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SOCIOLOGIA RICHARD T. SCHAEFER 6a EDIÇÃO 6a EDIÇÃO As aulas de Sociologia, consideradas pelo autor deste livro “o laboratório ideal onde pode- mos estudar nossa própria sociedade e as dos nossos vizinhos globais”, permitem ao aluno desenvolver o pensamento crítico, tornando-o capaz de aplicar as teorias e os conceitos sociológicos para avaliar as interações e as instituições humanas e, assim, encontrar expli- cações sociológicas para os diversos fenômenos que permeiam as relações sociais. O aluno inicia estudando o que é Sociologia e o seu objeto de pesquisa para depois entrar em contato com temas de interesse imediato e, em sua maior parte, com temas mais abrangentes, que lhe permitirão desenvolver o pensamento crítico e a imaginação sociológica. As seções “Use a Sua Imaginação Sociológica” e “Pense Nisto”, por exemplo, dão suporte à proposta do autor. Sociologia aborda temas que vão da educação bilíngüe à existência da escravidão em pleno século XXI, incluindo o estudo da imigração, da situação dos moradores de rua, da superpo- pulação, do processo do envelhecimento das pessoas nas diferentes culturas, até problemas mais recentes como os ataques de 11 de setembro de 2001 e suas conseqüências sociais – como as pessoas passaram a lidar com a situação depois desse acontecimento e, em espe- cial, como elas reagem diante das minorias. Aplicações Livro-texto para a disciplina Introdução à Sociologia dos cursos de graduação em Socio- logia, Filosofia, Psicologia, Pedagogia, Administração de Empresas, Economia, História, Engenharia, entre outros, bem como dos cursos de pós-graduação (MBA e lato sensu) destas mesmas áreas, especialmente de Administração de Empresas. R ich ard T. Sch aefer SO C IO LO G IA Sociologia www.grupoa.com.br Sociologia Schaefer.indd 1 24/10/13 09:53 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) S294s Schaefer, Richard T. Sociologia [recurso eletrônico] / Richard T. Schaefer ; tradução: Eliane Kanner, Maria Helena Ramos Bononi ; revisão técnica: Noêmia Lazzareschi, Sérgio José Schirato. – 6. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : AMGH, 2014. Publicado também como livro impresso em 2006. ISBN 978-85-8055-316-1 1. Sociologia. I. Título. CDU 316 Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052 Índice para catálogo sistemático: 1. Sociologia 301 Iniciais_eletronica.indd 2 23/10/13 15:15 184 Capítulo 8 dam programas de compartilhamento de arquivo do seu quarto. A indústria fonográfica está reagindo ao exigir que as autoridades localizem os piratas e os processem (ver Figura 8-2). Embora a maioria dessas atividades do mercado ne- gro seja claramente ilegal, muitos consumidores e peque- nos piratas estão orgulhosos do seu comportamento. Eles podem mesmo se considerar inteligentes por imaginar uma maneira de evitar os preços “injustos” cobrados pelas “grandes companhias”. Poucas pessoas vêem a pirataria de um novo programa de software ou da estréia de um filme como uma ameaça ao bem público, como seria uma ativi- dade de fraude bancária. Do mesmo modo, em sua maio- ria, os homens de negócio que “emprestam” software de outros departamentos, mesmo sem licença para o seu site, acham que não estão fazendo nada de errado. Nenhum estigma social é atribuído ao seu comportamento ilegal. O desvio, então, é um conceito complexo. Pode ser tanto trivial como profundamente danoso. Às vezes é aceito pela sociedade e, em outras, claramente rejeitado. O que causa um comportamento desviante e a reação das pessoas a ele? Na próxima seção, vamos examinar quatro explicações teóricas do desvio. Explicando o Desvio Por que as pessoas infringem as normas sociais? Já vimos que os atos desviantes estão sujeitos ao controle social tanto formal quanto informal. A pessoa que não age em conformidade ou é desobediente enfrenta desaprovação, perde amigos, leva multas, ou até vai para a prisão. Então, por que acontece o desvio? As primeiras explicações de desvio identificavam causas sobrenaturais ou fatores genéticos (como “sangue ruim” ou regressões evolutivas a ancestrais primitivos). No início do século XIX, foram feitos significativos esfor- ços de pesquisa para identificar fatores biológicos que le- vassem ao desvio, e especificamente à atividade criminal. Enquanto tais pesquisas eram desacreditadas no século XX, estudos contemporâneos, basicamente de bioquími- cos, buscavam isolar fatores genéticos que sugerissem a possibilidade de certos traços de personalidade. Embora a criminalidade (muito menos o desvio) seja uma carac- terística da personalidade, os