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Hobbes entendia que o Estado era como se fosse Deus?

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Larissa Wermelinger

 

Considerado como um dos teóricos do poder absolutista em vigor na Idade Moderna, Thomas Hobbes viveu entre 1588 e 1679. Para Hobbes, o Estado deveria ser a instituição fundamental para regular as relações humanas, dado o caráter da condição natural dos homens que os impele à busca do atendimento de seus desejos de qualquer maneira, a qualquer preço, de forma violenta, egoísta, isto é, movida por paixões.

Afirmava que os homens não tiram prazer algum da companhia uns dos outros quando não existe um poder capaz de manter a todos em respeito, pois cada um pretende que seu companheiro lhe atribua o mesmo valor que ele atribui a si próprio. Dessa forma, tal situação seria propícia para uma luta de todos contra todos pelo desejo do reconhecimento, pela busca da preservação da vida e da realização daquilo que o homem (juiz de suas ações) deseja. Deste ponto de vista surgiria a famosa expressão de Hobbes: “O homem é o lobo do homem”.

Daí, nas palavras de Hobbes, “se dois homens desejam a mesma coisa [...] eles se tornam inimigos”. Todos seriam livres e iguais para buscarem o lucro, a segurança e a reputação. Nas palavras de Francisco Welfort, em sua obra intitulada Os Clássicos da Política (2006), a igualdade entre os homens, na visão de Hobbes, gera ambição, descontentamento e guerra. A igualdade seria o fator que contribui para a guerra de todos contra todos, levando-os a lutar pelo interesse individual em detrimento do interesse comum. Obviamente, isso seria resultado da racionalidade do homem, uma vez que, por ser dotado de razão, possui um senso crítico quanto à vivência em grupo, podendo criticar a organização dada e, assim, nas palavras de Hobbes, julgar-se mais sábio e mais capacitado para exercer o poder público.

Dessa forma, a questão da igualdade e da liberdade em Hobbes é vista de forma diferente daquela leitura mais convencional destes termos, com significados “positivos”, como se viu nas revoluções contra o poder absolutista dos reis, principalmente no caso da Revolução Francesa. Logo, a liberdade segundo Hobbes seria prejudicial à relação entre os indivíduos, pois na falta de “freios”, todos podem tudo, contra todos.

A paz somente seria possível quando todos renunciassem a liberdade que têm sobre si mesmos. Hobbes discorre sobre as formas de contratos e pactos possíveis em sua obra Leviatã, apontando ser o Estado o resultado do “pacto” feito entre os homens para, simultaneamente, todos abdicarem de sua “liberdade total”, do estado de natureza, consentindo a concentração deste poder nas mãos de um governante soberano. Seria necessária a criação artificial da sociedade política, administrada pelo Estado, estabelecendo-se uma ordem moral para a brutalidade social primitiva. Citando Hobbes, Francisco Welfort mostra que o Estado hobbesiano seria marcado pelo medo, sendo o próprio Leviatã um monstro cuja armadura é feita de escamas que são seus súditos, brandindo ameaçadora espada, governando de forma soberana por meio deste temor que inflige aos súditos. Em suma, este Leviatã (ou seja, o próprio Estado soberano) vai concentrar uma série de direitos (que não podem ser divididos) para poder deter o controle da sociedade, em nome da paz, da segurança e da ordem social, bem como para defender a todos de inimigos externos. Mais especificamente, nas palavras de Hobbes:

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“Isso é mais do que consentimento ou concórdia, pois resume-se numa verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens [...] Esta é a geração daquele enorme Leviatã, ou antes – com toda reverência – daquele deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa” [...] É nele que consiste a essência do Estado, que pode ser assim definida: ‘Uma grande multidão institui a uma pessoa, mediante pactos recíprocos uns aos outros, para em nome de cada um como autora, poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum’. O soberano é aquele que representa essa pessoa”. (HOBBES, 2003, p.130-1 31).

