Buscar

o que com que um mamífero inicie a ventilação pulmonar após o nascimento?

💡 1 Resposta

User badge image

Ipes Sala30

Ventilação pulmonar mecânica: condução no recém-nascido
Celso Moura Rebello
Doutor em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador da Unidade de Pesquisa Experimental do Instituto da Criança doHospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (IC-HC-FMUSP). Membro do Comitê de Neonatologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo - (SPSP).
Flávio Adolfo Costa Vaz
Professor titular em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Chefe do Departamento de Pediatria doInstituto da Criança do Hospital das Clínicas (IC-HC-FMUSP).

Introdução
O uso adequado do ventilador para o tratamento da insuficiência respiratória no período neonatal exige o conhecimento de alguns conceitos básicos da mecânica pulmonar do recém-nascido, das alterações da mesma decorrentes da doença de base, assim como das possíveis complicações pulmonares e sistêmicas causadas pela ventilação.

Mecânica pulmonar

Complacência

É a propriedade que melhor descreve a distensibilidade pulmonar do recém-nascido, sendo definida como a variação do volume pulmonar que ocorre com a variação de uma unidade de pressão (complacência = D volume ¸ D pressão); quanto menor a complacência pulmonar, maior será a pressão necessária para a obtenção de um volume corrente adequado.

A maioria das patologias respiratórias no período neonatal levam a uma redução da complacência pulmonar, como a síndrome do desconforto respiratório, a broncopneumonia, as síndromes aspirativas e o edema pulmonar. As patologias respiratórias com complacência pulmonar normal estão relacionadas à causa primariamente central, como a apnéia do prematuro, a depressão por drogas e, de certa forma, à insuficiência respiratória pós-asfixia.



Resistência

É a propriedade que descreve a capacidade do sistema respiratório de conduzir adequadamente o fluxo de gás do tubo endotraqueal até as vias aéreas terminais. É definida como a variação de pressão nas vias aéreas por variação de uma unidade de fluxo do gás (resistência = D pressão ¸ D fluxo). Uma vez que a resistência total do sistema respiratório (que inclui também as contribuições da parede torácica e pulmonar) é bastante próxima da resistência das vias aéreas, os dois termos são empregados na prática com o mesmo significado.

Como exemplo de patologia respiratória que aumenta a resistência das vias aéreas temos a doença pulmonar crônica e as síndromes aspirativas.



Constante de tempo

É o conceito que avalia o tempo necessário para que ocorra o equilíbrio entre as pressões proximais e distais da vias aéreas. Por definição, durante a inspiração, a cada unidade de constante de tempo, 63% da pressão proximal é transmitida aos alvéolos, o mesmo ocorrendo na expiração em sentido inverso. Desta forma, transcorridos três constantes de tempo, há um equilíbrio de 95% entre as pressões proximal e distal. Após cinco constantes de tempo, o equilíbrio será de 99%, havendo posteriormente mínimo fluxo de gás e, portanto, mínima variação de volume pulmonar.

A constante de tempo (CT) é definida como o produto da complacência pela resistência pulmonar (CT = complacência x resistência). Em recém-nascidos normais, o seu valor é de aproximadamente 0.12 seg, portanto, o tempo necessário para que haja equilíbrio total entre as pressões proximais e distais das vias aéreas é de 0.60 seg (cinco constantes de tempo). Este conceito é particularmente importante ao se ventilar recém-nascidos com patologias que determinam aumento da resistência das vias aéreas (com aumento da constante de tempo) com frequências elevadas, situação na qual tanto o tempo inspiratório como o tempo expiratório podem ser insuficientes para permitir um adequado equilíbrio de pressões.

Se o tempo inspiratório utilizado for menor do que cinco constantes de tempo, um menor volume corrente será fornecido(6) com menor pressão média das vias aéreas e hipoventilação, resultando em hipoxemia e hipercapnia. Se o tempo expiratório for muito curto, a saída de ar na expiração será incompleta, levando ao aprisionamento de gás nas vias aéreas com hiperinsuflação pulmonar, aumento da capacidade residual funcional, piora da complacência e diminuição do volume corrente, resultando também em hipercapnia e hipoxemia. Além disso, o aumento na pressão média das vias aéreas resultará em diminuição do retorno venoso com queda do débito cardíaco.

