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Trata-se de doença do trato respiratório inferior geralmente causada por um agente infeccioso ou agentes não infecciosos (raramente) e que resulta em inflamação dos tecidos de um ou de ambos os pulmões, e que traduz uma resposta do hospedeiro ao agente agressor. As pneumonias adquiridas na comunidade (PAC) constituem as pneumonias em crianças não hospitalizadas no último mês por agentes provenientes do meio domiciliar, escolar ou comunitário. Epidemiologia Cerca de 2 a 3% das infecções respiratórias agudas evoluem para infecção do parênquima pulmonar, das quais 10 a 20% evoluem para óbito, contabilizando 1,2 milhão de óbitos por ano. As PACs são a causa mais comum de morbidade e mortalidade em bebês e crianças menores de cinco anos em todo o mundo. Em 2015, houve uma estimativa de 921 mil mortes por PAC na infância e, em 2017, 800.000 crianças com menos de cinco anos de idade, a maioria delas em países de baixa e média renda, morreram em decorrência de uma infecção respiratória baixo. Fatores de risco Os principais fatores de risco para PAC são: → Desnutrição → Baixa idade → Comorbidades → Gravidade da doença → Baixo peso ao nascer → Permanência em creche → Episódios prévios de sibilos e pneumonia → Infecções virais respiratórias → Ausência de aleitamento materno → Vacinação incompleta → Variáveis socioeconômicas e ambientais Etiologia De difícil precisão por dificuldade de diferenciação sintomatológica e precários testes laboratoriais, os agentes etiológicos que causam pneumonia variam com a idade, doenças subjacentes, maturidade, condição do sistema imunológico, além das estações do ano (sazonalidade). Viral: mais prevalente, sendo o vírus sincicial respiratório (VSR) o agente mais frequente, seguido dos vírus influenza, parainfluenza, adenovírus e rinovírus. Menos frequentemente, outros vírus podem causar PAC, como varicela- zoster, coronavírus, enterovírus, citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, herpes simples, vírus da caxumba e do sarampo e hantavírus. Mais recentemente, o metapneumovírus humano (HMPV), o boca- vírus e um coronavírus mutante – associado à síndrome respiratória aguda grave (SARS) – têm sido associados à PAC. Bacteriana: responsável pela maior gravidade e mortalidade por PAC na infância. Streptococcus pneumoniae (pneumococo), Haemophilus influenzae e Staphylococcus aureus (S. aureus). Algumas crianças apresentam alto risco para infecção pelo pneumococo: infectadas pelo vírus HIV, com imunodeficiências congênitas ou adquiridas, cardiopatas, nefropatas e pneumopatas crônicas, incluindo a asma grave, com diabete melito, com hemoglobinopatias, principalmente anemia falciforme, asplenia congênita ou adquirida, fístula liquórica, cirrose hepática ou contactantes de doentes crônicos. Quadro clínico Varia de acordo com: • Idade da criança • Estado nutricional • Presença de doença de base • Agente etiológico • Resposta imunológica do indivíduo Os principais sinais e sintomas da PAC são: febre de início agudo, tosse, frequência respiratória elevada (taquipneia) e dispneia, de intensidades variáveis. Sintomas gripais são comuns, bem como otite média. Algumas crianças apresentam dor abdominal, principalmente quando há envolvimento dos lobos pulmonares inferiores. As crianças podem manifestar apenas diminuição do apetite e agitação e os menores de cinco anos de idade costumam ter pródromos de febre baixa e rinorreia, devido a uma infeção viral prévia das vias aéreas superiores, antes de apresentar sintomas do trato respiratório inferior. Sibilo ocorre com maior frequência nas crianças com infecções virais ou por M. pneumoniae ou C. pneumoniae. Na ausência de sibilância, as crianças com tosse e taquipneia devem ser classificadas como tendo PAC. Os seguintes pontos de corte para taquipneia são utilizados: • < 2 meses: FR ≥ 60 irpm; • 2 a 11 meses: FR ≥ 50 irpm; • 1 a 4 anos: FR ≥ 40 irpm. Sinais de perigo → internação hospitalar imediata 1. Crianças menores de 2 meses: • FR ≥ 60 irpm • Tiragem subcostal • Febre alta • Recusa do seio materno por mais de 3 mamadas • Sibilância • Estridor em repouso • Sensório alterado com letargia • Sonolência anormal • Irritabilidade excessiva 2. Crianças maiores de 2 meses: • Tiragem subcostal • Estridor em repouso • Recusa de líquidos • Convulsão • Alteração do sensório • Vômito de tudo que lhe é oferecido Pneumonia afebril • Lactentes: podem cursar com antecedentes de conjuntivite e parto vaginal, e sugerem infecção por C. trachomatis. • Maiores de 