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A função da Arte na educação não deve ser compreendida como meio de repetição e trabalho com desenhos prontos, cópias . O que é Arte?

A)Coletividade,imaginaçao,cópia é imaginaçao.

B)possibilidade,imaginaçao é criação,é expressão.

C)Possibilidade,imaginação é criaçao é inquietaçao.

D)Coletividade,imaginaçãoé copia é expressão.

 

 

 

💡 3 Respostas

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LR

Resposta: Assim como não é possível estabelecer o princípio da arte, também não é possível estabelecer o que é arte. Dessa forma, apresentaremos como respostas dois debates: I) O que é Arte?; II) A respeito do potencial de estranhamento e desnaturalização do ensino de arte, podemos afirmar que:

 

I) O que é Arte?

Não há uma especificidade capaz de determinar porque exatamente surge a Arte. Até porque não é possível nem ao menos precisar o que é Arte. “Não existe realmente a que se possa dar o nome Arte. Existem somente artistas. Outrora, eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de uma caverna; hoje, alguns compram tintas e desenham cartazes para tapumes; eles faziam e fazem muitas outras coisas. Não prejudica ninguém dar o nome de arte a todas essas atividades, desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maiúsculo não existe. Na verdade, Arte com A maiúsculo passou a ser algo como um bicho-papão, como um fetiche. Podemos esmagar um artista dizendo-lhe que o que ele acaba de fazer pode ser excelente a seu modo, só que não é ‘Arte’. E podemos desconcentrar qualquer pessoa que esteja contemplando com deleite uma tela, declarando que aquilo que ela tanto aprecia não é Arte mas uma coisa muito diferente.” (GOMBRICH, 2015: 15).

Assim, podemos afirmar com segurança que o princípio da arte é a Arte dos povos pré-históricos e primitivos. “Ignoramos como a arte começou, tanto quanto desconhecemos como teve início a linguagem. Se aceitarmos que arte significa o exercício de atividades tais como a edificação de templos e casas, a realização de pinturas e esculturas, ou a tessitura de padrões, nenhum povo existe no mundo sem arte. Se, por outro lado, entendermos por arte alguma espécie de belo artigo de luxo, algo para nos deleitar em museus e exposições, ou uma coisa muito especial para usar como preciosa decoração na sala de honra, cumpre-nos reconhecer que esse uso da palavra constitui um desenvolvimento bem recente e que muitos dos maiores construtores, pintores ou escultores do passado sequer sonharam com ele. (...) No passado, a atitude em relação à pintura e às estátuas era em geral semelhante. Não as consideravam meras obras de arte mas objetos que tinham uma função definida. Seria um medíocre juiz de casas aquele que ignorasse as finalidades para as quais elas foram construídas. É improvável, do mesmo modo, que compreendamos a arte do passado se desconhecermos os propósitos a que tinha de servir. Quanto mais recuarmos na história, mais definidas mas também mais estranhas são as finalidades que se crê serem servidas pela arte. O mesmo se aplica se sairmos das cidades e observarmos o que se passa entre os camponeses ou, melhor ainda, se sairmos dos nossos países civilizados e visitarmos aqueles povos cujos modos de vida ainda hoje se assemelham às condições em que viveram os nossos mais remotos ancestrais Chamamos a esses povos ‘primitivos’, não porque sejam mais simples do que nós – os seus processos de pensar, com frequência, são mais complicados do que os nossos –, mas por estarem mais próximos do estado em que, num dado momento, emergiu a humanidade. Entre esses primitivos não há diferença entre edificar e fazer imagens, no que se refere a utilidade. Suas cabanas existem para protegê-los da chuva, do sol e do vento, e para os espíritos que geram tais eventos; as imagens são feitas para protegê-los contra outros poderes que, para eles, são tão reais quanto as forças da natureza. Pinturas e estátuas, em outras palavras, são usadas para realizar trabalhos de magia.” (GOMBRICH, 2015: 39-40).

 

- 15000 a.C.: Bisão, Pintura em caverna, Altamira, Espanha.

 

 

- Sec. XII: Cabeça de um negro, provavelmente representando um rei, Nigéria.

 

- Sec. XIX: Mascara ritual da região do Golfo de Papua, Nova Guiné.

 

- Sec. XIX: Lintel da casa de um chefe maori, Nova Zelândia, Austrália.

