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o que a lei maria da penha mudou no brasil em quase 10 anos de lei?

quais as mudanças positivas e negativas

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Vanessa Facundes

Agora inclui mãe e filhos, pai e filhos, relações interfamiliares.

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Especialistas PD

Há um interessante artigo do portal CONJUR que traça um panorama da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça relativa à aplicação da Lei Maria da Penha. Por meio dele, pode-se perceber o desenvolvimento dessa legislação no país ao longo dos anos. Vejamos.

“A Lei Maria da Penha (Lei 11.340), sancionada no dia 7 de agosto de 2006, completa 11 anos de vigência nesta segunda-feira (7/8). Ferramenta essencial para o enfrentamento da violência de gênero, a norma tem sido aplicada de forma progressiva nos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça. Apesar de os índices de violência ainda serem alarmantes, é possível perceber que as mulheres estão, cada dia mais, abrindo a porta de suas casas para a entrada da Justiça.

De acordo com levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em março de 2015, a Lei Maria da Penha fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídios contra as mulheres dentro das residências. A norma disciplinou diversas questões, como medidas de prevenção, medidas protetivas de urgência, assistência judiciária e até mesmo atendimento multidisciplinar. Ao STJ, cabe a missão constitucional de uniformizar nacionalmente a aplicação dos direitos ali estabelecidos.

Outras vítimas

O alvo da Lei Maria da Penha não se limita à violência praticada por maridos contra mulheres ou companheiros contra companheiras. Decisões do STJ já admitiram a aplicação da lei entre namorados, mãe e filha, padrasto e enteada, irmãos e casais homoafetivos femininos. As pessoas envolvidas não têm de morar sob o mesmo teto. A vítima, contudo, precisa, necessariamente, ser mulher.

Segundo o ministro do STJ Jorge Mussi, a Lei Maria da Penha foi criada “para tutelar as desigualdades encontradas nas relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”, mas, embora tenha dado ênfase à proteção da mulher, “não se esqueceu dos demais agentes destas relações que também se encontram em situação de vulnerabilidade, como os portadores de deficiência”.

Com esse propósito, a Lei Maria da Penha alterou o artigo 129, parágrafo 9º, do Código Penal, agravando a pena para crimes de violência doméstica contra vítimas em geral. O dispositivo, que previa a pena de seis meses a um ano, foi alterado com a redução da pena mínima para três meses e o aumento da máxima para três anos, acrescentando-se mais um terço no caso de vítimas portadoras de deficiência.

Em um caso julgado pela 5ª Turma do STJ (RHC 27.622), no qual um homem foi denunciado por agredir o próprio pai, a defesa alegou a inaplicabilidade do artigo 129, parágrafo 9º, do Código Penal, sob o fundamento de que, como a redação do parágrafo 9º foi alterada pela Lei Maria da Penha, o dispositivo só seria destinado aos casos de violência contra a mulher.

O ministro Jorge Mussi, relator do recurso, apesar de reconhecer que a Lei 11.340 trata precipuamente dos casos de violência contra a mulher, entendeu que não seria correto afirmar que o tratamento mais gravoso estabelecido no Código Penal para os casos de violência doméstica seria aplicável apenas quando a vítima fosse do sexo feminino.

De acordo com o ministro, “embora as suas disposições específicas sejam voltadas à proteção da mulher, não é correto afirmar que o apenamento mais gravoso dado ao delito previsto no parágrafo 9º do artigo 129 do Código Penal seja aplicado apenas para vítimas de tal gênero pelo simples fato desta alteração ter se dado pela Lei Maria da Penha”.

Medidas protetivas

De acordo com da Lei 11.340, constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, medidas protetivas de urgência, como o afastamento do lar, a proibição de manter contato com a vítima e a suspensão de visita aos filhos menores, entre outras.

O descumprimento das medidas protetivas de urgência impostas, entretanto, não configura o crime de desobediência previsto no artigo 330 do Código Penal. De acordo com a jurisprudência do STJ, essa conduta do agressor seria atípica, uma vez que a Lei Maria da Penha já prevê a decretação da prisão preventiva como forma de garantir a execução da ordem.