pesquisadores estavam fo- cados nos traços de personalidade que pudessem levar ao crime, como a agressão. Evidentemente, a agressão tam- bém pode levar ao sucesso no mundo corporativo, nos esportes profissionais, ou em outros caminhos da vida. O estudo contemporâneo de possíveis raízes bioló- gicas da criminalidade é um aspecto de um debate mais amplo sobre a sociobiologia. De maneira geral, os sociólogos rejeitam qualquer ênfase nas raízes genéticas do crime e do desvio. As limitações dos conhe- cimentos atuais, a possibilidade de reforçar pressuposi- ções de preconceito racial e de gênero e as implicações perturbadoras da reabilitação de criminosos levam os sociólogos a se basear em outras abordagens para explicar o desvio (Sagarin e Sanchez, 1988). perspectiva Funcionalista De acordo com os funcionalistas, o desvio é uma parte comum da existência humana, com conseqüências po- sitivas e negativas para a estabilidade social. O desvio ajuda a definir os limites do comportamento adequado. As crianças que vêem a mãe dar uma “bronca” no pai por arrotar à mesa aprendem sobre conduta aprovada. O mesmo acontece com o motorista que leva uma multa por excesso de velocidade, com o caixa do departamento que é despedido por gritar com o cliente, ou com o universi- tário que é penalizado por entregar seus trabalhos depois de várias semanas de atraso. O Legado de Durkheim Émile Durkheim ([1895] 1964) focalizou suas investigações sociológicas especialmente nos atos criminosos, embora suas conclusões tenham im- plicações em todos os tipos de comportamento desviante. Na opinião de Durkheim, as punições estabelecidas em uma cultura (inclusive mecanismos formais e informais de controle social) ajudam a definir os comportamentos aceitáveis e, assim, contribuem para a estabilidade. Se os atos impróprios não fossem sancionados, as pessoas po- deriam estender seus padrões para além do que constitui condutas apropriadas. Kai Erikson (1966) ilustrou a função da manutenção dos limites do desvio em seu estudo dos puritanos do século XVII da Nova Inglaterra. Pelos padrões de hoje, os puritanos colocavam uma ênfase tremenda nos costumes convencionais. A perseguição e a execução de mulheres como bruxas representavam uma tentativa contínua de definir e redefinir os limites da sua comunidade. Com efeito, as suas normas sociais em mutação criaram “ondas de crimes” na medida em que pessoas cujo comporta- mento era anteriormente aceitável de repente enfrenta- vam punição por serem desviantes (Abrahamson, 1978; N. Davis, 1975). Durkheim ([1897] 1951) introduziu o termo anomia na literatura sociológica para descrever a perda de dire- ção sentida em uma sociedade quando o controle social do comportamento individual se torna ineficiente. A ano- mia é um estado de falta de normas que ocorre durante um período de profunda mudança social e desordem, como um momento de colapso econômico. As pessoas se mostram mais agressivas ou deprimidas, o que resulta em taxas mais altas de crimes violentos e suicídios. Uma vez que existe muito menos concordância sobre o que é um comportamento adequado em tempos de revolução, prosperidade súbita ou depressão econômica, a confor- midade e a obediência passam a ser menos importantes como forças sociais. Também fica muito mais difícil dizer exatamente o queé desvio. p. 64 Capitulo 08.indd 184 23/10/13 15:01 Desvio e Controle Social 185 viando-se delas. A teoria do desvio e da anomia de Merton postula cinco formas básicas de adaptação (ver Tabela 8-1). A conformidade com as nor- mas sociais, a adaptação mais co- mum na tipologia de Merton, é o oposto do desvio. Envolve a acei- tação tanto da meta social geral (“subir na vida”) quanto dos meios aprovados para atingi-la (“trabalhar duro”). Do ponto de vista de Mer- ton, precisa haver algum consenso a respeito das metas culturais aceitas e dos meios legítimos para atingi-las. Sem tal consenso, as sociedades só poderiam existir como coletividades de pessoas, em vez de culturas unifi- cadas, e poderiam experimentar um caos contínuo. Todos os outros quatro tipos de comportamento representados na Tabela 8-1 envolvem algum aban- dono da conformidade. O “inovador” aceita as metas da sociedade, mas as persegue com meios que são considerados inadequados. Por exemplo, o arrombador de cofres pode roubar dinheiro para comprar mercadorias de consumo e férias caras. Na tipologia de Merton, o “ritualista” abandona a meta do sucesso material e se torna compulsivamente comprometido com os meios institucionais. O trabalho se torna apenas um meio de vida, em vez de um meio para atingir a meta do sucesso. Podemos