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Educação superior no Brasil 10 anos pós-LDB

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Prévia do material em texto

Educação Superior no Brasil –
10 Anos Pós-LDB
Organizador-geral e presidente da direção editorial:
Mariluce Bittar (UCDB)
Comitê Científico:
Afrânio Catani
Deise Mancebo (UERJ)
João Ferreira de Oliveira (UFG)
Maria de Lourdes Fávero (UFRJ/UCP)
Maria das Graças Medeiros Tavares (Ufal)
Maria do Carmo de Lacerda Peixoto (UFMG)
Marilia Morosini (PUC-RS)
Mariluce Bittar (UCDB)
Valdemar Sguissardi (Unimep)
Auxiliares de Pesquisa:
Carina Elisabeth Maciel de Almeida (UFMS/UCDB)
Suzanir Fernanda Maia (UCDB)
Valquiria Allis Nantes (UCDB)
Educação Superior no Brasil –
10 Anos Pós-LDB
Mariluce Bittar
João Ferreira de Oliveira
Marília Morosini
(Organizadores)
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)/
Grupo de Trabalho Políticas de Educação Superior
Brasília-DF
Inep
2008
© Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
 É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada a fonte.
ASSESSORIA TÉCNICA DE EDITORAÇÃO E PUBLICAÇÕES
PRODUÇÃO EDITORIAL
PROGRAMAÇÃO VISUAL
Márcia Terezinha dos ReisMárcia Terezinha dos ReisMárcia Terezinha dos ReisMárcia Terezinha dos ReisMárcia Terezinha dos Reis marcia@inep.gov.br
EDITOR EXECUTIVO
Jair Santana MoraesJair Santana MoraesJair Santana MoraesJair Santana MoraesJair Santana Moraes jair@inep.gov.br
REVISÃO
Zippy Comunicação Ltda.Zippy Comunicação Ltda.Zippy Comunicação Ltda.Zippy Comunicação Ltda.Zippy Comunicação Ltda.
NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
Rosa dos Anjos Oliveira Rosa dos Anjos Oliveira Rosa dos Anjos Oliveira Rosa dos Anjos Oliveira Rosa dos Anjos Oliveira rosa@inep.gov.br
PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E ARTE-FINAL
Marcos Hartwich Marcos Hartwich Marcos Hartwich Marcos Hartwich Marcos Hartwich hartwich@inep.gov.br
CAPA
Raphael Caron Freitas Raphael Caron Freitas Raphael Caron Freitas Raphael Caron Freitas Raphael Caron Freitas raphael@inep.gov.br
IMAGENS
Banco de Imagens do CibecBanco de Imagens do CibecBanco de Imagens do CibecBanco de Imagens do CibecBanco de Imagens do Cibec
TIRAGEM 1.000 exemplares
EDITORIA
Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 414, CEP 70047-900 – Brasília-DF – Brasil
Fones: (61)2104-8438, (61)2104-8042, Fax: (61)2104-9812
editoria@inep.gov.br
DISTRIBUIÇÃO
Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 404, CEP 70047-900 – Brasília-DF – Brasil
Fone: (61)2104-9509
publicacoes@inep.gov.br | www.publicacoes.inep.gov.br
ESTA PUBLICAÇÃO NÃO PODE SER VENDIDA. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Educação superior no Brasil - 10 anos pós-LDB / Mariluce Bittar, João Ferreira de Oliveira,
Marília Morosini (Organizadores). - Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira, 2008.
348 p.: il. – (Coleção Inep 70 anos, v. 2)
ISBN 978-85-86260-86-5
1. Educação superior. 2. Acesso à educação superior. 3. Política nacional da educação
superior. 4. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. I. Bittar, Mariluce. II. Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
CDU: 378(81)
Apresentação ................................................................................................ 9
Mariluce Bittar, João Ferreira de Oliveira, Marília Costa Morosini
I. DESAFIOS DA EDUCAÇÃO E DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
PÓS-LDB ....................................................................................... 15
1. Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB ............................................. 17
Carlos Roberto Jamil Cury
2. Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB:
da expansão à democratização ........................................................... 39
Dilvo Ristoff
II. A EDUCAÇÃO SUPERIOR EM DEBATE 10 ANOS PÓS-LDB ........... 51
A) Acesso .................................................................................................... 53
3. Reforma da Educação Superior:
o debate sobre a igualdade no acesso ............................................... 55
Deise Mancebo
4. Democratização do acesso e inclusão na educação superior
no Brasil .................................................................................................. 71
João Ferreira de Oliveira, Afrânio Mendes Catani, Ana Paula Hey,
Mário Luiz Neves de Azevedo
Sumário
6
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
5. Ensino noturno e expansão do acesso
dos estudantes-trabalhadores à educação superior ....................... 89
Mariluce Bittar, Carina Elisabeth Maciel de Almeida, Tereza Christina
Mertens Aguiar Veloso
6. A ampliação do acesso à educação superior pública pós-LDB:
considerações a partir do caso da UFMG ....................................... 111
Maria do Carmo de Lacerda Peixoto, Mauro Mendes Braga
7. Políticas de Ações Afirmativas para a Educação Superior no Brasil:
da intenção à realidade ..................................................................... 137
Otília Maria Lúcia Barbosa Seiffert, Salomão Mufarej Haje
B) Organização Acadêmica .................................................................... 163
8. Universidades e centros universitários pós-LDB/96:
tendências e questões ....................................................................... 165
Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero, Stella Cecília Duarte
Segenreich
9. A Universidade Comunitária:
forças e fragilidades ........................................................................... 183
Maria Estela Dal Pai Franco, Solange Maria Longhi
C) Formação ............................................................................................. 213
10. As mudanças no mundo do trabalho e a formação
dos profissionais da educação no contexto da LDB:
o currículo em questão ................................................................... 215
Arlete Camargo, Olgaíses Maués
11. Educação superior pública em Alagoas – 10 anos pós-LDBEN:
da predominância da ação profissionalizante ao alargamento
das condições de produção e socialização do conhecimento ... 235
Elcio Gusmão Verçosa, Maria das Graças Medeiros Tavares
D) Financiamento ................................................................................... 255
12. Financiamento da educação superior no Brasil:
gastos com as Ifes – de Fernando Collor
a Luiz Inácio Lula da Silva ............................................................. 257
Nelson Cardoso Amaral
E) Internacionalização ............................................................................ 283
13. Internacionalização da Educação Superior no Brasil pós-LDB:
o impacto das sociedades tecnologicamente avançadas ........... 285
Marília Costa Morosini
7
F) Trabalho Docente ............................................................................... 305
14. Universidade, sociedade do conhecimento, educação:
o trabalho docente em questão ..................................................... 307
Maria das Graças Martins da Silva, Tânia Maria Beraldo
G) Reforma ............................................................................................... 327
15. Reforma da educaçãosuperior brasileira – de Fernando Henrique
Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva:
políticas de expansão, diversificação e privatização
da educação superior brasileira .................................................... 329
Vera Lúcia Jacob Chaves, Rosângela Novaes Lima, Luciene Miranda
Medeiros
Apresentação
Mariluce Bittar
João Ferreira de Oliveira
Marília Costa Morosini
11
Este livro resulta da realização do XII Seminário Nacional Universitas/
BR: Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB e Intercâmbio do
Grupo de Trabalho Políticas de Educação Superior da Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), ocorrido nos dias 29
e 30 de novembro e 1° de dezembro de 2006, na Universidade Católica
Dom Bosco (UCDB), em Campo Grande, com o objetivo de discutir, anali-
sar e avaliar o impacto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9.394/1996) na educação superior, na última década.
A aprovação da LDB, em 1996, constituiu-se em um marco históri-
co importante na educação brasileira, uma vez que esta lei reestruturou a
educação escolar, reformulando os diferentes níveis e modalidades da edu-
cação. Além disso, desencadeou um processo de implementação de refor-
mas, políticas e ações educacionais, na gestão do governo Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002), tendo por base as transformações em cur-
so na sociedade contemporânea.
A LDB, aprovada em 1996, revogou a primeira LDB (Lei nº 4.024/
61), bem como a Lei n° 5.540/68, que instituiu a reforma universitária,
que havia implementado alterações significativas no ensino superior
Apresentação
12
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
brasileiro. Outorgada no regime militar, a Lei nº 5.540/68 tinha como
propósito pautar as universidades brasileiras por parâmetros de efici-
ência, de eficácia e de modernização administrativa, em uma perspec-
tiva racionalizadora e gerencialista da vida acadêmica. Entre os efeitos
dessa reforma encontra-se a expansão do ensino superior privado, de
caráter empresarial.
Após os anos de ditadura militar (1964-1984), o Brasil elegeu seu
primeiro Congresso Constituinte e aprovou a nova Constituição, em 1988.
Esta Constituição, por sua vez, consolida a indissociabilidade entre o ensi-
no, a pesquisa e a extensão (art. 207) e estabeleceu, também, parâmetros
para a elaboração de uma nova LDB.
Somente após oito anos de intenso debate, em um ambiente de
reconstrução democrática, a nova LDB foi aprovada (Lei nº 9.394/1996).
