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O Marco Civil da Internet tratou de assuntos especiais e de grande importância para a sociedade da informação, dentre elas:

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Gabriel Ziviani

A ampliação do uso da internet, especialmente como ferramenta de comunicação e de interação social, trouxe à tona questões fáticas desafiadoras para a legislação cível e consumerista, ante a especificidade das relações no meio digital. Verificou-se a necessidade de regulamentar os direitos, deveres e responsabilidades no uso da rede, com atenção às peculiaridades desse ambiente “virtual”.

Com o intuito de discutir a temática, a Coalizão Dinâmica para Direitos e Princípios da Interne t1 lança, em 2011, a cartilha “Dez Direitos e Princípios para a Internet 2”, inspirada na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A “Bill of Rights Digital” elenca alguns direitos e princípios aplicáveis à Internet, quais sejam: universalidade e igualdade; direitos e justiça social; acessibilidade; expressão e associação; privacidade e proteção de dados; vida, liberdade e segurança; diversidade; igualdade; padrões e regulamento; governança.

No Brasil, as discussões para um Marco Civil receberam impulso considerável a partir do documento criado, em 2009, pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI. Br), uma entidade civil sem fins lucrativos formada por governo, acadêmicos, empresários e terceiro setor. Trata-se da Resolução CGI. Br/RES/2009/003/P3, que apresentou os seguintes princípios fundamentais para a governança e o uso da internet: liberdade, privacidade e direitos humanos; governança democrática e colaborativa; universalidade; diversidade; inovação; neutralidade da rede; inimputabilidade da rede; funcionalidade, segurança e estabilidade; padronização e interoperabilidade; ambiente legal e regulatório.

Inspirada na resolução do CGI, a Secretaria de Assuntos Legislativos, do Ministério da Justiça, em parceria com a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, lançou uma consulta pública por meio de um portal na Internet, visando à coleta de contribuições populares para a construção de um Marco Civil da Internet.

A consulta pública colheu, entre outubro de 2009 e maio de 2010, colaborações de alto nível técnico, tanto individuais como institucionais, além de sugestões práticas dos usuários da Internet, destinatários da norma. Houve ainda audiências públicas em quatro das cinco regiões do Brasil. Todo esse processo colaborativo culminou com o PL nº 2.126/2011, apresentado à Câmara e, posteriormente, transformado na Lei Federal nº 12.965/2014.

O Marco Civil (Lei nº 12.965/2014) teve por objetivo estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet, cujo acesso é considerado um direito do cidadão. Sua criação teve importância ímpar na regulação das relações digitais, especialmente no que tange a: inclusão digital (art. 27); exigência de neutralidade da rede (art. 9º), evitando, assim, a discriminação da informação; proteção à intimidade e ao sigilo dos dados (art. 7º, I, II, III), inclusive com a exigência de consentimento expresso do usuário para a coleta, o uso, o armazenamento e o tratamento de dados pessoais (art. 7º, IX); e garantia da liberdade de expressão, como fundamento do uso da Internet no Brasil (art. 2º). O detalhamento de garantias consumeristas aplicáveis às relações no ambiente digital também é um ponto positivo da norma (vide art. 7º, IV a VIII e XI a XIII).

Não obstante a construção democrática e os avanços advindos da publicação de um Marco Civil da Internet, a Lei nº 12.965/2014 sofreu algumas críticas. Uma das mais severas foi referente à necessidade de notificação judicial específica para responsabilização dos provedores por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros (art. 19)4, o que, segundo alguns juristas, estimularia a judicialização, na contramão da tendência conciliatória – enquanto que, para alguns, isso seria algo positivo, pois evitaria excessos que poderiam configurar censura. No cenário internacional, a existência de regras claras para os provedores de Internet também é bem vista, pois teria o condão de reduzir as incertezas acerca da viabilidade dos pedidos de retirada de conteúdo feitos pelos usuários, bem como diminuir a quantidade de exposição litigiosa 5.

A necessidade de autorização judicial para a retirada dos conteúdos danosos foi criticada também em virtude da velocidade de “disseminação” dos conteúdos postados na rede – aguardar uma ordem judicial poderia maximizar o dano, ou torná-lo irreparável.

A responsabilidade subsidiária dos provedores, nos casos do art. 21, também é um ponto de divergência, pois, para muitos, significou um retrocesso, visto que a jurisprudência vinha conferindo responsabilidade solidária dos provedores, em caso de danos dessa monta.

Em que pesem as críticas, o Marco Civil da Internet recebeu elogios de autoridades no assunto - como os fundadores da world wild web, Tim Berners-Lee e Vint Cerf - e serviu de inspiração para outros países – como a Itália e a França – criarem suas legislações. A norma brasileira é considerada um modelo para organizações como o Fórum Econômico Mundial e a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números 6.

Por seu papel internacional na temática, o Brasil é considerado um "ator crítico da governança da internet global" e reconhecido por ter sido capaz de "usar o processo democrático para modelar a política governamental" acerca dos temas relacionados ao uso da internet (crimes cibernéticos, leis de copyight, responsabilidade civil, etc.)7.

Pela leitura da norma, percebe-se que a regulamentação da Internet por meio de um Marco Civil teve como objetivo central assegurar direitos. Essa centralidade da legislação na perspectiva dos direitos fundamentais e o processo altamente democrático de consulta pública e delaboração a tornam referência mundial 8.

O processo deliberativo é um continuum. Certamente haverá novas demandas, novos conceitos, novas escolhas políticas resultantes do diálogo institucional, da pressão de grupos representativos da sociedade, das questões fáticas desafiadoras que surgirão. As rodadas deliberativas dirão se as críticas ao Marco Civil serão aceitas ou rechaçadas. Independentemente do acordo deliberativo resultante da discussão, é inegável a importância do Marco Civil para a regulação da Internet e, em razão do processo de sua elaboração, para a experimentação de novos métodos democráticos de criação legislativa e de debate público.

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