citar como exemplo um burocrata que aplica regras e regulamentos cega- mente, sem levar em conta metas maiores da organização. Isso também aconteceria se um assistente social se recu- sasse a ajudar uma família sem-teto porque sua última residência estava localizada em outro bairro. Protegidos pela escuridão, motoristas que disputam corridas nas ruas esperam pelo sinal de partida em uma via deserta de Los Angeles. Os conceitos de Sutherland de associação diferencial e transmissão cultural aplicaria-se à prática de corridas nas ruas da cidade. A Teoria do Desvio de Merton O que um assaltante e um professor têm em comum? Cada um deles está “traba- lhando” para obter dinheiro que possa então ser trocado pelas mercadorias que deseja. Como ilustra esse exemplo, o comportamento que infringe as normas aceitas (como assaltar pessoas) pode acontecer com os mesmos objeti- vos básicos em mente que aqueles que buscam estilos de vida mais convencionais. Com base nesse tipo de análise, o sociólogo Robert Merton (1968) adaptou a noção de Durkheim de anomia para explicar por que as pessoas aceitam ou rejeitam as metas de uma sociedade, os meios aprovados socialmente para atingir suas aspirações, ou ambos. Merton diz que uma importante meta cultural nos Estados Unidos é o sucesso, geral- mente medido em termos de di- nheiro. Além de passar essa meta para as pessoas, a sociedade oferece instruções específicas de como ser bem-sucedido – ir à escola, trabalhar duro, não desistir, tirar vantagem das oportunidades e assim por diante. O que acontece com indiví- duos em uma sociedade com uma grande ênfase em riqueza como um símbolo básico de sucesso? Mer- ton argumentou que as pessoas se adaptam de determinadas maneiras, ou agindo em conformidade com as expectativas culturais, ou des- Não-desviante Conformidade Aceita Aceita Desviante Inovação Rejeita Aceita Ritualismo Aceita Rejeita Retraimento Rejeita Rejeita Rebelião Substitui com novos meios Substitui com novas metas tabela 8-1 Modos de adaptação individual Meios Meta Social Institucionalizados (aquisição Modos (Trabalho Duro) de riqueza) Fonte: adaptado de Merton, 1968, p. 194. Capitulo 08.indd 185 23/10/13 15:01 186 Capítulo 8 O “retraído”, como descrito por Merton, basicamente abandonou tanto as metas quanto os meios aprovados pela sociedade. Nos Estados Unidos, viciados em drogas e desocupados são mostrados como retraídos. Existe uma crescente preocupação de que viciados em álcool se tor- nem retraídos bem cedo. A adaptação final identificada por Merton reflete as tentativas das pessoas de criar uma estrutura social nova. O “rebelde” se sente alienado dos meios e metas dominantes, e poderá buscar uma ordem social bastante diferente. Os membros de uma organização política revolucionária, como os grupos de milícia, podem ser in- cluídos na categoria de rebeldes de acordo com o modelo de Merton. A teoria de Merton, embora popular, tem relativa- mente poucas aplicações. Não houve grandes esforços no sentido de determinar até que ponto todos os atos de desvio podem ser incluídos nos cinco modos. Além disso, essa teoria é útil para examinar certos tipos de compor- tamento, como jogo ilegal praticado por “inovadores” desprivilegiados, mas a sua formulação não explica as di- ferenças-chave nas taxas de criminalidade. Por exemplo, por que alguns grupos de pessoas desprivilegiadas têm uma taxa de criminalidade relatada mais baixa do que outros? Por que muitas pessoas em circunstâncias adver- sas rejeitam a atividade criminal como uma alternativa viável? A teoria do desvio de Merton não responde essas perguntas facilmente (Clinard e Miller, 1998). Ainda assim, Merton deu uma contribuição im- portante para o entendimento sociológico do desvio, apontando que os desvios dos inovadores e ritualistas, por exemplo, têm muito em comum com as pessoas que agem em conformidade com os valores sociais. Um preso poderá ter as mesmas aspirações das pessoas sem um passado de crimes. A teoria nos ajuda a entender o des- vio como um comportamento criado socialmente, e não como o resultado de impulsos patológicos momentâneos. perspectiva Interacionista A abordagem do desvio dos funcionalistas explica por que a violação das regras continua a acontecer apesar da pressão para exigir conformidade e obediência. Entretanto, os funcionalistas não indicam como uma determinada pessoa comete um ato desviante, ou por que em algumas ocasiões crimes acontecem ou deixam de acontecer. A ênfase no comportamento diário, que é o foco da perspectiva interacionista, oferece duas explicações para o crime – transmissão cultural e teoria