No entanto, em vez de frear o processo expansionista privado e redefinir
os rumos da educação superior, contribuiu para que acontecesse exata-
mente o contrário: ampliou e instituiu um sistema diversificado e diferen-
ciado, por meio, sobretudo, dos mecanismos de acesso, da organização
acadêmica e dos cursos ofertados. Nesse contexto, criou os chamados
cursos seqüenciais e os centros universitários; instituiu a figura das uni-
versidades especializadas por campo do saber; implantou Centros de Edu-
cação Tecnológica; substituiu o vestibular por processos seletivos; acabou
com os currículos mínimos e flexibilizou os currículos; criou os cursos de
tecnologia e os institutos superiores de educação, entre outras alterações.
Passados dez anos de sua aprovação, a LDB ainda tem enormes
desafios para vencer, entre os quais se pode destacar: a ampliação do
acesso e da garantia da permanência dos estudantes na educação superi-
or; a desmercantilização da oferta desse nível de ensino; o estabelecimen-
to de mecanismos efetivos de aferição e controle da qualidade; a expan-
são da oferta por meio de instituições públicas. Embora complementada
por diferentes mecanismos legais (leis, decretos, portarias, resoluções, pa-
receres), a LDB deve ser tomada como um marco importante na configu-
ração da educação brasileira.
Este livro é, assim, o resultado de um trabalho coletivo de reflexão,
consolidado em uma rede acadêmica de pesquisa e de interlocução entre
pares que têm em comum uma área de conhecimento: a educação supe-
rior. Nesse livro, em especial, a rede Universitas/BR e o GT Políticas de
13
Apresentação
Educação Superior da ANPEd desenvolvem reflexões específicas acerca do
acesso, organização acadêmica, formação, financiamento,
internacionalização, trabalho docente e reforma da educação superior,
com o propósito de avaliar e refletir sobre o significado político e educaci-
onal desses dez anos de vigência da Carta Magna da educação brasileira.
O leitor encontrará, pois, uma análise crítica e embasada de temáticas
importantes da educação superior que poderão contribuir com as refle-
xões e pesquisas da área.
Mariluce Bittar
João Ferreira de Oliveira
Marília Costa Morosini
I – DESAFIOS DA EDUCAÇÃO
E DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
PÓS-LDB
1
Educação no Brasil:
10 anos pós-LDB
Carlos Roberto Jamil Cury*
* Doutor em Educação e professor adjunto da PUC-MG; e-mail: crjcury@terra.com.br
19
Introdução
Aos 20 de dezembro de 1996, o presidente Fernando Henrique
Cardoso sancionava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN), denominada oficialmente Lei Darcy Ribeiro, sob o nº 9.394/96.1
Assinou com o presidente, o ministro da Educação Paulo Renato Souza.2
O Diário Oficial da União a fez publicar em 23 de dezembro de 1996.
Estamos, pois, perto de dez anos dessa LDB.
Dez é um numeral cardinal redondo, tradicionalmente tornado um
número de referência para uma avaliação ou base de comemorações. E é
também um número que, na escola tradicional, remetia a uma nota máxi-
ma para provas e resultados gerais.
Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB
1 A sanção presidencial representa a adesão do chefe do Executivo ao projeto já aprovado pela Câmara e pelo Senado. A
manifestação presidencial pela sanção positiva ou pela sanção negativa (veto) significa uma forma co-participada entre os
dois poderes no processo legislativo. Nesse sentido, a sanção ratifica a lei fazendo-a entrar em vigor. Trata-se de uma
tradição no direito nacional e sua origem tem a ver com a passagem das monarquias absolutas para as monarquias
constitucionais (cf. art. 66 da Constituição Federal, 1988; Carvalho Neto, 1992; Silva, 1964).
2 De acordo, com o art. 87 da Constituição Federal, os ministros referendam atos presidenciais no âmbito de sua área.
20
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
Trata-se aqui de evocar não só conhecimentos relativos ao decê-
nio, mas também reconhecer, a partir desse texto legal, alguns dos cami-
nhos trilhados pela educação escolar brasileira.
Longo e polêmico foi o processo de tramitação legal dos projetos
de LDBEN tanto no âmbito da sociedade civil, quanto no do Legislativo e
Executivo para que se chegasse a termo o mandado constitucional do art.
22, XXIV. Muitas foram as vicissitudes sofridas pelos diferentes textos que
foram sendo escritos desde o início do processo legislativo por meio de
muitas e variadas emendas aos projetos. Isso evidencia, de novo, como
tem sido tradicional no Brasil, difícil e propriamente contencioso quando
o assunto é um marco regulatório da educação escolar.
Muitas foram também as avaliações relativas ao texto final da lei
com copiosa bibliografia a respeito (cf. Cury, 1997, 2006; Demo, 1997;
Frauches, 2000; Catani, Oliveira, 2000, Brzezinski, 2000, entre outros).
Ao lado dessa literatura, seria importante analisar a atuação de
sujeitos coletivos, impossível no espaço desse esboço, como a do Conselho
dos Secretários Estaduais de Educação (Consed), o da União dos Dirigen-
tes Municipais de Educação (Undime), o do Fórum dos Conselhos Estadu-
ais de Educação e a da União dos Conselhos Municipais de Educação não
só no processo de elaboração como também na efetivação da lei. Muitos
outros sujeitos também se puseram a campo a fim de discutir os projetos
e sugerir alternativas como é o caso de ocupantes de cargos no aparelho
de Estado, associações profissionais de docentes, associações científicas,
organizações não-governamentais e pessoasestratégicas.3
E houve um antes da contagem do decênio
O capítulo da educação na Constituição Federal de 1988 represen-
tou um significativo avanço para a área (cf. Maliska, 2001; Cury, 1989;
Cury, 1991, Farenzena, 2006). Por outro lado, como uma nova LDB era
mandato constitucional a ser efetivado, havia uma coexistência entre o
avanço propiciado pela Constituição e o texto da Lei nº 4.024/61 com a
redação dada pela Lei nº 7.044/82 e da Lei nº 5.540/68.
3 Entrevistas com atores privilegiados, nesse processo, ainda estão por ser feitas.
21
Também há de assinalar a Lei nº 9.131/95, a Lei nº 9.192/95 e, de
modo especial, para a educação básica, a Lei nº 8.069/90, mais conhecida
como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A primeira (re)cria o
Conselho Nacional de Educação com suas atribuições e estabelece um siste-
ma nacional de avaliação da educação (cf. Belloni, 2003). A outra estabelece
procedimentos para eleições de dirigentes no sistema federal de educação. O
ECA, enfim, contém uma retomada do capítulo de educação da Constitui-
ção Federal de 1988 nos princípios e em aspectos pedagógicos importantes
não explicitamente postos na LDBEN que viria a ser a Lei nº 9.394/96.
Havia, pois, ante o capítulo constitucional da educação, uma coe-
xistência formada por concepções, ao mesmo tempo distintas e conver-
gentes ou divergentes, resultando ora em recepções juridicamente válidas,
ora em um hibridismo, ora em “buracos negros" e mesmo em revogações.
De todo modo, havia uma coexistência entre o “novo e o velho" sugerindo
dificuldades de hermenêutica quanto a vários pontos na busca de uma
continuidade jurídica viável.
Tal é o caso da nomenclatura da organização da educação, como
ensino fundamental e médio versus ensino de 1º grau e de 2º grau; tam-
bém se apresentam questões relativas aos princípios da gratuidade, da
gestão democrática e do padrão de qualidade entre outros. Há que se
assinalar a imposição constitucional de novos deveres ao Estado como são
os casos da educação infantil, do direito público subjetivo e dos conteú-
dos curriculares mínimos (em vez de currículo mínimo) e do regime de
colaboração. Outros pontos importantes referem-se ao estatuto do siste-
ma privado, ao acolhimento de novidades como a distinção entre língua
oficial e língua materna no ensino, aos novos percentuais de vinculação e
ao acolhimento do sistema municipal de educação autônomo.
Sobre essas congruências e incongruências, Bobbio (1994, p. 177)
sustenta:
O fato de o novo ordenamento ser constituído em parte por normas do
velho não ofende em nada o seu caráter de novidade: as normas comuns
ao velho e ao novo ordenamento pertencem apenas materialmente ao pri-
meiro; formalmente, são todas normas do novo, no sentido de que elas são
válidas não mais com base na norma fundamental do velho ordenamento,
mas com base na norma fundamental do novo. Nesse sentido falamos de
recepção, e não pura e simplesmente de permanência do velho no novo. A
recepção é um ato jurídico com o qual um ordenamento acolhe e torna
suas as normas de outro ordenamento, onde tais normas permanecem
materialmente iguais, mas não são mais as mesmas com respeito à forma.
Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB
22
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
Nessa situação, havia que fazer convergir “matéria e forma" em
razão do e em adequação ao novo ordenamento trazido pela Lei Maior.
