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Universidade Federal do Maranhão Curso: Psicologia Disciplina: Psicologia Social Discente: Glauber Mello Cavalcante LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e poder. In: LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. 16. ed. Petropólis, RJ: Vozes, 2014. Cap. 2. p. 41-60. Resenha Crítica Guacira Lopes Louro é Licenciada em História, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, além de Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1986). É um nome importante no que se refere ao estudo e publicações sobre questões de gênero, sexualidade e teoria queer. É autora do livro “Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista”, que é onde está inserido o texto a ser resenhado: “Gênero, sexualidade e poder”. A autora inicia o texto abordando a questão de como as relações de poder, e a preocupação com estas, assumiram um papel central nos Estudos Feministas, os quais expuseram a marginalização das mulheres na sociedade, o que colaborou para uma maior visibilização das mesmas. Além disso, afirma que a questão da dominação do homem sobre a mulher, como uma relação entre dominante e dominado, acabou sendo tomada pelos Estudos Feministas como se fosse uma coisa imutável, fixa. A partir dessa reflexão inicial, a autora parte para a contemplação de alguns estudiosos que problematizaram essa concepção, onde verifica-se alguns aspectos essenciais: a resistência feminina; a perda da “superioridade” social do homem; e a demonstração pelos movimentos gay e de mulheres lésbicas de que a polarização dominante - dominado é insuficiente devido a complexidade dessa questão social. Assim, nos traz Foucault, à medida que a obra deste contribuiu para a reflexão acerca das relações de poder. O que Foucault propõe é que se veja o exercício do poder não como algo linear, mas sim multidirecional, como uma rede que é permeada por toda a sociedade. Portanto, o poder deveria ser entendido não como um privilégio ou algo que é apropriado por alguém, mas sim como uma “estratégia”, onde a preocupação seria os efeitos desse poder. Visto isso, Louro contesta a ideia de que nas relações há uma dicotomia - posse de um dominador e não posse do poder por um dominado -, sendo esta polaridade impossível dentro do raciocínio foucaultiano, dado que o que se deveria ter como preocupação central é o exercício do poder, que é constituído por táticas - “manobras, “técnicas”, “disposições” -, que causarão reações, seja resistir, contestar, aceitar, transformar, etc. Daí, situa um ponto essencial na concepção de Foucault: a de que nas relações de poder, os sujeitos são capazes de resistir, de enfrentar, caso contrário, o que se tem é uma relação de violência. A autora, porém, faz uma ressalva de que no contexto dos Estudos Feministas sobre as relações entre homens e mulheres, as reflexões mencionadas anteriormente não significam o desprezo da ocorrência de manobras de poder sobre as mulheres e homens não “masculino-normativos”, os tornando subordinados ou submetidos. Mas, ao mesmo tempo, isso não os anulou como sujeitos, sendo estes dotados de uma resistência que é inerente ao poder. Louro cita também a questão do poder disciplinar, proposto por Foucault, o qual trabalhava sobre os corpos num sentido de torná-los corpos dóceis, que podem ser submetidos. Então, o poder acaba por ter um caráter de produção, e em todo esse contexto, os gêneros também se produzem, como traz a autora, nas e pelas relações de poder. Além disso, é trazido a luz também a reflexão de Foucault sobre o controle das populações, para iluminar o pensamento de que na sociedade sempre houve uma série de mecanismos associados com o objetivo de controlar homens e mulheres, sendo que nesse contexto todo, os gêneros foram colocados em lugares socialmente diferentes. A autora finaliza a reflexão inicial sobre acerca das relações de poder e Foucault, ao trazer a reflexão deste de que não se deve pensar em um mundo dividido entre dominador e dominado, mas sim como constituído de múltiplos elementos discursivos que podem entrar em estratégias diferentes. Então, parte-se para uma análise mais aprofundada acerca das diferenças e desigualdades, onde busca-se entender a questão das diferenças no que se refere ao gênero e a sexualidade. Fala sobre a afirmação da diferença entre homens e mulheres num sentido quase que dogmático, onde a diferença é de certa forma celebrada. A diferença estaria atrelada a uma visão biológica de domínio sexual do homem, à medida que este acaba sendo tomado como a norma. Então, ao se exaltar e celebrar a diferença, pode-se conduzir para uma conformação, uma naturalização e aceitação da relação entre os gêneros tal como ocorre hoje. A autora então tenta situar a questão da “diferença” para além da distinção entre os gêneros. O que se buscava constantemente era afirmar diferenças e com isso afirmar também uma “superioridade” entre os gêneros, visando situar socialmente, limitar possibilidades e definir os destinos de cada um, próprios de cada “gênero”. Parte, então, para uma reflexão acerca de como essa distinção acarreta também em uma diferenciação entre as próprias mulheres, onde primeiramente as “mulheres de cor” causaram debates e rupturas no movimento feminista, acrescidos das questões relacionadas às mulheres