das atividades de rotina. Transmissão Cultural Os grafiteiros descritos por Susan Phillips na abertura do capítulo aprendem uns com os outros. De fato, Phillips (1999) surpreendeu-se ao ver como era estável o foco deles com o passar do tempo. Ela também notou como outros grupos étnicos se baseiam em modelos das gangues afro-americanas e chicanas, so- brepondo símbolos do Camboja, da China ou do Vietnã. Os seres humanos aprendem como se comportar nas situações sociais, adequada ou inadequadamente. Não existe uma maneira natural, inata, pela qual as pessoas interagem umas com as outras. Essas idéias simples já não são discutidas hoje em dia, mas esse não era o caso quando o sociólogo Edwin Sutherland (1883–1950) expressou pela primeira vez a idéia de que um indivíduo passa pelo mesmo processo de socialização básica no aprendizado dos atos de conformidade e dos atos desviantes. As idéias de Sutherland são a força dominante na criminologia. Ele se baseou na escola da transmissão cultural, que enfatiza que uma pessoa aprende um comportamento criminoso interagindo com as demais. Tal aprendizado inclui não apenas técnicas de infringir a lei (por exemplo, como furtar um carro rápida e si- lenciosamente), mas também os motivos, estimulantes e racionalizações do criminoso. A abordagem da trans- missão cultural também pode ser usada para explicar o comportamento daqueles que habitualmente abusam do álcool e das drogas. Sutherland afirmava que, pelas interações com um grupo primário e outras pessoas importantes, os indi- víduos adquirem as definições de comportamento ade- quado e inadequado. Ele usou a expressão associação diferencial para descrever o processo por meio do qual a exposição a atitudes favoráveis a atos criminosos leva à violação das regras. Pesquisas sugerem que essa visão de associação diferencial também se aplica a desvio não- criminoso como fumar, matar aulas e comportamento sexual precoce (E. Jackson et al., 1986). Até queponto uma determinada pessoa participará de atividades que sejam consideradas adequadas ou ina- dequadas? Para cada indivíduo, dependerá da freqüência, duração e importância de dois tipos de interação social – as experiências que apóiam um comportamento desviante e aquelas que promovem têm a aceitação das normas sociais. As pessoas provavelmente um comportamento de desafio se fizerem parte de um grupo ou subcultura que enfatiza valores desviantes, como as gangues de rua. Sutherland dá o exemplo de um garoto que é sociável, comunicativo e atlético e vive em uma área com uma alta taxa de delinqüência. O jovem tem mais probabilidade de entrar em contato com pares que cometem atos de vanda- lismo, faltam à escola e assim por diante, e poderá, então, adotar tal comportamento. Entretanto, um garoto intro- vertido que vive no mesmo bairro poderá ficar longe dos seus pares e evitar a delinqüência. Em outra comunidade, um garoto extrovertido e atlético poderá entrar para a liga infantil do time de basquete, ou os escoteiros por causa de suas interações com os pares. Assim, Sutherland vê o comportamento impróprio como resultado dos tipos de grupos aos quais uma pessoa pertence e dos tipos de amizades que ela tem (Sutherland et al., 1992). Capitulo 08.indd 186 23/10/13 15:01 Desvio e Controle Social 187 De acordo com os críticos, no entanto, a abordagem da transmissão cultural pode explicar o comportamento desviante de delinqüentes juvenis ou grafiteiros, mas não a conduta de um ladrão de loja iniciante, ou a de uma pessoa empobrecida que furta por necessidade. Embora não seja uma explicação precisa do processo pelo qual uma pessoa se torna um criminoso, a teoria da associação diferencial direciona a nossa atenção para o papel fundamental da interação social no aumento da motivação de uma pessoa para ter um comportamento desviante (Cressey, 1960; E. Jackson et al., 1986; Sutherland et al., 1992). Teoria das Atividades de Rotina (Routine Activities Theory). Outra explicação interacionista mais recente considera as condições necessárias para que um crime ou um ato desviante ocorram: deverá existir, ao mesmo tempo e no mesmo local, um criminoso, uma vítima e/ou uma propriedade. A teoria das atividades de rotina diz que a vitimação criminosa aumenta quando os criminosos motivados e alvos adequados convergem. Nem é preciso dizer que não pode haver um furto de carro sem carros, mas a maior disponibilidade de automóveis mais valiosos aos ladrões potenciais aumenta a possibilidade de ocorrer tal crime. Estacionamentos de universidades e aeroportos, onde os veículos são deixados em locais isolados por pe- ríodos