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Psicologia Jurídica
ensaios sobre a violência
 Marcelo Ribeiro (org.)
2012
Psicologia Jurídica
ensaios sobre a violência
Marcelo Ribeiro (org.)
Marcelo Ribeiro (
2012
Revisão:
Edilane Ferreira da Silva
Diagramação/Arte Final:
Ana Paula Arruda
Textos
Alzení Tomáz
Bruno Heim
Darlindo Ferreira de Lima
Franklin Barbosa Bezerra
Juracy Marques
Leonardo Sousa
Liércio Pinheiro de Araújo
Luiz Eduardo
Marcelo Ribeiro
Maria Elisa Pacheco de Oliveira Silva
Rita Luiza Garcia Rangel Britto
Robson Marques
Imagem da Capa:
Salomé com a cabeça de São João Batista ( , provavelmente c. 1506-7. 
Óleo sobre madeira, 57,2 × 47 cm. The Friedsam Collection, doação de Michael 
Friedsam, 1931. Fonte: http://www.metmuseum.org/toah/works-of-art/32.100.81
org.)
Andrea Solario)
Psicologia Jurídica: ensaios sobre a violência / Marcelo Ribeiro 
(org.). - Petrolina: Gráfica Franciscana, 2012.
116p.
Vários autores.
Contém bibliografia ao final de cada capítulo.
1. Psicologia Jurídica . 2. Violência . 3. Direito da criança I. 
Personalidade criminal. II. Ribeiro, Marcelo (org.).
P974
CDD 347.066019
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Integrado de Biblioteca - SIBI/UNIVASF
Apresentação.................................................................................................... 05
A Formação Profissional no Âmbito da Psicologia Jurídica.................... 09
Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da 
Profissão........................................................................................................... 17
Imagens da Violência: Um Ensaio Sobre a Psicossociologia dos Grupos 
Violentos e suas Perspectivas Compreensivas............................................ 37
Ecologia de Sangue: Interpretações Jurídicas dos Sentidos Sagrados dos 
Povos de Terreiros.......................................................................................... 57
Violação dos Direitos da Criança em Idade Pré-escolar........................... 77
A Verdadeira Personalidade Criminal.......................................................... 95
Psicologia e Direitos Humanos: Contradições Geradoras para um Fazer 
Crítico.............................................................................................................. 103
Sumário
Apresentação
Já não podemos falar que a chamada Psicologia Jurídica é uma nova subárea 
no campo das Ciências Humanas. Mesmo no Brasil, há inúmeras 
experiências, muitas formações e uma considerável publicação no contexto 
nacional. Apesar dessa consolidação e dos seus desdobramentos (na 
Psicologia Forense, na Psicologia Policial e Criminal, na Psicologia da 
Vítima etc.), há ainda uma miríade de possibilidades a ser explorada. Na 
fronteira dos consagrados campos de saber da Psicologia, como a Saúde e a 
Educação, a Psicologia Jurídica oferece profícuos espaços de reflexões e de 
inserções para práticas nas quais os profissionais estão, cada vez mais, 
ampliando suas ações em uma interdisciplinar. 
O tema violência, que permeia, de uma forma ou de outra, os vários 
capítulos deste livro, é um exemplo de como a Psicologia Jurídica emerge, 
seja nas suas fronteiras com a Saúde, seja em suas fronteiras com Educação 
ou, mesmo, em suas fronteiras no terreno da Cultura. 
A partir das produções de docentes e profissionais que atuam em diversas 
áreas, este livro foi forjado no seio da aventura de pensar a Psicologia Jurídica 
enriquecida, sobretudo, nas fronteiras com outros campos de saber. A 
temática “violência” foi o elo comunicante capítulos que compõem o livro.
No primeiro capítulo, no qual se discute a questão formação do profissional 
do operador jurídico, é posto em foco a necessidade de uma atenção 
particular, no que diz respeito à formação que privilegie a dimensão pessoal. 
O autor nos faz refletir sobre a necessidade de revermos a qualidade dessas 
formações iniciais, mas também de buscarmos rever as formações 
cominadas...
05Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
06 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
O segundo capítulo traz uma discussão específica. Trata-se da reflexão sobre 
a condição de ser delegada da mulher. A partir de uma abordagem que busca 
apreender os sentidos e as vicissitudes dessa atividade, considerando todo 
um background cultural e histórico, os autores abrem novas possibilidades 
para que a Psicologia Jurídica seja contemplada em perspectiva 
compreensiva, na qual o humano é revelado via suas experiências.
O capítulo intitulado “Imagens da violência: um ensaio sobre a 
psicossociologia dos grupos violentos e suas perspectivas compreensivas” 
oferece um estudo sobre os desdobramentos dos esforços de profissionais 
e pesquisadores que se debruçam sobre a questão do chamado “grupos 
violentos”. É apontando, após considerável discussão, que esses esforços 
carecem da adoção de uma perspectiva multidisciplinar, para que possa dar 
conta dos seus objetivos.
Em “Ecologia de sangue: interpretações jurídicas dos sentidos sagrados 
dos povos de terreiros”, os autores desenvolvem uma original discussão, 
base de uma peça jurídica, na qual a temática violência é duplamente 
apresentada. Em um primeiro momento, a violência é abordada como uma 
prática contra os animais e, portanto, merecedora de ser coibida via as 
legislações que tratam dessa questão. Em um segundo momento, esse 
ponto é tomado de maneira crítica, à medida que se põe em discussão o 
direito à diversidade de crenças. Portanto, a questão da violência é 
problematizada em um terreno da cultura, mas, ao mesmo tempo, servindo 
(mesmo que indiretamente) de base para se pensar em possíveis 
contribuições à Psicologia Jurídica.
O livro também apresenta uma discussão sobre a “violação dos direitos da 
criança em idade pré-escolar”. A autora, a professora Maria Elisa Pacheco de 
Oliveira Silva, aborda o desenvolvimento humano, concebido a partir da teoria 
de Urie Bronfenbrenner, articulando condições e preparos da família e da escola 
para o cuidar, o proteger e o educar. Este tema, apesar de não ser, originalmente, 
fruto de preocupações da Psicologia Jurídica, parece ser fértil para uma série de 
possibilidades de articular esta subárea com o campo educacional.
O penúltimo capítulo aborda estudos sobre o comportamento criminoso e 
a relação na construção da chamada “personalidade criminal”. A dinâmica 
afetiva familiar “deficiente” é posta em discussão como provável gênese da 
violência. 
07Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
Por fim, “Psicologia e direitos humanos: contradições geradoras para um 
fazer crítico”, discorre sobre alguns panos de fundo que podem estar 
fundamentados em um modus vivendi do humano na atualidade. Assumido 
uma perspectiva crítica, o capítulo propõe questionamentos sobre algumas 
das bases que sustentam o atual processo civilizatório e também aponta, 
indiretamente, algumas das possíveis raízes para os sentidos da violência.
Este livro, portanto, apresenta-se de maneira multiforme, tanto no que diz 
respeito à diversidade dos autores, em relação às suas formações e áreas de 
atuação, quanto às discussões desenvolvidas em cada capítulo. Entretanto, a 
maneira multiforme revela também um propósito claro que atravessa toda a 
obra. De maneira suscita e apresentativa, este livro visa legar ao leitor uma 
perspectiva de interesse em visitar os vários campos do saber, enriquecendo 
a construção da Psicologia Jurídica a partir de uma temática comum: a 
questão da violência. 
Marcelo Ribeiro
09Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
A Formação Profissional no Âmbito
da Psicologia Jurídica
1
por Marcelo Ribeiro
Este texto visa refletir sobre as exigências e as produções das dimensões da formação 
profissional no âmbito da psicologia jurídica, especificamente, a dimensão pessoal. 
Acreditamos que essa dimensão da formação profissional é específica, à medida que seu 
desenvolvimento não se dá como mera aplicação da teoria sobre a prática e que não está 
garantidana qualificação técnica, sobretudo, oriunda da formação inicial.
 
Nossa empreitada será caracterizar a área de atuação daquele que lida com a chamada 
psicologia jurídica. Antes de tudo, é importante dizer que não estaremos nos 
restringindo aos profissionais psicólogos, mas estaremos englobando todos aqueles 
profissionais que gravitam na ordem do direito e que necessitam de compreensões 
psicológicas para efetivar suas diligências, interpretações e ações. Como exemplo, 
poderíamos citar os operadores de direito, de modo geral, os assistentes sociais, os 
educadores, os psicólogos, que atuam nas mais diversas áreas judiciais. Poderíamos 
também acrescentar os policiais, investigadores, mediadores de conflitos, profissionais de 
saúde atuando na área jurídica etc.
CARACTERIZANDO A ÁREA DA PSICOLOGIA JURÍDICA
A psicologia jurídica é comumente concebida como uma psicologia aplicada 
à área do direito. Entretanto, como já sinalizado por César Coll (1996), o 
1 
UNIVASF. LETRANS
Professor Assistente do Colegiado de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco – 
10 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
sentido de aplicação não pode ser reduzido à mera aplicabilidade de um 
conhecimento sobre uma área de atuação. Na verdade, a própria interação 
entre conhecimento e área de atuação passa a exigir e, ao mesmo tempo, a 
produzir novos saberes e práticas específicas que, sem essa relação, não 
seriam possíveis.