lésbicas, o que ampliou e permitiu com que se tenha um campo maior de reinvindicação e luta por parte do feminismo, que se tornou mais amplo à medida que trouxe uma maior diversidade de histórias e experiências trazidas pelas mulheres. Traz ainda a questão da desigualdade, quando problematiza, ao trazer a reflexão de Joan Scott de que tomar a questão da “diferença-igualdade” como uma espécie de dicotomia, um “dilema”, era um equívoco, visto que são as relações de poder que determinam o lugar dessa diferença, que é posta como a norma, como a referência a ser seguida. Portanto, se trata de uma “falsa dicotomia”, visto que os sujeitos são, na verdade, os mesmos. Logo, não faria sentido reivindicar uma igualdade, mas sim reivindicar uma equivalência entre esses sujeitos. É destacada também a contribuição dos estudos lésbicos, de etnia e raça para a reflexão e problematização acerca de práticas políticas que abordam a questão da diferença, que fazem com que o movimento feminista se amplie num horizonte além da sua inicial construção teórica que era conduzida principalmente por mulheres brancas, heterossexuais, urbanas e de classe média. Louro vai além da análise sobre a relação entre as mulheres, abordando também essa problemática no contexto dos homens, onde dado um modelo padrão de homem a ser seguido, quem destoa deste acaba sendo visto como diferente e estranho, o que acaba também por torná-los alvo de discriminação e tentativas de subordinação. Assim, nos traz o pensamento de Robert Connell de que há uma narrativa de que em toda cultura é estabelecida e determinada certas práticas, comportamentos e maneiras de ser homem, onde desde pequeno se aprenderia e se internalizaria condutas e sentimentos que deveriam se afastar do comportamento das mulheres. Porém, tal narrativa pode levar a pensar que o gênero seria o produto de um molde social, quando, na verdade, a construção da masculinidade é continuamente transformada, que envolve inúmeras práticas e instituições, A autora propõe, então, que ao tomar as identidades de gênero e sexuais como identidades construídas em relação, se pretende que a diversidade dessas questões afetam umas as outras, não sendo, portanto, isoladas, opostas. Ainda traz que na nossa sociedade branca, masculina heterossexual e cristã, tais características são tidas como o modelo e que a atribuição desses lugares por meio da enfatização das diferenças, é produto da situação e de um momento particulares, sendo historicamente contingente. Assim, colocar as contradições sociais sob a responsabilidade de um único fator ou categoria, ou ainda tentarestabelecer uma única pauta, uma única luta política acabará por reduzir, subordinar e colocar em lugares secundários outras lutas e questões que são tão significativas quanto. Sendo, de fato, essencial olhar para as condições históricas de cada sociedade para se entender todo esse contexto onde as relações de poder acabam por implicar processos de sujeição, de submetimento dos sujeitos, enfim, processos de docilização. Outra consideração importante trazida pela autora é a de Avtah Brah, que entende que os marcadores sociais não são independentes entre si, visto que estes dizem a respeito ao próprio sujeito, e se afetam mutuamente, ou seja, a opressão desses marcadores acaba por afetar todas as variáveis, ao passo que estas estão inter-relacionadas e circunscritas umas nas outras. Por fim, conclui o texto destacando a importância dos estudos mencionados, afirmando que eles vão além da simples análise acadêmica das formas de opressão e a instituição das diferenças: acabam também por constituir uma apaixonante questão política. Com bastante coerência, lucidez e originalidade, Louro aborda de forma brilhante a questão das construções de diferenças nas relações de gênero, sexualidade e poder, enfim, nas relações sociais. Ao problematizar a instituição de tais diferenças e situá-las como essenciais na construção das relações de poder, fez com que se desse luz a uma nova forma de se pensar e quebrar o “paradigma” dicotômico “dominante-dominado”, tomando as relações de poder não como algo simplesmente verticalizado, mas sim como algo que perpassa pelas diversas malhas sociais. Ao trazer Foucault e outros autores, permitiu com que se ampliasse a visão acerca do tema tratado, propondo novas problematizações deste e de outros temas que estão inter-relacionados à temática tratada. Então, dada a importância e perspicácia de tal trabalho, torna-se mister que tal discussão e reflexões da autora sejam levadas para além da discussão no ambiente acadêmico universitário e do âmbito dos movimentos sociais, permitindo assim com que mais pessoas e a própria sociedade reflita acerca das suas construções históricas marcadas pelo estabelecimento de diferenças como algo que de certa forma validaria as desigualdades, as opressões e a marginalização de certos grupos. Dessa forma, práticas e discursos que foram construídos com base em diferenças podem então serem desconstruídos, para assim serem reconstruídos a medida que se reflita, se pondere, e se observe as relações sociais, de poder, e as idiossincrasias de cada sociedade num sentido de guiar as relações entre os gêneros e as próprias relações sociais para um caminho de equivalência entre os sujeitos.
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