Por outro lado, nas patologias pulmonares com queda da complacência (a maioria das doenças pulmonares do período neonatal), a constante de tempo será menor, permitindo o uso de frequências elevadas no ventilador (com menores tempos ins e expiratórios) com maior segurança.



Normas gerais

Nutrição

A atenção à abordagem nutricional deve se iniciar logo após o nascimento, não apenas porque a qualidade da nutrição pós-natal influencia nos aspectos de desenvolvimento a longo prazo(5), mas também porque, a curto prazo, a nutrição tem efeitos sobre o desenvolvimento pulmonar(11), sobre a função da musculatura expiratória(2), a mecânica pulmonar(12) e, provavelmente, é um dos múltiplos fatores que contribuem para a ocorrência da displasia broncopulmonar (DBP)(18). Dessa forma, tanto a nutrição parenteral como a enteral deverão ser iniciadas tão cedo quanto possível. Em geral, os recém-nascidos sob ventilação mecânica podem ser alimentados com segurança, utilizando-se leite materno exclusivo por sonda gástrica a partir do segundo ou terceiro dia de vida, desde que não haja contra-indicação para a alimentação enteral. No entanto, o início da alimentação enteral deverá ser retardado até o final da primeira semana de vida, nas situações de maior risco para a ocorrência de enterocolite necrosante, como no asfixiado grave ou na presença de policitemia com hiperviscosidade.



Aporte hídrico

Deverá ser mantido no mínimo possível, a fim de se evitar complicações como a persistência do canal arterial ou BDP, iniciando-se com 80 ml/kg/dia no prematuro e 60 ml/kg/dia no recém-nascido de termo. Em virtude do aumento da pressão intratorácica no recém-nascido sob ventilação mecânica, ocorre redução do retorno venoso, com retenção de líquido. Ao contrário, a perda insensível de água corpórea pode estar aumentada de modo significativo no RN em fototerapia, sob uma unidade de calor radiante ou em virtude de taquipnéia(19). Dessa forma, a adequação do aporte hídrico nos dias subsequentes ao nascimento deverá sempre ser baseada na necessidade basal e nas variáveis de ganho ou perda de líquido. A curva ponderal do recém-nascido fornece uma valiosa informação sobre a adequação do aporte hídrico, mostrando perda de peso excessiva ou, pelo contrário, falta de perda de peso nos primeiros dias de vida.



Monitorização da pressão arterial sistêmica

No recém-nascido com insuficiência respiratória grave, a hipoxemia tecidual pode ser agravada por baixo débito cardíaco com hipotensão sistêmica, levando à hipoperfusão tecidual e piora da acidose. A interpretação da pressão arterial em recém-nascidos deve ser feita de acordo com a idade gestacional corrigida e o peso de nascimento(14). Uma vez que, como vimos acima, a hiper-hidratação deve ser evitada no recém-nascido em ventilação mecânica, a abordagem de escolha para a correção da pressão arterial é através da normalização da volemia associada, se necessário, ao uso de drogas inotrópicas.



Nível de hemoglobina

O conteúdo de oxigênio no sangue é resultado da soma do oxigênio dissolvido no plasma com o transportado pela hemoglobina, sendo que esta última é responsável por mais de 99% do total de oxigênio transportado(3). Assim sendo, recém-nascidos anêmicos terão queda significativa da oferta de oxigênio disponível aos tecidos, apesar de possuir uma PaO2 normal. Desta forma, recomenda-se que os recém-nascidos com insuficiência respiratória grave tenham seus níveis de hemoglobina monitorados, sejam mantidos com concentrações ³ 12,5 g/dl.



Sedação

A sedação e a analgesia aumentam o conforto do recém-nascido sob ventilação mecânica, além de melhorar a eficácia do tratamento por diminuir a agitação(13). Recomenda-se, conforme necessário, a analgesia com fentanil (2 mg/kg.dose, I.V., a cada uma a duas horas; ou infusão contínua de 0,5-2,0 mg/kg.hora) e/ou sedação com midazolan (0,1 mg/kg.dose, I.V. lento, I.M.; a cada duas a quatro horas).