Com isso, podemos dizer que o profissional que necessita da psicologia 
jurídica requer, tradicionalmente, conhecimentos, sobretudo, da psicologia 
da personalidade, da psicopatologia e da psicologia social. É verdade que 
essas três subáreas de conhecimentos não dão conta sozinhas das demandas 
vividas por esse profissional. Outras áreas são também importantes, de 
modo que a complexidade de conhecimentos não se esgota aí. Poderíamos 
elencar, além dessas subáreas, como exemplos, a psicologia do 
desenvolvimento e a psicologia da aprendizagem. Poderíamos também 
acrescentar grandes áreas como a antropologia, a sociologia, a biologia e a 
própria ciência do direito. Todos esses conhecimentos estão, portanto, 
voltados para a específica área de aplicação. Entretanto, a mera 
aplicabilidade desses conhecimentos não seria suficiente, como já 
mencionamos. Quando o profissional está envolvido, quando ele atua, 
quando ele vive suas experiências e reflete sobre o seu fazer, produz saberes 
que extrapolam a simples aplicação de conhecimentos externos que carrega.
A partir do que já colocamos, podemos, em um primeiro momento, afirmar 
que é exigido desse profissional um grande nível de conhecimento nas mais 
diversas subáreas e grandes áreas, mas também uma capacidade de produzir 
saberes singulares, sobretudo, a partir das especificidades da prática. Daí, 
sugere-se um esforço do profissional em lidar com a complexidade 
epistemológica própria da sua atuação. Entretanto, esse esforço parece não 
ser suficiente para garantir a efetiva performance profissional. Dele serão, 
também, exigidos conhecimentos tácitos, habilidades e outras 
competências que não vão estar suficientemente garantidas através dos 
conhecimentos teóricos. 
Já é de conhecimento, na literatura específica, algumas dimensões como 
relevantes para a boa formação profissional. São elas: a dimensão técnica, a 
institucional e a pessoal. A primeira vai corresponder aos conhecimentos 
adquiridos a partir das áreas de conhecimentos, normalmente, garantidos na 
formação inicial do profissional. A segunda dimensão, a institucional, 
corresponde à cultura profissional, à organização que o profissional está 
11A Formação Profissional no Âmbito da Psicologia Jurídica
engajado e à categoria profissional. A terceira dimensão, a pessoal, que não 
está garantida na formação inicial, diz respeito à vivência das experiências 
profissionais e aos seus recursos subjetivos. É nessa mescla de dimensões 
que se constitui o que chamamos de identidade profissional.
Sem perder de vista a interação dessas três dimensões, a dimensão pessoal 
da formação profissional carece demandar uma atenção maior, justamente, 
por ser pouco contemplada nas formações, sejam elas formações iniciais ou 
contínuas (também chamada de formação em exercício).
Isto se torna um desafio, à medida que gera a seguinte pergunta: como 
preparar ou tentar preparar esses profissionais, contemplando, em suas 
formações, a dimensão pessoal? É importante também dizer que, ao 
falarmos de preparação, não estamos apenas nos restringindo à formaçao 
inicial. Estamos também nos referindo à formação continuada. Muitos 
estudos têm mostrado que, apesar da grande importância da formação 
inicial no desempenho do profissional, esta não é suficiente. É necessário a 
2formação continuada, a formação em exercício .
Um aspecto importante a ser levado em consideração, para responder tal 
questão, ainda pouco levantada, é poder contemplar nas formações não só 
os conhecimentos técnicos, mas, principalmente, as experiências dos 
próprios profissionais, as suas histórias e os seus saberes. Essas experiências 
dos profissionais em formação precisam ser levadas em consideração para a 
construção de novos conhecimentos. A abordagem construtivista na 
pedagogia vai, por exemplo, apontar para a necessidade de trabalhar os 
novos conhecimentos que são inseridos a partir da experiência e de 
conhecimentos prévios dos alunos, tomando-os como ativos nos seus 
processos de construção do conhecimento.
A valorização dessas experiências, dos saberes tácitos e dos recursos da 
subjetividade dos profissionais em formação, significa contemplar a 
dimensão pessoal na formação. Isto, na verdade, nunca será uma garantia de 
uma qualificação eficiente, mas suspeitamos que significa a possibilidade do 
profissional estar mais apto a fazer frente aos desafios profissionais do 
ponto de vista psicológico, afetivo, cognito (subjetividade).
2 A formação continuada é toda aquela que segue a formação inicial, mas a formação em exercício é um 
pouco diferente. Além de ser pós a inicial, ela é intimamente ligada à atuação profissional e às situações do 
cotidiano do profissional.
12 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
Essa ressalva que fizemos, no sentido de uma formação que contemple a 
dimensão pessoal não garantir a eficiência, é justificada pela própria 
dinâmica das situações que os sujeitos estão expostos e, também, pelo 
próprio processo de transformação que todos nós estamos sujeitos. 
Entretanto, sustentamos a hipótese de que uma formação que contemple 
a dimensão pessoal possa criar mais condições básicas para que os sujeitos 
lidem com as situações, no caso, situações, muitas vezes, adversas ou 
mesmo imprevistas.
A partir do que falamos anteriormente, sobre as características ou 
condições de trabalho que vão exigir um nível de conhecimento (não só 
conhecimento teórico), podemos dizer que esses profissionais que 
“bebem” da psicologia jurídica vão lidar com situações que exigem 
habilidades e competências específicas, constextualizadas e relacionadas 
às suas práticas. Dentre algumas dessas situações, vão estar, por exemplo, 
a questão da morte, de sentimentos diversos como a raiva, o medo, os 
desejos inconscientes, os fenômenos de identicação etc.
Não se trata de inventariar todas as habilidades e competências 
necessárias para que esses profissionais estejam totalmente preparados. 
Até porque, isso não seria possível, na medida em que não é possível 
prever todas as ações ou situações. Entretanto, é tangível caracterizar as 
situações e condições de trabalho dos profissionais que lidam com o 
crime, com os sofrimentos e com os dilemas humanos. Essas 
caracterizações e condições de trabalho ajudam a trazer à tona toda uma 
situação que esses profissionais podem estar expostos. Daí, há de se ter, 
minimamente, uma ideia do que eles podem precisar para ter uma 
formação mais consistente.
Em termos práticos, no que diz respeito à formação que contemple a 
dimensãopessoal, é importante, por exemplo, que hajam espaços de 
trocas de experiências, que esses profissionais possam falar de como 
certos assuntos ou temas estudados chegam em suas vidas ou como eles 
vivenciam ou experienciam o dia a dia do trabalho. Espaços como esses, 
possibilitariam o partilhar de experiências, a mudança de percepção, o 
desenvolvimento de conhecimentos tácitos etc. Além disso, e, 
principalmente, tenderia a possibilitar o autoconhecimento. Esse ponto 
relativo ao autoconhecimento, deve ser um tópico à parte, que iremos 
desenvolver logo adiante.
13A Formação Profissional no Âmbito da Psicologia Jurídica
A partir do foi dito, indagamos o seguinte: o que é mesmo importante em 
termos de dimensão pessoal para o profissional que atua no âmbito da 
psicologia jurídica?
Para responder a essa pergunta, faz-se necessário, antes de tudo, entender 
quais são as condições desse profissional, com o que ele tem de lidar, quais 
são seus desafios diários, que estresse está submetido e que recursos 
subjetivos são requeridos?
De modo geral, podemos dizer que esse profissional, no contexto brasileiro, 
lida, muitas vezes, com a bestialidade, com a barbaridade, com os crimes 
horrendos ou com as situações de injustiças sociais. Essas situações que esse 
profissional se depara podem fazer com que ele se sinta impotente diante de 
uma realidade que insiste em agredi-lo, podendo levá-lo à indiferença 
(insensibilidade diante do outro) ou a provocar fenômenos de identificações, 
ao ponto de interferir no seu desempenho profissional. Tudo isso, levando a 
algum tipo de sofrimento, estresse ou prejuízos crônicos na sua vida, como 
um todo. Para dar um exemplo, imaginemos um profissional que vê uma 
criança estuprada e imagina que poderia ter sido com o seu filho, ou se 
depara com uma mulher que foi espancada pelo marido e vem a lembrança 
do pai que batia em sua mãe, ou, até mesmo, a pobreza do menino que vive 
na rua e a recordação de sua infância pobre e do sentimento de culpa por 
viver um uma vida confortável quando se depara com a miséria do outro... 
Além desses exemplos, há também o reconhecimento em si mesmo da 
bestialidade e dos limites obscuros da humanidade. Esses profissionais se 
deparam com a sua própria humanidade negada, seja via um processo de 
exclusão social ou via um processo de exclusão de si mesmo (negando 
sentimentos ou lembranças).
Assim, os desgastes, as dificuldades e o nível de estresse podem ser bastante 
elevados para esse profissional. Além de conviver com situações como essas, 
ele precisa saber lidar com tudo isso e levar seu trabalho a cabo. Essas agruras 
fazem parte do seu ofício e podem até alimentar o seu profissionalismo, o 
seu desenvolvimento profissional, a partir de aprendizagens enriquecidas 
com as experiências. Longe de levá-lo à insensibilidade ou à desestruturação 
completa, esse profissional pode aprender e se desenvolver a partir disso.