“É impossível entender esses estranhos começos se não procurarmos penetrar na mente dos povos primitivos e descobre qual é o gênero de experiência que os faz pensar em imagens como algo tão poderoso para ser usado e não como algo bonito para contemplar. Não acho que seja realmente difícil recuperar esse sentimento. Todo o que precisamos é ser profundamente honestos conosco e examinarmos se em nosso intimo não se conserva algo de ‘primitivo’, em vez de começarmos pela Era Glacial, comecemos por nós mesmos. Suponha-se que recortamos do jornal hoje o retrato do nosso campeão favorito – será que sentiríamos prazer em apanhar uma agulha e furar-lhe os olhos? Isso nos deixaria tão indiferentes quanto praticar tais furos em qualquer outra parte do jornal? Suponho que não. Embora eu saiba, bem no intimo dos meus pensamentos, que o que fizer ao retrato não causará a mínima diferença ao meu amigo ou herói, sinto, não obstante, uma vaga relutância em causar danos à sua imagem. Subsiste algures a absurda sensação de que o que se fizer ao retrato é infligido à pessoa que ele representa. Ora, se estou certo nessa suposição, se essa ideia estranha e irracional realmente sobrevive mesmo entre nós, em plena era de energia atômica, talvez seja menos surpreendente que tais ideias existissem entre quase todos os chamados povos primitivos. Em todas as partes do mundo, médicos-feiticeiros, pajés ou bruxos tentaram praticar a magia de uma forma ou de outra; fizeram pequenas imagens de um inimigo e perfuraram o coração do maltratado boneco, ou o queimaram, na esperança de que o inimigo sofresse com isso. Até mesmo o boneco que é queimado na Grã-Bretanha, no Dia de Guy Fawkes, é um remanescente dessa superstição. Os primitivos são, por vezes, ainda mais vagos a respeito do que é real e do que é imagem. Certa ocasião, quando um artista europeu fez desenhos de animais domésticos numa aldeia africana, os habitantes mostraram-se nervosos: ‘Se levar consigo o nosso gado, do que iremos viver?’” (GOMBRICH, 2015: 40).

Sobre fenomenologia e arte:

Genericamente compreendemos que fenomenologia é a “descrição filosófica dos fenômenos, em sua natureza aparente e ilusória, manifestados na experiência aos sentidos humanos e a consciência imediata” (HOUAISS, 2009: 886). São diversas as formas de aprofundar o significado de fenomenologia, vamos traçar um caminho para o que interessa a compreensão da produção artística.

Na descrição genérica que apresentamos a natureza do fenómeno é aparente e ilusória, entretanto não é bem isso. Segundo Lambert, o fenômeno não é aparente e ilusório, e sim é uma aparência ilusória. Husserl esclarece um pouco mais, a fenomenologia é o estudo do fenômeno, há neste estudo o aspecto do transcendental, dessa forma o fenômeno, enquanto aparência ilusória deve ser compreendido como essência, e não como dados de fato, e assim define-se que a Fenomenologia “é uma ciência de essências” (ABBAGNANO, 2007: 511). Argan considera o “trabalho de arte”  como o “verdadeiro objeto fenomenológico em ato” (ARGAN, 1992: XXI). Fenômeno é uma aparência ilusória que é a em si essência, segundo Argan a Arte é a essência em ato, é a essência que se manifesta “na experiência aos sentidos humanos e a consciência imediata”. Dessa forma, para compreender uma obra devemos buscar sua essência, sua aparência ilusória por traz de sua aparência concreta. Na tentativa de compreender de um objeto de arte parte-se da “aparência feita, e busca[-se] estabelecer os tipos de relações que ele traz em seu interior” (ARGAN, 1992: XXI). Aplicar a fenomenologia no estudo da produção artista exige assumir que “todos os elementos têm, em princípio, a mesma importância – da fatura ao material empregado, das formas às imagens, da cor ao gesto”, e que “o objeto de arte” é a uma “rede de nexos corrediços” que em si vincula a arte “às demais esferas sociais”. A arte então “é também criação de valores, já que deve se perguntar a todo instante pelo sentido do agir humano e operar de modo a garantir e ampliar seus próprios fundamentos” (ARGAN, 1992: XX)Levando em conta que “O caráter das relações estabelecias numa obra de arte – sua forma – traz ao mesmo tempo o vínculo e a diferença com os demais aspectos de sociabilidade”, o exercício de “compreender quais os [elementos] que sobressaem em um determinado trabalho e em buscar suas significações” (ARGAN, 1992: XXI), que é a própria a fenomenologia enquanto ciência de essência, cabe então à compreensão crítica da arte.

