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Psicologia Jurídica ensaios sobre a violência Marcelo Ribeiro (org.) 2012 Psicologia Jurídica ensaios sobre a violência Marcelo Ribeiro (org.) Marcelo Ribeiro ( 2012 Revisão: Edilane Ferreira da Silva Diagramação/Arte Final: Ana Paula Arruda Textos Alzení Tomáz Bruno Heim Darlindo Ferreira de Lima Franklin Barbosa Bezerra Juracy Marques Leonardo Sousa Liércio Pinheiro de Araújo Luiz Eduardo Marcelo Ribeiro Maria Elisa Pacheco de Oliveira Silva Rita Luiza Garcia Rangel Britto Robson Marques Imagem da Capa: Salomé com a cabeça de São João Batista ( , provavelmente c. 1506-7. Óleo sobre madeira, 57,2 × 47 cm. The Friedsam Collection, doação de Michael Friedsam, 1931. Fonte: http://www.metmuseum.org/toah/works-of-art/32.100.81 org.) Andrea Solario) Psicologia Jurídica: ensaios sobre a violência / Marcelo Ribeiro (org.). - Petrolina: Gráfica Franciscana, 2012. 116p. Vários autores. Contém bibliografia ao final de cada capítulo. 1. Psicologia Jurídica . 2. Violência . 3. Direito da criança I. Personalidade criminal. II. Ribeiro, Marcelo (org.). P974 CDD 347.066019 Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Integrado de Biblioteca - SIBI/UNIVASF Apresentação.................................................................................................... 05 A Formação Profissional no Âmbito da Psicologia Jurídica.................... 09 Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão........................................................................................................... 17 Imagens da Violência: Um Ensaio Sobre a Psicossociologia dos Grupos Violentos e suas Perspectivas Compreensivas............................................ 37 Ecologia de Sangue: Interpretações Jurídicas dos Sentidos Sagrados dos Povos de Terreiros.......................................................................................... 57 Violação dos Direitos da Criança em Idade Pré-escolar........................... 77 A Verdadeira Personalidade Criminal.......................................................... 95 Psicologia e Direitos Humanos: Contradições Geradoras para um Fazer Crítico.............................................................................................................. 103 Sumário Apresentação Já não podemos falar que a chamada Psicologia Jurídica é uma nova subárea no campo das Ciências Humanas. Mesmo no Brasil, há inúmeras experiências, muitas formações e uma considerável publicação no contexto nacional. Apesar dessa consolidação e dos seus desdobramentos (na Psicologia Forense, na Psicologia Policial e Criminal, na Psicologia da Vítima etc.), há ainda uma miríade de possibilidades a ser explorada. Na fronteira dos consagrados campos de saber da Psicologia, como a Saúde e a Educação, a Psicologia Jurídica oferece profícuos espaços de reflexões e de inserções para práticas nas quais os profissionais estão, cada vez mais, ampliando suas ações em uma interdisciplinar. O tema violência, que permeia, de uma forma ou de outra, os vários capítulos deste livro, é um exemplo de como a Psicologia Jurídica emerge, seja nas suas fronteiras com a Saúde, seja em suas fronteiras com Educação ou, mesmo, em suas fronteiras no terreno da Cultura. A partir das produções de docentes e profissionais que atuam em diversas áreas, este livro foi forjado no seio da aventura de pensar a Psicologia Jurídica enriquecida, sobretudo, nas fronteiras com outros campos de saber. A temática “violência” foi o elo comunicante capítulos que compõem o livro. No primeiro capítulo, no qual se discute a questão formação do profissional do operador jurídico, é posto em foco a necessidade de uma atenção particular, no que diz respeito à formação que privilegie a dimensão pessoal. O autor nos faz refletir sobre a necessidade de revermos a qualidade dessas formações iniciais, mas também de buscarmos rever as formações cominadas... 05Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência 06 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência O segundo capítulo traz uma discussão específica. Trata-se da reflexão sobre a condição de ser delegada da mulher. A partir de uma abordagem que busca apreender os sentidos e as vicissitudes dessa atividade, considerando todo um background cultural e histórico, os autores abrem novas possibilidades para que a Psicologia Jurídica seja contemplada em perspectiva compreensiva, na qual o humano é revelado via suas experiências. O capítulo intitulado “Imagens da violência: um ensaio sobre a psicossociologia dos grupos violentos e suas perspectivas compreensivas” oferece um estudo sobre os desdobramentos dos esforços de profissionais e pesquisadores que se debruçam sobre a questão do chamado “grupos violentos”. É apontando, após considerável discussão, que esses esforços carecem da adoção de uma perspectiva multidisciplinar, para que possa dar conta dos seus objetivos. Em “Ecologia de sangue: interpretações jurídicas dos sentidos sagrados dos povos de terreiros”, os autores desenvolvem uma original discussão, base de uma peça jurídica, na qual a temática violência é duplamente apresentada. Em um primeiro momento, a violência é abordada como uma prática contra os animais e, portanto, merecedora de ser coibida via as legislações que tratam dessa questão. Em um segundo momento, esse ponto é tomado de maneira crítica, à medida que se põe em discussão o direito à diversidade de crenças. Portanto, a questão da violência é problematizada em um terreno da cultura, mas, ao mesmo tempo, servindo (mesmo que indiretamente) de base para se pensar em possíveis contribuições à Psicologia Jurídica. O livro também apresenta uma discussão sobre a “violação dos direitos da criança em idade pré-escolar”. A autora, a professora Maria Elisa Pacheco de Oliveira Silva, aborda o desenvolvimento humano, concebido a partir da teoria de Urie Bronfenbrenner, articulando condições e preparos da família e da escola para o cuidar, o proteger e o educar. Este tema, apesar de não ser, originalmente, fruto de preocupações da Psicologia Jurídica, parece ser fértil para uma série de possibilidades de articular esta subárea com o campo educacional. O penúltimo capítulo aborda estudos sobre o comportamento criminoso e a relação na construção da chamada “personalidade criminal”. A dinâmica afetiva familiar “deficiente” é posta em discussão como provável gênese da violência. 07Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência Por fim, “Psicologia e direitos humanos: contradições geradoras para um fazer crítico”, discorre sobre alguns panos de fundo que podem estar fundamentados em um modus vivendi do humano na atualidade. Assumido uma perspectiva crítica, o capítulo propõe questionamentos sobre algumas das bases que sustentam o atual processo civilizatório e também aponta, indiretamente, algumas das possíveis raízes para os sentidos da violência. Este livro, portanto, apresenta-se de maneira multiforme, tanto no que diz respeito à diversidade dos autores, em relação às suas formações e áreas de atuação, quanto às discussões desenvolvidas em cada capítulo. Entretanto, a maneira multiforme revela também um propósito claro que atravessa toda a obra. De maneira suscita e apresentativa, este livro visa legar ao leitor uma perspectiva de interesse em visitar os vários campos do saber, enriquecendo a construção da Psicologia Jurídica a partir de uma temática comum: a questão da violência. Marcelo Ribeiro 09Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência A Formação Profissional no Âmbito da Psicologia Jurídica 1 por Marcelo Ribeiro Este texto visa refletir sobre as exigências e as produções das dimensões da formação profissional no âmbito da psicologia jurídica, especificamente, a dimensão pessoal. Acreditamos que essa dimensão da formação profissional é específica, à medida que seu desenvolvimento não se dá como mera aplicação da teoria sobre a prática e que não está garantidana qualificação técnica, sobretudo, oriunda da formação inicial. Nossa empreitada será caracterizar a área de atuação daquele que lida com a chamada psicologia jurídica. Antes de tudo, é importante dizer que não estaremos nos restringindo aos profissionais psicólogos, mas estaremos englobando todos aqueles profissionais que gravitam na ordem do direito e que necessitam de compreensões psicológicas para efetivar suas diligências, interpretações e ações. Como exemplo, poderíamos citar os operadores de direito, de modo geral, os assistentes sociais, os educadores, os psicólogos, que atuam nas mais diversas áreas judiciais. Poderíamos também acrescentar os policiais, investigadores, mediadores de conflitos, profissionais de saúde atuando na área jurídica etc. CARACTERIZANDO A ÁREA DA PSICOLOGIA JURÍDICA A psicologia jurídica é comumente concebida como uma psicologia aplicada à área do direito. Entretanto, como já sinalizado por César Coll (1996), o 1 UNIVASF. LETRANS Professor Assistente do Colegiado de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco – 10 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência sentido de aplicação não pode ser reduzido à mera aplicabilidade de um conhecimento sobre uma área de atuação. Na verdade, a própria interação entre conhecimento e área de atuação passa a exigir e, ao mesmo tempo, a produzir novos saberes e práticas específicas que, sem essa relação, não seriam possíveis. Com isso, podemos dizer que o profissional que necessita da psicologia jurídica requer, tradicionalmente, conhecimentos, sobretudo, da psicologia da personalidade, da psicopatologia e da psicologia social. É verdade que essas três subáreas de conhecimentos não dão conta sozinhas das demandas vividas por esse profissional. Outras áreas são também importantes, de modo que a complexidade de conhecimentos não se esgota aí. Poderíamos elencar, além dessas subáreas, como exemplos, a psicologia do desenvolvimento e a psicologia da aprendizagem. Poderíamos também acrescentar grandes áreas como a antropologia, a sociologia, a biologia e a própria ciência do direito. Todos esses conhecimentos estão, portanto, voltados para a específica área de aplicação. Entretanto, a mera aplicabilidade desses conhecimentos não seria suficiente, como já mencionamos. Quando o profissional está envolvido, quando ele atua, quando ele vive suas experiências e reflete sobre o seu fazer, produz saberes que extrapolam a simples aplicação de conhecimentos externos que carrega. A partir do que já colocamos, podemos, em um primeiro momento, afirmar que é exigido desse profissional um grande nível de conhecimento nas mais diversas subáreas e grandes áreas, mas também uma capacidade de produzir saberes singulares, sobretudo, a partir das especificidades da prática. Daí, sugere-se um esforço do profissional em lidar com a complexidade epistemológica própria da sua atuação. Entretanto, esse esforço parece não ser suficiente para garantir a efetiva performance profissional. Dele serão, também, exigidos conhecimentos tácitos, habilidades e outras competências que não vão estar suficientemente garantidas através dos conhecimentos teóricos. Já é de conhecimento, na literatura específica, algumas dimensões como relevantes para a boa formação profissional. São elas: a dimensão técnica, a institucional e a pessoal. A primeira vai corresponder aos conhecimentos adquiridos a partir das áreas de conhecimentos, normalmente, garantidos na formação inicial do profissional. A segunda dimensão, a institucional, corresponde à cultura profissional, à organização que o profissional está 11A Formação Profissional no Âmbito da Psicologia Jurídica engajado e à categoria profissional. A terceira dimensão, a pessoal, que não está garantida na formação inicial, diz respeito à vivência das experiências profissionais e aos seus recursos subjetivos. É nessa mescla de dimensões que se constitui o que chamamos de identidade profissional. Sem perder de vista a interação dessas três dimensões, a dimensão pessoal da formação profissional carece demandar uma atenção maior, justamente, por ser pouco contemplada nas formações, sejam elas formações iniciais ou contínuas (também chamada de formação em exercício). Isto se torna um desafio, à medida que gera a seguinte pergunta: como preparar ou tentar preparar esses profissionais, contemplando, em suas formações, a dimensão pessoal? É importante também dizer que, ao falarmos de preparação, não estamos apenas nos restringindo à formaçao inicial. Estamos também nos referindo à formação continuada. Muitos estudos têm mostrado que, apesar da grande importância da formação inicial no desempenho do profissional, esta não é suficiente. É necessário a 2formação continuada, a formação em exercício . Um aspecto importante a ser levado em consideração, para responder tal questão, ainda pouco levantada, é poder contemplar nas formações não só os conhecimentos técnicos, mas, principalmente, as experiências dos próprios profissionais, as suas histórias e os seus saberes. Essas experiências dos profissionais em formação precisam ser levadas em consideração para a construção de novos conhecimentos. A abordagem construtivista na pedagogia vai, por exemplo, apontar para a necessidade de trabalhar os novos conhecimentos que são inseridos a partir da experiência e de conhecimentos prévios dos alunos, tomando-os como ativos nos seus processos de construção do conhecimento. A valorização dessas experiências, dos saberes tácitos e dos recursos da subjetividade dos profissionais em formação, significa contemplar a dimensão pessoal na formação. Isto, na verdade, nunca será uma garantia de uma qualificação eficiente, mas suspeitamos que significa a possibilidade do profissional estar mais apto a fazer frente aos desafios profissionais do ponto de vista psicológico, afetivo, cognito (subjetividade). 2 A formação continuada é toda aquela que segue a formação inicial, mas a formação em exercício é um pouco diferente. Além de ser pós a inicial, ela é intimamente ligada à atuação profissional e às situações do cotidiano do profissional. 12 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência Essa ressalva que fizemos, no sentido de uma formação que contemple a dimensão pessoal não garantir a eficiência, é justificada pela própria dinâmica das situações que os sujeitos estão expostos e, também, pelo próprio processo de transformação que todos nós estamos sujeitos. Entretanto, sustentamos a hipótese de que uma formação que contemple a dimensão pessoal possa criar mais condições básicas para que os sujeitos lidem com as situações, no caso, situações, muitas vezes, adversas ou mesmo imprevistas. A partir do que falamos anteriormente, sobre as características ou condições de trabalho que vão exigir um nível de conhecimento (não só conhecimento teórico), podemos dizer que esses profissionais que “bebem” da psicologia jurídica vão lidar com situações que exigem habilidades e competências específicas, constextualizadas e relacionadas às suas práticas. Dentre algumas dessas situações, vão estar, por exemplo, a questão da morte, de sentimentos diversos como a raiva, o medo, os desejos inconscientes, os fenômenos de identicação etc. Não se trata de inventariar todas as habilidades e competências necessárias para que esses profissionais estejam totalmente preparados. Até porque, isso não seria possível, na medida em que não é possível prever todas as ações ou situações. Entretanto, é tangível caracterizar as situações e condições de trabalho dos profissionais que lidam com o crime, com os sofrimentos e com os dilemas humanos. Essas caracterizações e condições de trabalho ajudam a trazer à tona toda uma situação que esses profissionais podem estar expostos. Daí, há de se ter, minimamente, uma ideia do que eles podem precisar para ter uma formação mais consistente. Em termos práticos, no que diz respeito à formação que contemple a dimensãopessoal, é importante, por exemplo, que hajam espaços de trocas de experiências, que esses profissionais possam falar de como certos assuntos ou temas estudados chegam em suas vidas ou como eles vivenciam ou experienciam o dia a dia do trabalho. Espaços como esses, possibilitariam o partilhar de experiências, a mudança de percepção, o desenvolvimento de conhecimentos tácitos etc. Além disso, e, principalmente, tenderia a possibilitar o autoconhecimento. Esse ponto relativo ao autoconhecimento, deve ser um tópico à parte, que iremos desenvolver logo adiante. 13A Formação Profissional no Âmbito da Psicologia Jurídica A partir do foi dito, indagamos o seguinte: o que é mesmo importante em termos de dimensão pessoal para o profissional que atua no âmbito da psicologia jurídica? Para responder a essa pergunta, faz-se necessário, antes de tudo, entender quais são as condições desse profissional, com o que ele tem de lidar, quais são seus desafios diários, que estresse está submetido e que recursos subjetivos são requeridos? De modo geral, podemos dizer que esse profissional, no contexto brasileiro, lida, muitas vezes, com a bestialidade, com a barbaridade, com os crimes horrendos ou com as situações de injustiças sociais. Essas situações que esse profissional se depara podem fazer com que ele se sinta impotente diante de uma realidade que insiste em agredi-lo, podendo levá-lo à indiferença (insensibilidade diante do outro) ou a provocar fenômenos de identificações, ao ponto de interferir no seu desempenho profissional. Tudo isso, levando a algum tipo de sofrimento, estresse ou prejuízos crônicos na sua vida, como um todo. Para dar um exemplo, imaginemos um profissional que vê uma criança estuprada e imagina que poderia ter sido com o seu filho, ou se depara com uma mulher que foi espancada pelo marido e vem a lembrança do pai que batia em sua mãe, ou, até mesmo, a pobreza do menino que vive na rua e a recordação de sua infância pobre e do sentimento de culpa por viver um uma vida confortável quando se depara com a miséria do outro... Além desses exemplos, há também o reconhecimento em si mesmo da bestialidade e dos limites obscuros da