longos, representam um novo alvo para crimes que não se conhecia na geração anterior. Esse tipo de atividade rotineira pode ocorrer mesmo em uma casa. Se o pai ou a mãe mantêm uma variedade de garrafas de bebida em um lugar facilmente acessível, os jovens podem retirar os conteúdos sem atrair a atenção para o seu “crime”. O nome dessa teoria deriva do fato de os elementos de um ato criminoso ou desviante acompanham atividades normais, permitidas e rotineiras. Ela é considerada interacionista porque enfatiza o comportamento diário e as interações sociais em âmbito micro. Os defensores dessa teoria vêem-na como uma explicação poderosa para o aumento dos crimes nos últimos cinqüenta anos, ou seja, as atividades de ro- tina mudaram, possibilitando mais crimes. As casas ficam vazias durante o dia, ou durante longos perío- dos de férias, tornando-se mais acessíveis como alvos do crime. A presença maior de mercadorias de con- sumo portáveis, como equipamentos de vídeo e com- putadores, é outra variável que aumenta a possibilidade de crimes (L. Cohen e Felson, 1979; Felson, 2002). Algumas pesquisas importantes sustentam a teoria das atividades de rotina. Por exemplo, estudos feitos depois que o furacão Andrew passou na Flórida (1992) mostram que certos crimes aumentaram conforme os ci- dadãos e suas propriedades se tornaram mais vulneráveis. Estudos de crimes urbanos documentam a existência de “bocas quentes”, como destinos de turistas e caixas auto- máticos, onde as pessoas têm maior probabilidade de ser vítimas de roubos por causa das suas idas e vindas rotinei- ras (Cromwell et al., 1995; Sherman et al., 1989). Teoria do Rótulo Os Saints e os Roughnecks eram dois grupos de meninos do ensino fundamental que estavam sempre envolvidos em grandes bebedeiras, dirigiam de forma agressiva, faltavam às aulas, cometiam pequenos furtos e vandalismo. Aqui terminavam as semelhanças. Nenhum dos Saints jamais foi preso, mas todos os garotos do grupo Roughnecks estavam freqüentemente envolvidos em problemas com a polícia e com as pessoas da cidade. Por que essa disparidade de tratamento? Com base em pesquisa de observação na sua escola, o sociólogo William Chambliss (1973) concluiu que a classe social desempenhava papel importante no destino diferente dos dois grupos. Os Saints se escondiam atrás de uma fachada de res- peitabilidade. Vinham de “boas famílias”, eram ativos nas organizações da escola, pretendiam ir para a faculdade e ti- ravam boas notas. As pessoas geralmente viam os seus atos delinqüentes como casos isolados de excesso de energia. Na década de 1930, o Federal Bureau of Narcotics (Agência Federal de Narcóticos) lançou uma campanha para mostrar a maconha como uma droga perigosa, e não uma substância que induz ao prazer. Da perspectiva do conflito, os poderosos usam freqüentemente táticas para forçar os outros a adotarem um ponto de vista diferente. Capitulo 08.indd 187 23/10/13 15:01 188 Capítulo 8 Os Roughnecks não tinham essa aura de respeitabilidade. Eles dirigiam carros arrebentados pela cidade, não iam bem na escola de uma maneira geral e levantavam suspei- tas independentemente do que fizessem. É possível entender essas discrepâncias usando uma abordagem do desvio conhecida como teoria do rótulo. Diferentemente do trabalho de Sutherland, a teoria do rótulo não foca por que alguns indivíduos cometem atos desviantes. Ao contrário, tenta explicar por que certas pessoas (como os Roughnecks) são vistas como desviantes, delinqüentes, jovens maus, perdedores e criminosos, ao passo que outros cujo comportamento é semelhante (como os Saints) não são vistos de forma tão dura. Refletindo a contribuição dos teóricos do interacionismo, a teoria da rotulagem enfatiza como uma pessoa vem a ser tachada de desviante, ou a aceitar tal rótulo. O sociólogo Howard Becker (1963, p. 9; 1964), que popularizou essa abordagem, resumiu-a com a frase: “Comportamento desviante é o comportamento que as pessoas rotulam de desviante”. A teoria da rótulo também é chamada de abordagem da reação social, que nos lembra ser a resposta a um ato, e não um comportamento em si, que determina o des- vio. Por exemplo, estudos mostram que funcionários de escolas e terapeutas expandem programas educacionais criados para estudantes com problemas de aprendizado de forma a incluírem alunos com problemas de compor- tamento. Portanto, um “encrenqueiro” pode ser rotulado de forma inadequada como um aluno com problemas de aprendizado, e vice-versa. Tradicionalmente, pesquisas sobre desvio focalizam pessoas que violam as normas sociais. Ao contrário, a teoria do rótulo foca a polícia, os