Informações adicionais, e não menos importantes:

Para compreender a Fenomenologia enquanto ciência do essencial devemos acionar a chave do absoluto. O Absoluto “é essencialmente o resultado”, e a verdade só é possível quando se é capaz de chegar ao ponto final, ao essencial. Esse fim é em si o Espírito em condição dos seus “graus últimos da realidade, aqueles em que ela se revela a si mesma como Princípio autoconsciente infinito na religião, na arte e na filosofia.” (ABBAGNANO, 2007: 3). A fenomenologia compreende “o percurso da Consciência ao espírito” (ABBAGNANO, 2007: 221). Trata-se de uma totalidade “A experiência que a Consciência tem de si”, trata-se do “reino todo do espírito”. A experiência da Consciência é o caminho para a totalidade, para a compreensão do reino todo do espírito. O fim é o momento onde o Espírito “se libertará da aparência de estar invalidada por algo estranho, que lhe é alheio, ponto em que a aparência será igual à essência” (ABBAGNANO, 2007: 221). O resultado é então o ponto da Autoconsciência, a Consciência Absoluta, o próprio Espírito, a Essência.

Arte segundo Lukács: “arte como imitação”“Hoje a teoria da imitação é defendida e praticada pelos partidários do realismo na arte, sobretudo nos países comunistas e em quem se inspira na ideologia comunista. Mas muitas vezes a interpretação que se faz da imitação elimina exatamente o caráter passivo que a caracterizava na formulação clássica. Assim, Lukács, que define a arte como "reflexo da realidade", entende que essa realidade é resultado da interação entre natureza e homem, interação mediada pelo trabalho e pela sociedade, em seu momento histórico. Por isso, vê na arte "o modo de expressão mais adequado e mais elevado da autoconsciência da humanidade" (Àsthetik l, 1963, cap. VII, § III, trad. it., p. 575). Desse ponto de vista, a imitação não se distingue da criação.” (ABBAGNANO, 2007: 427-428).

Arte segundo Hegel: “arte como criação” “Como se vê, a tese romântica da arte como criação compõe-se de duas teses diferentes: I, a arte é originalidade absoluta e os seus produtos não são referíveis à realidade natural; II, como originalidade absoluta, a arte é parte (continuação ou manifestação) da atividade criadora de Deus. Fo ram essas as teses fundamentais de Hegel em Lições de estética: "Poder-se-ia imaginar que o artista recolhe no mundo exterior as melhores formas e as reúne, ou que faz uma escolha de fisionomias, situações, etc, para encontrar as formas mais adaptadas ao seu conteúdo. Mas quando assim recolhe e escolhe ainda não fez nada, pois o artista deve ser criadore, em sua fantasia, com o conhecimento das formas verdadeiras com sentido profundo e sensibilidadeviva, deve formar e exprimir o significado que o inspira de modo espontâneo e com ímpeto" (Vorlesungen über die Àsthetik, ed. Glockner, I, p. 240). Por outro lado, justamente por esse seu caráter de criação, a arte pertence à esfera do Espírito absoluto e, ao lado da religião e da filosofia, é uma das suas manifestações ou realizações no mundo. "A arte", diz Hegel, "por ocupar-se do verdadeiro como objeto absoluto da consciência, pertence à esfera absoluta do espírito e graças a seu conteúdo situa-se no mesmo plano da religião e da filosofia. Pois também a filosofia não tem outro objeto a não ser Deus e é assim essencialmente uma teologia racional e um perpétuo culto divino a serviço da verdade" (Ibid., I, pp. 147-48). Nesse aspecto, Croce praticamente só fez repetir a doutrina de Hegel. "Como posição e resolução de problemas (da fantasia ou estéticos), a arte não reproduz nada de existente, mas produz sempre algo de novo, forma uma nova situação espiritual e, portanto, não é imitação, mas criação. Do mesmo modo, criação é pensamento que também consiste em posição e resolução de problemas (lógicos, filosóficos ou especulativos, como se preferir chamá-los), e nunca em reprodução de objetos ou de idéias" (Nuovi saggi di E., 1920, p. 156). No mesmo sentido, Gentile escreveu: "É difícil renunciar a ver no artista um espírito criador livre. O pensamento comum encontra dificuldade em aperceber-se claramente dessa criatividade do homem, mas, embora obscura, essa idéia do artista que cria um mundo seu está profundamente arraigada em todo homem que se aproxima da obra de arte" (Fil. delVarte, 1931, 11, § 4). No âmbito da concepção romântica de arte, o princípio de arte como criação aparece como verdade evidente.” (ABBAGNANO, 2007: 428).