humanidade. Esses profissionais se deparam com a sua própria humanidade negada, seja via um processo de exclusão social ou via um processo de exclusão de si mesmo (negando sentimentos ou lembranças). Assim, os desgastes, as dificuldades e o nível de estresse podem ser bastante elevados para esse profissional. Além de conviver com situações como essas, ele precisa saber lidar com tudo isso e levar seu trabalho a cabo. Essas agruras fazem parte do seu ofício e podem até alimentar o seu profissionalismo, o seu desenvolvimento profissional, a partir de aprendizagens enriquecidas com as experiências. Longe de levá-lo à insensibilidade ou à desestruturação completa, esse profissional pode aprender e se desenvolver a partir disso. Como vimos, esse profissional se depara, constantemente, com o sofrimento alheio, pode se identificar com o sofrimento do outro, pode se 14 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência indignar com a injustiça social, pode se revoltar contra um ato brutal e pode perceber que muitas das desgraças e atrocidades fazem parte da dimensão e capacidade humana, portanto, dele próprio. Outro profissional que vai também lidar com o sofrimento alheio é o terapeuta. A este respeito, Hycker (1995) comenta a profissão do terapeuta dizendo que este seria uma espécie de “curador ferido”. A metáfora da ferida, para o autor, significa que há uma história de sofrimento ou de dor na vida desse profissional, que serve para que ele se sensibilize e se solidarize com o sofrimento e a dor do outro. A ferida é algo importante para própria relação terapêutica. Entretanto, ele alerta para um perigo da ferida. Caso essa esteja “aberta ou mal curada”, o terapeuta pode se desestruturar ou não suportar o sofrimento ou a dor do outro. Como exemplo, poderemos citar o caso do terapeuta que não conseguiu resolver suas dificuldades infantis em relação ao abuso sexual que sofria do seu pai e se deparou com uma cliente que vivia, justamente, dificuldades sexuais com o marido. ÚLTIMAS PALAVRAS - CUIDANDO DE QUEM CUIDA: POR UMA FORMAÇÃO DA PESSOA 3Alguns estudos têm apontado para necessidade de se criar condições de cuidado para aqueles profissionais que cuidam de outros submetidos a situações de estresse. Um dos exemplos desses estudos é a pesquisa sobre a condição de trabalho dos profissionais que atuam no Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente do muncícipio de Petrolina – PE. Nessa pesquisa, que pretendeu compreender o desgaste psicológico desses trabalhadores que tinham que lidar com o sofrimento do outro, no caso, sofrimento das crianças, dos adolescentes e dos seus familiares, foi observado a necesidade que eles tinham de serem também cuidados. Estudos como esse vêm mostrar a grande necessidade que os profissionais que lidam, cotidianamente, com o sofrimento do outro e que, de certa forma, prestam assistência, necessitam também de serem assistidos, de terem algum tipo de apoio institucional para lidar com essas situações ou 3 Pude acompanhar esta investigação em 2007, na disciplina Processos de Investigação Científica, no curso de psicologia da UNIVASF, na qual as alunas desenvolveram um projeto investigando, justamente, o desgaste emocional dos profissionais que atuam no Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente do município de Petrolina-PE. 15A Formação Profissional no Âmbito da Psicologia Jurídica mesmo de serem cuidados. Entretanto, insistimos que as formações (inicial e continuada) precisam criar condições para uma qualificação que contemple, além dos aspectos teóricos e técnicos, as experiências, histórias de vida, em outras palavras, a dimensão da pessoa do profissional. A racionalidade técnica não parece, minimamente, criar condições de aprendizagem para profissionais que lidam, sobretudo, em condições de estresse, de imprevisto e fortemente arraigados na relação com o outro. O profissional que se inscreve no âmbito da psicologia jurídica toma como espaço e condição de trabalho a relação com o outro. Nesse sentido, podemos dizer que há uma dimensão ontológica ou inter-humana fortemente presente no seu fazer profissional. Isto tem implicações profundas e também exigências radicais para uma prática mais eficaz. Donald Schön (2000) vai propor um “ensino prático reflexivo” para dar conta de uma formação mais global, que inclua o aproveitamento das experiências do cotidiano profissional, no qual se possa refletir sobre a ação e na ação. Esse profissional reflexivo seria mais habilitado a lidar com as situações de imprevistos e sempre se manteria atualizado, porque estaria constantemente aprendendo com as suas experiências. Outros autores (Anadon, 1997; Arroyo, 2000; Byington, 1996; Muszkat, 1996; Ribeiro, 2007) apontam a necessidade de se pensar e fazer valer uma formação que assuma o processo identitário do profissional, que incluem as dimensões técnicas, as dimensões pessoais, as dimensões institucionais, as dimensões individuais e as dimensões coletivas (da sua categoria profissional). Em nossa experiência, temos constatado que os parceiros envolvidos nas formações passam por profundos processos de aprendizagem, à medida que se oportunizam espaços que valorizem as experiências e histórias de vidas. Esses espaços adquirem um rico potencial transformador, justamente, porque permitem reflexões sobre as práticas, vivências pessoais, ressignificações de histórias vividas e produções de novos sentidos para as ações profissionais. Longe de transformar a sala de aula em um grande divã coletivo, esses espaços têm demarcação própria, pois se circunscrevem nos limites das atuações profissionais e as experiências, as histórias relatadas e compartilhadas são elementos que nutrem a construção de conhecimentos 4e produção de saberes profissionais. Portanto,uma formação que contemple a dimensão pessoal, uma formação da pessoa, pode favorecer a atualização ou renovação do fazer profissional, mesmo que seja um fazer profissional sujeito aos desgastes profundos, como é o daqueles que atuam no âmbito da psicologia jurídica. 16 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANADON, M. et al.. La construction identitaire de l’enseignant sur le plan professionnel: un processus dynamique et interactif. [S.l.]: [s.n.], 1997. ARROYO, M. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2000. BYINGTON, C. A. B.. Pedagogia simbólica: a construção amorosa do conhecimento de ser. Rio de Janeiro: Record, 1996. COLL, César. Psicologia e educação: aproximação aos objetivos e conteúdos da psicologia da educação. In. Coll, César, Palacios, J. Marchesi (orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação. Psicologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. v.2. HYCNER, Richerd. De pessoa a pessoa. Psicoterapia dialógica. São Paulo: Summus, 1995. MUSZKAT, M. Consciência e identidade. São Paulo: Ática, 1996. RIBEIRO, M. O processo identitário. Olinda, Livro Rápido, 2007. 4 Que não se limite na formação inicial, mas que seja também continuada e em exercício. 17Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão 1por Rita Luiza Garcia Rangel Britto 2e Darlindo Ferreira de Lima 1 Psicóloga Clínica e pesquisadora colaboradora do Laboratório de Estudos e Práticas Transdisciplinares – Letrans-Univasf. 2 Professor Adjunto do Colegiado de Psicologia da Univasf e pesquisador titular do Laboratório de Estudos e Práticas Transdisciplinares – Letrans-Univasf. A violência se constitui como fenômeno presente no mundo em todas as civilizações e nas diversas épocas históricas. Há, na evolução histórica das sociedades, diversos modos de representação, desde as formas mais sutis até as mais cruéis, da violência, sobretudo, na contemporaneidade. Sob suas diferentes formas, a violência passou a ser discutida e tratada, como prioridade, por muitos governos em função da magnitude de suas implicações. Nesse contexto, desde 1996, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a considerá-la como o maior e mais crescente problema de saúde pública que atinge o mundo atual. Há diversos tipos de violência apontados pelos estudiosos (GIFFIN, 1994; OLIVEIRA, 2000; SAFFIOTI, 2004), mas, dentre essas, a maior visibilidade é dada a violência do tipo física, por vezes, as demais formas parecem ser desconhecidas ou passam despercebidas até pelas próprias vítimas. O mesmo costuma ocorrer em relação à violência de gênero, cujo destaque se dá quando esta é acompanhada por agressão física, principalmente, em ambiente doméstico. A noção de gênero se faz presente, nesta discussão, por se constituir a partir de uma construção social mais ampla, ou seja, que não se restringe às características sexuais dos indivíduos, esse conceito engloba outras atribuições como: valores sociais, 18 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência noção de poder e força atribuída aos homens, como também a ideia de fragilidade e subserviência atribuída às mulheres. Segundo Saffioti (2004, p. 35), “As mulheres são ‘amputadas’, sobretudo no desenvolvimento e uso da razão e no exercício do poder”, o