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Leia a crônica a seguir: Tenho diante de mim uma fotografia rara, pequena, incrustada em um nicho ovalado de um porta-retratos de mesa. O homem ret...

Leia a crônica a seguir:
Tenho diante de mim uma fotografia rara, pequena, incrustada em um
nicho ovalado de um porta-retratos de mesa. O homem retratado,
senhor de lisos cabelos brancos arrumados para o lado direito, barba e
bigodes brancos bem aparados, vincos limitando as bochechas dos
dois lados do nariz, pequena e funda cicatriz acima da ponta nasal da
sobrancelha esquerda, me encara com seus olhos castanhos. É meu
avô materno, Lauro, Sô Lau.
Encaro-o de volta: vamos ver quem pisca primeiro? — tentando juntar
no cipoal da memória sua figura esfacelada. Nada, no semblante
composto, severo, lembra o homem de roupa de brim e de botinas
dado a gritos e destemperos, de quem eu me escondia nos muitos
cômodos da casa de sua chácara, após algum malfeito. Num desses
esconderijos, o quarto de tralhas, ele entrou de repente, abriu seu baú
com chaves que trazia no bolso, e na tampa levantada pude ver um
cartaz com a foto grande de um homem. Sô Lau fechou o baú e se foi.
Minha tia mais velha me contou que era um político, parente longe, que
tinha tomado três tiros no pescoço num comício em Montes Claros e
fugiu para a Europa, nos anos de Getúlio Vargas.
Encaro a foto: quem pisca primeiro? Nas noites da chácara, depois do
café com leite e dos bolos, todos deitados, podia-se ouvir sua voz
potente e gutural retumbando pelos cômodos da casa, “uma ave-maria
para Geralda”, e lá vinha a oração inteira, “uma avemaria para
Mariinha”, e desfiava aves-marias para as quatro filhas, para a esposa,
genros e dezoito netos, um por um.
Quantos anos teria quando foi feita a rara foto? Rara porque a outra
que se conhece é de 1917, de uma carteira de identidade. Consta lá:
nascido em Santa Luzia, em 1870, cabelos castanhos, olhos
castanhos, 1,66 metro. Que idade teria, então, nos anos de 1940,
quando levava um saco de laranjas nas costas desde a chácara em
Venda Nova até nossa casa em Santa Teresa, Belo Horizonte? Setenta
e tantos anos — é o homem da foto. Eu nem imaginava que era um
idoso, só via o prodígio de força. Crianças não sabem avaliar essas
coisas.
Que era para você aquele menino, Sô Lau? Ô menino, vai na venda do
Zé Bistene me comprar 200 réis de rapé. Ô menino, vai lá no Turco e
joga 200 réis no cavalo. O perfume do capim-cheiroso nas suas roupas
A+ A A- à tarde dava um desejo de colo, mas colo mesmo não veio nunca.
Aquele saco de laranjas seria seu modo de nos amar.
Que me dizem do seu passado, Sô Lau, esses seus olhos claros, essa
cicatriz? Nada. Que havia por trás dos seus destemperos? Uma
linhagem de mandões? Mulher e quatro filhas para imperar? “Você é
bugra, Toninha! Eu tenho sangue azul!” — ouviram-no dizer mais de
uma vez para vovó Antônia, de sangue índio, professora primária, que
rebatia: “Deixa de bobagem, Sô Lau. Você nem sabe ler”. Verdade. Na
carteira de identidade, aos 47 anos, estava lá: “Instrução rudimentar”.
Gosto dos termos dessa querela, Sô Lau, que dá mais importância à
leitura do que a um título de nobreza. Vovó seguia a política dos
liberais, queria o direito de voto

O texto é uma crônica que narra a história de um avô materno.
O avô materno era um político que fugiu para a Europa após tomar três tiros no pescoço em um comício em Montes Claros.
O avô materno era um homem severo e dado a gritos e destemperos.
O avô materno tinha olhos castanhos e cabelos brancos.
I, II, III e IV, apenas.
I e IV, apenas.
I, II e IV, apenas.
A+, A, A-

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💡 1 Resposta

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A resposta correta é: I, II, III e IV, apenas.

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