Isso tudo, de um lado, criava a expectativa com relação a uma nova
LDB e, de outro lado, por força do art. 25 do Ato das Disposições Consti-
tucionais Transitórias (ADCT), a partir de 180 dias da promulgação da
Constituição Federal de 1988, ficavam revogados “todos os dispositivos
legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competên-
cia assinalada na Constituição" (cf. Decreto nº 1.734/95).
Analisando esse artigo, diz Ranieri (2000, p. 163):
[...] o artigo 48, caput, da Constituição Federal determina que cabe ao
Congresso Nacional dispor sobre todas as matérias de competência da União;
e a Lei nº 4.024/61 atribuía, efetivamente, competências normativas ao
CFE (artigo 9º). Não tendo sido tal prazo prorrogado por lei, nem editada
nova lei específica atribuindo aquelas competências, o CFE até a sua extinção,
provocada pela Lei nº 9.131/95, atuou sem competência legal, o que, a
rigor, implica a nulidade dos atos normativos praticados no período.
A chegada da Lei nº 4.024/61 com a redação dada pela Lei nº
9.131/95 formaliza o Conselho Nacional de Educação (CNE), dada a extinção
do Conselho Federal de Educação (cf. Medida Provisória nº 661 de 18/10/
1994 e seguintes até a MP nº 1.126 convertida na Lei nº 9.131/95), e
regulamenta a avaliação da educação escolar, em especial a da educação
superior. Com isso, havia um órgão legal para interpretar as leis educacio-
nais e propiciar a continuidade da ordem jurídica e capaz de arbitrar o
andamento dos sistemas de educação.4
Ao mesmo tempo, estava em curso o processo de elaboração da
nova LDB, exigência constitucional, conducente à solução do caráter hí-
brido então existente, à conformação de coerência à Constituição da Re-
pública de 1988. E, nesse processo, projetos distintos disputavam a
hegemonia na explicitação de princípios gerais postos na Constituição.
Os projetos existentes disputaram acirradamente o campo parla-
mentar, sendo o projeto provindo da Câmara bem mais analítico e o outro,
originado no Senado, bastante sintético.5 O termômetro capaz de medir a
temperatura de ambos era dado pelo maior ou menor “calor" da intervenção
4 Menos do que antecipar a LDB, essa Lei foi uma espécie de lei-ponte do tipo regulamentação prévia dentro de uma
previsibilidade de que o projeto sintético seria aprovado.
5 Além dos projetos do Legislativo, havia propostas advindas do CFE e de outros fóruns profissionais ou associativos.
23
do Estado na educação escolar, seja na administração pública, seja no seg-
mento privado. E esse termômetro passou a subir quando o governo eleito
em 1994 e empossado em 1995 não só fez clara opção pelo projeto sintéti-
co, como aderiu à vaga conservadora que perpassou vários regimes latino-
americanos.
Apesar dessa vaga governamental conservadora poder propor leis
regulamentadoras que contivessem dispositivos de igual natureza, há que
se assinalar o papel “amortecedor" de vários artigos da Constituição de
1988 cujo teor mais permanente tornou menor, no âmbito da educação
escolar, o impacto das políticas restritivas aos direitos sociais e de outras
tendentes à saída do Estado de atividades econômicas.
Uma redação final apressada
A redação final da LDB, após oito anos de tramitação parlamentar,
teve uma solução com sua aprovação no Congresso por grande maioria e
sua sanção na Lei nº 9.394/96 tornando-se, de fato e de obrigação legal,
um campo obrigatório de referência educacional.
A opção pelo projeto sintético, ainda que jungido de aspectos pro-
vindos do projeto analítico, deu-se também dentro de uma educação es-
colar nacional complexa (para efeito de sua administração, gestão, finan-
ciamento e controle).6 Imprecisões terminológicas reforçaram a necessida-
de de uma hermenêutica que viabilizasse o novo texto legal.7
Essas dificuldades associadas à inevitável postulação de grupos in-
teressados em alterar aspectos específicos da lei, conduziram, nesses dez
anos, às seguintes mudanças no corpo legal da lei então sancionada:
1. Alterações legais: Lei nº 9.495/97: art. 33
Lei nº 10.328/01: art. 26, § 3º
Lei nº 10.639/03: art. 26-A, §§ 1º e 2º; art. 79 B
Lei nº 10.709/03: art. 10, VII e art. 11, VI
6 A referência aqui é à complexidade não só de um país continental e diverso, como também dos delineamentos do pacto
federativo.
7 Atribuem-se tais imprecisões ao afã de prestigiar em vida o antropólogo Darcy Ribeiro, autor do projeto do Senado.
Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB
24
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
Lei nº 10.793/03: art. 26, § 3º, I, II, III, IV, V
Lei nº 11.114/05:art. 6º
Lei nº 11.183/05: art. 19, II
Lei8 nº 11.274/06: art. 32; art. 87, § 2º, § 3º, I
Lei nº 11.301/06: art. 67, §§ 1º e 2º
Lei nº 11.330/06: art. 87, § 3º
Lei nº 11.331/06: art. 44, § único
Desse modo, no interior dessas 11 leis habitam 24 alterações inclu-
sive com alterações das alterações como o § 3º na Lei nº 10.328/01, o art.
32 na Lei nº 11.114/05 e o inciso I, letras a, b, c na Lei nº 11.114/05.9
Exceto a alteração ocorrida no art. 44 (referente ao ensino superior)
pela Lei nº 11.331, as outras 23 alterações pertencem ao campo da educa-
ção básica.10
2. Acréscimos legais: Lei nº 10.287/01: art. 12, VIII
Esse acréscimo se refere também à educação básica.
3. Regulamentação por lei: Lei nº 9.536/97: art. 49
Refere-se ao ensino superior (transferência ex-officio)
4. Regulamentações por decretos:
Decreto nº 2.207/97: arts. 19, 20, 45, 46 e § 1º, 52, parágrafo
único, 54 e 88
Decreto nº 2.208/97: art. 36, § 2º, arts. 39 a 42
Decreto nº 2.306/97: arts. 16, 19, 20, 45, 46, § 1º, 52 § único,
54 e 88
Decreto nº 2.494/98: art. 80
Decreto nº 3.276/99: arts. 61 a 6311
Decreto nº 3.860/01: Título V, Capítulo IV
Decreto nº 5.154/04: § 2º, art. 36, arts. 39 a 41
8 Esta lei estatui o ensino obrigatório de nove anos iniciando-se aos 6 anos e prolongando-se até aos 14 anos.
9 Note-se que são alterações provindas de leis específicas com força inovadora em relação à ordem jurídica. Ainda não se fez
um estudo detalhado de quem são os atores manifestos e não-manifestos dessas alterações legais.
10 É de se notar que, ao caráter impreciso de certos termos, se deve adicionar a natureza estrutural flexível no corpo da lei.
11 Este Decreto foi retificado dias após.
25
Decreto nº 5.622/05: art. 80
Decreto nº 5.773/06: art. 9º, incisos VI, VIII e IX, e 46.
Decreto nº 5.786/06: art. 45
São dez decretos dos quais ao menos cinco são referentes ao ensi-
no superior, um decreto relativo à educação profissional é substituído por
outro, bem como houve substituição no decreto concernente à educação
a distância.12
Tal quantidade de alterações, praticamente 24% do texto, con-
quanto possível, em qualquer lei, é indicativo de que algo poderia ter sido
mais bem redigido na versão original.13
Além disso, há que se assinalar outras leis concorrentes e complemen-
tares à própria educação escolar derivadas ou não de emenda constitucional.
Em virtude da emenda nº 14/96, foram modificados artigos im-
portantes do capítulo da educação da Constituição Federal, no caso,
os arts. 34, 208, 211, 212. Foi também alterado, por 10 anos, o art. 60
do ADCT, artigo importante do financiamento. Esse artigo faz, com a
LDB, 10 anos de funcionamento e terá, pois, seu prazo de validade
esgotado.
Do conjunto dessa emenda procedeu a Lei nº 9.424/96 sancio-
nada a 24 de dezembro de 1996, publicada no Diário Oficial de 26/12/
1996, mais conhecida como a Lei do Fundo de Manutenção e Desen-
volvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
(Fundef). Essa lei nasceu de um projeto do Executivo: PL nº 2.380 (cf.
Oliveira, 2000).
A lei do Fundef, para efeito de políticas educacionais do ensino
fundamental, em matéria de financiamento, tem um impacto tão grande
ou maior do que a própria LDB. Afinal, ela tange ao mesmo tempo o pacto
federativo e o sistema de financiamento do ensino obrigatório seja pela
subvinculação, seja pelo controle dos recursos.
12 Os decretos visam apenas regulamentar o fiel cumprimento das leis quando essas não são auto-executáveis preenchendo
eventuais lacunas ou explicitando aspectos da aplicação da lei.
13 Esse volume de alterações parece indicar um processo contínuo, quase que permanente, de atividade propriamente
legiferante de educação devido ao próprio caráter sintético da LDBEN aprovada. Isso obriga os executivos, em rotatividade
política, a alterar o ordenamento legal para poder levar adiante programas de governo (cf. Couto, 1997).
Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB
26
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
Já em respeito ao art. 214 da Constituição, tem-se a Lei nº 10.172/
01, mais conhecida como Plano Nacional de Educação (PNE). Sua
tramitação revela a reedição entre dois projetos: o do Executivo, mais
sintético e menos abrangente, e o da sociedade civil, mais analítico e
mais abrangente. A lei aprovada e sancionada, a rigor uma expressão
continuada da LDBEN em matéria de metas e objetivos, apresenta um
realismo no diagnóstico da educação nacional e tem sua eficácia depen-
dente, em maior parte, do financiamento. Contudo, esse último sofreu
vetos presidenciais em todos os itens relativos ao financiamento. Não há
dúvida que tal mutilação significou uma perda substantiva quanto ao
caráter obrigatório do Plano podendo-se dizer que ele, praticamente, se
tornou um Plano declaratório.
Pode-se citar também, como paralelas e concorrentes à LDBEN, as
leis nº 10.436/02 (língua de libras) e nº 11.161/05 (língua espanhola).
Relativamente ao ensino superior, temos o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior, Lei nº 10.861/04 (Lei do Sinaes) que
redefine artigos da Lei nº 9.131/95 e tem o seu complemento na Portaria
MEC nº 2.051/04 regulamentando a figura do Conselho Nacional da Ava-
liação da Educação Superior (Conaes). A Lei nº 11.096/2005 do Programa
Universidade para Todos (ProUni) e suas respectivas regulamentações, por
portaria ou decreto, também representam uma alteração significativa nas
relações público/privado. A Portaria MEC nº 2.051/04 regulamenta a lei do
Sinaes e o Decreto nº 5.245/04 regulamenta o ProUni. Não se pode esque-
cer a existência de um projeto de lei relativo a ações afirmativas e de outro
projeto – em parte antecipado pelo Decreto nº 5.773/06 –, que traduzem
ampla reorganização do ensino superior especialmente quanto à regula-
mentação e avaliação dessa etapa de ensino.
Paralelamente, um esforço para criar um marco regulatório no âmbito
da inovação tecnológica, por meio de incentivos relativos ao ambiente
produtivo, foi a aprovação da Lei nº 10.973/04.14
Tangente à pós-graduação, deve-se destacar a existência do Plano
Nacional de Pós-Graduação: 2005-2010.
14 Em 15/10/06, o Executivo encaminhou ao Congresso projeto de lei que altera e promove a lei de incentivos fiscais, lei
nº 11.196/05, beneficiando as pessoas jurídicas que aplicarem em pesquisas científicas e tecnológicas de acordo com a
Lei nº 10.973/04.
27
A atividade normativa
A esses constrangimentos legais deve-se apontar a existência de
múltiplas Portarias15 do Ministério e, sobretudo, a atuação normativa do
Conselho Nacional de Educação, órgão público criado por lei, por meio de
pareceres e resoluções.
A atuação normativa desse Conselho, órgão colegiado por lei, si-
tua-se no âmbito da interpretação da legislação sabendo não ser um
legislativo no sentido próprio do termo. Isto é: um conselheiro não é de-
putado, senador ou vereador que têm delegação popular para inovar a
ordem jurídica. Ele também não dispõe de autoridade para decretos ou
medidas provisórias. A capacidade legal atribuída de normatizar ou disci-
plinar assuntos infraconstitucionais da educação escolar não pode e nem
deve significar iniciativas pontuais incertas quanto à jurisdicidade consti-
tucional ou legal desses mesmos assuntos. Nesse sentido, importa não
confundir o uso interpretativo, legal e legítimo da lei com o abuso de
poder legal.
Um parecer e uma resolução, como atos administrativos, emanados
de um órgão colegiado normativo criado por lei, ligado à administração
pública, de acordo com o art. 1º da Lei nº 9.131/95, ligam-se às atribui-
ções normativas, deliberativas e de assessoramento ao ministro de Estado
da Educação, do Conselho, dentro do assunto ou matéria de sua compe-
tência, respeitada a hierarquia das leis.
Conseqüentes a tais atribuições, as Câmaras do CNE e seu Conselho
Pleno buscaram exercê-las. A Câmara de Educação Básica (CEB) exarou,
em 10 anos, 327 pareceres e 26 resoluções; a Câmara de Educação Supe-
rior(CES) emitiu 7.357 pareceres16 e 69 resoluções e o Conselho Pleno
(CP) aprovou 372 pareceres e 11 resoluções.17
Muitos desses pareceres foram esclarecedores de situações duvido-
sas, mas alguns foram rigorosamente interpretativos no sentido de
explicitação específica do caráter genérico da lei. É o caso das Diretrizes
15 Portarias são expedidas por escalões abaixo do chefe do Executivo para efeito de decisões de efeito interno relativas ao
bom andamento funcional de processos administrativos.
16 Deve-se observar que a maior parte desses pareceres refere-se a processos de autorização e de credenciamento.
17 Esses dados foram retirados da página oficial do CNE no Portal MEC www.mec.gov.br.
Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB
28
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
Nacionais Curriculares que cobriram toda a educação básica, bem como o
das Diretrizes do Plano de Carreira do Magistério do Ensino Público –
ensino fundamental. Mais ainda: devem-se consultar as Diretrizes
Curriculares Nacionais das áreas de conhecimento do ensino superior. Tais
diretrizes, em que pese a necessidade de sua constante avaliação periódi-
ca, viabilizaram a LDB por serem um marco regulatório da educação naci-
onal, especialmente quando os currículos mínimos deixaram de ser esta-
belecidos pela União.18
Não é fácil atravessar esse denso e emaranhado caminho de tantos
diplomas legais ordenadores da educação escolar como também não se pode
ser simplista na avaliação dessa atuação. E há que se considerar a ação
similar dos Conselhos Estaduais, Municipais que estão desenhando aspectos
de um padrão federativo da educação nacional ainda pouco conhecido.
Um pequeno balanço
O que se pode dizer, preliminarmente, é que a Lei nº 9.394/96
enquanto lei nacional teve um impacto tanto na educação superior quan-
to na educação básica. Repare-se que o art. 92 já revogava expressamente
as leis de educação anteriores.19 Mas como lei específica, o maior impacto
deu-se na educação superior cuja expansão, mercê da flexibilidade posta
na lei, foi espetacular. Já as alterações fundantes da educação básica fo-
ram prefiguradas na Constituição e, em certa medida, antecipadas pelo
ECA. Além da regulamentação nacional, a lei deveria ser aclimatada pelos
sistemas de ensino.
No caso da educação básica, a CF/1988 criava os sistemas de ensino
por colaboração recíproca, a gestão democrática, a gratuidade em todo o
ensino público, o financiamento vinculado, o direito público subjetivo, o en-
sino obrigatório, a autonomia dos sistemas e o Plano Nacional de Educação.
A LDBEN fará a importante distinção entre educação e educação
escolar. A primeira expressando-se por uma grande abertura para processos
18 Sobre a tensão entre Diretrizes Curriculares e Parâmetros Curriculares, cf. Parecer CNE/CEB nº 03/97.
19 Restaram preservados poucos artigos da Lei nº 4.024/61 e da Lei nº 5.540/68.
29
formativos, sobretudo extra-escolares e gozando de alto grau de liberdade.
Já a segunda é propriamente a educação escolar e que é disciplinada pelo
próprio emergir da LDB. Isso pode ser verificado logo no artigo 1º da LDB e
seus respectivos parágrafos. O acolhimento dessa distinção permite que haja,
na educação escolar, a valorização seletiva de dimensões educativas trazidas
por processos educativos mais amplos do que a escola.
Por sua vez, a LDB, na condição de lei específica da educação
escolar e dentro dela o ensino, terá grande impacto na relação com os
estabelecimentos, seja pela abertura propiciada pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais via Lei nº 9.131/95 associada à flexibilidade da Lei nº 9.394/96,
seja pela liberdade na organização pedagógica dos estabelecimentos,20
com o acolhimento dos projetos pedagógicos, com a extensão de dias
letivos de 180 para 200 dias, com a determinação da hora como direito do
aluno e com o enfoque no direito do aluno a ter uma aprendizagem com
padrão de qualidade e, mais recentemente, com o ensino obrigatório de
nove anos.
Outro momento significativo da LDB é o do acolhimento do con-
ceito de educação básica como seqüenciação articulada das etapas da
educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio como direito
da cidadania.
Se o princípio da instauração da educação pública repousa no
direito de todo aluno em ter uma aprendizagem qualificada, então a
educação pública tem suas matrizes no princípio da igualdade, do ensi-
no comum e da busca de uma qualidade contemporânea às urgências do
conhecimento.
Já o direito relativo à iniciativa privada oferecer educação escolar
se apóia na liberdade de ensino, garantida a presença legal do Estado
nessa matéria. E o princípio de liberdade de ensinar algo diferente, expres-
so no ato autorizativo, é garantido uma vez que estejam presentes os
elementos comuns da organização da educação nacional e desde que esse
diferencial seja conseqüente com os princípios de uma sociedade demo-
crática e plural.