5 anos: • Tosse coqueluchoide e história de contato com pacientes com quadro semelhante → PAC por Mycoplasma pneumoniae. • Piodermites e/ou lesões osteoarticulares antecedendo PAC grave → Pneumonia estafilocócica. Diagnóstico Eminentemente clínico Exames complementares Exames laboratoriais → PAC grave, não necessariamente complicada • Swab de nasofaringe para vírus respiratórios • Hemograma → pacientes internados o O leucograma, em geral, nas PAC bacterianas mostra leucocitose, neutrofilia e ocorrência de formas jovens. o A eosinofilia (≥ 300 células/mm3) pode ocorrer na maioria dos pacientes com infecção por C. trachomatis. • Eletrólitos • Testes de função hepática e renal • Hemocultura → casos de PAC grave, em crianças internadas ou quando a evolução do paciente é desfavorável. • Exame sorológico → infecções por Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia trachomatis e Chlamydia pneumoniae, quando houver elevação da IgM ou elevação de 4 vezes nos títulos da IgG, na fase aguda e na convalescência, respectivamente. Alguns vírus, como o VSR, adenovírus, parainfluenza e influenza, também podem ser diagnosticados pelo aumento de 4 vezes ou mais nos níveis de IgG, com intervalo de cerca de 2 semanas. • Marcadores inflamatórios não são capazes de diferençar entre pneumonia viral e bacteriana em crianças. Entretanto, podem ser utilizados durante a evolução da doença e servem como marcadores prognósticos. o A PAC bacteriana poderia ser suspeitada quando a proteína C reativa (PCR) for ≥ 40 a 100 mg ou quando houver níveis ≥ 0,75 a 2 ng/mL de procalcitonina. o A reação em cadeia da polimerase em tempo real (PCR-RT) pode auxiliar no diagnóstico de M. pneumoniae, C. pneumoniae, C. trachomatis, L. pneumophila, S. aureus, vírus respiratórios, B. pertussis, M. tuberculosis e S. pneumoniae. Radiografia de tórax → casos mais graves, doença de evolução prolongada ou recorrente apesar do tratamento, suspeita de aspiração de corpo estranho, malformações congênitas ou crianças abaixo de cinco anos, que apresentam febre, leucocitose sem causa aparente. Para os casos que não apresentam boa evolução em doenças de vias aéreas superiores ou nos casos de pneumonia redonda, o uso de métodos de imagem é recomendado. Consolidação alveolar, pneumatoceles, derrames pleurais e abscessos sugerem etiologia bacteriana. O padrão intersticial está mais frequentemente associado a vírus e Mycoplasma pneumoniae ou Chlamydia pneumoniae. Esses são agentes causadores de pneumonias atípicas. Tratamento Importante! 1. lembrar da alta prevalência da PAC em crianças abaixo dos cinco anos de idade, valorizar os critérios diagnósticos discutidos e excluir os diagnósticos diferenciais. Na presença de sibilância associada à taquipneia quadros como pneumonia viral, bronquiolite e crise de asma devem ser lembrados. 2. pensar nos fatores de risco para quadros de evolução desfavorável: desnutrição, comorbidades, baixa idade no momento da doença, baixas condições socioeconômicas - baixo nível de escolaridade dos pais, renda familiar na linha da pobreza, condições sanitárias e de higiene precárias - baixa cobertura vacinal, desmameprecoce e poluentes intradomiciliares, são fatores de risco relacionados a quadros de pneumonia graves e potencialmente fatais. 3. iniciar imediatamente o tratamento com antibiótico ao nível domiciliar ou hospitalar. 4. garantir consulta de reavaliação após 48 a 72 horas do início do tratamento ou a qualquer momento se houver piora clínica para toda criança em tratamento domiciliar. 5. incentivar a prevenção: aleitamento materno exclusivo nos primeiros meses de vida, eliminação do tabagismo passivo, orientação quanto a noções de higiene (ex: lavagem das mãos) e à vacinação contra agentes importantes, como o pneumococo e o vírus da influenza. Deve ser indicada a hospitalização nas seguintes situações: • menores de 2 meses; • presença de tiragem subcostal; • convulsões; • sonolência excessiva; • estridor em repouso; • desnutrição grave; • ausência de ingestão de líquidos; • sinais de hipoxemia; • presença de comorbidades (anemia, cardiopatias, pneumopatias); • problemas sociais; • falha na terapêutica ambulatorial; • complicações radiológicas (derrame pleural, pneumatocele, abscesso pulmonar). • paciente com insuficiência respiratória aguda; • suspeita de pneumonia estafilocócica ou por germe Gram-negativo; • sarampo, varicela ou coqueluche precedendo a PAC; • imunodepressão; • pneumonia hospitalar. Segundo a SBP, a internação deve acontecer quando houver: • hipoxemia (saturação de