que influência e repercute na vida das mesmas, nos espaços por elas ocupados, e por todos os seus relacionamentos interpessoais. No que diz respeito a essa questão, algumas ações governamentais, sobretudo, nos últimos anos, têm buscado maiores esclarecimentos e enfrentamento para a problemática da violência de gênero. A lei nº 11.340/2006, também conhecida como Lei Maria da Penha, pode ser considerada uma importante ferramenta que se propõe a prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa lei conta com o apoio de um importante dispositivo de enfretamento para a questão da violência, a saber: as Delegacias Especializadas em 3Atendimento à Mulher (DEAM’s) . Os primeiros serviços da DEAM foram criados em São Paulo e Pernambuco, respectivamente, em agosto e novembro de 1985, com o objetivo de realizar investigações sobre crimes contra a mulher, com o passar do tempo, pouco a pouco se firmaram como principal dispositivo da política pública no combate à violência de gênero. Considerada pioneira no mundo, esse tipo de delegacia serviu de modelo para outros países e, desde que foi criada, tem expandido sua área de atuação, alcançando maior aceitação perante o público. A procura pelo serviço, desde a sua criação, demonstrou a existência de uma significativa demanda gerada pela violência de gênero e favoreceu a ampliação do número de delegacias com esse perfil (PASINATO e SANTOS, 2008). Ainda são insuficientes os estudos sobre as DEAM’s e os profissionais nelas inseridos, o que dificulta uma avaliação detalhada de suas formas de operacionalização e, consequentemente, a formulação e/ou reformulação de novas propostas de atuação. Há uma escassez de estudos sobre as identidades das policiais; a forma como concebem a violência contra mulheres; como se relacionam com os movimentos feministas e de mulheres; e até que ponto absorvem e aplicam os ensinamentos dos cursos de capacitação em que participam (PASINATO E SANTOS, 2008, p. 34). 3 O Estado de Pernambuco utiliza a nomenclatura “Delegacia de Policia de Prevenção e Repressão aos Crimes Contra a Mulher”, no entanto, no nosso trabalho, seguindo a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contras às Mulheres, utilizaremos o termo DEAM. 19Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão Nossa aproximação com o tema escolhido se deu a partir de uma relação com o estágio obrigatório do curso de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), ocasião em que estagiamos nas DEAM’s das cidades de Petrolina-PE e Juazeiro-BA. Durante o período de um ano e meio, foi possível, dentre outras coisas, compreendermos a necessidade de desenvolver estratégias e políticas diversificadas para os profissionais dessas instituições, uma vez que o público atendido por eles possui especificidades que requerem uma formação complexa que possibilite a compreensão do fenômeno violência. Na busca por literatura, deparamo-nos com a escassez de material referente ao tema, que motivou esta pesquisa. 4 O objetivo deste trabalho é compreender como se dá à práxis de delegadas das DEAMs de Pernambuco. Para tanto, buscou-se compreender como realizam sua prática, quais os impactos para essas profissionais da com- vivência diária com a violência de gênero, assim como elas constituem os seus saberes para lidar com tal contexto e as possíveis influências do ambiente profissional no seu saber fazer. A profissão de delegada (o) de polícia está ligada à Polícia Civil. Segundo Sadek (2003), desde 1998 sua formação requer a conclusão do curso de Bacharel em Direito, aprovação em concurso público estadual seguido de curso de formação profissional. Considerada, inicialmente, como profissão predominantemente masculina, após a abertura das DEAM’s, houve uma significativa ampliação no mercado de trabalho para o cargo de delegada, uma vez que a orientação do governo federal foi para que o cargo fosse ocupado, preferencialmente, por mulheres (PASINATO e SANTOS, 2008). As DEAM’s possuem especificidades de público e de atendimento, que as levam a sustentar a classificação de serviço especializado. No que se refere à violência de gênero, é o lócus específico para esses atendimentos, sendo, desde sua criação, subordinados e administrados pela Polícia Civil de cada Estado. Existe uma variação de modelos de serviços nessas instituições, entre outros motivos, propiciada pela diversidade de abordagens e práticas policiais, que podem ser encontradas, até mesmo, em um único Estado. 4 Práxis do grego prattein (passar por, experienciar),refere-se à ação, fazer, prática, como sendo um exercício de agir hábil de uma arte, ciência. Ao longo do tempo, assumiu o significado de conduta, costume ou hábito usual ou convencional, embora, ainda diga respeito a trabalho, obra (opera) do latim, referindo-se a um fazer cotidiano regular que, ao longo do tempo, pode ser tomado por habilidade (MORATO, 2008, p. 4). 20 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência Pasinato e Santos (2008) ressaltam que, inicialmente, a função da delegacia, de acordo com o Código Penal, seria de investigação de crimes contra o gênero feminino; destacam também que “a grande novidade destas delegacias consistia no reconhecimento inédito, pelo Estado, das necessidades e dos direitos de grupos sociais frequentemente excluídos do acesso à justiça” (p. 11), tornando-se, então, a “principal política pública no enfrentamento à violência contra mulheres e atualmente são reconhecidas como a única política de extensão nacional” (p. 12). As políticas para o direito da mulher têm percorrido um longo caminho em busca de consolidação. Seu marco inicial foi a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), em 1985, o primeiro órgão do país a tratar sobre o assunto. Esse conselho não tinha poder de execução e monitoramento das políticas públicas, mas formulava propostas políticas para as mulheres, tendo contribuído também no processo de construção da Constituição Federal de 1988 (PASINATO e SANTOS, 2008). Um importante passo foi dado nos anos seguinte (1994-1998/1999- 2002), quando o Brasil agrupou, no seu sistema jurídico-normativo nacional, algumas normas internacionais de direitos humanos, como a Convenção Americana dos Direitos Humanos, ratificada em 1992, e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, ratificada em 1995 (PASINATO e SANTOS, 2008). Outra conquista política, no trato da violência contra a mulher, foi a criação da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), em 2003, já que, antes disso, os conselhos estaduais e nacionais não conseguiram formular uma política nacional que abrangesse o enfretamento da violência contra a mulher (PASINATO e SANTOS, 2008). No mesmo ano, a SPM lançou a Política Nacional de Enfretamento da Violência contra a Mulher, cuja ação se deu visando prevenir, assistir e garantir os direitos da mulher em diferentes campos. A partir desse contexto, é possível perceber que as políticas públicas têm sido ampliadas e/ou reformuladas com relativa frequência. Mesmo assim, por vezes, parece haver um descompasso temporal entre as novas determinações e as necessidades atuais. A dificuldade de se manter um 21Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão diálogo profícuo entre momento e ação parece estar relacionada à insustentabilidade de formas predeterminadas e estáticas de comportamento humano. Para Giddens (1991), a sociedade moderna produziu transformações nos modos de vida com uma velocidade jamais percebida em outras épocas, envolvendo descontinuidade e mudanças tão intensas nos relacionamentos humanos, que dificultam interpretações sobre sistematização da organização social e nos leva a ideia de perda de controle. O controle de tudo e de todos parece ter se tornado o objetivo a ser alcançado na e pela sociedade, mas não há a possibilidade de sucesso nessa busca, e o homem, sem acreditar nas próprias limitações, passa a se nutrir dessa procura utópica. Ainda sobre as formas sociais de relacionamentos atuais, Bauman (2001) aponta a rapidez dessas transformações na sociedade contemporânea e as consequências desse fenômeno nas relações humanas. Para o autor, há uma “liquefação” das relações sólidas que fragmentam a sociedade e produzem dissolução dos laços afetivos e sociais substituindo-os por desapego, provisoriedade e liberdade, situações e sentimentos que tem provocado diversos sintomas nos indivíduos e na coletividade, dentre os quais destacamos a violência. Partindo da ideia de que as relações se estabelecem em sociedade, daremos um enfoque no que diz respeito à violência, em virtude desta já ter se estabelecido veementemente na sociedade e já ter se tornado um problema de saúde pública (OMS, 2002). A princípio, buscamos abordar a violência, trazendo alguns sentidos, sem, contudo, ter a pretensão de superar o assunto. Para a Organização Mundial da Saúde (2002, p. 5), a violência pode ser definida como: O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. Sobre violência e saúde, Minayo (1997/1998, p. 520) ressalta que "a violência