Como vimos, esse profissional se depara, constantemente, com o 
sofrimento alheio, pode se identificar com o sofrimento do outro, pode se 
14 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
indignar com a injustiça social, pode se revoltar contra um ato brutal e pode 
perceber que muitas das desgraças e atrocidades fazem parte da dimensão e 
capacidade humana, portanto, dele próprio.
Outro profissional que vai também lidar com o sofrimento alheio é o 
terapeuta. A este respeito, Hycker (1995) comenta a profissão do terapeuta 
dizendo que este seria uma espécie de “curador ferido”. A metáfora da 
ferida, para o autor, significa que há uma história de sofrimento ou de dor na 
vida desse profissional, que serve para que ele se sensibilize e se solidarize 
com o sofrimento e a dor do outro. A ferida é algo importante para própria 
relação terapêutica. Entretanto, ele alerta para um perigo da ferida. Caso 
essa esteja “aberta ou mal curada”, o terapeuta pode se desestruturar ou não 
suportar o sofrimento ou a dor do outro. Como exemplo, poderemos citar o 
caso do terapeuta que não conseguiu resolver suas dificuldades infantis em 
relação ao abuso sexual que sofria do seu pai e se deparou com uma cliente 
que vivia, justamente, dificuldades sexuais com o marido.
ÚLTIMAS PALAVRAS - CUIDANDO DE QUEM CUIDA: POR 
UMA FORMAÇÃO DA PESSOA
3Alguns estudos têm apontado para necessidade de se criar condições de 
cuidado para aqueles profissionais que cuidam de outros submetidos a 
situações de estresse. Um dos exemplos desses estudos é a pesquisa sobre a 
condição de trabalho dos profissionais que atuam no Conselho Tutelar da 
Criança e do Adolescente do muncícipio de Petrolina – PE. Nessa pesquisa, 
que pretendeu compreender o desgaste psicológico desses trabalhadores 
que tinham que lidar com o sofrimento do outro, no caso, sofrimento das 
crianças, dos adolescentes e dos seus familiares, foi observado a necesidade 
que eles tinham de serem também cuidados.
Estudos como esse vêm mostrar a grande necessidade que os profissionais 
que lidam, cotidianamente, com o sofrimento do outro e que, de certa 
forma, prestam assistência, necessitam também de serem assistidos, de 
terem algum tipo de apoio institucional para lidar com essas situações ou 
3 Pude acompanhar esta investigação em 2007, na disciplina Processos de Investigação Científica, no curso 
de psicologia da UNIVASF, na qual as alunas desenvolveram um projeto investigando, justamente, o 
desgaste emocional dos profissionais que atuam no Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente do 
município de Petrolina-PE.
15A Formação Profissional no Âmbito da Psicologia Jurídica
mesmo de serem cuidados. Entretanto, insistimos que as formações 
(inicial e continuada) precisam criar condições para uma qualificação que 
contemple, além dos aspectos teóricos e técnicos, as experiências, histórias 
de vida, em outras palavras, a dimensão da pessoa do profissional.
A racionalidade técnica não parece, minimamente, criar condições de 
aprendizagem para profissionais que lidam, sobretudo, em condições de 
estresse, de imprevisto e fortemente arraigados na relação com o outro. 
O profissional que se inscreve no âmbito da psicologia jurídica toma como 
espaço e condição de trabalho a relação com o outro. Nesse sentido, 
podemos dizer que há uma dimensão ontológica ou inter-humana 
fortemente presente no seu fazer profissional. Isto tem implicações 
profundas e também exigências radicais para uma prática mais eficaz.
Donald Schön (2000) vai propor um “ensino prático reflexivo” para dar 
conta de uma formação mais global, que inclua o aproveitamento das 
experiências do cotidiano profissional, no qual se possa refletir sobre a 
ação e na ação. Esse profissional reflexivo seria mais habilitado a lidar com 
as situações de imprevistos e sempre se manteria atualizado, porque estaria 
constantemente aprendendo com as suas experiências.
Outros autores (Anadon, 1997; Arroyo, 2000; Byington, 1996; Muszkat, 
1996; Ribeiro, 2007) apontam a necessidade de se pensar e fazer valer uma 
formação que assuma o processo identitário do profissional, que incluem 
as dimensões técnicas, as dimensões pessoais, as dimensões 
institucionais, as dimensões individuais e as dimensões coletivas (da sua 
categoria profissional).
Em nossa experiência, temos constatado que os parceiros envolvidos nas 
formações passam por profundos processos de aprendizagem, à medida 
que se oportunizam espaços que valorizem as experiências e histórias de 
vidas. Esses espaços adquirem um rico potencial transformador, 
justamente, porque permitem reflexões sobre as práticas, vivências 
pessoais, ressignificações de histórias vividas e produções de novos 
sentidos para as ações profissionais. 
 
Longe de transformar a sala de aula em um grande divã coletivo, esses 
espaços têm demarcação própria, pois se circunscrevem nos limites das 
atuações profissionais e as experiências, as histórias relatadas e 
compartilhadas são elementos que nutrem a construção de conhecimentos 
4e produção de saberes profissionais. Portanto,uma formação que 
contemple a dimensão pessoal, uma formação da pessoa, pode favorecer a 
atualização ou renovação do fazer profissional, mesmo que seja um fazer 
profissional sujeito aos desgastes profundos, como é o daqueles que atuam 
no âmbito da psicologia jurídica.
16 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANADON, M. et al.. La construction identitaire de l’enseignant sur le 
plan professionnel: un processus dynamique et interactif. [S.l.]: [s.n.], 
1997.
ARROYO, M. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis: 
Vozes, 2000.
BYINGTON, C. A. B.. Pedagogia simbólica: a construção amorosa do 
conhecimento de ser. Rio de Janeiro: Record, 1996.
COLL, César. Psicologia e educação: aproximação aos objetivos e 
conteúdos da psicologia da educação. In. Coll, César, Palacios, J. Marchesi 
(orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação. Psicologia da 
educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. v.2.
HYCNER, Richerd. De pessoa a pessoa. Psicoterapia dialógica. São 
Paulo: Summus, 1995.
MUSZKAT, M. Consciência e identidade. São Paulo: Ática, 1996.
RIBEIRO, M. O processo identitário. Olinda, Livro Rápido, 2007.
4 Que não se limite na formação inicial, mas que seja também continuada e em exercício.
17Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos 
Frente às Vicissitudes da Profissão
1por Rita Luiza Garcia Rangel Britto
2e Darlindo Ferreira de Lima
1 Psicóloga Clínica e pesquisadora colaboradora do Laboratório de Estudos e Práticas Transdisciplinares – 
Letrans-Univasf.
2 Professor Adjunto do Colegiado de Psicologia da Univasf e pesquisador titular do Laboratório de Estudos e 
Práticas Transdisciplinares – Letrans-Univasf.
A violência se constitui como fenômeno presente no mundo em todas as civilizações e 
nas diversas épocas históricas. Há, na evolução histórica das sociedades, diversos 
modos de representação, desde as formas mais sutis até as mais cruéis, da violência, 
sobretudo, na contemporaneidade. Sob suas diferentes formas, a violência passou a ser 
discutida e tratada, como prioridade, por muitos governos em função da magnitude de 
suas implicações. Nesse contexto, desde 1996, a Organização Mundial da Saúde 
(OMS) passou a considerá-la como o maior e mais crescente problema de saúde pública 
que atinge o mundo atual. 
Há diversos tipos de violência apontados pelos estudiosos (GIFFIN, 1994; 
OLIVEIRA, 2000; SAFFIOTI, 2004), mas, dentre essas, a maior 
visibilidade é dada a violência do tipo física, por vezes, as demais formas 
parecem ser desconhecidas ou passam despercebidas até pelas próprias 
vítimas. O mesmo costuma ocorrer em relação à violência de gênero, cujo 
destaque se dá quando esta é acompanhada por agressão física, 
principalmente, em ambiente doméstico. A noção de gênero se faz 
presente, nesta discussão, por se constituir a partir de uma construção social 
mais ampla, ou seja, que não se restringe às características sexuais dos 
indivíduos, esse conceito engloba outras atribuições como: valores sociais, 
18 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
noção de poder e força atribuída aos homens, como também a ideia de 
fragilidade e subserviência atribuída às mulheres.
Segundo Saffioti (2004, p. 35), “As mulheres são ‘amputadas’, sobretudo no 
desenvolvimento e uso da razão e no exercício do poder”, o que influência e 
repercute na vida das mesmas, nos espaços por elas ocupados, e por todos 
os seus relacionamentos interpessoais. No que diz respeito a essa questão, 
algumas ações governamentais, sobretudo, nos últimos anos, têm buscado 
maiores esclarecimentos e enfrentamento para a problemática da violência 
de gênero. A lei nº 11.340/2006, também conhecida como Lei Maria da 
Penha, pode ser considerada uma importante ferramenta que se propõe a 
prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher. 
Essa lei conta com o apoio de um importante dispositivo de enfretamento 
para a questão da violência, a saber: as Delegacias Especializadas em 
3Atendimento à Mulher (DEAM’s) .