guardas de sursis, funcionários da administração das escolas, psiquiatras, juízes, professores e outros reguladores do controle so- cial. Diz-se que esses agentes desempenham um papel importante na criação de identidades desviantes apon- tando certas pessoas (e não outras) como desviantes. Um importante aspecto da teoria do rótulo é o reconhe- cimento que alguns indivíduos ou grupos têm o poder de definir rótulos e aplicá-los aos outros. Essa visão está ligada à ênfase da perspectiva do conflito na importân- cia social do poder. Nos últimos anos, a prática do perfil racial, em que as pessoas são identificadas como suspeitos crimino-sos apenas com base na sua raça, está sob o escrutínio público. Estudos confirmam as suspeitas do público de que em algumas jurisdições os policiais tendem a parar mais homens afro-americanos do que homens brancos em transgressões de tráfego de rotina, na expectativa de encontrar drogas ou armas no carro. Os ativistas dos di- reitos civis se referem a esses casos sarcasticamente como transgressões DWB* (Driving While Black). A partir de 2001, a atividade de fazer perfil mudou quando pessoas que pareciam ser árabes ou muçulmanas começaram a despertar atenção especial. A abordagem do rótulo não explica totalmente por que certas pessoas aceitam um rótulo, e outras dão um jeito de rejeitá-lo. Essa perspectiva pode exagerar a fa- cilidade com que os julgamentos sociais são capazes de alterar a nossa auto-imagem. Os teóricos do rótulo de fato sugerem que o poder que uma pessoa tem sobre as outras é importante na determinação da capacidade de resistir a um rótulo indesejável. Abordagens diferentes não explicam (inclusive a de Sutherland) por que alguns desviantes continuam a ser vistos como conformistas em vez de como infratores das regras. De acordo com Howard Becker (1973), a teoria do rótulo não foi criada como uma explicação única do desvio, seus proponentes esperavam focalizar com maior atenção a importância inegável das ações das pessoas que possuem oficialmente a responsabilidade de definir o desvio (N. Davis, 1975; comparar com Cullen e Cullen, 1978). A popularidade da teoria do rótulo se reflete na emergência de uma perspectiva relacionada, chamada construtivismo social. Segundo a perspectiva do cons- trutivismo social, o desvio é o produto da cultura em que vivemos. Os construtivistas sociais focalizam espe- cificamente o processo de tomada de decisões que cria uma identidade desviante. Eles apontam que “raptores de crianças”, “pais preguiçosos”, “assassinos periódicos” e “estupradores em encontros” sempre estiveram entre nós, mas às vezes se tornam um grande problema social dos elaboradores de políticas por causa da cobertura intensa dos meios de comunicação (Liska e Messner, 1999; E. R. Wright et al., 2000). Imagine que você seja um professor. Que rótulos usados livremente em círculos educacionais você daria a seus estudantes? Teoria do conflito Os teóricos do conflito apontam que as pessoas com poder protegem seus próprios interesses e definem o desvio de forma a atender suas próprias necessidades. O sociólogo Richard Quinney (1974, 1979, 1980) é o expoente máximo da visão de que o sistema penal serve aos interesses dos poderosos. O crime, segundo Quinney (1970), é uma definição de conduta criada pelos agentes autorizados do controle social – como legisladores e po- liciais – em uma sociedade politicamente organizada. Ele e outros teóricos do conflito afirmam que fazer as leis é freqüentemente uma tentativa dos poderosos de impor aos outros a sua própria moralidade (ver também Spitzer, 1975). *NT: A expressão nos Estados Unidos para dirigir alcoolizado é “Driving While Intoxicated” – DWI. Aqui há uma ironia com esse termo, e a tradução seria “Dirigindo enquanto (se é) Negro”. Use a Sua Imaginação Sociológica Capitulo 08.indd 188 23/10/13 15:01 Desvio e Controle Social 189 189 A raça importa no sistema penal. Os te-óricos do conflito nos lembram que, apesar de o objetivo básico da lei ser manter a estabilidade e a ordem, ela na verdade perpetua a desigualdade. Em muitos casos, os policiais usam seus po- deres discricionários – decisões tomadas a seu próprio critério quanto a se devem ou não apresentar uma queixa, se devem estabelecer fiança e de quanto, oferecer liberdade condicional ou negá-la – de forma preconceituosa. Os pesquisadores descobriram que as diferenças discricio- nárias na forma como o controle social é exercido colocam os afro-americanos e os latinos, tanto jovens quanto adultos, em desvantagem no sistema judiciário norte-americano. Dessa forma, Richard Quinney e outros teóricos do conflito ar- gumentam que o sistema penal mantém pobres e oprimidos em sua posição de desfavorecidos. for branca e não-hispânica do que se for não-branca ou hispânica. Vamos Discutir 1. Você conhece alguém que foi tra- tado com clemência pelo sistema judiciário? Se sim, essa pessoa era branca? Por que você acha que a polícia ou outros policiais usaram seus poderes discricionários para desculpar a ofensa da pessoa ou reduzir as penalidades? 