma ou mais pessoas. Os suplementos, por sua vez, podem ser 
tão simples quanto um aceno de cabeça que confirma o que foi dito 
anteriormente. Assim, para Gergen (2009), o significado não reside dentro dos 
indivíduos, mas sim no relacionamento - "tanto o ato quanto o suplemento 
precisam ser coordenados, para que o significado ocorra [...] A comunicação é 
inerentemente colaborativa" (p. 23). Por outro lado, o que dizemos, ou fazemos 
ganha sentido dentro de um contexto temporal específicoque dá significado 
àquilo que precedeu, ao mesmo tempo em que convida a uma ação suplementar 
posterior. Os suplementos tanto criam significados quanto os restringem. Daí a 
importância de o terapeuta atentar para suas perguntas, não permitindo que elas 
obstruam as possibilidades de seu cliente. Por exemplo, quando ele o questiona 
sobre sua depressão, já subentende restringir seu cliente às limitações que tal 
rótulo o impõe, convidando-o a encarnar as restrições de um deprimido. 
Assim, a Terapia é uma ação colaborativa. É função do terapeuta criar e/ou 
sustentar significados que surgem no contexto; ele é um grande colaborador 
generativo de significados sempre apoiados pela ações suplementares de seus 
clientes. Essa visão o força a se despedir daquela imagem onipotente de 
profissional, na medida em que considera qualquer mudança terapêutica como o 
produto de uma ação conjunta, que traz a herança de um passado e de uma 
cultura que se atualizam no aqui e no agora. Por isso, os significados são 
temporários, podendo assumir novas formas enquanto houver trocas dialógicas. 
Como afirma Gergen (2009), 
o indivíduo chega à Terapia como um participante de uma rede 
relacional, uma rede que se estende desde as pessoas íntimas até a 
cultura no geral e, de volta no tempo, até relacionamentos e tradições 
pré-existentes. É nessa matriz de relacionamento que o 'problema' é 
criado e designado como um problema. O relacionamento terapêutico 
representa o estabelecimento de uma nova coordenação, uma 
coordenação que vai desenvolver-se dos recursos que tanto o terapeuta 
quanto o cliente trazem para o relacionamento (p. 30). 
 
Kenneth Gergen e Mary Gergen (2010) trazem um precioso exemplo 
ilustrativo sobre a natureza política de nossas considerações. Ao discorrer sobre 
o processo de fertilização humana em um trabalho feminista de Emily Martin, os 
autores apresentam narrativas diferentes, ambas verdadeiras, e nenhuma delas 
mais politicamente correta do que a outra. Em uma das versões, o 
espermatozoide é visto dentro da perspectiva machista baseada no mito cultural 
do macho poderoso e ativo e da fêmea passiva e indefesa - os heróis da história, 
os espermatozoides ativos, lutam, em esforço contínuo, para penetrar o óvulo-
princesa, e ela fica à espera, passivamente. Por outro lado, podemos adotar a 
versão de que o óvulo-sereia atrai para si espermas indefesos, seleciona um deles 
e destrói os outros. Sob essa ótica, a força dominante muda completamente do 
homem para a mulher. Estamos diante de duas versões, cada uma delas 
privilegiando um lado em detrimento do outro e, ainda, com restrições que nos 
fazem poder considerar outras tantas versões além dessas duas "verdades". 
Para que tal limitação não se instaure, a novidade e a curiosidade são vistas 
como ingredientes imprescindíveis na prática colaborativa. O terapeuta nunca 
deve deter-se ao que lhe é familiar, ou se deixar seduzir pelo preenchimento de 
lacunas com pressuposições já conhecidas; em vez disso, deve enxergar seu 
cliente como um eterno ser excepcional. Esse saber prévio pode fazê-lo correr o 
risco de despersonalizar o cliente, limitando tanto as suas possibilidades quanto 
as dele. Ao adotar essa posição filosófica, o terapeuta convida o outro a um 
compromisso compartilhado, a uma investigação mútua e a uma ação conjunta 
que promove um diálogo generativo e transformador, sempre rico de 
possibilidades futuras (Anderson, 2009). Dizendo de outra forma, embora 
consonantemente, McNamee e Gergen (1998) pontuam que "o terapeuta e o 
cliente formam um relacionamento para o qual ambos trazem recursos, nos 
termos do qual podem ser esculpidos os contornos do futuro" (p. 211). 
Dessa forma, podemo-nos questionar:Quem é o cliente na perspectiva 
construcionista social? Não é um ser passivo, esperando para ser interpretado 
por um leitor, nem mesmo o detentor de uma visão fixa ou "correta". O cliente é 
alguém que construiu uma visão pessimista de si, encapsulou-se em sua própria 
armadilha desesperançosa, mas, diante das premissas construcionistas, também 
é alguém cuja história está sempre sendo revisada, passível de mudanças 
suplementares. O cliente é um ser historiado dentro de um contexto interacional. 
O texto que ele produz em Terapia é sempre uma narrativa construída entre 
pessoas, não é mais um texto resultante da história dele, nem mesmo do 
terapeuta, mas uma construção de ambos (Lax, 1998). 
Assim, a história de cada um de nós pode mudar em Terapia, na medida 
em que avançamos no tempo e desenvolvemos novas perspectivas em nossas 
vidas. A noção de insight passa a ser considerada como uma nova compreensão 
que faça sentido para o indivíduo e não como a descoberta de uma verdade sobre 
a sua existência. É nesse sentido que McNamee e Gergen (1998) pontuam o risco 
de aceitarmos a história que o cliente nos conta, pois isso nos coloca diante do 
absurdo de definir o problema como uma entidade fixa. 
Portanto, imergindo no mundo do cliente, aproximando-nos do texto que 
ele apresenta, como terapeutas mantemos a condição genuína do não saber, 
sempre no esforço de nos aproximar, o mais possível, daquilo que o cliente está 
dizendo, conectando-nos e tentando aprender com ele e a partir dele. Nesse 
processo de tentar entendê-lo, vamos construindo entendimentos locais, 
desenvolvidos em nossas conversações. 
Assim, podemos concluir que o terapeuta convida o cliente a entrar em um 
relacionamento colaborativo e em uma conversação dialógica, cujo tom é curioso 
e respeitoso com o mapa de sentidos do cliente, prestando atenção às palavras e 
expressões por ele usadas, ao significado do silêncio que se impõe entre eles e ao 
novelo de histórias que percorrem juntos, a partir de uma parceria de 
hospitalidade incondicional, termo que Derrida empresta a Anderson (2009), 
quando enfatiza que "o terapeuta é o anfitrião e, ao mesmo tempo, é o convidado 
na vida do cliente" (p. 44). Ou seja, tanto o terapeuta quanto o cliente se sentem 
convidados a participar de uma parceria na qual o anfitrião, quaisquer um dos 
dois, assume uma postura mais ou menos convidativa, que reverbera em um grau 
de conforto proporcional ao tipo de convite feito - quanto mais colaborativo e 
melhor ciceroneado, mais impregnado de possibilidades futuras. 
 
 
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