Os primeiros serviços da DEAM foram criados em São Paulo e 
Pernambuco, respectivamente, em agosto e novembro de 1985, com o 
objetivo de realizar investigações sobre crimes contra a mulher, com o 
passar do tempo, pouco a pouco se firmaram como principal dispositivo da 
política pública no combate à violência de gênero. Considerada pioneira no 
mundo, esse tipo de delegacia serviu de modelo para outros países e, desde 
que foi criada, tem expandido sua área de atuação, alcançando maior 
aceitação perante o público. A procura pelo serviço, desde a sua criação, 
demonstrou a existência de uma significativa demanda gerada pela violência 
de gênero e favoreceu a ampliação do número de delegacias com esse perfil 
(PASINATO e SANTOS, 2008). Ainda são insuficientes os estudos sobre 
as DEAM’s e os profissionais nelas inseridos, o que dificulta uma avaliação 
detalhada de suas formas de operacionalização e, consequentemente, a 
formulação e/ou reformulação de novas propostas de atuação. 
Há uma escassez de estudos sobre as identidades das policiais; a forma 
como concebem a violência contra mulheres; como se relacionam com os 
movimentos feministas e de mulheres; e até que ponto absorvem e aplicam 
os ensinamentos dos cursos de capacitação em que participam 
(PASINATO E SANTOS, 2008, p. 34).
3 O Estado de Pernambuco utiliza a nomenclatura “Delegacia de Policia de Prevenção e Repressão aos Crimes 
Contra a Mulher”, no entanto, no nosso trabalho, seguindo a Política Nacional de Enfrentamento à Violência 
Contras às Mulheres, utilizaremos o termo DEAM.
19Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão
Nossa aproximação com o tema escolhido se deu a partir de uma relação 
com o estágio obrigatório do curso de Psicologia da Universidade Federal 
do Vale do São Francisco (Univasf), ocasião em que estagiamos nas 
DEAM’s das cidades de Petrolina-PE e Juazeiro-BA. Durante o período de 
um ano e meio, foi possível, dentre outras coisas, compreendermos a 
necessidade de desenvolver estratégias e políticas diversificadas para os 
profissionais dessas instituições, uma vez que o público atendido por eles 
possui especificidades que requerem uma formação complexa que 
possibilite a compreensão do fenômeno violência. Na busca por literatura, 
deparamo-nos com a escassez de material referente ao tema, que motivou 
esta pesquisa.
4
O objetivo deste trabalho é compreender como se dá à práxis de delegadas 
das DEAMs de Pernambuco. Para tanto, buscou-se compreender como 
realizam sua prática, quais os impactos para essas profissionais da com-
vivência diária com a violência de gênero, assim como elas constituem os 
seus saberes para lidar com tal contexto e as possíveis influências do 
ambiente profissional no seu saber fazer.
A profissão de delegada (o) de polícia está ligada à Polícia Civil. Segundo 
Sadek (2003), desde 1998 sua formação requer a conclusão do curso de 
Bacharel em Direito, aprovação em concurso público estadual seguido de 
curso de formação profissional. Considerada, inicialmente, como profissão 
predominantemente masculina, após a abertura das DEAM’s, houve uma 
significativa ampliação no mercado de trabalho para o cargo de delegada, 
uma vez que a orientação do governo federal foi para que o cargo fosse 
ocupado, preferencialmente, por mulheres (PASINATO e SANTOS, 2008). 
As DEAM’s possuem especificidades de público e de atendimento, que as 
levam a sustentar a classificação de serviço especializado. No que se refere à 
violência de gênero, é o lócus específico para esses atendimentos, sendo, 
desde sua criação, subordinados e administrados pela Polícia Civil de cada 
Estado. Existe uma variação de modelos de serviços nessas instituições, 
entre outros motivos, propiciada pela diversidade de abordagens e práticas 
policiais, que podem ser encontradas, até mesmo, em um único Estado.
4 Práxis do grego prattein (passar por, experienciar),refere-se à ação, fazer, prática, como sendo um exercício de 
agir hábil de uma arte, ciência. Ao longo do tempo, assumiu o significado de conduta, costume ou hábito usual ou 
convencional, embora, ainda diga respeito a trabalho, obra (opera) do latim, referindo-se a um fazer cotidiano 
regular que, ao longo do tempo, pode ser tomado por habilidade (MORATO, 2008, p. 4).
20 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
Pasinato e Santos (2008) ressaltam que, inicialmente, a função da 
delegacia, de acordo com o Código Penal, seria de investigação de crimes 
contra o gênero feminino; destacam também que “a grande novidade 
destas delegacias consistia no reconhecimento inédito, pelo Estado, das 
necessidades e dos direitos de grupos sociais frequentemente excluídos 
do acesso à justiça” (p. 11), tornando-se, então, a “principal política 
pública no enfrentamento à violência contra mulheres e atualmente são 
reconhecidas como a única política de extensão nacional” (p. 12).
As políticas para o direito da mulher têm percorrido um longo caminho 
em busca de consolidação. Seu marco inicial foi a criação do Conselho 
Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), em 1985, o primeiro órgão 
do país a tratar sobre o assunto. Esse conselho não tinha poder de 
execução e monitoramento das políticas públicas, mas formulava 
propostas políticas para as mulheres, tendo contribuído também no 
processo de construção da Constituição Federal de 1988 (PASINATO e 
SANTOS, 2008).
Um importante passo foi dado nos anos seguinte (1994-1998/1999-
2002), quando o Brasil agrupou, no seu sistema jurídico-normativo 
nacional, algumas normas internacionais de direitos humanos, como a 
Convenção Americana dos Direitos Humanos, ratificada em 1992, e a 
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência 
contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, 
ratificada em 1995 (PASINATO e SANTOS, 2008). 
Outra conquista política, no trato da violência contra a mulher, foi a 
criação da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), em 2003, 
já que, antes disso, os conselhos estaduais e nacionais não conseguiram 
formular uma política nacional que abrangesse o enfretamento da 
violência contra a mulher (PASINATO e SANTOS, 2008). No mesmo 
ano, a SPM lançou a Política Nacional de Enfretamento da Violência 
contra a Mulher, cuja ação se deu visando prevenir, assistir e garantir os 
direitos da mulher em diferentes campos.
A partir desse contexto, é possível perceber que as políticas públicas têm 
sido ampliadas e/ou reformuladas com relativa frequência. Mesmo 
assim, por vezes, parece haver um descompasso temporal entre as novas 
determinações e as necessidades atuais. A dificuldade de se manter um 
21Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão
diálogo profícuo entre momento e ação parece estar relacionada à 
insustentabilidade de formas predeterminadas e estáticas de 
comportamento humano.
Para Giddens (1991), a sociedade moderna produziu transformações nos 
modos de vida com uma velocidade jamais percebida em outras épocas, 
envolvendo descontinuidade e mudanças tão intensas nos 
relacionamentos humanos, que dificultam interpretações sobre 
sistematização da organização social e nos leva a ideia de perda de controle. 
O controle de tudo e de todos parece ter se tornado o objetivo a ser 
alcançado na e pela sociedade, mas não há a possibilidade de sucesso nessa 
busca, e o homem, sem acreditar nas próprias limitações, passa a se nutrir 
dessa procura utópica.
Ainda sobre as formas sociais de relacionamentos atuais, Bauman (2001) 
aponta a rapidez dessas transformações na sociedade contemporânea e as 
consequências desse fenômeno nas relações humanas. Para o autor, há uma 
“liquefação” das relações sólidas que fragmentam a sociedade e produzem 
dissolução dos laços afetivos e sociais substituindo-os por desapego, 
provisoriedade e liberdade, situações e sentimentos que tem provocado 
diversos sintomas nos indivíduos e na coletividade, dentre os quais 
destacamos a violência. 
Partindo da ideia de que as relações se estabelecem em sociedade, daremos 
um enfoque no que diz respeito à violência, em virtude desta já ter se 
estabelecido veementemente na sociedade e já ter se tornado um problema 
de saúde pública (OMS, 2002). 
A princípio, buscamos abordar a violência, trazendo alguns sentidos, sem, 
contudo, ter a pretensão de superar o assunto. Para a Organização Mundial 
da Saúde (2002, p. 5), a violência pode ser definida como: 
O uso intencional da força física ou do poder, real ou em 
ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um 
grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande 
possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, 
deficiência de desenvolvimento ou privação. 
Sobre violência e saúde, Minayo (1997/1998, p. 520) ressalta que "a 
violência afeta a saúde porque ela representa um risco maior para a 
22 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
realização do processo vital humano: ameaça a vida, altera a saúde, produz 
enfermidade e provoca a morte como realidade ou como possibilidade 
próxima" (AGUDELO apud MINAYO, 1997/1998).
Ainda para Minayo (1997/1998, p. 514), “... a violência consiste em ações 
humanas de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de 
outros seres humanos ou que afetam sua integridade física, moral, mental 
ou espiritual”. Além da pluricausalidade do tema, a autora também ressalta 
que o mesmo é complexo, polissêmico, controverso, e propõe o tratamento 
no plural para essa realidade, ou seja, tratá-la como e por violências. Sugere, 
ainda, a criação de uma epidemiologia da violência, já que esta “inibe, 
modifica e enfraquece tanto a qualidade como a capacidade de vida” 
(MINAYO, 1997/1998, p. 521).