afeta a saúde porque ela representa um risco maior para a 22 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência realização do processo vital humano: ameaça a vida, altera a saúde, produz enfermidade e provoca a morte como realidade ou como possibilidade próxima" (AGUDELO apud MINAYO, 1997/1998). Ainda para Minayo (1997/1998, p. 514), “... a violência consiste em ações humanas de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de outros seres humanos ou que afetam sua integridade física, moral, mental ou espiritual”. Além da pluricausalidade do tema, a autora também ressalta que o mesmo é complexo, polissêmico, controverso, e propõe o tratamento no plural para essa realidade, ou seja, tratá-la como e por violências. Sugere, ainda, a criação de uma epidemiologia da violência, já que esta “inibe, modifica e enfraquece tanto a qualidade como a capacidade de vida” (MINAYO, 1997/1998, p. 521). No mesmo sentido, na concepção de Chauí (CHAUÍ apud SANTOS e IZUMINO, 2005, p. 149), a violência corresponde, portanto, a: (...) ação que transforma diferenças em desigualdades hierárquicas com o fim de dominar, explorar e oprimir. A ação violenta trata o ser dominado como “objeto” e não como “sujeito”, o qual é silenciado e se torna dependente e passivo. Nesse sentido, o ser dominado perde sua autonomia, ou seja, sua liberdade, entendida como ‘capacidade de autodeterminação para pensar, querer, sentir e agir’. A partir desse contexto, a violência pode ser compreendida como toda ação que cause ou possa causar dano e inferiorizar o sujeito, além de prejudicá-lo em vários âmbitos, como físico, psíquico, social e mental. Isto posto, reportamo-nos para a violência praticada contra as mulheres, mais especificamente, em relação à violência doméstica contra a mulher e seus desdobramentos, a qual a OMS (2002, p. 91) denomina de “violência perpetrada por parceiro íntimo”. No que se refere ao conceito de violência doméstica contra a mulher, de acordo com a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, 1994) podemos compreender “... por qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado” (artigo 1º). 23Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão Em relação aos tipos ou formas de violência doméstica contra a mulher que podem ocorrer, podemos denominar, pelo menos, cinco, descritas também na Lei Maria da Penha (BRASIL, 2008), que são: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral (artigo 7º, I a V, da Lei 11.340/06). Os cinco tipos de violência são descritas no quadro 01. Tipo de Violência Descrição VIOLÊNCIA FÍSICA Entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal. Entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional, diminuição da autoestima ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, ouqualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA VIOLÊNCIA SEXUAL Entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. Entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos VIOLÊNCIA PATRIMONIAL 24 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. VIOLÊNCIA MORAL Entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. QUADRO 01: Descrição dos tipos de violência contra a mulher. Fonte: BRASIL, 2008 De acordo com o quadro acima, pode-se compreender que os diversos tipos de violência encontram-se imbricados. Nos casos de violência física, por exemplo, esta não ocorre isoladamente. Ela pode estar associada à violência de ordem psicológica, moral e/ou sexual, dando a entender que o processo de violência acontece em progressão geométrica, aumentando de intensidade e frequência, com o passar do tempo, até culminar na violência física. (OMS, 2002; SILVA et al, 2007). Questões como danos psicológicos, morais, sexuais e patrimoniais são tão importantes quanto os danos físicos para serem considerados no trato da violência doméstica contra a mulher, pois, além da própria mulher como vítima, os outros tipos de violência, como a violência psicológica, pode afetar, direta ou indiretamente, os outros membros da família, que presenciam ou convivem no ambiente em que a violência ocorre (SILVA et al, 2007). A OMS reforça a ideia da coexistência de vários tipos de abuso em um mesmo relacionamento, no entanto, reconhece que os estudos sobre violência doméstica contra a mulher ainda são emergentes e que, por isso, há escassez de dados sobre os variados tipos de violência de gênero, afora sobre a violência física. A OMS (2002, p. 91) aborda que essa temática está relacionada às questões de gênero, ao enfatizar que: O fato de as mulheres em geral estarem emocionalmente envolvidas com quem as vitimiza, e dependerem economicamente deles, tem grandes implicações para a dinâmica do abuso (...). Para muitas dessas mulheres, a agressão física não foi um evento isolado, mas sim parte de um padrão contínuo de comportamento abusivo. 25Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão A temática de gênero remete ao século XX, quando Simone de Beauvoir escreveu o livro chamado “O Segundo Sexo” para abordar fatos e mitos da condição da mulher (SAFFIOTE, 1999). O livro é considerado, atualmente, um precursor da prática discursiva sobre gênero, por ter originado questões sobre ambos os gêneros humanos, ter inaugurado a discussão sobre a situação da mulher e ter trazido questões que subsidiaram a construção social do feminino, elucidando em suas páginas que: “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher.” (SAFFIOTE, 1999, p. 160). Para a realização deste trabalho, foi utilizada a metodologia qualitativa, com base na perspectiva Fenomenológica Existencial, fundamentada em Heidegger (1999), a partir da analítica do sentido de Critelli (2006). Para essa autora, que se baseia na fenomenologia existencial de Heidegger, compreender no sentido fenomenológico significa apreender-com, refletir sobre o homem a partir de seu modo de “ser no mundo”. Isso requer: pensar, interpretar e apreender, lidando com o fenômeno que emerge e que não se restringe a um objeto meramente concreto e metafísico. Foi utilizada a narrativa de Benjamin (1985), como instrumento que permite ingressar no campo fenomenológico do outro. As experiências das delegadas foram colhidas através dos seus relatos verbais, tomados como a emergência do fenômeno, guardando em si o testemunho vivo da experiência numa forma de comunicação. Para a pesquisa, foi realizada uma entrevista aberta com cada delegada titular das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, em funcionamento, do Estado de Pernambuco. Como critério de exclusão, foi vetada a participação de homens, caso houvesse algum ocupando o cargo de delegado. Desse modo, apenas cinco (05) delegadas colaboraram com a pesquisa, uma se encontrava de férias durante o período da colheita, sendo substituída naquele momento por um delegado e outra se recusou a participar, correspondendo a um total de 71,4% de todas as delegadas da mulher de Pernambuco. Este trabalho foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Estudos Humanos da Univasf, seguindo as recomendações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (1996). 26 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência As entrevistas abertas se deram a partir da pergunta disparadora: “Como é para você ser delegada na Delegacia da Mulher (DEAM)?”. 5Após a colheita dos dados, foi realizada a transcrição literal das entrevistas e, posteriormente, a literalização, que se constitui num processo de transformação da narrativa transcrita numa narrativa literária. Em seguida, a produção literária foi enviada às entrevistadas, por correio eletrônico, para que elas pudessem verificar a literalização realizada, até que esta estivesse em perfeito acordo com o sentido primeiro de sua fala. A etapa seguinte foi a leitura das narrativas, a partir da qual foram anotados os agrupamentos de sentidos, que brotaram em decorrência da nossa relação com as narrativas, produzindo, então, as tematizações. Compreendemos tematizações como a configuração das dimensões da experiência que perpassaram as narrativas das colaboradas, emergentes durante nossa relação com os depoimentos, uma vez que essas dimensões são agrupamentos de ideias e sentimentos que apontaram para o sentido de ser delegada de DEAM. A análise das narrativas foi realizada a partir da analítica do sentido de Critelli (2006), já que essa autora propõe uma forma de analisar as narrativas numa perspectiva fenomenológica que dialoga com a ideia de experiência. Utilizamos a perspectiva narrativa de Benjamim (1985) como referencial de compreensão de experiência, ou seja, narrar é experienciar o “estar no mundo”. A partir das tematizações, provocamos um diálogo entre o que nos apropriamos das narrativas, com as leituras teóricas, e os autores compreendidos acerca do fenômeno em análise. Buscou-se analisar como as delegadas das DEAM’s de Pernambuco compreendem e executam a sua práxis, ou seja, como constroem seus saberes e se o ambiente de trabalho, permeado por violência, influencia em seu desempenho profissional. Desse modo, emergiram três tematizações, a partir da análise das narrativas, foram: 1) Sentidos de ser delegada da mulher; 2) A formação: um desafio a ser (re)pensado; 3) A experiência que (trans)forma a profissional delegada. 