Arte segundo Argan: “A arte é um fazer exemplar que, em última análise, tem como horizonte a produção de objetos perfeitos, que sirvam de guia às demais atividades. Nessa busca, ela é também criação de valores, já que deve se perguntar a todo instante pelo sentido do agir humano e operar de modo a garantir e ampliar seus próprios fundamentos. E esse movimento traz consigo necessariamente uma temporalidade de ordem histórica, em passado, presente e futuro se condensam na presença instigante de um objeto particular. A partir dessa formulação o estabelecimento de vínculos entre a produção artística e aspectos sociais, éticos, históricos e cognoscitivos pode se realizar sem a necessidade de privilegiar qualquer uma das instancias envolvidas, desde que as análises partam dos trabalhos de arte e observem neles a especificidade dos nexos opostos. Sem dúvida, a leitura de Hegel contribuiu decisivamente para a vocação totalizante da concepção de arte de Argan. Contudo, sua noção de forma artística possui um travejamento mais denso, que afasta toda e qualquer suspeita de uma relação especular ou expressiva entre a arte e as demais esferas espirituais ou sociais. A determinação de valores e projetualidade – a forma artística da intencionalidade de Husserl – das obras de arte eram uma garantia permanente contra uma inserção pacífica e inerte – que por certo não é o caso de Hegel –e, promoviam mais uma problematização daqueles vínculos do que uma relação orgânica. Por suas características a obra de arte tende a estabelecer relações que instauram uma sistematicidade limite, verdadeiramente movediça, cujo comprimento é sempre prenúncio de uma nova incompletude. Para Argan, ‘a consciência que apreende a obra de arte realiza uma redução fenomenológica que conduz ao reconhecimento de uma epoché singularóssima, dado que aparecerá de imediato que a obra não será extraída, isolada, colocada entre parênteses, justamente porque ela mesma, como nós a apreendemos, aparece como uma epoché em ato, que se extraiu, se isolou e colocou entre parêntese o mundo da vida’’.” (ARGAN, 1992: XX). “A obra de arte é portanto esse ponto de tangência entre sistematicidade e alteridade. Em seu caráter projetual, ela traça ‘as linhas mestras segundo as quais se desenvolverá a existência da sociedade e, ao mesmo tempo, negando que essas linhas sejam predestinadas ou prefixas, exprime em primeiro lugar a virtualidade da condição presente, as possibilidades que lhe são implícitas. Mas exprime também aquela que se considera como estrutura da sociedade, processo de seu autodeterminar-se, diagrama de seu devir histórico: porque a estrutura não é pensável como forma realizada e imóvel, mas como estruturação, ‘consciência estruturante’’.” (ARGAN, 1992: XX-XXI).

 

II) A respeito do potencial de estranhamento e desnaturalização do ensino de arte, podemos afirmar que:

Os processos de estranhamento e desnaturalização estão ligados a situações de conflito, de confronto com a realidade. Na pedagogia, o estranhamento e a desnaturalização é um processo por um lado de autoformação e por outro de introdução de um novo horizonte sociológico, o que significa dizer que trata-se de um momento de tomada de consciência das ações tanto de si, do indivíduo, quando do entorno social ao qual o indivíduo esta submetido, onde quebra-se preconceitos através do estranhamento e da desnaturalização da realidade já dada, já normalizada, para se construir um caminho de maior autonomia para a construção das ações e representações individuais e coletivas.

“De fato, noções como estranhamento e desnaturalização constituem a base de qualquer conhecimento. Como afirma Gadamer (1997), como seres humanos, estamos sempre imersos em uma tradição, isto é, em uma espécie de quadro de referência histórica, lingüística e normativamente mediado. Ocorre que nossa experiência desta tradição antecede qualquer juízo, qualquer reflexão e, por esta razão, a tradição nunca é inteiramente transparente para o intérprete. Na vida cotidiana, interpretamos a partir de preconceitos ou pré-julgamentos que, inicialmente, não estão presentes em um nível consciente e, por esta razão, precisam ser trazidos à consciência.” (HAMLIN, 2010: 74)

“Isto sugere que o processo de conhecimento envolve um movimento relativo ao encontro entre o familiar e o desconhecido e que, para fins estritamente analíticos, dividirei aqui em três momentos que, na prática, ocorrem de forma simultânea e interrelacionada: inicialmente, a aproximação com o objeto, que se dá a partir da conscientização da tradição e do contexto em que se está imerso; em seguida, um distanciamento gerado pelo estranhamento ou, em linguagem gadameriana, por meio de uma experiência de tipo hermenêutico1 com a introdução de um horizonte estritamente sociológico; por fim, uma reaproximação do objeto como resultado da utilização de uma série habilidades e disposições das ciências sociais que caracterizam um habitus sociológico.” (HAMLIN, 2010: 74-75)