No mesmo sentido, na concepção de Chauí (CHAUÍ apud SANTOS e 
IZUMINO, 2005, p. 149), a violência corresponde, portanto, a:
(...) ação que transforma diferenças em desigualdades 
hierárquicas com o fim de dominar, explorar e oprimir. A 
ação violenta trata o ser dominado como “objeto” e não 
como “sujeito”, o qual é silenciado e se torna dependente e 
passivo. Nesse sentido, o ser dominado perde sua 
autonomia, ou seja, sua liberdade, entendida como 
‘capacidade de autodeterminação para pensar, querer, 
sentir e agir’. 
A partir desse contexto, a violência pode ser compreendida como toda ação 
que cause ou possa causar dano e inferiorizar o sujeito, além de prejudicá-lo 
em vários âmbitos, como físico, psíquico, social e mental. Isto posto, 
reportamo-nos para a violência praticada contra as mulheres, mais 
especificamente, em relação à violência doméstica contra a mulher e seus 
desdobramentos, a qual a OMS (2002, p. 91) denomina de “violência 
perpetrada por parceiro íntimo”. 
No que se refere ao conceito de violência doméstica contra a mulher, de 
acordo com a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana 
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, 1994) 
podemos compreender “... por qualquer ação ou conduta, baseada no 
gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à 
mulher, tanto no âmbito público como no privado” (artigo 1º). 
23Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão
Em relação aos tipos ou formas de violência doméstica contra a mulher que 
podem ocorrer, podemos denominar, pelo menos, cinco, descritas também 
na Lei Maria da Penha (BRASIL, 2008), que são: violência física, violência 
psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral (artigo 
7º, I a V, da Lei 11.340/06). Os cinco tipos de violência são descritas no 
quadro 01.
Tipo de Violência Descrição
VIOLÊNCIA
FÍSICA
Entendida como qualquer conduta que 
ofenda sua integridade ou saúde corporal.
Entendida como qualquer conduta que lhe 
cause dano emocional, diminuição da 
autoestima ou que vise degradar ou 
controlar suas ações, comportamentos, 
crenças e decisões, ouqualquer outro meio 
que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e 
à autodeterminação.
VIOLÊNCIA
PSICOLÓGICA
VIOLÊNCIA
SEXUAL
Entendida como qualquer conduta que a 
constranja a presenciar, a manter ou a 
participar de relação sexual não desejada; 
que a induza a comercializar ou a utilizar, de 
qualquer modo, a sua sexualidade, que a 
impeça de usar qualquer método 
contraceptivo ou que a force ao 
matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à 
prostituição; ou que limite ou anule o 
exercício de seus direitos sexuais e 
reprodutivos.
Entendida como qualquer conduta que 
configure retenção, subtração, destruição 
parcial ou total de seus objetos, 
instrumentos de trabalho, documentos 
VIOLÊNCIA
PATRIMONIAL
24 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
pessoais, bens, valores e direitos ou 
recursos econômicos, incluindo os 
destinados a satisfazer suas necessidades.
VIOLÊNCIA
MORAL
Entendida como qualquer conduta que 
configure calúnia, difamação ou injúria.
QUADRO 01: Descrição dos tipos de violência contra a mulher. Fonte: BRASIL, 2008
De acordo com o quadro acima, pode-se compreender que os diversos 
tipos de violência encontram-se imbricados. Nos casos de violência física, 
por exemplo, esta não ocorre isoladamente. Ela pode estar associada à 
violência de ordem psicológica, moral e/ou sexual, dando a entender que o 
processo de violência acontece em progressão geométrica, aumentando de 
intensidade e frequência, com o passar do tempo, até culminar na violência 
física. (OMS, 2002; SILVA et al, 2007). 
Questões como danos psicológicos, morais, sexuais e patrimoniais são 
tão importantes quanto os danos físicos para serem considerados no 
trato da violência doméstica contra a mulher, pois, além da própria 
mulher como vítima, os outros tipos de violência, como a violência 
psicológica, pode afetar, direta ou indiretamente, os outros membros da 
família, que presenciam ou convivem no ambiente em que a violência 
ocorre (SILVA et al, 2007).
A OMS reforça a ideia da coexistência de vários tipos de abuso em um 
mesmo relacionamento, no entanto, reconhece que os estudos sobre 
violência doméstica contra a mulher ainda são emergentes e que, por isso, 
há escassez de dados sobre os variados tipos de violência de gênero, afora 
sobre a violência física. A OMS (2002, p. 91) aborda que essa temática está 
relacionada às questões de gênero, ao enfatizar que:
O fato de as mulheres em geral estarem emocionalmente 
envolvidas com quem as vitimiza, e dependerem 
economicamente deles, tem grandes implicações para a 
dinâmica do abuso (...). Para muitas dessas mulheres, a 
agressão física não foi um evento isolado, mas sim parte de 
um padrão contínuo de comportamento abusivo. 
25Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão
A temática de gênero remete ao século XX, quando Simone de Beauvoir 
escreveu o livro chamado “O Segundo Sexo” para abordar fatos e mitos 
da condição da mulher (SAFFIOTE, 1999). O livro é considerado, 
atualmente, um precursor da prática discursiva sobre gênero, por ter 
originado questões sobre ambos os gêneros humanos, ter inaugurado a 
discussão sobre a situação da mulher e ter trazido questões que 
subsidiaram a construção social do feminino, elucidando em suas 
páginas que: “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher.” (SAFFIOTE, 
1999, p. 160).
Para a realização deste trabalho, foi utilizada a metodologia qualitativa, 
com base na perspectiva Fenomenológica Existencial, fundamentada em 
Heidegger (1999), a partir da analítica do sentido de Critelli (2006). Para 
essa autora, que se baseia na fenomenologia existencial de Heidegger, 
compreender no sentido fenomenológico significa apreender-com, 
refletir sobre o homem a partir de seu modo de “ser no mundo”. Isso 
requer: pensar, interpretar e apreender, lidando com o fenômeno que 
emerge e que não se restringe a um objeto meramente concreto e 
metafísico. 
Foi utilizada a narrativa de Benjamin (1985), como instrumento que 
permite ingressar no campo fenomenológico do outro. As experiências 
das delegadas foram colhidas através dos seus relatos verbais, tomados 
como a emergência do fenômeno, guardando em si o testemunho vivo da 
experiência numa forma de comunicação. 
Para a pesquisa, foi realizada uma entrevista aberta com cada delegada 
titular das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, em 
funcionamento, do Estado de Pernambuco. Como critério de exclusão, foi 
vetada a participação de homens, caso houvesse algum ocupando o cargo 
de delegado. Desse modo, apenas cinco (05) delegadas colaboraram com a 
pesquisa, uma se encontrava de férias durante o período da colheita, sendo 
substituída naquele momento por um delegado e outra se recusou a 
participar, correspondendo a um total de 71,4% de todas as delegadas da 
mulher de Pernambuco.
Este trabalho foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Estudos 
Humanos da Univasf, seguindo as recomendações da Resolução 196/96 
do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (1996). 
26 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
As entrevistas abertas se deram a partir da pergunta disparadora: “Como é 
para você ser delegada na Delegacia da Mulher (DEAM)?”.
5Após a colheita dos dados, foi realizada a transcrição literal das entrevistas 
e, posteriormente, a literalização, que se constitui num processo de 
transformação da narrativa transcrita numa narrativa literária. Em seguida, 
a produção literária foi enviada às entrevistadas, por correio eletrônico, para 
que elas pudessem verificar a literalização realizada, até que esta estivesse 
em perfeito acordo com o sentido primeiro de sua fala. A etapa seguinte foi 
a leitura das narrativas, a partir da qual foram anotados os agrupamentos de 
sentidos, que brotaram em decorrência da nossa relação com as narrativas, 
produzindo, então, as tematizações. 
Compreendemos tematizações como a configuração das dimensões da 
experiência que perpassaram as narrativas das colaboradas, emergentes 
durante nossa relação com os depoimentos, uma vez que essas dimensões 
são agrupamentos de ideias e sentimentos que apontaram para o sentido de 
ser delegada de DEAM.
A análise das narrativas foi realizada a partir da analítica do sentido de 
Critelli (2006), já que essa autora propõe uma forma de analisar as narrativas 
numa perspectiva fenomenológica que dialoga com a ideia de experiência. 
Utilizamos a perspectiva narrativa de Benjamim (1985) como referencial de 
compreensão de experiência, ou seja, narrar é experienciar o “estar no 
mundo”. A partir das tematizações, provocamos um diálogo entre o que 
nos apropriamos das narrativas, com as leituras teóricas, e os autores 
compreendidos acerca do fenômeno em análise.
Buscou-se analisar como as delegadas das DEAM’s de Pernambuco 
compreendem e executam a sua práxis, ou seja, como constroem seus 
saberes e se o ambiente de trabalho, permeado por violência, influencia em 
seu desempenho profissional. 
Desse modo, emergiram três tematizações, a partir da análise das narrativas, 
foram: 1) Sentidos de ser delegada da mulher; 2) A formação: um desafio a 
ser (re)pensado; 3) A experiência que (trans)forma a profissional delegada. 