Dessa forma, estes seriam alguns dos princípios que justificariam os discursos do poder absolutista ao longo da Idade Moderna. Fica evidente que neste modelo de Estado que desconsiderava as liberdades individuais não haveria espaço para a democracia e suas instituições. Ao contrário, os usos da força, da austeridade e da repressão, geram sociedades onde prevalece a desigualdade, a instabilidade, o medo e o esvaziamento da discussão política. Por isso, o final da Idade Moderna foi marcado pela Revolução Francesa, encabeçada por uma burguesia descontente com os desmandos de um rei e desejosa por participação política. Assim, ao se olhar para a História, é possível ver que as características deste Estado Soberano não se limitaram às monarquias na Europa, mas também se fizeram presentes – mesmo que indiretamente e com outra roupagem – em diversos regimes ditatoriais como no Brasil e em tantos outros países na segunda metade do século XX, guardadas as devidas proporções. Da mesma forma, é contra Estados totalitários com tais características que lutam hoje muitos povos do norte da África e do Oriente Médio.

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LR

De antemão, não, para Hobbes o Estado não era como se fosse Deus. Hobbes nunca tratou estes termos como sinônimo, não dando a eles aspectos que pudessem vir a confundir o papel do Estado com o papel de Deus perante a sociedade. Contrário disso, Hobbes faz a devida diferenciação, dando a cada uma das instituições, pensando em Deus também como instituição presente na vida social, pesos distintos. O que Hobbes faz é uma metáfora, onde o Estado é representado por Leviatã, um Deus MORTAL e abaixo do Deus IMORTAL, segue passagem: “A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defende-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma Assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. (…) Feito isso, à multidão unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e de ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum.” (HOBBES, 1988: 105-106); “Àquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui o poder soberano. Todos os restantes são súditos.” (HOBBES, 1988: 106).

A grande defesa de Hobbes era por um Absolutismo sem teologia: “é partidário do poder absoluto e admite, ao mesmo tempo, o pacto social.”. Ou seja, o filósofo não vê um antagonismo entre o pacto social e o absolutismo, vê em realidade que “o pacto conduziria necessariamente ao absolutismo”(HOBBES, 1988: XVI). Para Hobbes, quando o poder está divido em diversos locais na sociedade, a finalidade do pacto, que é a de garantir a paz entre os homens, se finda impossível de ser concretizada. Hobbes entende que há na religião um grande poder e que este poder se distingue da soberania civil. Havendo a coexistência do poder cuja a origem vem da soberania civil, ou seja, do Estado, e um poder distinto que provêm da religião, o conflito, segundo a teoria hebbesiana, é inevitável: “Hobbes não vê solução para esses conflitos a não ser pela entrega de toda a autoridade religiosa ao soberano absoluto; caso contrário, a religião ameaçaria a paz civil” (HOBBES, 1988: XVII). Ao soberano, tento em vista que havia na época a experiencia de reis católicos que governavam súditos protestantes, havia a necessidade de colocar suas opiniões pessoais de lado em prol da manutenção da paz, pois independente da fé particular do soberano, e neste caso o Estado se faz maior do que o soberano, o Estado deveria “instituir um culto único e obrigatório: ‘porque, caso contrário, seriam encontradas em uma mesma cidade as mais absurdas opiniões referentes à natureza divina e as mais impertinentes e ridículas cerimonias jamais vistas’.” (HOBBES, 1988: XVII). Se há no pacto a necessidade de garantir a paz, tal paz só pode ser estabelecida a partir da ordem, ou seja, do estabelecimento de regras de condutas, as chamadas leis civis. O poder religioso não poderia por si transpor para o status de lei o que apenas é fé: “O pecado, o justo, o injusto, só têm sentido na medida em que recebem sua existência das leis civil. Por outro lado, os preceitos do evangelho – segundo Hobbes – não são leis, mas chamados à fé; nos evangelhos não haveria regra alguma que permitisse distinguir entre ‘o teu e o meu’, como também eles não estabelecem quaisquer regras do intercambio comercial ou outras análogas. Em suma, só ao soberano caberia distinguir entre o justo e o injusto, entre o certo e o errado.” (HOBBES, 1988: XVIII)

Referência bibliográfica:

HOBBES, Thomas. Leviatã: Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Volumes I e II).

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