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Resenha crítica sobre o documentário holocausto brasileiro?

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Letramento em programação Laura

Tanto o livro como o documentário nos trazem a pior forma de exclusão do indivíduo,  onde ele perde a sua dignidade como ser humano,  a sua identidade e recebe uma sentença sem julgamento.  Basta ser pobre, negro,  mulher, ser uma criança indesejada, um indivíduo indesejado pela sociedade ou por familiares. Mais de 60.000 pessoas morreram entre 1960 e 1980. O nome holocausto faz alusão ao trem que levava essas pessoas ao Hospital Colônia em Barbatana para uma viagem sem volta. Uma realidade cruel, aterradora, consentida na época.

A autora, dotada de ética jornalística irrepreensível e de enorme generosidade para com a vítimas dessa tragédia nacional, compreende que não era possível narrar uma história tão brutal e que caíra tão indignamente no ostracismo sem alicerçá-la em dois pontos principais. Daniela acertou em cheio no tom de seu livro-reportagem – não inseriu nenhum dado ou história que não pudesse comprovar com documentação robusta e, ao mesmo tempo, optou humildemente por ser apenas um veículo para que as próprias pessoas implicadas diretamente ou indiretamente nas narrativas pudessem contar os eventos. Isso difere muito Holocausto Brasileiro de obras predecessoras sobre os horrores do Colônia, a exemplo do documentário Em Nome da Razão, de Helvécio Ratton. Arbex debruça-se muito mais profundamente não apenas no registro estatístico da barbárie, mas também em como ela impactou a vida dos mortos e dos sobreviventes.

Nesse ponto, vale a pena analisar que o número total de mortos pelas condições desumanas da fábrica de extermínio que se tornara o hospital ganha relevância bem menor na obra da escritora mineira do que nas anteriores. Isso ocorre pois o que realmente se sente no livro-reportagem de Daniela Arbex não é a dizimação de 60 mil vidas, mas sim a brutalização da humanidade mais medular que cada uma dessas vidas continha. O golpe mais doído e possante que Holocausto Brasileiro dá em seu leitor é imergi-lo em histórias muito singulares, que reclamam empatia e, por ilação, solidariedade. É mergulhando nas trevas que o livro de Daniela restitui a humanidade arrancada das vítimas e também dos leitores, enquanto representantes da mesma sociedade que tanto se desumanizou ao tapar os olhos para o que ocorria.

Sobram histórias comoventes e terríveis, das quais o leitor tirará grande proveito enquanto ser humano. Histórias de pessoas encarceradas e martirizadas até por timidez. De mulheres lançadas ao suplício por maridos poderosos que desejavam ficar com suas amantes. De dissidentes políticos brutalizados sem qualquer piedade. De filhas jogadas ao sofrimento e à morte porque perderam a virgindade antes do casamento. Todas essas pessoas, que sequer eram doentes psiquiátricos, formavam o conjunto de excluídos majoritário no Colônia. Condenados ao frio, à fome, à desnutrição, às doenças por más condições sanitárias e até à morte, que acontecia abertamente e aos olhos de todos os outros prisioneiros. Ao leitor cabe o desafio de continuar a leitura mesmo após tantos relatos de corpos sendo cozidos à luz do dia e no meio do pátio, de adultos e crianças sendo torturados e mortos em sessões abjetas de eletrochoque e de separações definitivas entre mães e filhos capazes de arrancar lágrimas de uma estátua. Mas concluir a leitura de Holocausto Brasileiro é um imperativo e o próprio leitor se sente comprometido emocional e civicamente com essa duríssima tarefa.

Daniela Arbex traz no bojo de sua melhor obra uma reflexão arrasadora não sobre o adoecimento das pessoas vitimadas pela mácula irreparável que foi o hospital Colônia, em Barbacena, mas sim sobre o adoecimento espiritual, ético e cívico de toda a sociedade brasileira. Holocausto Brasileiro adianta em alguns anos uma questão que nos perturba hoje, em plena pandemia da COVID-19. Como naturalizamos tão facilmente dezenas ou centenas de milhares de mortos bem debaixo de nossos narizes? A obra de Arbex é certeira em dar a resposta – porque só somos capazes de sentir a tragédia quando ela ceifa afetos, sonhos, amores e dignidades e não somente números exibidos na tela de um celular ou de uma televisão. Nesse sentido, o livro-reportagem da jornalista mineira é tão poderoso que não é possível não se implicar.