5 O termo colheita refere-se à ideia do pesquisador como um “recolhedor de experiências” que, segundo Schimidt 
(1990, p. 70), “deve se inspirar mais pela vontade de compreender do que como um analisador à cata de 
explicações”.
27Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão
As narrativas apontam em direção aos prazeres e as dificuldades 
profissionais encontradas na função de chefia em um serviço, no qual a 
violência se interpola de forma significativa. 
Sentimentos contraditórios como frustração, raiva e desesperança se 
intercalam a outros como, por exemplo: orgulho, realização e satisfação, 
num movimento constante que pode contribuir para a construção de 
modos no desempenho da função, bem como possíveis transformações 
nos mesmos. A convivência diária dasdelegadas com as mulheres vítimas 
de violência, que buscam o serviço, parece possibilitar a emergência dessa 
profusão de sentimentos, a partir da relação de aproximação que se 
estabelece entre elas. Diante disso, os sentimentos transitam entre 
polaridades extremas, como pode ser percebido nas narrativas abaixo:
Assumir essa função foi um desafio muito forte (...) mas sempre quis trabalhar com 
mulheres (...) nós somos tudo para quem nos procura, na verdade, somos psicólogas, 
amiga, protetora e delegada de polícia. (...) Ser delegada da mulher não é nada fácil, não 
é qualquer uma que encara isso. [Delegada I]
Ser delegada da mulher é maravilhoso! (...) é um trabalho diferente porque fazemos 
parte da vida daquelas pessoas. Poder mudar a história de violência de uma família é o 
mais gratificante. (...) dá para se envolver pessoalmente e atender cada uma das vítimas, 
não é impossível, inclusive, é o esperado de uma delegada de uma delegacia da mulher, 
que ela tenha esse contato com a vítima. (...) É preciso ter perfil para permanecer no 
cargo. [Delegada II]
Diniz e Angelim (2003) indicam que profissionais, que no seu ambiente de 
trabalho convivem com a temática da violência, em suas mais variadas formas 
de manifestação, parecem estar sujeitos a desenvolverem vários sentimentos, 
como “... o espanto, o horror, a incredulidade.” (p. 24), não só relacionadas à 
situação em si, como também nas relações e pessoas envolvidas. Outra 
dimensão, desvelada nas narrativas, aponta para as afetações que perpassam o 
profissional, posto que a convivência constante com fenômenos amplos e 
complexos, que necessitam de intervenções muito intensas, tendem a exigir 
adaptações, transformações e criatividade diferenciadas, que permitam 
conviver nesse contexto. (ALVES, MORATO, CALDAS, 2009)
Entretanto, a ambivalência de sentimentos, que se faz presente no dia-a-dia dessas 
profissionais, parece se atenuar ou se tornar menos impactante com o passar do 
28 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
tempo. As afetabilidades passam a ser controladas em benefício da própria saúde 
mental e/ou como atributo necessário para um melhor desempenho, sem, 
contudo, deixar de exigir, dessas delegadas, atenção e empenho constantes para a 
manutenção desse comportamento considerado “adequado”. 
Para Dejours (1992), o trabalhador lança mão de uma série de estratégias 
defensivas para minimizar o sofrimento presente em determinadas 
funções, com o objetivo de evitar que se transformem em patologias. Talvez 
esse seja um dos maiores desafios enfrentados no exercício profissional, 
como nos mostram os depoimentos a seguir: 
No início (...) tive que fazer uma terapia porque chegava em casa muito estressada. Com o 
passar do tempo, aprendi a vir para o trabalho, ouvir o que está aqui e deixar aqui mesmo, 
não levar nada para casa. [Delegada I]
Às vezes chegava a chorar junto com as mulheres. Então, me envolvia mesmo, mas agora 
consigo me preservar mais, acho que é um distanciamento necessário. [Delegada II]
Para lidar com a violência no dia-a-dia (...) não pode ser aquela pessoa fragilizada, 
porque senão vai trazer problemas, não só para si, mas para a pessoa que está sendo 
atendida... [Delegada IV]
Parece ser essa combinação de desafios e conquistas que alicerça essas 
profissionais no desempenho de suas funções, pois, ao mesmo tempo em 
que elas se sentem frustradas com determinadas situações, também buscam 
alternativas para superá-las. Assim, as delegadas parecem adquirir e usufruir 
de novos conhecimentos e experiências com as situações vivenciadas. 
A experiência parece assumir aspecto relevante no desempenho 
profissional, nas narrativas das delegadas, ao ser citada como componente 
complementar à formação acadêmica, pois acrescenta às profissionais 
maior amplitude nas formas de atendimento, além de promover 
dispositivos de proteção psíquica das mesmas para a manutenção da 
integridade de sua saúde mental.
 
Não sei como é que aprendi, na verdade, acho que, com o tempo, fui me acostumando. O 
que me proporcionou aprendizado mesmo foi o tato. Não estudamos uma teoria de como 
lidar com mulheres vitimizadas... Não temos essas teorias, entendeu? Então, acho que 
vem muito da experiência mesmo. [Delegada I]
29Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão
Entretanto, mais especificamente sobre minha atuação, acho que adquiri traquejo no dia 
a dia. [Delegada II] 
Carneiro (2009, p. 79) ressalta que “existe um saber de ofício que passa pela 
experiência pessoal”, e se soma ao conhecimento científico e à prática, na 
resolução de uma demanda. O conhecimento nomeado, por alguns autores, 
como tácito, (FIGUEIREDO, 1993; POLANYI, 1891; SAIANI, 2004 
apud CARNEIRO, 2009) costuma ser pouco valorizado pela academia, 
devido à dificuldade encontrada para sua transmissão, uma vez que suas 
origens “não se fundamentam em operações explicitamente lógicas” (p.77). 
Esses dois conceitos, saber acadêmico e conhecimento tácito, parecem se 
complementar e, ao mesmo tempo, indicar que situações semelhantes a 
outras já vividas podem ser solucionadas mais facilmente. 
Figueiredo (2004, p. 116) define o conhecimento tácito como 
“Conhecimento incorporado às capacidades afetivas, cognitivas, motoras e 
verbais de um sujeito. O que caracteriza esse conhecimento é ser de 
natureza eminentemente pré-reflexiva”. Ou seja, é um conhecimento 
agregado aos saberes teóricos, que permite uma melhor relação e resolução 
da problemática.
Quando se ingressa na polícia, há um curso de preparação inicial do quadro de servidores, 
realizado na Academia de Polícia. Com a prática, o profissional adquire experiência e 
uma visão mais amadurecida dos fatos. [Delegada III]
Trabalhos anteriores foram uma escola (...) fui e vi que aprendi e, agora, sou capaz de ir 
para qualquer especializada, que vou saber fazer o trabalho. [Delegada V]
As narrativas das delegadas corroboram no sentido de que há uma 
complementação entre conhecimento explicito e tácito, ou seja, “... o 
conhecimento que se torna disponível na forma de sistemas de 
representação, como é o caso de uma teoria” (FIGUEIREDO, 2004, p. 
117), embora essa complementação não se mostre, por completo, suficiente 
para o exercício da profissão.
Fazendo uma analogia com um iceberg, Nonaka e Takeuschi (1997 apud 
CARNEIRO, 2006) comparam o conhecimento explícito como a ponta 
visível desses blocos de gelo, em que a parte submersa e mais volumosa 
pode ser definida como conhecimento tácito, lembrando que, o que hoje 
30 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
está exposto já foi um dia submerso, como também o que ainda está 
submerso pode tornar-se visível a qualquer momento. 
Dessa forma, compreende-se que o tempo de serviço, citado pelas 
delegadas como benéfico para o desempenho profissional, pode ser 
analisado como a incorporação de conhecimento tácito aos seus saberes 
acadêmicos. Essa junção de saberes pode se tornar um aliado das delegadas 
no desempenho de suas funções, sobretudo, se for colocado, 
constantemente, em diálogo e produção de novos conhecimentos sobre 
sua prática. 
A formação inicial para o cargo de delegado(a) não se difere entre as 
diversas delegacias existentes - especializadas ou gerais. Após a aprovação 
em concurso e período de treinamento na Academia de Polícia Civil 
(ACADEPOL - PE), segundo as depoentes, os policiais podem passar, ou 
não, por um treinamento específico para ocupar as delegacias 
especializadas – narcotráfico, turista, idosos, criança e adolescente etc. 
Para o trabalho em DEAM, faz-se necessário, dentre as competências e 
habilidades a serem desenvolvidas, um conhecimento específico voltado 
para lidar com as questões relativas à violência de gênero. Entretanto, a 
partir dos depoimentos, esse tema parece não ter sido contemplado 
durante a formação de algumas das profissionais delegadas. Segundo 
Pasinato e Santos (2008), os cursos de capacitação para profissionaispoliciais dependem de articulação política entre Secretaria de Segurança 
Pública e governos e, apesar de se verificar um aumento na oferta de 
palestras, cursos e seminários, ainda não foi possível avaliar o alcance e o 
impacto dos mesmos nas diversas delegacias do país. No entanto, observa-
se que a formação continuada no estado de Pernambuco tem recebido 
atenção governamental. 