Em acórdão da 5ª Turma (REsp 1651.550), o colegiado esclareceu que “o crime de desobediência é subsidiário, configurando-se apenas quando, desrespeitada ordem judicial, não existir sanção específica ou não houver ressalva expressa no sentido da aplicação cumulativa do artigo 330 do Código Penal”.

Prisão preventiva

“Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial” (artigo 20).

Por ser uma medida cautelar, a prisão preventiva só se justifica se demonstrada a sua real necessidade e indispensabilidade. Nos julgamentos de Habeas Corpus que chegam ao STJ com pedido de revogação da medida, é possível verificar a criteriosa análise dos relatores em relação à fundamentação da custódia.

Em caso analisado pela 5ª Turma (HC 392.631), um homem alegava a ocorrência de constrangimento ilegal de sua prisão preventiva, sob o argumento de ausência de fundamentação do decreto da custódia cautelar, com pedido de concessão da ordem para responder à ação penal em liberdade.

De acordo com o decreto prisional, entretanto, a medida excepcional foi imposta em razão de ele ter descumprido medida protetiva ao voltar a importunar sua ex-companheira, mesmo ciente de que estaria proibido de se aproximar dela.

Ao negar o pedido, o relator, ministro Jorge Mussi, destacou ainda que o delito que ensejou a aplicação das medidas protetivas foi cometido com violência e grave ameaça, evidenciando o alto grau de periculosidade do agressor.

“Demonstrada a presença do periculum libertatis, com base em elementos concretos dos autos, justificada está a manutenção do decreto constritivo imposto ao paciente, a bem da garantia da ordem pública, a fim de acautelar o meio social e resguardar a integridade física e psíquica da vítima, evitando ainda a reprodução de fatos graves como os sofridos pela ofendida”, disse o ministro.

Prisão revogada

Em outro caso, também da 5ª Turma (HC 392.148), o colegiado revogou a prisão preventiva de um homem que, após ter sido submetido à medida cautelar de manter distância da vítima, deixou a cidade sem informar seu novo endereço às autoridades.

O Tribunal de Justiça local entendeu que, “havendo veementes indícios de que o acusado pretenda furtar-se a eventual aplicação da lei penal, justifica-se a decretação de sua prisão preventiva”, mas no STJ o entendimento foi outro.

O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, além de considerar o fato de que não houve descumprimento das medidas protetivas aplicadas, também destacou que não houve o preenchimento do requisito previsto no artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal.

O dispositivo estabelece que será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos, e o homem é investigado pela suposta prática de crime de ameaça, punido com pena de detenção de um a seis meses, ou multa, e de lesão corporal em contexto doméstico, punido com detenção de 3 meses a 3 anos.

“Não há nos autos notícia de descumprimento das medidas protetivas aplicadas — o que atrairia a incidência do artigo 313, inciso III, do Código de Processo Penal, autorizando a decretação de prisão preventiva mesmo em caso de crimes punidos com pena privativa de liberdade máxima não superior a quatro anos, se a medida for necessária para garantir a execução de medidas protetivas de urgência”, explicou o ministro.

Princípio da insignificância

A jurisprudência do STJ também não admite a aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela imprópria aos crimes ou às contravenções penais praticados contra mulher no âmbito das relações domésticas.

Em julgamento da 6ª Turma (HC 369.673), um homem, condenado pela contravenção penal de vias de fato, pedia o reconhecimento do princípio da bagatela imprópria em razão de o casal ter restabelecido a convivência harmônica.

O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, aplicou o entendimento do tribunal de não reconhecer a irrelevância jurídica da conduta do marido, dada a relevância penal que a Lei Maria da Penha confere à violência de gênero.

Segundo ele, a Lei 11.340 deu “concretude ao texto constitucional e aos tratados e convenções internacionais de erradicação de todas as formas de violência contra a mulher, com a finalidade de mitigar, tanto quanto possível, esse tipo de violência doméstica e familiar (não só a violência física, mas também a psicológica, a sexual, a patrimonial, a social e a moral)”.

Transação penal

Outro importante entendimento jurisprudencial do STJ foi sumulado no Enunciado 536 da corte, que estabelece que “a suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”.

Na prática, isso quer dizer que, independentemente da pena prevista, os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher não são considerados de menor potencial ofensivo e, justamente por isso, a eles não se aplicam os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, como a transação penal e a suspensão condicional do processo.