Ao contrário da morfina, o fentanil não possui propriedade sedativa importante, os efeitos adversos incluem depressão respiratória, rigidez muscular, convulsões, hipotensão e bradicardia, ocorrendo geralmente após administração em doses anestésicas (>5 mg/kg). Naloxone (0,1 mg/kg.dose I.V. ou I.M.) deve ser utilizado como antagonista do fentanil em caso de toxicidade. Pode haver desenvolvimento de tolerância, principalmente após uso por infusão contínua(1).

A administração rápida do midazolan pode levar à apnéia e hipotensão, portanto a sua infusão deve ser realizada em pelo menos cinco minutos. Quando usado em associação com narcóticos a pressão arterial deverá ser monitorizada(9).



Acompanhamento evolutivo da doença pulmonar de base

As doenças respiratórias que exigem o uso do ventilador para correção da oxigenação e/ou ventilação se modificam com o tempo. Por exemplo, a doença das membranas hialinas classicamente tem uma evolução natural de piora até aproximadamente 48 horas de vida, seguida de melhora espontânea. Após o tratamento com surfactante exógeno, ocorre uma dramática resposta com melhora da complacência e elevação da capacidade residual funcional. Assim, como regra geral, os parâmetros do ventilador devem ser continuamente reavaliados, à luz da fisiopatologia e do momento evolutivo da doença de base.



Objetivo da ventilação mecânica

O objetivo principal da ventilação mecânica é o de permitir uma adequada troca gasosa pulmonar, levando-se a uma oxigenação adequada do sangue arterial (avaliado através da PaO2) e a uma adequada ventilação alveolar (avaliada através da PaCO2). Por outro lado, também é um dos objetivos da ventilação pulmonar mecânica o uso de uma técnica que minimize ao máximo as lesões pulmonares e sistêmicas causadas por este tratamento (displasia broncopulmonar, enfisema intersticial, pneumotórax etc.). Para que estes objetivos sejam cumpridos, não é necessário que os valores fisiológicos sejam necessariamente atingidos, particularmente no que se refere à PaCO2. Assim, a filosofia a ser pensada na decisão da manipulação dos parâmetros do ventilador deve ser a de responder à seguinte pergunta: como se pode manter valores aceitáveis de oxigenação e ventilação, levando a um mínimo de lesão pulmonar secundária ao uso do ventilador?



Normas específicas

Descrevemos abaixo a manipulação dos controles disponíveis nos ventiladores ciclados a tempo, de fluxo constante e limitados a pressão (que constituem a grande maioria dos ventiladores utilizados rotineiramente nas unidades de terapia intensiva neonatal no nosso meio), assim como as repercussões na mecânica pulmonar e seus reflexos na troca gasosa. 



Pressão inspiratória (PIP)

A elevação da PIP isoladamente determinará aumento do volume corrente e, por conseguinte, do volume minuto, aumentando a eliminação de CO2(17). Da mesma forma, a elevação da PIP determinará aumento da pressão média das vias aéreas (MAP), com melhora da oxigenação(15), porém aumentando proporcionalmente o risco da ocorrência de barotrauma e displasia broncopulmonar (DBP)(16).

A PIP inicial não é determinada através do peso de nascimento ou da idade gestacional, mas sim com base na complacência pulmonar, sendo tanto maior a PIP necessária para fornecer adequado volume corrente quanto menor for a última. Dessa forma, na impossibilidade da monitorização direta do volume corrente, pode-se ter uma idéia da adequação da pressão inspiratória através do exame físico, observando-se uma expansão torácica satisfatória a cada ciclo do ventilador, assim como uma adequada ausculta do murmúrio vesicular.



Pressão expiratória final positiva (PEEP)

A elevação do PEEP isoladamente reduz a pressão ventilatória (PIP-PEEP), levando à diminuição do volume corrente e, por consequência, do volume minuto, levando à elevação da PaCO2(8). O uso de PEEP elevado também aumenta a MAP com melhora da oxigenação, particularmente nas patologias com diminuição da capacidade residual funcional (SDR, atelectasia).