Hoje a academia está preparando muito melhor do que preparava na minha época. Se 
compararmos os policiais de antigamente com os de hoje, veremos uma diferença gritante 
com relação a tudo: ao tratamento, à formação. (...) [Delegada I]
A formação profissional, atualmente, dá mais subsídios para a atuação como delegada 
(...) a formação foi melhorada. Somos uma delegacia bem nova (...) desse modo, os agentes 
já possuem outra formação, tiveram formação na academia e fizeram um curso antes de 
serem lotados aqui. [Delegada II]
31Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão
Existe necessidade de conhecimento e aprendizagem de outras áreas para exercer a função 
de delegada. Há uma preocupação, tanto pessoal quanto do departamento, para a 
qualificação profissional através da realização de cursos. [Delegada IV]
Ainda sobre o mesmo tema, o investimento em formação continuada revela 
sua importância, frente à constatação das próprias delegadas, ao indicarem 
que a atualização de conteúdos e informação, através de cursos ou 
minicursos, é um dispositivo importante na tarefa de contribuir para a 
execução de seus papéis, pois a formação por si só não pode garantir a 
sustentabilidade da atividade profissional. 
É importante constante busca por aperfeiçoamento. [Delegada III]
Todos os policiais daqui têm cursos na área de violência doméstica e também participamos 
dos cursos periódicos da SENASP. Vários cursos são oferecidos. Agora mesmo estamos 
no meio de um curso... [Delegada IV]
É muito importante, gosto muito, digo que é agregar conhecimento. Por mim, teríamos 
treinamento de seis em seis meses, uma espécie de reciclagens. Mas não espero só pelo 
departamento, procuro fazer cursos que são oferecidos pelo SENASP. Para o exercício 
da profissão há uma necessidade de busca pessoal. [Delegada V]
As narrativas e as visitas realizadas às DEAM’s de Pernambuco 
possibilitaram a identificação de, pelo menos, três tipos de formação 
diferenciados entre as profissionais que, no período da colheita de dados, 
ocupavam o cargo de delegadas: o primeiro refere-se às profissionais cuja 
formação aconteceu há mais de 25 anos, período em que ainda não existiam 
as referidas delegacias no país; o segundo grupo foi representado pelas 
profissionais que têm 10 e 25 anos de formação; o terceiro grupo, sendo o 
mais numeroso, foi composto por mulheres que concluíram a academia 
dentro dos últimos dez anos.
A relação tempo-formação foi ressaltada pelas delegadas e observada 
pelas pesquisadoras como um diferencial que imprime características 
específicas na forma como elas executam e/ou compreendem sua 
função e, consequentemente, desdobram-se nas formas de atendimento 
oferecido à vítima que procura o serviço. Desdobramentos que podem 
ser identificados desde a preocupação com o espaço físico limpo, 
organizado e o mais acolhedor possível, até a forma como conduzem e 
32 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
orientam os atendimentos a serem realizados por sua equipe, como 
demonstram as falas a seguir:
Acho que, na verdade, todas as delegacias deveriam ser acolhedoras, independente de 
serem especializadas da mulher ou não. (...) Quando tem atendimento de criança, temos 
que fazer em uma sala reservada, que não haja barulho, nem interrupção, porque é 
complexo fazer oitiva de criança vítima de abuso sexual. Temos brinquedos na delegacia 
para ajudar nesse atendimento. [Delegada IV]
Gosto de orientar meu pessoal, até porque os policiais são como o esboço da delegada. 
Ela é o exemplo, se ela for ruim, então, aqueles policiais vão procurar se espelhar nela. 
(...) Digo aos meus policiais: perguntem o que a mulher está precisando. Não quero 
saber de nenhuma mulher saindo dessa delegacia reclamando de atendimento. 
[Delegada V]
Para algumas das delegadas, existe a preocupação e o cuidado de verificar 
como seus funcionários estão atendendo ao público que os procura. Essas 
profissionais parecem corroborar com a ideia das pesquisadoras de que as 
instalações e a forma como os serviços são oferecidos espelham o 
desempenho de suas gestoras.
Tornar-se profissional envolve um entrelaçamento complexo, dimensões 
que não podem ser integralmente controlados pelo humano. 
Compreendemos que o sentido de ser delegada, para as depoentes, 
constitui-se frente à manutenção da tensão entre conhecimento 
acadêmico e conhecimento tácito, transformada em uma práxis que se 
aprimora a partir de aprendizagens agregadas, cotidianamente, à 
profissão. O diálogo entre os saberes supracitados requer do profissional 
abertura para novas aprendizagens, que se fazem necessárias frente aos 
serviços, em especial, onde a violência de gênero surge como principal 
componente das demandas que ali se apresentam.
O convívio permanente, em contexto permeado por violência, provoca 
afetações e reações diferenciadas nos profissionais do setor, que costuma 
acompanhá-los, até mesmo, nos momentos de folga. Sobre essa questão, 
algumas alternativas são buscadas individualmente, mas a complexidade e a 
intensidade do problema fazem com que ele mereça ser priorizado e 
considerado uma necessidade coletiva do meio de trabalho, a ser cuidada 
desde o período da formação. Nesse sentido, existem propostas que podem 
33Ser Delegada da Mulher: Construindo Sentidos Frente às Vicissitudes da Profissão
ser trabalhadas de maneira eficaz para preservar a saúde psíquica do 
trabalhador através de suporte psicológico. 
Foi possível percebermos que, no estado de Pernambuco, as delegadas da 
mulher participam de uma mudança gradual e constante concernente a 
formas de compreensão sobre as questões relacionadas ao gênero que, 
consequentemente, refletem na forma de atendimento destinada às 
usuárias do serviço. Dentre os aspectos que colaboram para as mudanças, 
destaca-se, nos últimos anos, o investimento pessoal de cada profissional e 
o crescente empenho do Departamento da Mulher (DPMUL-SDS-PE) 
como, por exemplo: padronização, aparelhamento das delegacias, 
capacitação e apoio aos profissionais. 
Finalmente, queremos registrar que foi perceptível, durante a colheita de 
dados, o empenho das delegadas de DEAM’s e do governo de Pernambuco 
na implantação e subsídio de novas propostas que buscam melhoria na 
eficácia do seu trabalho e na erradicação da violência doméstica.
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37Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
Imagens da Violência: Um Ensaio Sobre a 
Psicossociologia dos Grupos Violentos e suas 
Perspectivas Compreensivas
1por Liércio Pinheiro de Araújo
1 Psicólogo, Mestre em Cognição, Doutor em Gestão do Comportamento, professor universitário e Coordenador 
do Programa de Pós-graduação em Psicologia Jurídica do Centro Universitário CESMAC. E-mail: 
lierciopinheiro@hotmail.com
Nos últimos anos, temos acompanhado um aumento da atenção dada aos grupos 
violentos de rua. Profissionais e pesquisadores esforçam-se para compreender e 
neutralizar os efeitos de participação dos jovens nesses grupos. No entanto, apesar de uma 
riqueza de quadros teóricos e resultados empíricos, mesmo em questões fundamentais, 
como uma definição consensual, continuam a nos iludir. Consideramos, neste trabalho, 
algumas das estruturas teóricas mais influentes e resultados empíricos associados e 
descobrimos que, tal como está, o nosso conhecimento sobre esses grupos violentos é ainda 
limitado. Sugerimos que os caminhos futuros devem adotar uma abordagem mais 
multidisciplinar para o estudo dos grupos de jovens violentos. Para este fim, 
argumentamos que há um papel para a psicologia nesta importante obra, e que sua 
participação vai nos fornecer uma compreensão mais profunda e mais significativa das 
gangues e dos jovens que se juntam a elas.
No ano de 2010, presenciamos um fenômeno específico da violência nas 
ruas das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, grupos homofóbicos, 
gangues violentas que, num frenesi desmedido, espalharam o terror na praia 
de Copacabana, que, no linguajar brasileiro, são denominados “arrastões”, e 
grupos de jovens de classe média que apresentam reações violentas contra a 
diversidade sexual. No entanto, precisamos compreender tal fenômeno 
como algo universal, dado que grupos violentos de rua facilitam o 
38 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
comportamento destrutivo e não é apenas uma associação com seus pares 
agressores. Consequentemente, os grupos violentos de rua representam 
problemas para qualquer sociedade ordenada e digna de atenção de 
pesquisa. O objetivo deste trabalho é compreender as teorias existentes e 
pesquisar a violência de rua como atividades em que estão envolvidos 
estudos dentro da psicologia, sociologia e criminologia. 
Diversos sociólogos e psicólogos têm produzido uma abundância de 
excelentes trabalhos, mas a ampliação da participação dos estudos da 
psicologia da violência possui o objetivo de ampliar o conhecimento de uma 
forma que só pode beneficiar a compreensão psicossocial do fenômeno da 
violência. E, assim, apresentamos também o argumento de que os 
pesquisadores precisam se tornar mais envolvidos no estudo de grupos 
violentos de rua.
É impossível, neste trabalho, a cobertura de todas as investigações sobre 
violência, pois a literatura é extremamente vasta. Os primeiros trabalhos 
sobre grupos violentos, produzidos por Thrasher (1929) e Short e 
Strodtbeck (1965), são tão relevantes hoje como eram historicamente e 
devem ter um lugar em qualquer teorização. A maioria das pesquisas foi 
realizada nos EUA e, posteriormente, outros trabalhos foram 
desenvolvidos em outros países. No entanto, tentar extrair alguma coesão 
para os debates em curso em torno da literatura, a respeito de grupos 
violentos de rua, é produzir mais ideias e indicações do que as abordagens 
multidisciplinares para a investigação de grupos violentos podem abraçar. 