A não aplicação da Lei 9.099 está prevista no artigo 41 da Lei 11.340, e a constitucionalidade do dispositivo chegou a ser questionada em razão de uma lei ordinária poder ou não afastar a incidência de outra norma. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, pacificou o entendimento sobre a constitucionalidade do artigo 41, no julgamento da ADC 19.

Contravenção

            Em julgado da 6ª Turma (HC 280.788), um homem denunciado pela suposta prática de contravenções penais porque teria praticado vias de fato contra sua ex-companheira, bem como perturbado a sua tranquilidade, entendia ser cabível a transação penal ao seu caso, em razão de o artigo 41 da Lei Maria da Penha vedar a incidência da Lei 9.099 apenas em relação aos crimes e não às contravenções penais.

O colegiado, entretanto, destacou que, apesar de o artigo 41 da Lei Maria da Penha fazer referência apenas a “crimes”, a orientação do STJ é que não se aplicam os institutos despenalizadores da Lei 9.099 a nenhuma prática delituosa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, ainda que configure contravenção penal.

O relator, ministro Rogerio Schietti, reconheceu que uma interpretação literal do artigo 41 poderia levar à conclusão de que a Lei 9.099 poderia ser aplicada às contravenções penais praticadas com violência doméstica e familiar contra a mulher, mas, segundo ele, os fins sociais da Lei Maria da Penha impedem essa conclusão.

‘À luz da finalidade última da norma e do enfoque da ordem jurídico-constitucional, tenho que, considerados os fins sociais a que a lei se destina, o preceito afasta a Lei 9.099, de forma categórica, tanto aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres no âmbito doméstico e familiar’, concluiu o relator. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.” (Veja a jurisprudência do STJ após 11 anos da Lei Maria da Penha - 07 de agosto de 2017 - Conjur)

Henrique Hoffman, em artigo publicado no mesmo portal, debate com uma visão crítica as alterações legislativas mais recentes que recaíram sobre a Lei Maria da Penha:

“Recentemente, a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), que traz mecanismos para o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, foi alterada pelas leis 13.641/18 e 13.505/17. Houve avanços, porém o progresso poderia ter sido maior.

No que tange à Lei 13.505/17, acrescentou os artigos 10-A, 12-A e 12-B na Lei 11.340/06, com o intuito de fortalecer a proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar.

É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores previamente capacitados, preferencialmente do sexo feminino (artigo 10-A). O atendimento pode abranger providências como proteção policial, tratamento médico e transporte.

A inquirição de vítima ou testemunha de violência doméstica e familiar contra a mulher deve ter como diretrizes (artigo 10-A, parágrafo 1º):

a) salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente;

b) garantia de a vítima e testemunha (bem como familiares) não terem contato direto com investigados ou pessoas a ele relacionadas: para tanto, é imprescindível investimento do Estado nas polícias judiciárias, dotando-as de recursos humanos (efetivo policial) e materiais (espaço físico adequado) suficientes;

c) não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada: a reinquirição da vítima ou testemunha só ocorrerá diante de surgimento de fato novo, e indagações sobre a privacidade da mulher devem se limitar ao indispensável para o esclarecimento do fato.

A oitiva de vítima ou testemunha de violência doméstica e familiar contra a mulher deve trilhar o seguinte procedimento (artigo 10-A, parágrafo 2º):

a) realização em recinto especialmente projetado, com equipamentos próprios à idade da mulher e à gravidade da violência sofrida;

b) quando for o caso, intermediação por profissional especializado em violência doméstica e familiar designado pela autoridade judiciária ou policial;

c) registro em meio eletrônico ou magnético, devendo a degravação e a mídia integrarem o inquérito.

Como se percebe, a inquisição especial da mulher possui semelhanças com aquela da criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência.

Os estados e o Distrito Federal, na formulação de suas políticas e planos de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, darão prioridade, no âmbito da Polícia Civil, à criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, de Núcleos Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento e a investigação das violências graves contra a mulher (artigo 12-A).