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Victória Schubert

O Holocausto Brasileiro e a Reforma Psiquiátrica Considerado um dos maiores genocídios do Brasil, o chamado “Holocausto Brasileiro” ocorreu no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, em Minas Gerais, entre 1930 e 1980. O Hospital Colônia, como era conhecido, recebia diariamente além de pacientes com diagnóstico de doença mental, desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, prostitutas, epiléticos, pessoas sem documentos e, todo tipo de gente considerada fora dos padrões sociais. Inicialmente, a capacidade do Centro Hospitalar era de 200 leitos, porém chegou a atingir a marca de cinco mil pacientes em 1961, tornando-se endereço de um massacre. Os vagões de carga, onde eram trazidos, vinham abarrotados de pessoas de forma muito semelhante aos judeus levados, durante a Segunda Guerra, para o campo de concentração nazista de Auschwitz, na Polônia. Por conta disso foi chamado de “campo de concentração” por Franco Basaglia, psiquiatra Italiano bastante conhecido por conta da Reforma Psiquiátrica. Entrar na Colônia era a decretação de uma sentença de morte. Sem remédios, comida, roupas e infraestrutura, os pacientes definhavam. Ficavam nus e descalços na maior parte do tempo. Um fato muito marcante desta parte da nossa história, é que havia 1 médico para atender 3 pavilhões do hospital, em média 400 pacientes por pavilhão, uma demanda absurda para apenas 1 médico. A falta de profissionais qualificados gerava muitas vezes situações impróprias. Conforme relata o psiquiatra e escritor Ronaldo Simões Coelho, 89 anos, que trabalhou na Colônia no início da década de 60, "Muitas das doenças eram causadas por vermes das fezes que eles comiam. A coisa era muito pior do que parece. Os internos defecavam em público e se alimentavam das próprias fezes. Faziam do esgoto que cortava os pavilhões a principal fonte de água. "Muitas das doenças eram causadas por vermes das fezes que eles comiam. A coisa era muito pior do que parece. Cheguei a ver alimentos sendo jogados em cochos, e os doidos avançando para comer, como animais. Visitei o campo de Auschwitz e não vi diferença. O que acontece lá é a desumanidade, a crueldade planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de uma pessoa, e ela deixa de ser gente. Havia um total desinteresse pela sorte. Basta dizer que os eletrochoques eram dados indiscriminadamente. Às vezes, a energia elétrica da cidade não era suficiente para aguentar a carga. Muitos morriam, outros sofriam fraturas graves". Outro ponto que precisamos ressaltar são os métodos de “cura” que eram executadas no Colônia, que incluíam inclusive terapia de eletrochoque para os casos mais críticos. Os pacientes eram separados por sexo, idade e características físicas. Torturas físicas e psicológicas eram rotina no Colônia. Entre as mais comuns havia a ducha escocesa (banho propiciado por máquinas de alta pressão) e tratamentos de choque, ambos aplicados a quem não se comportasse bem. Estupros também foram relatados durante as décadas de funcionamento do hospital. A desumanização se espalhava pelos 16 pavilhões, onde faltavam água encanada e alimentos. Com uma sucessão de maus-tratos, frio e fome, muitos internos acabaram não resistindo. Muitos afirmam que “a expectativa do hospital não era curar, era levar a vida desses doentes até onde fosse possível”. Estima-se que mais de 60 mil internos tenham morrido, e um número incontável de vidas ficou marcado de maneira irreversível. Dentre muitas situações de sofrimento e frustração, podemos destacar os vários relatos de abandono dos internos por parte de seus familiares. Muitos eram internados no Centro Hospitalar ainda crianças e acabam morrendo lá dentro sem nunca ter recebido visita ou notícia dos familiares. Na década de 70, cerca de 140 crianças foram transferidas para o Colônia, deficientes físicas ou mentais. As situações de abandono foram muito dolorosas para os internos, pais que internavam suas esposas e mães de seus filhos e as esqueciam lá, filhos que só souberam da existência de suas mães biológicas após sua morte, filhos que eram abandonados no hospital pelos pais e sofriam essa perda até o fim de suas vidas. Mães que davam à luz dentro do Colônia tinham seus filhos recémnascidos tirados de seus colos e levados para a antiga FEBEM. Essa tragédia, que é considerada uma das maiores do Brasil, ainda é desconhecida pela maioria de nós, mas mostra um dos lados mais sombrios da sociedade: a exclusão absoluta do doente mental ou do indesejado social. As mudanças iniciadas em Minas alcançaram, mais tarde, outros estados, embora muitas transformações ainda estejam por fazer, conforme já apontava inspeção nacional realizada, em 2004, nos hospitais psiquiátricos do país. Os mais de mil Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) espalhados pelo país vêm modificando fortemente a estrutura da assistência à saúde mental. No lugar de um modelo hospitalocêntrico e manicomial, de características excludentes, opressivas e reducionistas, vem sendo construído um sistema de assistência orientado pelos princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde (universalidade, equidade e integralidade). No entanto, a consolidação da Reforma traz à tona desafios que precisam ser incorporados à agenda dos campos da Saúde Mental e da Saúde Coletiva. Não há precedente de implantação de uma reforma deste tipo num país com as características geográficas, políticas e sociais do Brasil. A construção de um sistema assistencial, uma rede de laços sociais inspirados nos ideais da Reforma exige que a imaginação, a criatividade e a reflexão crítica encontrem uma maneira de descrever com clareza quais são os desafios específicos que este horizonte de transformação enfrenta nas condições do nosso país. A reforma psiquiátrica possibilitou inúmeros avanços na área da saúde mental, porém muito ainda há de ser alcançado, principalmente no atendimento aos “loucos infratores”. A realidade dos manicômios judiciários ainda é de um simples depósito de “doentes mentais infratores”, o que foge completamente da medida de segurança imposta, que seria o tratamento e a ressocialização do sujeito. O processo da reforma psiquiátrica exige cada vez mais da formação técnica e teórica dos trabalhadores, muitas vezes desmotivados por baixas remunerações ou contratos precários de trabalho. Ainda, várias localidades do país têm muitas dificuldades para o recrutamento de determinadas categorias profissionais, geralmente formadas e residentes nos grandes centros urbanos. Aos poucos, entretanto, a dimensão de política pública começa a agregar valor ao ensino e à pesquisa, clínica e epidemiológica, no campo da saúde mental. Novos desafios para a formação de profissionais, desde a graduação, são colocados para a saúde pública, e vêm sendo enfrentados na forma de programas de residência médica, residência multidisciplinar, cursos de especialização, apoiados financeiramente pelo Ministério da Saúde

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