5 O termo colheita refere-se à ideia do pesquisador como um “recolhedor de experiências” que, segundo Schimidt (1990, p. 70), “deve se inspirar mais pela vontade de compreender do que como um analisador à cata de explicações”. 27Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão As narrativas apontam em direção aos prazeres e as dificuldades profissionais encontradas na função de chefia em um serviço, no qual a violência se interpola de forma significativa. Sentimentos contraditórios como frustração, raiva e desesperança se intercalam a outros como, por exemplo: orgulho, realização e satisfação, num movimento constante que pode contribuir para a construção de modos no desempenho da função, bem como possíveis transformações nos mesmos. A convivência diária dasdelegadas com as mulheres vítimas de violência, que buscam o serviço, parece possibilitar a emergência dessa profusão de sentimentos, a partir da relação de aproximação que se estabelece entre elas. Diante disso, os sentimentos transitam entre polaridades extremas, como pode ser percebido nas narrativas abaixo: Assumir essa função foi um desafio muito forte (...) mas sempre quis trabalhar com mulheres (...) nós somos tudo para quem nos procura, na verdade, somos psicólogas, amiga, protetora e delegada de polícia. (...) Ser delegada da mulher não é nada fácil, não é qualquer uma que encara isso. [Delegada I] Ser delegada da mulher é maravilhoso! (...) é um trabalho diferente porque fazemos parte da vida daquelas pessoas. Poder mudar a história de violência de uma família é o mais gratificante. (...) dá para se envolver pessoalmente e atender cada uma das vítimas, não é impossível, inclusive, é o esperado de uma delegada de uma delegacia da mulher, que ela tenha esse contato com a vítima. (...) É preciso ter perfil para permanecer no cargo. [Delegada II] Diniz e Angelim (2003) indicam que profissionais, que no seu ambiente de trabalho convivem com a temática da violência, em suas mais variadas formas de manifestação, parecem estar sujeitos a desenvolverem vários sentimentos, como “... o espanto, o horror, a incredulidade.” (p. 24), não só relacionadas à situação em si, como também nas relações e pessoas envolvidas. Outra dimensão, desvelada nas narrativas, aponta para as afetações que perpassam o profissional, posto que a convivência constante com fenômenos amplos e complexos, que necessitam de intervenções muito intensas, tendem a exigir adaptações, transformações e criatividade diferenciadas, que permitam conviver nesse contexto. (ALVES, MORATO, CALDAS, 2009) Entretanto, a ambivalência de sentimentos, que se faz presente no dia-a-dia dessas profissionais, parece se atenuar ou se tornar menos impactante com o passar do 28 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência tempo. As afetabilidades passam a ser controladas em benefício da própria saúde mental e/ou como atributo necessário para um melhor desempenho, sem, contudo, deixar de exigir, dessas delegadas, atenção e empenho constantes para a manutenção desse comportamento considerado “adequado”. Para Dejours (1992), o trabalhador lança mão de uma série de estratégias defensivas para minimizar o sofrimento presente em determinadas funções, com o objetivo de evitar que se transformem em patologias. Talvez esse seja um dos maiores desafios enfrentados no exercício profissional, como nos mostram os depoimentos a seguir: No início (...) tive que fazer uma terapia porque chegava em casa muito estressada. Com o passar do tempo, aprendi a vir para o trabalho, ouvir o que está aqui e deixar aqui mesmo, não levar nada para casa. [Delegada I] Às vezes chegava a chorar junto com as mulheres. Então, me envolvia mesmo, mas agora consigo me preservar mais, acho que é um distanciamento necessário. [Delegada II] Para lidar com a violência no dia-a-dia (...) não pode ser aquela pessoa fragilizada, porque senão vai trazer problemas, não só para si, mas para a pessoa que está sendo atendida... [Delegada IV] Parece ser essa combinação de desafios e conquistas que alicerça essas profissionais no desempenho de suas funções, pois, ao mesmo tempo em que elas se sentem frustradas com determinadas situações, também buscam alternativas para superá-las. Assim, as delegadas parecem adquirir e usufruir de novos conhecimentos e experiências com as situações vivenciadas. A experiência parece assumir aspecto relevante no desempenho profissional, nas narrativas das delegadas, ao ser citada como componente complementar à formação acadêmica, pois acrescenta às profissionais maior amplitude nas formas de atendimento, além de promover dispositivos de proteção psíquica das mesmas para a manutenção da integridade de sua saúde mental. Não sei como é que aprendi, na verdade, acho que, com o tempo, fui me acostumando. O que me proporcionou aprendizado mesmo foi o tato. Não estudamos uma teoria de como lidar com mulheres vitimizadas... Não temos essas teorias, entendeu? Então, acho que vem muito da experiência mesmo. [Delegada I] 29Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão Entretanto, mais especificamente sobre minha atuação, acho que adquiri traquejo no dia a dia. [Delegada II] Carneiro (2009, p. 79) ressalta que “existe um saber de ofício que passa pela experiência pessoal”, e se soma ao conhecimento científico e à prática, na resolução de uma demanda. O conhecimento nomeado, por alguns autores, como tácito, (FIGUEIREDO, 1993; POLANYI, 1891; SAIANI, 2004 apud CARNEIRO, 2009) costuma ser pouco valorizado pela academia, devido à dificuldade encontrada para sua transmissão, uma vez que suas origens “não se fundamentam em operações explicitamente lógicas” (p.77). Esses dois conceitos, saber acadêmico e conhecimento tácito, parecem se complementar e, ao mesmo tempo, indicar que situações semelhantes a outras já vividas podem ser solucionadas mais facilmente. Figueiredo (2004, p. 116) define o conhecimento tácito como “Conhecimento incorporado às capacidades afetivas, cognitivas, motoras e verbais de um sujeito. O que caracteriza esse conhecimento é ser de natureza eminentemente pré-reflexiva”. Ou seja, é um conhecimento agregado aos saberes teóricos, que permite uma melhor relação e resolução da problemática. Quando se ingressa na polícia, há um curso de preparação inicial do quadro de servidores, realizado na Academia de Polícia. Com a prática, o profissional adquire experiência e uma visão mais amadurecida dos fatos. [Delegada III] Trabalhos anteriores foram uma escola (...) fui e vi que aprendi e, agora, sou capaz de ir para qualquer especializada, que vou saber fazer o trabalho. [Delegada V] As narrativas das delegadas corroboram no sentido de que há uma complementação entre conhecimento explicito e tácito, ou seja, “... o conhecimento que se torna disponível na forma de sistemas de representação, como é o caso de uma teoria” (FIGUEIREDO, 2004, p. 117), embora essa complementação não se mostre, por completo, suficiente para o exercício da profissão. Fazendo uma analogia com um iceberg, Nonaka e Takeuschi (1997 apud CARNEIRO, 2006) comparam o conhecimento explícito como a ponta visível desses blocos de gelo, em que a parte submersa e mais volumosa pode ser definida como conhecimento tácito, lembrando que, o que hoje 30 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência está exposto já foi um dia submerso, como também o que ainda está submerso pode tornar-se visível a qualquer momento. Dessa forma, compreende-se que o tempo de serviço, citado pelas delegadas como benéfico para o desempenho profissional, pode ser analisado como a incorporação de conhecimento tácito aos seus saberes acadêmicos. Essa junção de saberes pode se tornar um aliado das delegadas no desempenho de suas funções, sobretudo, se for colocado, constantemente, em diálogo e produção de novos conhecimentos sobre sua prática. A formação inicial para o cargo de delegado(a) não se difere entre as diversas delegacias existentes - especializadas ou gerais. Após a aprovação em concurso e período de treinamento na Academia de Polícia Civil (ACADEPOL - PE), segundo as depoentes, os policiais podem passar, ou não, por um treinamento específico para ocupar as delegacias especializadas – narcotráfico, turista, idosos, criança e adolescente etc. Para o trabalho em DEAM, faz-se necessário, dentre as competências e habilidades a serem desenvolvidas, um conhecimento específico voltado para lidar com as questões relativas à violência de gênero. Entretanto, a partir dos depoimentos, esse tema parece não ter sido contemplado durante a formação de algumas das profissionais delegadas. Segundo Pasinato e Santos (2008), os cursos de capacitação para profissionaispoliciais dependem de articulação política entre Secretaria de Segurança Pública e governos e, apesar de se verificar um aumento na oferta de palestras, cursos