A autoridade policial poderá requisitar os serviços públicos necessários à defesa da mulher em situação de violência doméstica e familiar e de seus dependentes (artigo 12-B, parágrafo 3º). Trata-se de mais um dispositivo que reforça o poder requisitório do delegado de polícia na presidência da investigação criminal.

Todavia, o principal avanço, que faria a Lei 13.505/17 ser chamada de Lei da Proteção Imediata, foi vetado. Trata-se do artigo 12-B, caput e parágrafos 1º e 2º, que permitiria que o delegado de polícia concedesse algumas medidas protetivas de urgência, submetendo ao escrutínio do magistrado no exíguo prazo de 24 horas (sistemática semelhante à da prisão em flagrante).

Alegou o chefe do Executivo "inconstitucionalidade material, por violação aos artigos 2º e 144, §4º, da Constituição, ao invadirem competência afeta ao Poder Judiciário e buscarem estabelecer competência não prevista para as polícias civis".

Errou feio o presidente, pois:

Não existe reserva de jurisdição para a decretação de medidas cautelares, ou seja, a Constituição não exigiu prévia decisão judicial para a adoção dessas providências. Isso significa que o legislador possui margem para outorgar a outras autoridades o poder de decisão. Não é inédita, portanto, a outorga legal de poder cautelar ao delegado de polícia. Muito pelo contrário, a lei atribuiu à autoridade policial a possibilidade de adotar manu propria uma série de medidas, tais como prisão em flagrante (art. 304 do CPP), liberdade provisória com fiança (art. 322 do CPP), apreensão de bens (art. 6º, II do CPP), ação controlada no crime organizado (art. 8º, §1º da Lei 12.850/13), dentre outras.

O que o Executivo fez com esse veto, além retirar a proteção imediata das mulheres vítimas, foi cercear a livre escolha do Legislativo, que já havia se manifestado tecnicamente pela constitucionalidade da mudança:

Portanto, não sendo explícita a reserva de jurisdição quanto a atribuições protetivas da vítima mulher em situação de violência doméstica e familiar, não há cogitar a inconstitucionalidade material da presente proposta. Mesmo porque a concessão de cautelares pela autoridade policial, além de necessária, deverá ser referendada, complementada ou revogada pela autoridade judicial a posteriori e a qualquer tempo. (...) Ora, reconhecemos o papel fundamental da autoridade policial. Os Delegados de Polícia Civil são os primeiros garantidores dos direitos do cidadão vítima de delitos penais. Sua atuação é pautada pelo comprometimento com a legalidade dos procedimentos, a acuidade na apuração dos fatos e o embasamento jurídico técnico e imparcial das investigações.

Com efeito, por enxergar reserva de jurisdição onde não existia, o chefe do Executivo acabou jogando no lixo a proteção mais robusta à mulher violentada, que continuará a sair da delegacia de polícia com um papel de boletim de ocorrência na mão, cabendo-lhe fugir ou retornar para casa e torcer para que algo mais grave não ocorra, enquanto aguarda por uma medida protetiva judicial e a disponibilidade de oficial de Justiça para intimar o agressor.

Noutro giro, no que se refere à Lei 13.641/18, criminalizou a conduta de descumprir medidas protetivas de urgência.

Historicamente, o Superior Tribunal de Justiça entendia que o descumprimento da medida de proteção não configurava crime de desobediência (artigo 330 do CP), pois a lei desobedecida prevê sanção civil, administrativa ou processual penal para o descumprimento sem ressalvar a incidência de sanção criminal.

Com a mudança na Lei Maria da Penha, ocorreu a chamada superação legislativa da jurisprudência ou reação legislativa. Agora a conduta inequivocamente configura crime (artigo 24-A). Claro, desde que o agressor tenha sido intimado e ainda assim resolva desrespeitar a medida protetiva imposta.

A infração penal se aperfeiçoa, embora a medida protetiva descumprida tenha sido imposta em um processo civil (artigo 24-A, parágrafo 1º). Vale lembrar que a violência doméstica nem sempre configura crime, e as medidas protetivas são autônomas em relação à persecução criminal, ocasião em que ostentam natureza cautelar civil satisfativa.