“lação à família, às prisões, aos hospitais e a outras instituições disciplinantes e reprodutoras a que foram comparadas? Para Michael Young (2007), elas “capacitam ou podem capacitar jovens a adquirir o conhecimento que, para a maioria deles, não pode ser adquirido em casa ou em sua comunidade, e para adultos, em seus locais de trabalho” (Ibid.:1294). Importa sublinhar, no entanto, que, ao resgatar o papel da escolaridade como transmissão de conhecimento, Young enfatiza que a palavra “transmissão” pressupõe de forma explícita o envolvimento ativo do aprendiz neste processo. Sendo assim, a questão da autoformação e a dimensão coletiva e contextual da produção do conhecimento não devem ser percebidas nem como um empecilho à sua transmissão, nem como o objetivo último da educação, mas como algo que está a seu serviço.” (HAMLIN, 2010: 76)

Definição de estranhamento: “ato, processo ou afeito de estanhar”; “admiração, espanto, pasmo diante de algo que não se conhece ou não se espera”; “sentimento de certa aversão a alguém ou algo que não se conhece; repulsa” (HOUAISS, 2009: 839).

Definição de desnaturalização: desnaturalizar é o processo de quebra com aquilo que é naturalizável, com aquela verdade acrítica, dada “de maneira espontânea”, externa, “de modo inato” (HOUAISS, 2009: 1344). Quebra-se o senso comum, para se instaurar uma consciência autônoma “fora do comum; extraordinária” (HOUAISS, 2009: 661).  

Sobre o conceito de Habitus:

Genericamente, do ponto de vista antropológico, habitus refere-se ao “modo de ser de um indivíduo ligado a um grupo social, que se relaciona especialmente com a aparência física (roupa, atitude, etc.)” (HOUAISS, 2009: 1003). Mas essa definição não basta, devemos então nos aprofundar um pouco mais. É possível compreender o espectro amplo da questão da seguinte forma: uma dada “configuração cultural” é resultado de um específico “processo de constrição dos habitus individuais”, esse processo é “mediado pela coexistência de distintas instâncias produtoras de valores culturais e referências identitárias”, e são instancias produtoras de valores aquelas capazes de produzir relações de troca, de socialização, como por exemplo, “a família, a escola e a mídia contemporânea” (SETTON, 2002: 60), instâncias onde potencialmente aflora-se “uma relação dinâmica criada pelo conjunto de seus integrantes, recursos e trajetórias particulares” (SETTON, 2002: 61).

Habitus, segundo a concepção de Bourdieu e, posteriormente, de Giddens, pode ainda ser compreendido “como um instrumento conceptual” capaz de auxiliar o pensamento a respeito da “relação”  e da “mediação entre os condicionamentos sociais exteriores e a subjetividade dos sujeitos” (SETTON, 2002: 61).

A definição complexificada para o conceito de habitus é a seguinte: “um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas” (BOURDIEU, 1983: 65).

“Trata-se de um conceito que, embora seja visto como um sistema engendrado no passado e orientando para uma ação no presente, ainda é um sistema em constante reformulação. Habitus não é destino. Habitus é uma noção que me auxilia a pensar as características de uma identidade social, de uma experiência biográfica, um sistema de orientação ora consciente ora inconsciente. Habitus como uma matriz cultural que predispõe os indivíduos a fazerem suas escolhas.” (SETTON, 2002: 61).

Informações adicionais a respeito do conceito de habitus:

“O conceito de habitus tem uma longa história nas ciências humanas (Héron, 1987). Palavra latina utilizada pela tradição escolástica, traduz a noção grega hexis utilizada por Aristóteles para designar então características do corpo e da alma adquiridas em um processo de aprendizagem. Bem mais tarde foi também utilizada por Émile Durkheim, no livro A evolução pedagógica (1995), adquirindo sentido semelhante, mas bem mais explícito. Ou seja, Durkheim faz uso do conceito para designar um estado geral dos indivíduos, estado interior e profundo, que orienta suas ações de forma durável (Dubar, 2000; Bourdieu,1983a; Lahire,1999)” (SETTON, 2002: 61).