2. Além da raça, que outros fatores podem contribuir para as sentenças desproporcionalmente severas de réus negros e pobres? Explique. no direito penal por não terem acesso financeiro a bons advogados de defesa quando envolvidos em atos supostamente criminosos, o que implica aumento de suas penas e/ou condenações indevidas. A raça desempenha um papel essencial nos casos de pena de morte, como mostra a figura. Os não-hispânicos brancos repre- sentam até 71% da população dos Estados Unidos, mas constituem apenas 45% dos criminosos condenados à morte. Os teóri- cos do conflito indicam que uma maioria devastadora de promotores em casos de pena de morte são brancos e não-hispâ- nicos. A raça da vítima importa muito em tais casos também. Estudos mostram que um criminoso preso tem mais probabili- dade de ser condenado à morte se a vítima Em média, os infratores brancos recebem sentenças menores em comparação com os infratores latinos e afro-americanos. Como os sociólogos determinam se os suspeitos ou infratores são tratados de forma diferente com base em sua raça, etnia e classe social? Uma maneira é obser- var os criminosos condenados e comparar as sentenças que receberam por crimes equivalentes. A tarefa pode ser complicada, porque os pesquisadores devem levar em consideração diversos fatores que afetam a sentença. Por exemplo, no seu estudo dos dados do tribunal federal, os sociólogos Darrell Steffensmeier e Stephen Demuth examinaram a gravidade do crime e o registro de prisões anteriores dos conde- nados. Mesmo depois de levarem em conta esse e outros fatores, eles descobriram que, em média, os infratores brancos recebem sentenças menores em comparação com os infratores latinos e afro-americanos. A grande maioria da população brasi- leira é, como se sabe, constituída de afro- descendentes que continuam a sofrer dis- criminação em todas as dimensões da vida social, sobretudo no mercado de trabalho. Discriminados e quase sempre pobres, os negros no Brasil são muito desfavorecidos Todos os outros 29% Brancos, não-hispânicos 45% Brancos, não-hispânicos 71% Todos os outros 3% Brancos, não-hispânicos 97% Todos os outros 55% Brancos, não-hispânicos 81% Todos os outros 19% População dos Estados Unidos Promotores em casos de pena de morte Condenados no corredor da morte Raça da vítima em caso de pena de morte Fontes: Baseado no Bureau of the Census, 2003a; Death Penalty Information Center, 2004. Raça e Pena de Morte Nota: os dados sobre a população são de 2000; dados sobre promotores, de 1998; dados sobre presos, de 1o de dezembro de 2003; e dados sobre vítimas, de 1977 a 1o de dezembro de 2003. Fontes: Bushway e Piehl, 2001; Dighton, 2003; Hawkins et al., 2002; Liptak, 2004b; Quinney, 1974; Steffensmeier e Demuth, 2000. Desigualdade Social 8-2 jUstiça discricionária Capitulo 08.indd 189 23/10/13 15:01 190 Capítulo 8 Essa teoria ajuda a explicar por que a nossa sociedade tem leis contra o jogo, o uso de drogas e a prostituição, muitas das quais são transgredidas em grande escala (vamos examinar “crimes sem vítimas” adiante, neste capítulo). Segundo os teóricos do conflito, o direito penal não representa uma aplicação coerente dos valores sociais, ao contrário, reflete valores e interesses concorrentes. As- sim, a maconha é proibida nos Estados Unidos e no Brasil porque se diz que faz mal aos usuários, embora os cigarros e o álcool sejam vendidos legalmente em quase todos os lugares. Da mesmaforma, os teóricos do conflito discutem que todo o sistema penal dos Estados Unidos trata os sus- peitos de forma diferenciada com base em sua raça, etnia ou classe social (ver Quadro 8-2). A perspectiva defendida pelos teóricos do conflito e do rótulo cria um grande contraste com a abordagem funcionalista do desvio. Os funcionalistas vêem os padrões do comportamento desviante como meramente um reflexo das normas culturais; os teóricos do conflito e do rótulo apontam que os grupos mais poderosos de uma sociedade podem moldar leis e padrões para determinar quem será (ou não) processado como criminoso. Esses grupos dificil- mente aplicariam o rótulo de “desviante” ao executivo de uma companhia cujas decisões