20 Uma parte dos sistemas públicos adotou o regime de ciclos, enquanto as redes privadas dos sistemas preferiram continu-
ar com a seriação (cf. Negreiros, 2004).
Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB
30
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
As alterações na lei, relativas à educação escolar e anteriormente
sinalizadas, devem ser contextualizadas, analisadas caso a caso e avalia-
das pelo grau de aproximação com os critérios clássicos do acesso, perma-
nência e qualidade.
Além disso, há que se verificar o impacto dessas leis nos sistemas de
ensino que, por lei, são responsáveis pela oferta do conjunto das etapas da
educação básica.
E chega o Fundef
Dado o padrão federativo da República e o regime de autonomia
dos entes federativos, o impacto maior sobre a educação básica advirá da
Emenda Constitucional nº 14/96 e da Lei nº 9.424/96 (lei do Fundef).
O Fundef representa a chegada (polêmica) de uma longa trajetória
na busca de uma vinculação financeira para a educação obrigatória no
regime federativo republicano cujo disciplinamento em matéria de
destinação sempre esteve na pauta de educadores. A figura de um Plano
Nacional de Educação, já em 1934, e o custo-aluno-ano posto no salário-
educação representam iniciativas de expansão planejada das etapas do
ensino e o apoio de recursos a serem bem administrados.
Esse custo e essa expansão se cruzam com a demanda histórica dos
entes federativos pela complementação financeira da União para com os
ônus do ensino obrigatório. Tal demanda se refere à efetivação
implementadora de fundos para a educação. Pode-se afirmar que tal de-
manda é nítida no regime da Constituição de 1934 e vai tomando figura
no regime estadonovista, desde a Conferência Nacional de Educação de
1941 até a redemocratização em 1946.21
Os cálculos do custo do então ensino primário explicitam-se em sua
ligação com os estudos relativos à figura do salário-educação. O então Insti-
tuto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) foi acionado para realizar estu-
dos com esse fim, nos quais foi ativa a participação do professor Carlos Pasquale.
21 Se no salário-educação deve-se destacar a figura de Carlos Pasquale, no caso da efetivação dos fundos deve-se afirmar
a presença de Teixeira de Freitas. Para a biografia de ambos, ver Fávero e Britto, 2002.
31
Anísio Teixeira, em seu clássico Educação é Direito, é o ponto de
encontro desses dois projetos com vistas a um financiamento sólido do
ensino fundamental (cf. Amaral, 2001),22 síntese que terá seu ápice em
1994 com a Conferência Nacional de Educação (cf. Vieira, 2000).
O governo Fernando Henrique Cardoso tomará os projetos nasci-
dos dessa Conferência e dar-lhes-á um rumo peculiar em conjunto com
sua política descentralizante. Não fora a grave omissão desse mesmo
governo em cumprir a equação aritmética por ele mesmo defendida na
Lei nº 9.424/96 para o valor do custo-aluno-ano e o Fundef, mesmo
remodelado conservadoramente, poderia ter tido uma efetivação muito
mais conseqüente.23
Essa efetivação se deu pela clarasubvinculação de impostos para o
ensino fundamental; pelo disciplinamento dos recursos mediante meca-
nismos de financiamento significando uma minirreforma tributária; pela
maior clareza quanto às responsabilidades dos governos na oferta desse
ensino e pela constituição de conselhos de controle social e financeiro dos
recursos.24
Apesar da efetivação, incompleta, lacunosa por conta da escan-
dalosa omissão do poder público da União em trazer sua parte na cons-
tituição do Fundo, ainda assim essa focalização propiciou uma menor
distância entre regiões do País em matéria de dispêndio com essa etapa
da educação básica e auxiliou na universalização do acesso ao ensino
fundamental.
Mas não se pode deixar de apontar que, dentro do conceito de
educação básica, a focalização no ensino obrigatório deixou em segundo
plano políticas consistentes de expansão da educação infantil, de ensino
médio e respectivas modalidades. Essa lacuna, na etapa inicial e final da
educação básica é uma das razões que condicionam um mau desempenho
do conjunto dos estudantes do ensino fundamental.
22 Esse artigo explora as similitudes e diferenças entre os dois "Fundefs".
23 Calcula-se em mais de R$ 12 bilhões o passivo deixado pelo governo FHC no âmbito do Fundef em que pese as sucessivas
cobranças do Tribunal de Contas da União (TCU).
24 Para uma análise do Fundef do ponto de vista da descentralização sem a consideração da omissão da União (cf. Oliveira
e Rezende, 2003).
Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB
32
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
Outros pontos
Digna de nota é a articulação entre o ensino médio e a educação
profissional.
De um lado, há que se apontar o avanço quanto à concepção do
ensino médio posta na LDBEN, integrando-o à educação básica e qualifi-
cando-o como momento formativo e conclusivo. De outro lado, não se
deixar de considerar que a educação profissional representa um momento
de manifestação do caráter classista da sociedade capitalista e que sua
efetivação carrega o ônus de ser, ao mesmo tempo e em proporções dis-
tintas, imposição e escolha.
A Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio que
toda e qualquer educação visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
(cf. art. 205). Esse princípio é retomado pelo art. 2º da LDB, após o reco-
nhecimento da importância da vinculação entre mundo escolar e mundo
do trabalho. Assim, a educação profissional, modalidade escolar estratégi-
ca do esforço da nação em prol de uma igualdade de acesso aos múltiplos
bens sociais, participa desse princípio e sob esta luz deve ser considerada.
Apesar do peso que a acomete, a educação profissional, longe de redu-
zir-se a uma rede paralela e secundarizada dentro de um sistema dualista,
pressupõe a educação básica para todos e dentro dessa, em especial, o seu
nível obrigatório: o ensino fundamental. E para sua realização em nível mé-
dio, completada com o respectivo diploma, exige-se, obrigatoriamente, o seu
correspondente formativo: o certificado do ensino médio da educação básica.
Por isso mesmo, a Lei nº 9394/96, em seu parágrafo único do art.
39 abre a possibilidade de acesso à educação profissional a todo o cidadão
e, reforçando dimensões passadas duramente conquistadas, faculta o en-
sino superior a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equi-
valente (art. 44, II).
Já o Decreto nº 2208/97, em seu art. 3º, II, expressando a urgência
contemporânea do ensino médio na formação de todos, determinou que o
nível técnico da educação profissional, a rigor um nível médio, seja
concomitante ou conseqüente ao ensino médio geral. Entretanto, ao arre-
pio da própria LDB no art. 36, § 2º, o Decreto, em seu art. 5º, interditava
uma forma integrada entre ambas as organizações curriculares.
33
Ora, o caminho da correlação entre educação profissional e demo-
cracia supõe a possibilidade de uma escolha por parte dos indivíduos de
tal modo que o acesso a essa modalidade de oferta educacional não seja
calcada em fatores sociodiscriminatórios. Por outro lado, tais fatores im-
põem ao indivíduo uma heteronomia advinda de mecanismos sociais que
o impede de se construir como sujeito e se reconhecer como livre para
uma opção autônoma, ainda que sempre relativa e, portanto, arriscada e
incerta. O direito de cada um construir-se como sujeito significa não só
opções diferenciadas em torno de valores e vias profissionais, mas também
a crescente estima de si em sua personalidade.
Ponderando essa realidade e a clara infringência à LDBEN, a lei
retomou seu curso com a substituição do Decreto nº 2.208/97 pelo Decre-
to nº 5.154/04 que restabelece a correlação integrada entre o ensino mé-
dio e a educação profissional.25
Antecipando ao Decreto, afirma Cunha (2001, p. 99):
Dentre as mudanças ocorridas na educação brasileira nos anos 90, verifica-
se a inflexão da tendência que se definia desde os anos 40: a progressiva
fusão entre a educação geral - propedêutica e a educação técnico-profissi-
onal cedeu lugar a uma tentativa de cisão entre elas... atenuada pela exi-
gência de que o curso técnico somente poderá outorgar certificados para
os alunos que tenham também concluído o ensino médio...
O Decreto nº 5.154/04, além de reabrir a possibilidade de a União
investir na abertura de Escolas Técnicas, caminhou o sentido de uma pro-
gressiva fusão entre a função formativa e a propedêutica garantida a fun-
ção profissionalizante.
Outro ponto a ser destacado na LDB é a maior consciência e presença
do direito à diferença. A LDB, apoiada na Constituição, passou a reconhecer,
afirmaria Bobbio (1992) “direitos de especificação" tais como os relativos às
fases da vida, estado normal e excepcional, populações indígenas e negras
entre outros (cf. Parecer CNE/CEB nº 03; Res. CNE/CEB nº 01/04; Cury, 2005).
Nessa matéria, houve significativa normatização desses assuntos
no Conselho Nacional de Educação como é o caso, por exemplo, das
25 De certa forma o Parecer CNE/CEB nº16/99 avizinhava-se da lei de modo cauteloso e tateante. Para uma análise crítica
do último decreto, ver Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005.
Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB
34
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
pessoas com necessidades educacionais especiais, das comunidades in-
dígenas e da educação de jovens e de adultos. Pode-se dizer também
que as políticas de focalização ganharam certa continuidade positiva
dentro de alguns programas governamentais federais.26
O que resta a fazer
Nesses dez anos, o acesso ao ensino fundamental chegou a pouco
mais de 97% de crianças na faixa etária obrigatória. Resta enfrentar os
desafios da permanência no ensino fundamental, ampliar o acesso na
educação infantil e no ensino médio e garantir uma via para a tão neces-
sitada qualidade para todas essas etapas.
Nesse sentido, vale afirmar que a efetivação do atual Plano Nacio-
nal de Educação (PNE) em suas metas e objetivos já seria um monumental
avanço.
Por outro lado, está em tramitação na Câmara dos Deputados, em
fase conclusiva, a emenda constitucional (Câmara/PEC original nº 536-E/
97 e agora PEC nº 09/06) do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).27
Caso aprovada essa emenda e caso aprovada a lei de regulamentação da
mesma, pode-se esperar uma mudança na composição e distribuição dos
recursos em educação. Abrem-se as portas para maior atendimento do
ensino médio, da educação infantil e da educação de jovens e adultos
(EJA) dado o maior percentual subvinculado e um aporte de
complementação “carimbado" pela União. Mesmo assim restará o que
fazer com os vetos apostos pelo governo anterior ao Plano Nacional de
Educação (cf. CF/88 art. 57, parágrafo 3º, V, art. 66 e art. 84, V).
Ainda que o Fundeb, como o Fundef, preveja 60% de cada seg-
mento do Fundo para o pagamento do magistério, resta a ansiada valori-
zaçãodo magistério seja na sua remuneração por meio de um salário
26 Atualmente, segundo o Relatório do FNDE de 2005, esse órgão executa ou apóia 14 programas e uma operação especial.
Deles decorrem 75 diferentes ações.
27 No momento de fechamento deste artigo, ainda faltava uma votação na Câmara dos Deputados para então subir à
sanção presidencial.
35
profissional nacional mínimo, seja na sua formação continuada, seja na
obrigação de as instituições de ensino superior oferecerem uma sólida
formação inicial.
Os indicadores da situação socioeconômica-cultural dos docentes
(cf. Codo, 1999; Unesco, 2004; Vieira, 2003) exigem políticas que garan-
tam possibilidades de educação continuada, aperfeiçoamento profissio-
nal, valorização salarial e, conseqüentemente, maior auto-estima e maior
índice de compromisso profissional. São medidas cruciais, caso se queira,
de fato, a qualidade da educação escolar como resultante do acesso e da
permanência dos estudantes.
De qualquer modo, o papel da União no apoio seguro aos ônus repre-
sentados pelo investimento na educação básica, continua crucial para os es-
forços em prol da democratização universalizada da educação escolar.28
O empenho até agora realizado, apesar de alguns avanços alcança-
dos, ainda não foi suficiente para cumprir os dispositivos constitucionais e
legais de nosso ordenamento jurídico. A realidade educacional continua
apresentando um quadro severo muito aquém dos benefícios que a edu-
cação desencadeia para o conjunto social e encontra-se longe das pro-
messas democráticas que ela encerra.
Estamos diante de um desafio instaurador de um processo que
amplia a democracia e educa para a cidadania, rejuvenesce a sociedade e
irriga a economia e da necessidade de uma saída urgente para uma educa-
ção de qualidade. Uma saída que obedeça aos ditames da razão que a
educação inaugura. O Estado que não assume essa via decreta sua perdi-
ção. A sociedade que não busca essa saída aceita a autoridade da submis-
são e refuga o caminho da autonomia.
Para sair de uma condição que nos constrange, em vários aspectos, a
um confinamento educacional próprio do século XIX, é preciso que a socie-
dade e o Estado pactuem um novo esforço em prol da educação sem o qual
não ultrapassaremos os limites dos avanços até agora celebrados. O futuro
não espera! Só uma política de Estado que presentifique o potencial da
28 Em 15/10/06 o Executivo encaminhou projeto de lei que altera o art. 62 da LDB pondo sob o regime de colaboração a
promoção da formação inicial, continuada e capacitação dos profissionais do magistério usando os recursos da EAD. Tal
formação, de acordo com outro projeto de lei, deverá contar com o apoio da Fundação Capes, especialmente por meio dos
recursos e tecnologias de educação a distância.
Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB
36
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
educação será capaz de superar as contradições e as barreiras que impedem
a construção de uma democracia mais ampla.
Se quisermos associar democracia e modernidade, ou o país como
um todo toma a decisão inadiável e necessária de priorizar a educação
básica como tarefa inadiável ou perderemos, todos, a velocidade da história.
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2
Educação Superior no Brasil –
10 anos pós-LDB:
da expansão à democratização
Dilvo Ristoff*
* Diretor de Educação Básica Presencial/Capes.
40
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
41
Decorridos dez anos depois da aprovação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), persistem grandes desa-
fios para a educação superior brasileira. Transformações de toda ordem
desencadearam-se nesse período, em decorrência das políticas educacio-
nais implantadas sob orientação de organismos econômico-financeirosmultilaterais configurando um quadro de elitização e privatização desse
nível de ensino. A educação superior brasileira continua excludente e ina-
cessível a uma parcela significativa da população brasileira, em especial
para os jovens das classes trabalhadoras.
Para analisar o período pós-LDB (1996-2004), faz-se necessário
identificar as características básicas da educação superior brasileira, sinte-
tizadas em dez itens:
a) Expansão;
b) Privatização;
c) Diversificação;
d) Centralização;
e) Desequilíbrio regional;
f) Ampliação do acesso;
Educação superior no Brasil –10 anos pós-LDB:
da expansão à democratização
42
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
g) Desequilíbrio de oferta;
h) Ociosidade de vagas;
i) Corrida por titulação;
j) Lento incremento na taxa de escolarização superior.
A expansão, que não pode ser confundida com democratização,
define-se pelo crescimento expressivo do sistema, com índices que, no
período, chegam a, aproximadamente, 120%, para as instituições e as
matrículas, e 180%, para os cursos de graduação presencial.
A privatização pode ser constatada pelo crescimento, principalmente,
das instituições privadas, com essas instituições atingindo em 2004 uma
representatividade de 90% do total das instituições; 65% do total dos
cursos e 70% do total das matrículas da educação superior.
A diversificação tem a ver a um só tempo com a superação do
modelo único de instituição de educação superior e com a aguda
banalização do termo universidade, decorrente da rápida perda de
centralidade por parte das universidades, tal qual definido na Constituição
Brasileira de 1988, isto é, instituições autônomas de ensino, pesquisa e
extensão, de preferência com espaços para estudos avançados, com pro-
gramas de mestrado e doutorado e com linhas de pesquisa clara e forte-
mente definidas. As universidades, que em 1996 representavam um
percentual pequeno (14,8%) em relação ao total das instituições, em 2004
passaram a representar apenas 8,4%, sendo confundidas no imaginário
popular com centros universitários e pequenas faculdades – instituições
exclusivamente dedicadas ao ensino de graduação.
A centralização refere-se principalmente ao sistema regulatório da
educação superior do País. Tendo em vista que a expansão da educação
superior se deu predominantemente por meio da iniciativa privada, a edu-
cação superior brasileira experimentou uma centralização progressiva no
sistema federal, que hoje representa 93% das instituições de educação
superior. Isso significa afirmar que 93% das cerca de 2.300 IES dependem
da União para o seu sistema regulatório, com evidentes e sérias implica-
ções sobre o processo de autorização, reconhecimento, renovação de re-
conhecimento, credenciamento e recredenciamento e, igualmente, sobre
os processos avaliativos.
43
O desequilíbrio regional caracteriza-se principalmente pela
Sudestificação da educação superior. Os quatro Estados da Região Sudes-
te representam cerca da metade das instituições, cursos e matrículas do
Brasil. O predomínio da Região Sudeste, embora venha diminuindo desde
1996, ainda continua sendo um fenômeno expressivo.
A ampliação do acesso nos remete ao fato de que a expansão da
educação superior não teve apenas um sentido de ampliação geográfica,
mas também um sentido de ampliação de oportunidades de acesso para
setores da classe média até então excluídos desse nível de ensino. Esta
ampliação do acesso confunde-se em grande parte com o próprio proces-
so de privatização, pois ocorreu principalmente como resultado da forte
excludência historicamente reinante nas universidades públicas.
O desequilíbrio de oferta pode ser observado no panorama das “vo-
cações" profissionais dos jovens brasileiros, com alguns poucos cursos (Ad-
ministração, Direito e Pedagogia) dominando largamente as matrículas e
revelando uma despreocupação nacional crônica com um projeto nacional
de desenvolvimento e com uma imagem de futuro para o País.
A ociosidade crescente de vagas talvez tenha sido uma das mais
chocantes realidades desde 2003, pois ocorre ao mesmo tempo em que
milhares de jovens buscam a educação pós-média. Em 2004, do total de
vagas disponíveis na educação superior (2.320.421), apenas 1.303.110
(56,2%) foram preenchidas, permanecendo ociosas 1.017.311 vagas (43,8%).