Por outro lado, o uso excessivo do PEEP (> 6 cmH2O) pode levar à superdistensão alveolar com piora da complacência, redução do volume corrente, retenção de CO2 e hipoxemia(7), além de diminuir o retorno venoso em decorrência do aumento da pressão intratorácica, com queda do débito cardíaco.



Frequência ventilatória

A variação da frequência do ventilador produz resultados diretos no volume minuto (volume minuto = volume corrente x frequência respiratória), resultando em variação inversa na PaCO2. Desta forma, a frequência do ventilador pode ser utilizada para se adequar a PaCO2. Como regra geral, tendo sempre em mente a idéia de ventilar o recém-nascido com o mínimo possível de barotrauma, deve ser obtida a combinação da menor pressão inspiratória necessária para se obter uma adequada expansão torácica, com a frequência ventilatória necessária para a obtenção de uma PaCO2 alvo de 45-55 mmHg. 

O uso desnecessário de volume-minuto elevado causando uma redução na PaCO2 (< 40 mmHg) deve ser evitado, em vista da possibilidade de associação com maior incidência de DBP(10). A única exceção aceitável é a síndrome da hipertensão pulmonar persistente quando, sob certas circunstâncias, pode-se ter como um dos objetivos da ventilação mecânica a obtenção de PaCO2 baixa, entre 20 e 30 mmHg, com a finalidade de se obter vasodilatação arterial pulmonar.

Para início da ventilação, antes de se obter a primeira gasometria, e na presença de patologia parenquimatosa pulmonar, sugere-se iniciar a ventilação com frequência de 40 mov/min; nas patologias com depressão neurológica central e parênquima pulmonar pouco ou não comprometido (apnéia, depressão por drogas), a frequência respiratória inicial não deverá ser superior a 20 mov/min. Em ambos os casos é fundamental a obtenção de gasometria arterial 15 a 30 min após o início da ventilação, para a adequação dos parâmetros do ventilador.



Tempo inspiratório e tempo expiratório

Com a finalidade de se obter uma adequada ventilação alveolar, os tempos inspiratório e expiratório não devem ser inferiores a 3 a 5 constantes de tempo, como visto acima. Por exemplo, um paciente com doença pulmonar crônica (DBP) pode ter uma constante de tempo prolongada devido à maior resistência das vias aéreas, beneficiando-se de um tempo inspiratório longo(4).

Como regra geral, adota-se um tempo inspiratório de 0,5 seg. no início da ventilação, correspondente a aproximadamente quatro vezes a constante de tempo em recém-nascidos com complacência e resistência pulmonares normais. É fundamental ter em mente que este tempo não deve ser um valor constante e fixo, ao contrário, deve ser modificado com base no conhecimento das repercussões da doença de base sobre a mecânica pulmonar e no estágio evolutivo da mesma.



FiO2

Deve ser utilizada para a obtenção de uma PaO2 alvo na faixa de 50-80 mmHg, em associação com a elevação da MAP. Esta última deverá ser ativamente utilizada como recurso de correção da hipoxemia, especialmente quando se utiliza FiO2 ³ 0,5. Entre os controles do ventilador que resultam em variação da MAP estão o PEEP, a PIP, o tempo inspiratório e o fluxo.



Fluxo de gás no circuito do ventilador

O fluxo mínimo adequado corresponde ao triplo do volume minuto, de modo que o fluxo inicial da ordem de 5 l/min se torna adequado para a maioria dos recém-nascidos. O aumento do fluxo se acompanha da alteração do tipo de onda respiratória, passando da onda em forma de sino, com menor MAP, para a onda quadrada, em que a PIP é rapidamente atingida, com maior MAP, levando, por um lado, à melhora da oxigenação e, por outro lado, a um maior barotrauma.

0
Dislike0

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

✏️ Responder

SetasNegritoItálicoSublinhadoTachadoCitaçãoCódigoLista numeradaLista com marcadoresSubscritoSobrescritoDiminuir recuoAumentar recuoCor da fonteCor de fundoAlinhamentoLimparInserir linkImagemFórmula

Para escrever sua resposta aqui, entre ou crie uma conta

User badge image

Outros materiais