levassem a uma poluição ambiental em larga escala. Na opinião dos teóricos do conflito, os agentes do controle social e outros grupos po- derosos podem impor, ao público em geral, definições de desvio que atendem a seus objetivos. perspectiva Feminista Criminologistas feministas, como Freda Adler e Meda Chesney-Lind, sugeriram que muitas das abordagens exis- tentes do desvio e do crime foram desenvolvidas apenas com os homens em mente. Por exemplo, nos Estados Uni- dos, durante muitos anos, qualquer marido que forçasse sua mulher a ter relações sexuais com ele – sem o consen- timento dela e contra a sua vontade – não seria acusado de ter cometido estupro. A lei definia estupro apenas como ato forçado em relações sexuais entre pessoas que não eram casadas entre si, o que refletia a composição avassa- ladora de homens da legislatura estadual da época. Foram necessários muitos protestos das organizações feministas para conseguir mudanças no direito penal da definição de estupro. A partir de 1996, os maridos em todos os cinqüenta estados norte-americanos podem ser processados na maioria das circunstâncias por estupro de suas esposas. Ainda permanecem exceções alarmantes: por exemplo, no Tennessee, um marido poderá usar legal- mente força ou coerção para manter relações com sua mu- lher se não utilizar qualquer arma, e não causar “ferimento corporal grave”. Apesar de tais exceções, o movimento das mulheres levou a mudanças importantes na noção de cri- minalidade da sociedade. Por exemplo, juízes, legisladores e policiais agora consideram o fato de o homem bater em sua esposa e outras formas de violência doméstica como crimes sérios (National Center on Women and Family Law, 1996). No Brasil foram criadas Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres (Deam) para registrar e punir os responsáveis por atos de violência contra elas, e para protegê-las após as denúncias de estupro, agressão física e espancamento, muito comuns em todas as classes sociais. Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo realizada em 2002, a cada 15 segundos uma mulher é agredida no Brasil, estimando-se que mais de dois milhões de mulheres sejam espancadas a cada ano por maridos, namorados, ou “ex”. Mas a legislação brasileira para combater o espanca- mento de mulheres “endureceu” em meados de 2006. A pena máxima aumentou de 1 ano para 3 anos e não há mais a possibilidade de cumprir pena alternativa, como pagar cestas básicas. Quando se trata de crime e desvio em geral, a sociedade tende a tratar as mulheres de maneira estereotipada. Por exemplo, as mulheres que têm vários e freqüentes parceiros sexuais têm mais probabilidade de ser vistas com mais des- prezo do que homens que são promíscuos. As visões cultu- rais e as atitudes em relação às mulheres influenciam como elas são percebidas e rotuladas. A perspectiva feminista também enfatiza que o desvio, incluindo o crime, tende a fluir das relações econômicas. Tradicionalmente, os homens possuem mais poder do que suas esposas. Como resultado, as mulheres podem relutar em informar atos de abuso às autoridades e, assim, perderem o que pode ser sua fonte primária ou talvez única de renda. No local de trabalho, os homens exercem muito mais poder do que as mulheres na determinação dos preços, na contabilidade e no controle dos produtos, o que lhe dá mais oportunidades de cometer cri- mes como desfalques e fraudes. Mas conforme as mulheres ganham um papel mais ativo e mais poder tanto em casa quanto nos negócios, as diferenças entre os sexos em relação ao desvio e ao crime com certeza diminuirão (F. Adler, 1975; F. Adler et al., 2004; Chesney-Lind, 1989). No futuro, o número de estudiosas feministas deverá crescer bastante. Particularmente em áreas como crimes do colarinho branco, comportamento em relação à bebida, abuso de drogas e taxas de condenação diferentes entre os sexos, bem como na questão fundamental de como definir desvio, as estudiosas feministas terão muito a dizer. Já vimos que, durante o último século, os sociólogos fi- zeram diversas abordagens diferentes do estudo do desvio, levantando algumas controvérsias no processo. A Tabela 8-2 resume as várias abordagens teóricas desse tópico. criMe Um crime é uma transgressão do direto penal à qual al- gumas autoridades governamentais aplicam penalidades formais. Representa o desvio das normas sociais formais administradas pelo Estado. As leis dividem os crimes em diversas categorias, dependendo da gravidade da ofensa, Capitulo 08.indd 190 23/10/13 15:01 Sociologia Explicando o desvio
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