Em 2003, pela primeira vez na história da República, o número de vagas
na educação superior superou o número de concluintes do ensino médio.
A corrida por titulação deve-se em boa parte às exigências
estabelecidas na LDB (Lei nº 9.394/1996) para as universidades. Pode-se
afirmar que as funções docentes estão se qualificando em um ritmo que
acompanha o crescimento do sistema de educação superior, embora os
dados do último Censo da Educação Superior (2005) revelem que a titulação
de doutores cresce em ritmo mais acelerado nas instituições públicas, ou
seja, nas instituições que já detêm os mais altos percentuais de doutores
em seu quadro docente.
O incremento na taxa de escolarização superior, embora muito dis-
tante do preconizado pelo Plano Nacional de Educação (PNE) e sabidamente
minado pelo elitismo histórico instalado, vem ocorrendo. A incorporação
de significativos contingentes de pessoas acima de 24 anos, que estiveram
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da expansão à democratização
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Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
excluídos da educação superior, além de revelar a grave e crônica defasa-
gem idade-série em algumas regiões do País, tem pouco efeito sobre a
população que entra no cômputo do PNE, pois 40% de nossos estudantes
estão fora da idade apropriada (18 a 24 anos). Em 2004, apenas 10,4% da
população de 18 a 24 anos estavam matriculados na educação superior.
Esses percentuais não só estão entre os mais baixos do mundo, mas colo-
cam o País na vexatória situação de desperdiçar o potencial de milhões de
pessoas que poderiam contribuir com o desenvolvimento nacional e com a
melhoria da qualidade da vida.
Mantido o atual ritmo de crescimento, deveremos chegar ao ano de
2011 com cerca de 9 milhões de estudantes universitários. Parece muito,
mas não é! Se quisermos atingir a meta do Plano Nacional de Educação
(30% dos jovens de 18 a 24 anos matriculados na educação superior, com
40% das matrículas em instituições públicas), vamos precisar de bem mais
do que o crescimento inercial instalado.
Se por um momento lembrarmos que, nos últimos dois anos, pela
primeira vez na história do País, tivemos mais vagas na educação superior
do que concluintes do ensino médio e que 42% das vagas oferecidas nas
instituições de ensino superior (IES) privadas permaneceram ociosas, fica
evidente que, para garantir a migração desejada de cérebros e pessoas
para a educação superior, será necessária uma participação maior do po-
der público. O mercado, por si só, ao contrário do que sonharam alguns,
não conseguirá viabilizar esse importante projeto de Estado.
É fundamental perceber que a expansão dos últimos anos ocorreu
principalmente pelo setor privado, que hoje representa 90% das instituições.
Quando esse setor deixa quase a metade de suas vagas ociosas, quando índi-
ces alarmantes de inadimplência o desestabilizam e quando a evasão ameaça
inviabilizar mesmo cursos de altíssima demanda, fica evidente que a sua capa-
cidade de expansão está próxima do limite. Junte-se a isso o fato de que os
mais de 9,5 milhões de estudantes do ensino médio têm renda familiar 2,3
vezes menores do que a dos estudantes que hoje estão na educação superior.
O IBGE nos informa, há algum tempo, que entre os estudantes do ensino
médio, há milhões deles tão pobres que, mesmo que a educação superior seja
pública e gratuita, terão dificuldades de se manterem no campus.
Como esse quadro só tende a piorar com a universalização da edu-
cação básica – que trará exércitos de carentes às portas do campus nos
45
próximos anos – falar apenas em expansão é insuficiente. Se é verdade
que a expansãoda educação privada teve o mérito de fazer com que o
vestibular deixasse de ser um trauma na vida de pais e filhos da classe
média, é também verdade que ela, para os filhos das classes baixas, até a
chegada do Programa Universidade para Todos (ProUni), tinha trazido
apenas promessa. Esses, porque não conseguem nem vencer a excludência
do campus público, nem pagar os altos preços do campus privado, conti-
nuam fora da educação superior.
Se a palavra de ordem da década passada foi expandir, a desta
década precisa ser democratizar. E isto significa criar oportunidades para
que os milhares de jovens de classe baixa, pobres, filhos da classe traba-
lhadora e estudantes das escolas públicas tenham acesso à educação su-
perior. Não basta mais expandir o setor privado – as vagas continuarão
ociosas; não basta aumentar as vagas no setor público – elas apenas faci-
litarão o acesso e a transferência dos mais aquinhoados.
A democratização, para acontecer de fato, precisa de ações mais
radicais – ações que afirmem os direitos dos historicamente excluídos, que
assegurem o acesso e a permanência a todos os que seriamente procuram
a educação superior, desprivatizando e democratizando o campus público.
O ProUni, a criação de novos campi nas instituições federais de ensino
superior (Ifes), a proposta, sempre tímida, de expansão do ensino noturno
público, a criação de novas universidades federais, a proposta de conver-
são da dívida dos Estados em investimentos na educação, a criação da
Universidade Aberta, a expansão da educação a distância, a criação de
bolsas permanência, a retomada das contratações de docentes e técnicos,
são algumas das ações que apontam para o caminho da democratização.
Há, no entanto, necessidade de se tornar a democratização
indissociável da expansão nos campi públicos, onde permanece fortemen-
te enraizada a noção de que expandir significa piorar a qualidade. Lamen-
tavelmente, escapa à maioria de nós, a percepção de que se preocupar
apenas com a qualidade, sem pensar em quantidade, significa a preserva-
ção de um sistema elitista e excludente! O estranho é que quando a ex-
pansão do setor privado veio beneficiar a classe média, o campus público,
salvo honrosas exceções, fez de conta que a questão não era com ele;
quando, há dois anos, a renúncia fiscal tornou viável a concessão de bol-
sas para centenas de milhares de jovens pobres, no mesmo setor privado,
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da expansão à democratização
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Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
o seu protesto foi veemente; agora que a democratização quer dar um
passo adiante para atender aos mais carentes, no espaço público, muitos
se escudam na autonomia e se escondem atrás da qualidade. “Vai piorar a
qualidade" é a ladainha da moda, que evidentemente nega, sem escrúpu-
los, os dados dos processos seletivos do ProUni que comprovam de forma
insofismável: os alunos do ProUni têm desempenho na maioria das vezes
superior ao desempenho dos estudantes que ingressam pelas vias tradici-
onais!1 E assim, democratizar o campus público permanece, no campus
público, ironicamente um tabu. A menos que consigamos mudar essa cul-
tura, grande parte do esforço pela recuperação da centralidade da univer-
sidade pública e gratuita torna-se sem sentido.
Precisamos vencer a afirmação secular, repetida cotidianamente na
grande mídia e em textos acadêmicos mundo afora, de que o campus é
um espelho da sociedade e de que ele a reflete em todas as suas peculia-
ridades, privilégios, comoções e injustiças. Os dados mostram que o campus
pode até ser um espelho da sociedade, mas é com certeza do tipo que
distorce. Contas feitas, a conclusão a que se chega é uma só: sob muitos
aspectos, os cursos de graduação não reproduzem, mas hipertrofiam as
desigualdades sociais existentes.
A oportunidade de acesso para estudantes pobres é um bom exem-
plo. Estudantes com renda familiar de até três salários mínimos, que na
população brasileira representam 50%, na Enfermagem e na Educação
Física – cursos com percentuais mais próximos da realidade – representam
apenas cerca de 30%. Essa distorção se torna mais gritante na Odontolo-
gia e na Medicina nos quais 50% passam a ser apenas 10,5% e 8,8%,
respectivamente. Ou seja, como ressaltam os casos da Enfermagem e da
Educação Física, mesmo o que no campus mais se aproxima da realidade
está profundamente distorcido, e para pior.
Quando se olha a questão pelo viés dos mais ricos (mais de dez
salários mínimos de renda familiar), percebe-se que uma pequena minoria
na sociedade se torna uma grande maioria no campus. É bom lembrar que
1 Os estudantes do ProUni tiveram desempenho superior em todas as 15 áreas do conhecimento avaliadas pelo Exame
Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) em 2006, comprovando o que relatórios freqüentes de reitores, pró-
reitores e coordenadores de curso já haviam informado.
47
na sociedade, esse grupo representa 11,8%. Na Enfermagem, é verdade, ele
representa algo bastante próximo – 15%; na Odontologia e na Medicina, no
entanto, os 11,8% de ricos tornam-se 52% e 67%, respectivamente.
A representação por cor/raça, da mesma forma, mostra que entre
os dez cursos mais brancos cinco estão da área da saúde (Odontologia,
Veterinária, Farmácia, Psicologia e Medicina) – todos com mais de 77% de
representação de brancos. Na população, os brancos representam 52%.
Entre os cursos da área com os menores percentuais de brancos estão
Enfermagem, com 67%, e Biologia, com 69%. Conclusão: mesmo nos
cursos menos brancos, o campus distorce significativamente os percentuais
da sociedade.
