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Qual e a importância do estranhamento e a desnaturalizacao?

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Leonardo Silva

O estranhamento se refere ao ato de inconformidade com situações grotescas e de repúdio, o que apenas potencializa a desnaturalização destes processos.

Desta forma, é importante que a sociedade apresente o "estranhamento" frente a situações de feminicídio, ou crimes em geral, para que este tipo de contexto não "caia na rotina" e torne-se algo rotineiro

 

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LR

Os processos de estranhamento e desnaturalização estão ligados a situações de conflito, de confronto com a realidade. Na pedagogia, o estranhamento e a desnaturalização é um processo por um lado de autoformação e por outro de introdução de um novo horizonte sociológico, o que significa dizer que trata-se de um momento de tomada de consciência das ações tanto de si, do indivíduo, quando do entorno social ao qual o indivíduo esta submetido, onde quebra-se preconceitos através do estranhamento e da desnaturalização da realidade já dada, já normalizada, para se construir um caminho de maior autonomia para a construção das ações e representações individuais e coletivas.

“De fato, noções como estranhamento e desnaturalização constituem a base de qualquer conhecimento. Como afirma Gadamer (1997), como seres humanos, estamos sempre imersos em uma tradição, isto é, em uma espécie de quadro de referência histórica, lingüística e normativamente mediado. Ocorre que nossa experiência desta tradição antecede qualquer juízo, qualquer reflexão e, por esta razão, a tradição nunca é inteiramente transparente para o intérprete. Na vida cotidiana, interpretamos a partir de preconceitos ou pré-julgamentos que, inicialmente, não estão presentes em um nível consciente e, por esta razão, precisam ser trazidos à consciência.” (HAMLIN, 2010: 74)

“Isto sugere que o processo de conhecimento envolve um movimento relativo ao encontro entre o familiar e o desconhecido e que, para fins estritamente analíticos, dividirei aqui em três momentos que, na prática, ocorrem de forma simultânea e interrelacionada: inicialmente, a aproximação com o objeto, que se dá a partir da conscientização da tradição e do contexto em que se está imerso; em seguida, um distanciamento gerado pelo estranhamento ou, em linguagem gadameriana, por meio de uma experiência de tipo hermenêutico1 com a introdução de um horizonte estritamente sociológico; por fim, uma reaproximação do objeto como resultado da utilização de uma série habilidades e disposições das ciências sociais que caracterizam um habitus sociológico.” (HAMLIN, 2010: 74-75)

“lação à família, às prisões, aos hospitais e a outras instituições disciplinantes e reprodutoras a que foram comparadas? Para Michael Young (2007), elas “capacitam ou podem capacitar jovens a adquirir o conhecimento que, para a maioria deles, não pode ser adquirido em casa ou em sua comunidade, e para adultos, em seus locais de trabalho” (Ibid.:1294). Importa sublinhar, no entanto, que, ao resgatar o papel da escolaridade como transmissão de conhecimento, Young enfatiza que a palavra “transmissão” pressupõe de forma explícita o envolvimento ativo do aprendiz neste processo. Sendo assim, a questão da autoformação e a dimensão coletiva e contextual da produção do conhecimento não devem ser percebidas nem como um empecilho à sua transmissão, nem como o objetivo último da educação, mas como algo que está a seu serviço.” (HAMLIN, 2010: 76)

Definição de estranhamento: “ato, processo ou afeito de estanhar”; “admiração, espanto, pasmo diante de algo que não se conhece ou não se espera”; “sentimento de certa aversão a alguém ou algo que não se conhece; repulsa” (HOUAISS, 2009: 839).

Definição de desnaturalização: desnaturalizar é o processo de quebra com aquilo que é naturalizável, com aquela verdade acrítica, dada “de maneira espontânea”, externa, “de modo inato” (HOUAISS, 2009: 1344). Quebra-se o senso comum, para se instaurar uma consciência autônoma “fora do comum; extraordinária” (HOUAISS, 2009: 661).  

Sobre o conceito de Habitus:

Genericamente, do ponto de vista antropológico, habitus refere-se ao “modo de ser de um indivíduo ligado a um grupo social, que se relaciona especialmente com a aparência física (roupa, atitude, etc.)” (HOUAISS, 2009: 1003). Mas essa definição não basta, devemos então nos aprofundar um pouco mais. É possível compreender o espectro amplo da questão da seguinte forma: uma dada “configuração cultural” é resultado de um específico “processo de constrição dos habitus individuais”, esse processo é “mediado pela coexistência de distintas instâncias produtoras de valores culturais e referências identitárias”, e são instancias produtoras de valores aquelas capazes de produzir relações de troca, de socialização, como por exemplo, “a família, a escola e a mídia contemporânea” (SETTON, 2002: 60), instâncias onde potencialmente aflora-se “uma relação dinâmica criada pelo conjunto de seus integrantes, recursos e trajetórias particulares” (SETTON, 2002: 61).

Habitus, segundo a concepção de Bourdieu e, posteriormente, de Giddens, pode ainda ser compreendido “como um instrumento conceptual” capaz de auxiliar o pensamento a respeito da “relação”  e da “mediação entre os condicionamentos sociais exteriores e a subjetividade dos sujeitos” (SETTON, 2002: 61).

A definição complexificada para o conceito de habitus é a seguinte: “um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas” (BOURDIEU, 1983: 65).