e seminários, ainda não foi possível avaliar o alcance e o impacto dos mesmos nas diversas delegacias do país. No entanto, observa- se que a formação continuada no estado de Pernambuco tem recebido atenção governamental. Hoje a academia está preparando muito melhor do que preparava na minha época. Se compararmos os policiais de antigamente com os de hoje, veremos uma diferença gritante com relação a tudo: ao tratamento, à formação. (...) [Delegada I] A formação profissional, atualmente, dá mais subsídios para a atuação como delegada (...) a formação foi melhorada. Somos uma delegacia bem nova (...) desse modo, os agentes já possuem outra formação, tiveram formação na academia e fizeram um curso antes de serem lotados aqui. [Delegada II] 31Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão Existe necessidade de conhecimento e aprendizagem de outras áreas para exercer a função de delegada. Há uma preocupação, tanto pessoal quanto do departamento, para a qualificação profissional através da realização de cursos. [Delegada IV] Ainda sobre o mesmo tema, o investimento em formação continuada revela sua importância, frente à constatação das próprias delegadas, ao indicarem que a atualização de conteúdos e informação, através de cursos ou minicursos, é um dispositivo importante na tarefa de contribuir para a execução de seus papéis, pois a formação por si só não pode garantir a sustentabilidade da atividade profissional. É importante constante busca por aperfeiçoamento. [Delegada III] Todos os policiais daqui têm cursos na área de violência doméstica e também participamos dos cursos periódicos da SENASP. Vários cursos são oferecidos. Agora mesmo estamos no meio de um curso... [Delegada IV] É muito importante, gosto muito, digo que é agregar conhecimento. Por mim, teríamos treinamento de seis em seis meses, uma espécie de reciclagens. Mas não espero só pelo departamento, procuro fazer cursos que são oferecidos pelo SENASP. Para o exercício da profissão há uma necessidade de busca pessoal. [Delegada V] As narrativas e as visitas realizadas às DEAM’s de Pernambuco possibilitaram a identificação de, pelo menos, três tipos de formação diferenciados entre as profissionais que, no período da colheita de dados, ocupavam o cargo de delegadas: o primeiro refere-se às profissionais cuja formação aconteceu há mais de 25 anos, período em que ainda não existiam as referidas delegacias no país; o segundo grupo foi representado pelas profissionais que têm 10 e 25 anos de formação; o terceiro grupo, sendo o mais numeroso, foi composto por mulheres que concluíram a academia dentro dos últimos dez anos. A relação tempo-formação foi ressaltada pelas delegadas e observada pelas pesquisadoras como um diferencial que imprime características específicas na forma como elas executam e/ou compreendem sua função e, consequentemente, desdobram-se nas formas de atendimento oferecido à vítima que procura o serviço. Desdobramentos que podem ser identificados desde a preocupação com o espaço físico limpo, organizado e o mais acolhedor possível, até a forma como conduzem e 32 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência orientam os atendimentos a serem realizados por sua equipe, como demonstram as falas a seguir: Acho que, na verdade, todas as delegacias deveriam ser acolhedoras, independente de serem especializadas da mulher ou não. (...) Quando tem atendimento de criança, temos que fazer em uma sala reservada, que não haja barulho, nem interrupção, porque é complexo fazer oitiva de criança vítima de abuso sexual. Temos brinquedos na delegacia para ajudar nesse atendimento. [Delegada IV] Gosto de orientar meu pessoal, até porque os policiais são como o esboço da delegada. Ela é o exemplo, se ela for ruim, então, aqueles policiais vão procurar se espelhar nela. (...) Digo aos meus policiais: perguntem o que a mulher está precisando. Não quero saber de nenhuma mulher saindo dessa delegacia reclamando de atendimento. [Delegada V] Para algumas das delegadas, existe a preocupação e o cuidado de verificar como seus funcionários estão atendendo ao público que os procura. Essas profissionais parecem corroborar com a ideia das pesquisadoras de que as instalações e a forma como os serviços são oferecidos espelham o desempenho de suas gestoras. Tornar-se profissional envolve um entrelaçamento complexo, dimensões que não podem ser integralmente controlados pelo humano. Compreendemos que o sentido de ser delegada, para as depoentes, constitui-se frente à manutenção da tensão entre conhecimento acadêmico e conhecimento tácito, transformada em uma práxis que se aprimora a partir de aprendizagens agregadas, cotidianamente, à profissão. O diálogo entre os saberes supracitados requer do profissional abertura para novas aprendizagens, que se fazem necessárias frente aos serviços, em especial, onde a violência de gênero surge como principal componente das demandas que ali se apresentam. O convívio permanente, em contexto permeado por violência, provoca afetações e reações diferenciadas nos profissionais do setor, que costuma acompanhá-los, até mesmo, nos momentos de folga. Sobre essa questão, algumas alternativas são buscadas individualmente, mas a complexidade e a intensidade do problema fazem com que ele mereça ser priorizado e considerado uma necessidade coletiva do meio de trabalho, a ser cuidada desde o período da formação. Nesse sentido, existem propostas que podem 33Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão ser trabalhadas de maneira eficaz para preservar a saúde psíquica do trabalhador através de suporte psicológico. Foi possível percebermos que, no estado de Pernambuco, as delegadas da mulher participam de uma mudança gradual e constante concernente a formas de compreensão sobre as questões relacionadas ao gênero que, consequentemente, refletem na forma de atendimento destinada às usuárias do serviço. Dentre os aspectos que colaboram para as mudanças, destaca-se, nos últimos anos, o investimento pessoal de cada profissional e o crescente empenho do Departamento da Mulher (DPMUL-SDS-PE) como, por exemplo: padronização, aparelhamento das delegacias, capacitação e apoio aos profissionais. Finalmente, queremos registrar que foi perceptível, durante a colheita de dados, o empenho das delegadas de DEAM’s e do governo de Pernambuco na implantação e subsídio de novas propostas que buscam melhoria na eficácia do seu trabalho e na erradicação da violência doméstica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. 1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, 258 p. BRASIL. 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No entanto, apesar de uma riqueza de quadros teóricos e resultados empíricos, mesmo em questões fundamentais, como uma definição consensual, continuam a nos iludir. Consideramos, neste trabalho, algumas das estruturas teóricas mais influentes e resultados empíricos associados e descobrimos que, tal como está, o nosso conhecimento sobre esses grupos violentos é ainda limitado. Sugerimos que os caminhos futuros devem adotar uma abordagem mais multidisciplinar para o estudo dos grupos de jovens violentos. Para este fim, argumentamos que há um papel para a psicologia nesta importante obra, e que sua participação vai nos fornecer uma compreensão mais profunda e mais significativa das gangues e dos jovens que se juntam a elas. No ano de 2010, presenciamos um fenômeno específico da violência nas ruas das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, grupos homofóbicos, gangues violentas que, num frenesi desmedido, espalharam o terror na praia de Copacabana, que, no linguajar brasileiro, são denominados “arrastões”, e grupos de jovens de classe média que apresentam reações violentas contra a diversidade sexual. No entanto, precisamos compreender tal fenômeno como algo universal, dado que grupos violentos de rua facilitam o 38 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência comportamento destrutivo e não é apenas uma associação com seus pares agressores. Consequentemente, os grupos violentos de rua representam problemas para qualquer sociedade ordenada e digna de atenção de pesquisa. O objetivo deste trabalho é compreender as teorias existentes e pesquisar a violência de rua como atividades em que estão envolvidos estudos dentro da psicologia, sociologia e criminologia. Diversos sociólogos e psicólogos têm produzido uma abundância de excelentes trabalhos, mas a ampliação da participação dos estudos da psicologia da violência possui o objetivo de ampliar o conhecimento de uma forma que só pode beneficiar a compreensão psicossocial do fenômeno da violência. E, assim, apresentamos também o argumento de que os pesquisadores precisam se tornar mais envolvidos no estudo de grupos violentos de rua. É impossível, neste trabalho, a cobertura de todas as investigações sobre violência, pois a literatura é extremamente vasta. Os primeiros trabalhos sobre grupos violentos, produzidos por Thrasher (1929) e Short e Strodtbeck (1965), são tão relevantes hoje como eram