O delito é de menor potencial ofensivo, possuindo pena máxima de 2 anos. Todavia, lavra-se o auto de prisão em flagrante normalmente, e não o termo circunstanciado de ocorrência, pois o artigo 41 da Lei 11.340/06 afasta a incidência da Lei 9.099/95 (e portanto de seu artigo 69, parágrafo único, que concede o benefício de não ser custodiado em flagrante àquele que comete infração de menor potencial ofensivo).

Há quem possa alegar que o crime de desobediência de medida protetiva não é praticado com violência doméstica e familiar, pois a vítima imediata é o Estado, que teve a decisão descumprida; e que por isso a Lei 9.099/95 deveria incidir normalmente, afastando-se a prisão em flagrante. Contudo, além de o delito atingir, sim, a ofendida, ainda que indiretamente, a intenção do legislador de impor a custódia do agressor ficou clara quando, de forma excepcional, autorizou apenas ao juiz o arbitramento da fiança (artigo 24-A, parágrafo 2º).

Quanto à liberdade provisória com fiança, em princípio poderia ser concedida pelo delegado, pois a pena máxima do delito está dentro do patamar de 4 anos que autoriza a autoridade policial a atuar (artigo 322 do CPP). Todavia, o legislador criou uma exceção no parágrafo 2º do artigo 24-A em que somente o magistrado pode conceder a fiança, nada obstante o crime se encaixar no critério que serve como regra geral.

Norma desarrazoada, que busca o simbolismo de manter o agressor preso por algumas horas a mais até que o juiz delibere sobre a prisão em flagrante. Retira indevidamente o poder cautelar do arbitramento da fiança das mãos do delegado, que age stricto sensu em nome do Estado, integra carreira jurídica e preside a investigação criminal (artigo 2º, caput da Lei 12.830/13) com livre convencimento técnico-jurídico.

Afirma a doutrina:

Vislumbramos uma violação ao princípio da proporcionalidade nessa inovação.
Explicamos. O novo crime em estudo representa um tipo penal preventivo, cujo foco é evitar a prática de condutas que possam atingir bens jurídicos mais relevantes. Trata-se de crime de perigo, pois ao descumprir uma medida protetiva, o agente coloca em risco a integridade física, psicológica, patrimonial, sexual e moral da vítima.
Desse modo, nos parece desproporcional a vedação de fiança pelo delegado de polícia em um crime de perigo, quando o benefício pode ser concedido nos crimes de dano, tais como lesão corporal, ameaça, injúria etc.
Apenas para ilustrar, se o agente descumpre uma medida protetiva de não se aproximar da vítima com o objetivo de lhe entregar flores, pratica o crime do artigo 24-A, inafiançável na esfera policial; mas se a agredir efetivamente, causando-se lesões corporais de natureza leve, responde pelo crime do artigo 129, §9º, do CP, e poderá ser beneficiado com a fiança, desde que, obviamente, não pratique tal agressão depois de ter contra si decretada medida protetiva, senão seria caso de concurso de crimes e a presença da desobediência impediria a fiança.

O que se evidencia é a intenção de mais uma esquizofrenia legislativa, posto que no discurso sobre audiência de custódia nosso legislador quer ampliar o cárcere e retirar a função materialmente judicial do delegado de polícia de avaliar a liberdade provisória que lhe é conferida pelo artigo 322 do CPP. (...)

Determinar o legislador vedação a ex lege de liberdade provisória em casos previstos na atribuição do delegado de se conceder tal medida viola a separação dos poderes, além de ter uma norma totalmente desarrazoada, o que violaria o devido processo legal em seu aspecto substancial.

Por fim, interessante grifar que a configuração do delito do artigo 24-A não impede a imposição de sanções de outra natureza, como a execução de multa eventualmente imposta e a decretação da prisão preventiva caso esteja presente algum de seus requisitos (artigo 313, III do CPP).

Como visto, as modificações na Lei Maria da Penha trouxeram progresso no tratamento da matéria, mas poderiam ter ido além.” (“Alterações na Lei Maria da Penha trazem menos avanços do que poderiam” – 02 de outubro de 2018 - CONJUR).

Avaliar quais dessas medidas são positivas ou negativas requer um juízo de valor extremamente subjetivo. Fato é que a Lei Maria da Penha significou um importante avanço no combate à violência contra a mulher, embora ainda haja muito a ser feito.

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