“Trata-se de um conceito que, embora seja visto como um sistema engendrado no passado e orientando para uma ação no presente, ainda é um sistema em constante reformulação. Habitus não é destino. Habitus é uma noção que me auxilia a pensar as características de uma identidade social, de uma experiência biográfica, um sistema de orientação ora consciente ora inconsciente. Habitus como uma matriz cultural que predispõe os indivíduos a fazerem suas escolhas.” (SETTON, 2002: 61).

Informações adicionais a respeito do conceito de habitus:

“O conceito de habitus tem uma longa história nas ciências humanas (Héron, 1987). Palavra latina utilizada pela tradição escolástica, traduz a noção grega hexis utilizada por Aristóteles para designar então características do corpo e da alma adquiridas em um processo de aprendizagem. Bem mais tarde foi também utilizada por Émile Durkheim, no livro A evolução pedagógica (1995), adquirindo sentido semelhante, mas bem mais explícito. Ou seja, Durkheim faz uso do conceito para designar um estado geral dos indivíduos, estado interior e profundo, que orienta suas ações de forma durável (Dubar, 2000; Bourdieu,1983a; Lahire,1999)” (SETTON, 2002: 61).

“Mais especificamente, Durkheim evocou esse conceito a propósito de duas situações singulares, as sociedades tradicionais e os internatos. Na primeira, considera o grupo realizando de maneira regular uma uniformidade intelectual e moral. Tudo seria comum a todos. No segundo caso, emprega o conceito a propósito da noção cristã como uma forma de educação que englobaria a criança integralmente como influência única e constante. O habitus, em Durkheim, corresponderia perfeitamente à situação de internato, uma instituição social total no sentido de Goffman (Lahire, 1999). A educação estaria organizada de maneira que produzisse um efeito profundo e duradouro. Assim seria possível afirmar que a coerência das disposições sociais que cada ser social interioriza dependeria da coerência dos princípios de socialização

aos quais os indivíduos estão submetidos (Lahire, 1997, 1998 e 1999).” (SETTON, 2002: 61).

“Em “Estrutura, habitus e prática” (Bourdieu, 1982), versão brasileira do posfácio do livro Architecture gothique et pensée scolastique, de Erwin Panofsky, Bourdieu retoma o conceito de habitus segundo uma ótica original. Ou seja, aproveitando-se das reflexões de Panofsky sobre a relação de afinidade entre a arte gótica e o pensamento escolástico, Bourdieu propõe um problema sociológico. Não basta postular a comparabilidade das diferentes esferas do social. É necessário definir as condições, os princípios que tornam essa comparação possível (p. 338). Segundo Bourdieu, Panofsky não se limitou a observar a correspondência entre imagem e idéias de um período, mas afirmou que tal semelhança derivaria, teria seu princípio, em uma educação (socialização) sistemática apropriada de maneira inconsciente e difusa. Segundo as palavras do autor, as semelhanças “têm seu princípio na instituição escolar, investida da função de transmitir conscientemente e em certa medida inconscientemete ou, de modo mais preciso, de produzir indivíduos dotados do sistema de esquemas inconscientes (ou profundamente internalizados), o qual constitui sua cultura, ou melhor, seu habitus... (Bourdieu, 1974, p. 346, grifo meu).” (SETTON, 2002: 61-62).

“Para Bourdieu, ao utilizar o conceito de habitus, Panofsky “mostra que a cultura não é só um código comum, nem mesmo um repertório comum de respostas a problemas comuns ou um grupo de esquemas de pensamento particulares e particularizados: é, sobretudo, um conjunto de esquemas fundamentais, precisamente assimilados, a partir dos quais se engendram, segundo uma arte da invenção semelhante à da escrita musical, uma infinidade de esquemas particulares, diretamente aplicados a situações particulares” (Bourdieu, 1982, p. 349, grifo meu).” (SETTON, 2002: 62).

“Contudo, a teoria do habitus, logo depois sistematizada por Bourdieu, atribui um sentido mais preciso ao conceito. A partir de pesquisas realizadas na Argélia e entre camponeses da região francesa de Béarn (Bourdieu, 1963, 1972), o conceito de habitus surge da necessidade empírica de apreender as relações de afinidade entre o comportamento dos agentes e as estruturas e condicionamentos sociais. Habitus é aqui compreendido como:” (SETTON, 2002: 62)

“‘[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...]’ (Bourdieu, 1983b, p. 65, grifo meu)” (SETTON, 2002: 61).

“Paradoxalmente, se habitus foi concebido como princípio mediador, princípio de correspondência entre as práticas individuais e as condições sociais de existência, foi no seu desajustamento que ele se tornou explícito. Em pesquisas empreendidas na Argélia nos anos de 1950 e 1960, Bourdieu (1963) observou a situação de desamparo de indivíduos arrancados de um universo rural e submetidos a um ambiente urbano e capitalista. Sem os instrumentos e/ou categorias de percepção que os ajudassem nesta situação de desamparo, como compreender o comportamento e as práticas desses indivíduos? Formulada em um contexto específico, a noção de habitus adquire um alcance universal, tornando-se um instrumento conceptual, ao permitir examinar a coerência das características mais diversas de indivíduos dispostos às mesmas condições de existência (Pinto, 2000).” (SETTON, 2002: 62-63).

 

Referências bibliográficas:

HAMLIN, Cynthia Lins. Desenvolvendo uma terceira cultura nas escolas: Habitus sociológico, estranhamento e desnaturalização de preconceitos. In Revista TOMO, n.15, 2010.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. In Revista Brasileira de Educação, n.20,  Maio/Jun/Lul/Ago, 2002.

BOURDIEU, Pierre. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Messo. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

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