oxigênio < 92% em ar ambiente); • desidratação ou incapacidade de manter a hidratação ou alimentação por via oral; • desconforto respiratório moderado a grave: FR >70 rpm para pacientes menores de 12 meses de idade e >50 rpm para crianças maiores; • dificuldade em respirar (gemência, batimento de asas nasais, retrações ou apneia); • aparência tóxica; • doenças subjacentes (doença cardiopulmonar, síndromes genéticas, distúrbios neurológicos); • complicações (derrame / empiema, pneumonia necrotizante, abscesso). Tratamento farmacológico Ambulatorialmente Crianças menores de 2 meses Crianças de dois meses a cinco anos: 1ª opção: amoxicilina VO, 50 mg/kg/dia, podendo considerar intervalos de 8 em 8 horas ou 12 em 12 horas, máximo de 4g/dia, de 5 a 10 dias. Para crianças com reações de hipersensibilidade não mediadas por IgE à penicilina: cefalosporinas de segunda ou terceira geração (cefuroxima ou ceftriaxona). Para crianças com reações de hipersensibilidade tipo 1: clindamicina ou um macrolídeo. Crianças com tiragem subcostal, com ou sem outros sinais de gravidade, sejam hospitalizadas → penicilina cristalina ou ampicilina. Maiores de 5 anos 1ª opção: eritromicina 40 mg/kg/dia de 6 em 6 horas, máximo 2 g/dia, durante sete a 10 dias; 2ª opção: claritromicina 15 mg/kg/ dia de 12 em 12 horas, máximo 1 g/dia, durante sete a 10 dias; 3ª opção: azitromicina 10mg/kg/dia dose única ao dia, durante 5 dias; Atenção! Na suspeita de infecção pelo M. pneumoniae ou C. pneumonia é recomendado acrescentar o macrolídeo à amoxicilina ou substituí-la pelo macrolídeo. Falha terapêutica + possibilidade de a infecção ser causada pelo pneumococo ou S. aureus resistente à penicilina (meticilino sensível ou resistente) → substituir o antibiótico por clindamicina ou linezolida. Caso a criança apresente melhora clínica com as substituições dos antibióticos, o novo tratamento deve ser mantido até completar sete dias. Porém, se a criança estiver pior ou com quadro clínico inalterado, deve-se avaliar indicação de internação. Tratamento de suporte ambulatorial Cuidadores e familiares devem ser orientados quanto ao controle da febre e da dor, manutenção de hidratação e alimentação adequadas, identificação de sinais de piora clínica, e quanto ao retorno para reavaliação em 48 a 72 horas. Hospitalar 1ª opção: amoxicilina VO, 50 mg/kg/dia de 8 em 8 ou de 12 em 12 horas, durante sete dias. Caso a criança seja incapaz de aceitar fluidos ou antibióticos orais e/ou apresentar sinais de septicemia ou pneumonia complicada, recomenda- se antibióticos intravenosos. Crianças de áreas com resistência mínima à penicilina, como no nosso meio, devem ser tratadas com ampicilina intravenosa na dose de 50 mg/kg/dose de 6 em 6 horas, ou com penicilina cristalina 150.000 UI/Kg/dia de 6 em 6 horas. 2ª opção: amoxicilina + clavulanato/sulbactam, ou a cefuroxima via oral ou intravenosa, em doses habituais. Crianças gravemente doentes, não totalmente imunizadas contra o pneumococo ou infectadas pelo HIV → ceftriaxona ou a cefotaxima. Lactentes menores de dois meses: • 1ª opção: gentamicina na dose 7,5 mg/kg/dia de 12 em 12 horas deve ser associada à penicilina cristalina ou ampicilina. • 2ª opção: cefotaxima • Se presença de conjuntivite → pode sugerir a etiologia de C. trachomatis e a eritromicina é a antibiótico de escolha. Pneumonia atípica → azitromicina 10mg/kg/dia dose única durante cinco dias ou claritromicina 7,5 mg/kg/ dose 12 em 12 horas, durante 10 dias. Para as crianças com saturação de oxigênio < 92% em ar ambiente se recomenda oxigenoterapia sob cânulas nasais, dispositivo de entrega de alto fluxo, ou máscara facial. Complicações A PAC complicada é definida quando a PAC evolui de forma grave, apesar da antibioticoterapia, com uma ou mais das seguintes complicações: derrame parapneumônico (DPP), empiema pleural (EP), pneumonia necrosante (PN) e abscesso pulmonar (AP). As complicações sistêmicas das PACC são: sepse e choque séptico, infecção metastática, falência de múltiplos órgãos, síndrome do desconforto respiratório agudo, coagulação intravascular disseminada e óbito Em princípio, o antibiótico de primeira escolha para o tratamento de PACC com DPP e EP é a penicilina cristalina (150.000-200.000 U/kg/dia 6/6h ou de 4/4h) ou ampicilina EV (150-200mg/kg/ dia 8/8 ou 12/12h) associada à conduta cirúrgica adequada, obtendo-se sucesso na resolução da maioria dos casos. Quando a evolução não é satisfatória é necessária a troca do tratamento com antibióticos.
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