“Mais especificamente, Durkheim evocou esse conceito a propósito de duas situações singulares, as sociedades tradicionais e os internatos. Na primeira, considera o grupo realizando de maneira regular uma uniformidade intelectual e moral. Tudo seria comum a todos. No segundo caso, emprega o conceito a propósito da noção cristã como uma forma de educação que englobaria a criança integralmente como influência única e constante. O habitus, em Durkheim, corresponderia perfeitamente à situação de internato, uma instituição social total no sentido de Goffman (Lahire, 1999). A educação estaria organizada de maneira que produzisse um efeito profundo e duradouro. Assim seria possível afirmar que a coerência das disposições sociais que cada ser social interioriza dependeria da coerência dos princípios de socialização

aos quais os indivíduos estão submetidos (Lahire, 1997, 1998 e 1999).” (SETTON, 2002: 61).

“Em “Estrutura, habitus e prática” (Bourdieu, 1982), versão brasileira do posfácio do livro Architecture gothique et pensée scolastique, de Erwin Panofsky, Bourdieu retoma o conceito de habitus segundo uma ótica original. Ou seja, aproveitando-se das reflexões de Panofsky sobre a relação de afinidade entre a arte gótica e o pensamento escolástico, Bourdieu propõe um problema sociológico. Não basta postular a comparabilidade das diferentes esferas do social. É necessário definir as condições, os princípios que tornam essa comparação possível (p. 338). Segundo Bourdieu, Panofsky não se limitou a observar a correspondência entre imagem e idéias de um período, mas afirmou que tal semelhança derivaria, teria seu princípio, em uma educação (socialização) sistemática apropriada de maneira inconsciente e difusa. Segundo as palavras do autor, as semelhanças “têm seu princípio na instituição escolar, investida da função de transmitir conscientemente e em certa medida inconscientemete ou, de modo mais preciso, de produzir indivíduos dotados do sistema de esquemas inconscientes (ou profundamente internalizados), o qual constitui sua cultura, ou melhor, seu habitus... (Bourdieu, 1974, p. 346, grifo meu).” (SETTON, 2002: 61-62).

“Para Bourdieu, ao utilizar o conceito de habitus, Panofsky “mostra que a cultura não é só um código comum, nem mesmo um repertório comum de respostas a problemas comuns ou um grupo de esquemas de pensamento particulares e particularizados: é, sobretudo, um conjunto de esquemas fundamentais, precisamente assimilados, a partir dos quais se engendram, segundo uma arte da invenção semelhante à da escrita musical, uma infinidade de esquemas particulares, diretamente aplicados a situações particulares” (Bourdieu, 1982, p. 349, grifo meu).” (SETTON, 2002: 62).

“Contudo, a teoria do habitus, logo depois sistematizada por Bourdieu, atribui um sentido mais preciso ao conceito. A partir de pesquisas realizadas na Argélia e entre camponeses da região francesa de Béarn (Bourdieu, 1963, 1972), o conceito de habitus surge da necessidade empírica de apreender as relações de afinidade entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionamentos sociais. Habitus é aqui compreendido como:” (SETTON, 2002: 62)

“‘[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...]’ (Bourdieu, 1983b, p. 65, grifo meu)” (SETTON, 2002: 61).

“Paradoxalmente, se habitus foi concebido como princípio mediador, princípio de correspondência entre as práticas individuais e as condições sociais de existência, foi no seu desajustamento que ele se tornou explícito. Em pesquisas empreendidas na Argélia nos anos de 1950 e 1960, Bourdieu (1963) observou a situação de desamparo de indivíduos arrancados de um universo rural e submetidos a um ambiente urbano e capitalista. Sem os instrumentos e/ou categorias de percepção que os ajudassem nesta situação de desamparo, como compreender o comportamento e as práticas desses indivíduos? Formulada em um contexto específico, a noção de habitus adquire um alcance universal, tornando-se um instrumento conceptual, ao permitir examinar a coerência das características mais diversas de indivíduos dispostos às mesmas condições de existência (Pinto, 2000).” (SETTON, 2002: 62-63).

 

Referências bibliográficas:

HAMLIN, Cynthia Lins. Desenvolvendo uma terceira cultura nas escolas: Habitus sociológico, estranhamento e desnaturalização de preconceitos. In Revista TOMO, n.15, 2010.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. In Revista Brasileira de Educação, n.20,  Maio/Jun/Lul/Ago, 2002.

BOURDIEU, Pierre. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Messo. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: Do iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia as Letras, 1992.

GOMBICH, Ernest Hans. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2015.

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