historicamente e devem ter um lugar em qualquer teorização. A maioria das pesquisas foi realizada nos EUA e, posteriormente, outros trabalhos foram desenvolvidos em outros países. No entanto, tentar extrair alguma coesão para os debates em curso em torno da literatura, a respeito de grupos violentos de rua, é produzir mais ideias e indicações do que as abordagens multidisciplinares para a investigação de grupos violentos podem abraçar. Antes de podermos começar a examinar qualquer fenômeno devemos ter uma definição clara dos conceitos que o abrange. Partimos do principio de que os fenômenos estudados não estão claramente definidos e são susceptíveis de serem repletos de mal-entendidos, que poderiam torná-los, contextualmente, sem sentido. Um breve olhar sobre a literatura referente a grupos violentos de rua mostra que a falta de consenso sobre o que constitui uma gangue tem perseguido a literatura durante grande parte do século passado (Bursík & Grasmick, 1993; Esbensen, Winfree, Ele, &Taylor, 2001; Spergel ver, 1995). Klein (1991) observaque, durante a década de 1960, os grupos violentos de rua foram considerados genéricos, eles pareciam iguais e membros agiam da mesma forma. Havia pouca pressão para assistir atentamente às questões de definição como, por exemplo, o que é uma quadrilha, 39Imagens da Violência: Um Ensaio Sobre a Psicossociologia dos Grupos Violentos e suas Perspectivas Compreensivas quando um grupo não é uma gangue, o que constitui grupos violentos de rua ou de diferentes níveis de participação nesses grupos. No entanto, sem uma definição precisa e parcimoniosa do que constitui um grupo violento de rua, é impossível separar o fato da ficção (Bursík & Grasmick 1995). Definições precisas pode nos iludir, porque muitos interessados (por exemplo, pesquisadores, acadêmicos, políticos, mídia etc.) podem operar em definições diferenciais (Esbensen et al, 2001;. Esbensen & Weerman, 2005; Spergel, 1995) que levam à mídia distorcida (Horowitz, 1990). Vários autores tentaram elaborar definições de modelos explicativos sobre o fenômeno em pauta. Por exemplo, Sharp (2006: 2), em estudo realizado no Reino Unido, define grupo violento de rua como: Um grupo de três ou mais que gasta muito tempo em espaços públicos, tem existido por um período mínimo de três meses, exerceu atividades delinquentes nos últimos 12 meses, e tem pelo menos uma característica estrutural, ou seja, um nome de líder, código ou regras. Outros têm sugerido que um grupo de jovens pode ser considerado uma quadrilha se identificar o seu grupo como unidade coletiva, se outras pessoas também identificá-los como um grupo e se o grupo considera a atividade antissocial ou criminal como uma norma de grupo (Hakkert, van Wijk, Ferweda & Eijken, 2001). Por outro lado, alguns pesquisadores (Bennett & Holloway, 2004) não consideram a criminalidade como um critério necessário para a definição de uma gangue, enquanto outros têm argumentado que a ausência de criminalidade faz com que a definição de uma gangue seja muito ampla (Klein & Maxson, 1989; Howell, 1998). Se a atividade criminosa não é um pré-requisito para a definição de uma quadrilha, então, inevitavelmente, haverá "bons" e "maus" grupos (ou seja, aqueles envolvidos em atividade criminosa e os que não são). O resultado disto é que, simplesmente, agrava a confusão que já contamina parte da literatura. Por exemplo, Araújo (2006) observa que, em São Paulo, no Brasil, grupos de jovens que foram rotulados como "gangues", relataram que a principal razão de eles estarem juntos era ficar longe de problemas. Outros observam a dificuldade em identificar membros de gangues e os medos de que as referências ao "gang" sejam entendidas como princípio para estigmatizar os jovens e criar um "gangster" de identidade (Bullock & Tilley, 2008). 40 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência Se a definição não é imposta por aqueles que analisem um fenômeno, talvez pudesse vir de todos os envolvidos, ou seja, de autoindicação. Um estudo longitudinal, realizado no Canadá, pediu a jovens que respondessem a seguinte questão: "Durante os últimos 12 meses, você foi parte de um grupo ou gang que fez atos condenáveis?" (Gatti, Tremblay, Vitaro & McDuff, 2005, p. 1180). No entanto, mesmo se os jovens entendessem o significado da palavra "condenável", no sentido moral do termo, é possível a relativização da percepção subjetiva do que é condenável. Nos EUA, pesquisadores, utilizando a lógica do "se anda como um pato, fala como um pato, é um pato", simplesmente perguntaram aos participantes se eles eram membros de uma gangue e que atividades relacionadas com gangues têm estado envolvidas (Esbensen, 2001). Membros de gangues autodeclarados possuem maior envolvimento em comportamentos delinquentes e atitudes antissociais. Uma vez que existem muitas diferenças entre e dentro de grupos (Fagan, 1989), alguns defendem o abandono do termo "gang" completamente (Ball & Curry, 1997). Outros argumentam que uma definição precisa não é possível nem vantajosa, desde que gangues, como qualquer outro grupo, não pode ser caracterizada por uma definição única que iria perdurar ao longo do tempo e do local (Goldstein, 1991). Goldstein (1991) argumenta que muitas das definições que foram oferecidas, ao longo dos últimos 80 anos, todos são muito corretos e o que constitui uma quadrilha varia de acordo com as condições políticas e econômicas, com as diversidades culturais e o sensacionalismo gerado pelos meios de comunicação ou com a indiferença em relação à lei. No entanto, existem diferenças fundamentais entre grupos de jovens violentos participantes de gang e violência juvenil. Os membros de gangue são 20 vezes mais prováveis do que jovens em situação de risco para participarem de um tiroteio, dez vezes mais propensos a cometerem um homicídio, oito vezes mais propensos a cometerem roubo, e três vezes mais propensos a cometerem assalto em público (Huff, 1998). Mesmo os jovens considerados violentos podem aumentar os seus níveis de violência, dramaticamente durante a permanência em grupo e, em seguida, diminuem quando deixam a gang (Bendixen, Endresen & Olweus, 2006). A ligação entre gangues e violência é tão profunda que as flutuações nas taxas de assassinatos e crimes violentos em cidades dos EUA, tais como Chicago (Curry, 2000), Cleveland e Denver (Huff, 1998), Los Angeles (Howell & 41Imagens da Violência: Um Ensaio Sobre a Psicossociologia dos Grupos Violentos e suas Perspectivas Compreensivas Decker, 1999), Miami (Inciardi & Pottieger, 1991), Milwaukee (Hagedorn, 1994) e São Luís (Miller & Decker, 2001) têm sido atribuídas às variações nas atividades da gangue. Pesquisadores europeus, ao contrário dos seus homólogos americanos, chegaram a um consenso sobre a definição de grupos violentos de rua. (Weerman, Maxson, Esbensen, Aldridge, Medina, & van Gemert, 2009). Reconhecendo que uma definição consensual é fundamental para a investigação comparativa, devemos fazer uma importante distinção entre gangues, delinquência e quadrilha. Estabelecermos definidores é essencial para caracterizar um grupo como uma gangue. Essa definição não deve ser permeada por características consideradas simples, por exemplo, a etnia, idade, sexo, vestuário especial, localização, nomes de grupo, padrões de criminalidade, e assim por diante (Klein, 2006). Na definição específica, um grupo violento de rua ou gangue tem quatro componentes que os definem: a durabilidade (pelo menos vários meses), orientação de rua, (fora de casa, no trabalho e escola), juventude (média de idade na adolescência ou vinte anos) e identidade, através de atividades ilegais. Em geral, o argumento de que a violência ou a criminalidade deve ser um critério necessário para definir uma gangue é convincente. Como tal, faz sentido que um comportamento criminoso deve ser incluído como um critério necessário para a definição de um grupo violento de rua, apesar de pesquisadores norte-americanos ainda não chegaram a um consenso sobre a definição de grupo violento e delinquência juvenil. Precisarmos de uma definição clara e abrangente, que esclareça o que é um grupo violento de rua. É também necessária uma teoria abrangente para orientar o trabalho empírico e fornecer uma síntese para explicar por que as pessoas se tornam membros de uma gangue. Explicações teóricas de participação de jovens em gangues existem há quase um século e nos fornece uma vasta literatura. Nesta perspectiva, devemos analisar algumas das proposições teóricas mais influentes de envolvimento no crime e considerar o seu valor para explicar a participação de jovens em grupos violentos de rua. Uma das primeiras concepções é conhecida como teoria da desorganização social. Embora o interesse no início de gangues foi, principalmente, descritiva, Thrasher (1927) abriu o caminho para a explosão de pesquisas e 42 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência seu desenvolvimento foi baseado em concepções que levaram a uma série de
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