Com intensidade ainda mais dramática, o espelho do campus distorce
as proporções dos estudantes originários das escolas públicas – grupo
fortemente sub-representado tanto na educação superior pública quanto
na privada: nas Ifes e nas IES privadas sua representação é de 43%, isto é,
inferior à metade dos 87% que representa no ensino médio. Nos cursos, a
desproporção pode ser maior: apenas 18% dos estudantes de Odontologia
e 34% dos estudantes de Medicina cursaram todo o ensino médio em
escola pública. É necessário inferir, portanto, que para um aluno originá-
rio do ensino médio privado e pago a oportunidade de chegar à educação
superior, em especial em cursos de alta demanda, é várias vezes superior à
de seus colegas originários da escola pública e gratuita.
O espelho do campus também distorce as proporções dos sexos. Os
cursos da saúde, por exemplo, são quase todos majoritariamente femini-
nos, estando fortemente marcados por questões mal resolvidas de gênero:
das 14 áreas, apenas em Educação Física os homens ainda são maioria.
Como os homens são maioria na sociedade até os 20 anos de idade, isto é,
durante o período correto de ingresso na educação superior, é estranho
descobrir que a proporcionalidade não esteja mantida. Justificativas à parte,
está equivocada a afirmação de que o espelho do campus simplesmente
reflete a sociedade.
Talvez pudéssemos argumentar que o campus reflete os vários brasis
que temos, com todas as suas desigualdades regionais e estaduais. Afinal,
quando dizemos que o Brasil forma um médico e um dentista para apro-
ximadamente 19 mil habitantes e que no Norte essa proporção é de um
para mais de 40 mil e no Nordeste um para mais de 33 mil, estamos
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da expansão à democratização
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Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
também dizendo que vivemos em um país bastante desigual na formação
de profissionais. No entanto, mesmo essa desigualdade parece mais refra-
tada do que refletida: os campi do Rio de Janeiro, Estado com 8,4% da
população, formam 24% dos médicos do Brasil, enquanto há Estados que
ainda não formaram um único médico, dentista ou enfermeiro. As desi-
gualdades no campus em geral superam as projetadas pela sociedade.
Como o crescimento dos cursos mostra-se muito desigual (nos últi-
mos 14 anos, Fisioterapiae Enfermagem cresceram 741% e 443%, enquan-
to Medicina e Odontologia cresceram apenas 38% e 50%, respectivamente),
é fácil perceber que as políticas públicas para a formação na saúde precisam
estar ancoradas nas realidades específicas de cada uma das áreas do conhe-
cimento vis-à-vis as demandas dos Estados e da sociedade em geral.
Só com políticas de expansão, combinadas com a democratização do
acesso e da permanência, como as em implantação, é possível fazer com
que o campus deixe de ser este espelho que aguça as nossas distorções e se
torne uma lâmpada que ilumine os caminhos rumo à igualdade de oportu-
nidades para todos. Afirmar que o campus apenas reflete a sociedade equi-
vale a atribuir-lhe um papel passivo que, como demonstram os dados, ele
certamente não tem. Significa também retirar dele o papel de agente capaz
de interferir de um modo mais desejável na realidade existente.
Diante desse quadro, ficam evidentes os dez grandes e imediatos
desafios da educação superior que precisam ser enfrentados pelo País nos
próximos anos:
Desafio 1: Superar a expansão da oferta de vagas para chegarmos à
efetiva democratização do acesso e da permanência dos estudantes de
baixa renda.
Desafio 2: Buscar um equilíbrio mais adequado entre o público e o
privado. A meta estabelecida no PNE, embora aparentemente modesta,
deve ser buscada por meio da aceleração do crescimento das matrículas
públicas, em ritmo consideravelmente superior ao das matrículas privadas,
sem desacelerar o ritmo de crescimento do setor privado.
Desafio 3: Trabalhar a diversidade institucional em estreita relação de
seus objetivos aos objetivos maiores do Estado brasileiro, de seu desenvolvi-
mento, de sua economia, de sua cultura, e das necessidades de sua gente.
Desafio 4: Organizar uma cooperação mais intensa da União com
os entes Federados, de modo a evitar a balcanização do sistema educaci-
onal superior.
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Desafio 5: Buscar, por meio de políticas compensatórias, um equi-
líbrio entre a oferta de educação nas diversas regiões do País e a represen-
tação percentual da população na sociedade brasileira.
Desafio 6: Manter a oferta de financiamento estudantil para filhos
de classe média baixa e ampliar o financiamento para jovens de classe baixa,
entre eles os do ProUni, que por vezes são tão pobres que mesmo com a
bolsa do ProUni encontram dificuldades para se sustentarem no campus.
Desafio 7: Induzir o desenvolvimento com a criação de novos cur-
sos de graduação em áreas do conhecimento, por exemplo, Ciências Agrá-
rias e Aqüicultura, que têm papel estratégico para o desenvolvimento do
País, e representação até o momento muito pequena no conjunto da edu-
cação superior.
Desafio 8: Superar a ociosidade das vagas no ensino superior priva-
do com programas de valorização do ensino médio e de políticas mais
agressivas de financiamento estudantil, acompanhada da expansão da oferta
pública e de racionalização da oferta no setor privado.
Desafio 9: Manter a política de apoio à titulação no setor público e
induzir o setor privado a ampliar seus investimentos em capacitação de
mestres e, especialmente, de doutores.
Desafio 10: Não abrir mão do sonho de chegarmos a 2011 com
30% dos jovens da faixa etária apropriada na educação superior, aumen-
tando gradativamente os investimentos públicos em educação até chegar
a 7% do Produto Interno Bruto (PIB).
São estes os grandes desafios que a realidade revelada pelos núme-
ros do Censo da Educação Superior, nos últimos 15 anos, nos impõe. A
superação dos desequilíbrios apontados e a construção de um sistema de
educação superior mais equânime e de melhor qualidade implicam, salvo
melhor juízo, em colocar esses desafios como prioridades inarredáveis da
agenda nacional.
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II – A EDUCAÇÃO SUPERIOR
EM DEBATE 10 ANOS PÓS-LDB
A) Acesso
3
Reforma da Educação Superior:
o debate sobre a igualdade no acesso*
Deise Mancebo**
* Versão preliminar desse texto foi apresentada na XXIX Reunião Anual da ANPEd, em 2006, no colóquio “A educação
superior na América Latina: o debate sobre a igualdade no acesso às universidades".
** Doutora em História da Educação (PUC/SP); pós-doutorado pela USP; professora e pesquisadora do Programa em
Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPFH/Uerj) e do Programa de Psico-
logia Social da mesma universidade; e-mail: mancebo@uerj.br.
57
Introdução
Profundas reestruturações ocorreram nos sistemas educacionais la-
tino-americanos, nos últimos 25 anos, por conta da adoção do receituário
neoliberal pelos governos desses países.
Muito se tem escrito acerca do neoliberalismo e não é minha inten-
ção, neste trabalho, insistir em reiterações desnecessárias. Interessa-me
reafirmar, no entanto, alguns aspectos sobre a natureza e o sentido que
esse projeto tem assumido na educação e, especificamente, na educação
superior, mesmo porque, como uma alternativa política, econômica, soci-
al, jurídica e cultural para a crise econômica do mundo capitalista, inicia-
da com o esgotamento do regime de acumulação fordista, em finais dos
anos 1960, o neoliberalismo representa uma necessidade global de
restabelecimento da hegemonia burguesa, trazendo implicações não só
para a vida econômica, mas também para as diversas relações que se esta-
belecem entre os homens.
No campo educacional, com a adoção da pauta neoliberal, estabe-
leceu-se em todos os países do continente, uma série de medidas, enfeixadas
Reforma da educação superior:
o debate sobre a igualdade no acesso
58
Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB
ou não sob a denominação de reformas, que, para além das especificidades
locais, evidenciaram uma profunda redefinição do papel do Estado na sua
relação com a educação. Na realidade, em consonância com o receituário
mais geral, assistiu-se a uma retração financeira do Estado na prestação
de serviços sociais (incluindo educação, saúde, pensões, aposentadorias,
entre outros) e a subseqüente privatização ou, pelo menos, tentativa de
privatização, desses serviços. Tratou-se, portanto, de uma redefinição do
Estado em termos classistas, com redução de suas funções de cunho social
universalista, e da ampliação do espaço e do poder dos interesses privados.
A educação não escapou dessa reordenação mais geral, de modo
que os sistemas educacionais foram submetidos a profundos processos de
privatização em nome dos benefícios supostamente advindos do livre
mercado.
No entanto, o discurso neoliberal em defesa do Estado-mínimo e a
conseqüente estagnação ou redução da prestação de serviços públicos
não deve levar à confusão de se supor que o Estado esteja se retirando da
cena econômica e política. Pelo contrário, ele permanece com forte parti-
cipação em um sentido social amplo. No campo educacional, por exem-
plo, o chamado Estado-avaliador priva-se do financiamento da educação,
ou pelo menos, reduz drasticamente sua participação

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