Antes de podermos começar a examinar qualquer fenômeno devemos 
ter uma definição clara dos conceitos que o abrange. Partimos do 
principio de que os fenômenos estudados não estão claramente 
definidos e são susceptíveis de serem repletos de mal-entendidos, que 
poderiam torná-los, contextualmente, sem sentido. Um breve olhar 
sobre a literatura referente a grupos violentos de rua mostra que a falta 
de consenso sobre o que constitui uma gangue tem perseguido a 
literatura durante grande parte do século passado (Bursík & Grasmick, 
1993; Esbensen, Winfree, Ele, &Taylor, 2001; Spergel ver, 1995). Klein 
(1991) observaque, durante a década de 1960, os grupos violentos de 
rua foram considerados genéricos, eles pareciam iguais e membros 
agiam da mesma forma. Havia pouca pressão para assistir atentamente 
às questões de definição como, por exemplo, o que é uma quadrilha, 
39Imagens da Violência: Um Ensaio Sobre a Psicossociologia dos Grupos Violentos e suas Perspectivas Compreensivas
quando um grupo não é uma gangue, o que constitui grupos violentos de 
rua ou de diferentes níveis de participação nesses grupos. No entanto, 
sem uma definição precisa e parcimoniosa do que constitui um grupo 
violento de rua, é impossível separar o fato da ficção (Bursík & 
Grasmick 1995). Definições precisas pode nos iludir, porque muitos 
interessados (por exemplo, pesquisadores, acadêmicos, políticos, mídia 
etc.) podem operar em definições diferenciais (Esbensen et al, 2001;. 
Esbensen & Weerman, 2005; Spergel, 1995) que levam à mídia 
distorcida (Horowitz, 1990). 
Vários autores tentaram elaborar definições de modelos explicativos 
sobre o fenômeno em pauta. Por exemplo, Sharp (2006: 2), em estudo 
realizado no Reino Unido, define grupo violento de rua como:
Um grupo de três ou mais que gasta muito tempo em 
espaços públicos, tem existido por um período mínimo de 
três meses, exerceu atividades delinquentes nos últimos 
12 meses, e tem pelo menos uma característica estrutural, 
ou seja, um nome de líder, código ou regras.
Outros têm sugerido que um grupo de jovens pode ser considerado uma 
quadrilha se identificar o seu grupo como unidade coletiva, se outras 
pessoas também identificá-los como um grupo e se o grupo considera a 
atividade antissocial ou criminal como uma norma de grupo (Hakkert, 
van Wijk, Ferweda & Eijken, 2001). Por outro lado, alguns pesquisadores 
(Bennett & Holloway, 2004) não consideram a criminalidade como um 
critério necessário para a definição de uma gangue, enquanto outros têm 
argumentado que a ausência de criminalidade faz com que a definição de 
uma gangue seja muito ampla (Klein & Maxson, 1989; Howell, 1998). Se 
a atividade criminosa não é um pré-requisito para a definição de uma 
quadrilha, então, inevitavelmente, haverá "bons" e "maus" grupos (ou 
seja, aqueles envolvidos em atividade criminosa e os que não são). O 
resultado disto é que, simplesmente, agrava a confusão que já contamina 
parte da literatura. Por exemplo, Araújo (2006) observa que, em São 
Paulo, no Brasil, grupos de jovens que foram rotulados como "gangues", 
relataram que a principal razão de eles estarem juntos era ficar longe de 
problemas. Outros observam a dificuldade em identificar membros de 
gangues e os medos de que as referências ao "gang" sejam entendidas 
como princípio para estigmatizar os jovens e criar um "gangster" de 
identidade (Bullock & Tilley, 2008). 
40 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
Se a definição não é imposta por aqueles que analisem um fenômeno, 
talvez pudesse vir de todos os envolvidos, ou seja, de autoindicação. Um 
estudo longitudinal, realizado no Canadá, pediu a jovens que 
respondessem a seguinte questão: "Durante os últimos 12 meses, você foi 
parte de um grupo ou gang que fez atos condenáveis?" (Gatti, Tremblay, 
Vitaro & McDuff, 2005, p. 1180). No entanto, mesmo se os jovens 
entendessem o significado da palavra "condenável", no sentido moral do 
termo, é possível a relativização da percepção subjetiva do que é 
condenável. Nos EUA, pesquisadores, utilizando a lógica do "se anda 
como um pato, fala como um pato, é um pato", simplesmente perguntaram 
aos participantes se eles eram membros de uma gangue e que atividades 
relacionadas com gangues têm estado envolvidas (Esbensen, 2001). 
Membros de gangues autodeclarados possuem maior envolvimento em 
comportamentos delinquentes e atitudes antissociais. 
Uma vez que existem muitas diferenças entre e dentro de grupos (Fagan, 
1989), alguns defendem o abandono do termo "gang" completamente (Ball 
& Curry, 1997). Outros argumentam que uma definição precisa não é 
possível nem vantajosa, desde que gangues, como qualquer outro grupo, 
não pode ser caracterizada por uma definição única que iria perdurar ao 
longo do tempo e do local (Goldstein, 1991). Goldstein (1991) argumenta 
que muitas das definições que foram oferecidas, ao longo dos últimos 80 
anos, todos são muito corretos e o que constitui uma quadrilha varia de 
acordo com as condições políticas e econômicas, com as diversidades 
culturais e o sensacionalismo gerado pelos meios de comunicação ou com a 
indiferença em relação à lei. 
No entanto, existem diferenças fundamentais entre grupos de jovens 
violentos participantes de gang e violência juvenil. Os membros de gangue 
são 20 vezes mais prováveis do que jovens em situação de risco para 
participarem de um tiroteio, dez vezes mais propensos a cometerem um 
homicídio, oito vezes mais propensos a cometerem roubo, e três vezes mais 
propensos a cometerem assalto em público (Huff, 1998). Mesmo os jovens 
considerados violentos podem aumentar os seus níveis de violência, 
dramaticamente durante a permanência em grupo e, em seguida, diminuem 
quando deixam a gang (Bendixen, Endresen & Olweus, 2006). A ligação 
entre gangues e violência é tão profunda que as flutuações nas taxas de 
assassinatos e crimes violentos em cidades dos EUA, tais como Chicago 
(Curry, 2000), Cleveland e Denver (Huff, 1998), Los Angeles (Howell & 
41Imagens da Violência: Um Ensaio Sobre a Psicossociologia dos Grupos Violentos e suas Perspectivas Compreensivas
Decker, 1999), Miami (Inciardi & Pottieger, 1991), Milwaukee (Hagedorn, 
1994) e São Luís (Miller & Decker, 2001) têm sido atribuídas às variações 
nas atividades da gangue. 
Pesquisadores europeus, ao contrário dos seus homólogos americanos, 
chegaram a um consenso sobre a definição de grupos violentos de rua. 
(Weerman, Maxson, Esbensen, Aldridge, Medina, & van Gemert, 2009). 
Reconhecendo que uma definição consensual é fundamental para a 
investigação comparativa, devemos fazer uma importante distinção entre 
gangues, delinquência e quadrilha. Estabelecermos definidores é essencial 
para caracterizar um grupo como uma gangue. Essa definição não deve ser 
permeada por características consideradas simples, por exemplo, a etnia, 
idade, sexo, vestuário especial, localização, nomes de grupo, padrões de 
criminalidade, e assim por diante (Klein, 2006). Na definição específica, 
um grupo violento de rua ou gangue tem quatro componentes que os 
definem: a durabilidade (pelo menos vários meses), orientação de rua, (fora 
de casa, no trabalho e escola), juventude (média de idade na adolescência 
ou vinte anos) e identidade, através de atividades ilegais. 
Em geral, o argumento de que a violência ou a criminalidade deve ser um 
critério necessário para definir uma gangue é convincente. Como tal, faz 
sentido que um comportamento criminoso deve ser incluído como um 
critério necessário para a definição de um grupo violento de rua, apesar de 
pesquisadores norte-americanos ainda não chegaram a um consenso sobre 
a definição de grupo violento e delinquência juvenil.
Precisarmos de uma definição clara e abrangente, que esclareça o que é um 
grupo violento de rua. É também necessária uma teoria abrangente para 
orientar o trabalho empírico e fornecer uma síntese para explicar por que as 
pessoas se tornam membros de uma gangue. Explicações teóricas de 
participação de jovens em gangues existem há quase um século e nos 
fornece uma vasta literatura. Nesta perspectiva, devemos analisar algumas 
das proposições teóricas mais influentes de envolvimento no crime e 
considerar o seu valor para explicar a participação de jovens em grupos 
violentos de rua.
Uma das primeiras concepções é conhecida como teoria da desorganização 
social. Embora o interesse no início de gangues foi, principalmente, 
descritiva, Thrasher (1927) abriu o caminho para a explosão de pesquisas e 
42 Psicologia Jurídica: Ensaios Sobre a Violência
seu desenvolvimento foi baseado em concepções que levaram a uma série 
de

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