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Educação Superior no Brasil – 10 Anos Pós-LDB Organizador-geral e presidente da direção editorial: Mariluce Bittar (UCDB) Comitê Científico: Afrânio Catani Deise Mancebo (UERJ) João Ferreira de Oliveira (UFG) Maria de Lourdes Fávero (UFRJ/UCP) Maria das Graças Medeiros Tavares (Ufal) Maria do Carmo de Lacerda Peixoto (UFMG) Marilia Morosini (PUC-RS) Mariluce Bittar (UCDB) Valdemar Sguissardi (Unimep) Auxiliares de Pesquisa: Carina Elisabeth Maciel de Almeida (UFMS/UCDB) Suzanir Fernanda Maia (UCDB) Valquiria Allis Nantes (UCDB) Educação Superior no Brasil – 10 Anos Pós-LDB Mariluce Bittar João Ferreira de Oliveira Marília Morosini (Organizadores) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)/ Grupo de Trabalho Políticas de Educação Superior Brasília-DF Inep 2008 © Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada a fonte. ASSESSORIA TÉCNICA DE EDITORAÇÃO E PUBLICAÇÕES PRODUÇÃO EDITORIAL PROGRAMAÇÃO VISUAL Márcia Terezinha dos ReisMárcia Terezinha dos ReisMárcia Terezinha dos ReisMárcia Terezinha dos ReisMárcia Terezinha dos Reis marcia@inep.gov.br EDITOR EXECUTIVO Jair Santana MoraesJair Santana MoraesJair Santana MoraesJair Santana MoraesJair Santana Moraes jair@inep.gov.br REVISÃO Zippy Comunicação Ltda.Zippy Comunicação Ltda.Zippy Comunicação Ltda.Zippy Comunicação Ltda.Zippy Comunicação Ltda. NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA Rosa dos Anjos Oliveira Rosa dos Anjos Oliveira Rosa dos Anjos Oliveira Rosa dos Anjos Oliveira Rosa dos Anjos Oliveira rosa@inep.gov.br PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E ARTE-FINAL Marcos Hartwich Marcos Hartwich Marcos Hartwich Marcos Hartwich Marcos Hartwich hartwich@inep.gov.br CAPA Raphael Caron Freitas Raphael Caron Freitas Raphael Caron Freitas Raphael Caron Freitas Raphael Caron Freitas raphael@inep.gov.br IMAGENS Banco de Imagens do CibecBanco de Imagens do CibecBanco de Imagens do CibecBanco de Imagens do CibecBanco de Imagens do Cibec TIRAGEM 1.000 exemplares EDITORIA Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 414, CEP 70047-900 – Brasília-DF – Brasil Fones: (61)2104-8438, (61)2104-8042, Fax: (61)2104-9812 editoria@inep.gov.br DISTRIBUIÇÃO Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraInep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 404, CEP 70047-900 – Brasília-DF – Brasil Fone: (61)2104-9509 publicacoes@inep.gov.br | www.publicacoes.inep.gov.br ESTA PUBLICAÇÃO NÃO PODE SER VENDIDA. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Educação superior no Brasil - 10 anos pós-LDB / Mariluce Bittar, João Ferreira de Oliveira, Marília Morosini (Organizadores). - Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2008. 348 p.: il. – (Coleção Inep 70 anos, v. 2) ISBN 978-85-86260-86-5 1. Educação superior. 2. Acesso à educação superior. 3. Política nacional da educação superior. 4. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. I. Bittar, Mariluce. II. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. CDU: 378(81) Apresentação ................................................................................................ 9 Mariluce Bittar, João Ferreira de Oliveira, Marília Costa Morosini I. DESAFIOS DA EDUCAÇÃO E DA EDUCAÇÃO SUPERIOR PÓS-LDB ....................................................................................... 15 1. Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB ............................................. 17 Carlos Roberto Jamil Cury 2. Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB: da expansão à democratização ........................................................... 39 Dilvo Ristoff II. A EDUCAÇÃO SUPERIOR EM DEBATE 10 ANOS PÓS-LDB ........... 51 A) Acesso .................................................................................................... 53 3. Reforma da Educação Superior: o debate sobre a igualdade no acesso ............................................... 55 Deise Mancebo 4. Democratização do acesso e inclusão na educação superior no Brasil .................................................................................................. 71 João Ferreira de Oliveira, Afrânio Mendes Catani, Ana Paula Hey, Mário Luiz Neves de Azevedo Sumário 6 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB 5. Ensino noturno e expansão do acesso dos estudantes-trabalhadores à educação superior ....................... 89 Mariluce Bittar, Carina Elisabeth Maciel de Almeida, Tereza Christina Mertens Aguiar Veloso 6. A ampliação do acesso à educação superior pública pós-LDB: considerações a partir do caso da UFMG ....................................... 111 Maria do Carmo de Lacerda Peixoto, Mauro Mendes Braga 7. Políticas de Ações Afirmativas para a Educação Superior no Brasil: da intenção à realidade ..................................................................... 137 Otília Maria Lúcia Barbosa Seiffert, Salomão Mufarej Haje B) Organização Acadêmica .................................................................... 163 8. Universidades e centros universitários pós-LDB/96: tendências e questões ....................................................................... 165 Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero, Stella Cecília Duarte Segenreich 9. A Universidade Comunitária: forças e fragilidades ........................................................................... 183 Maria Estela Dal Pai Franco, Solange Maria Longhi C) Formação ............................................................................................. 213 10. As mudanças no mundo do trabalho e a formação dos profissionais da educação no contexto da LDB: o currículo em questão ................................................................... 215 Arlete Camargo, Olgaíses Maués 11. Educação superior pública em Alagoas – 10 anos pós-LDBEN: da predominância da ação profissionalizante ao alargamento das condições de produção e socialização do conhecimento ... 235 Elcio Gusmão Verçosa, Maria das Graças Medeiros Tavares D) Financiamento ................................................................................... 255 12. Financiamento da educação superior no Brasil: gastos com as Ifes – de Fernando Collor a Luiz Inácio Lula da Silva ............................................................. 257 Nelson Cardoso Amaral E) Internacionalização ............................................................................ 283 13. Internacionalização da Educação Superior no Brasil pós-LDB: o impacto das sociedades tecnologicamente avançadas ........... 285 Marília Costa Morosini 7 F) Trabalho Docente ............................................................................... 305 14. Universidade, sociedade do conhecimento, educação: o trabalho docente em questão ..................................................... 307 Maria das Graças Martins da Silva, Tânia Maria Beraldo G) Reforma ............................................................................................... 327 15. Reforma da educaçãosuperior brasileira – de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva: políticas de expansão, diversificação e privatização da educação superior brasileira .................................................... 329 Vera Lúcia Jacob Chaves, Rosângela Novaes Lima, Luciene Miranda Medeiros Apresentação Mariluce Bittar João Ferreira de Oliveira Marília Costa Morosini 11 Este livro resulta da realização do XII Seminário Nacional Universitas/ BR: Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB e Intercâmbio do Grupo de Trabalho Políticas de Educação Superior da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), ocorrido nos dias 29 e 30 de novembro e 1° de dezembro de 2006, na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em Campo Grande, com o objetivo de discutir, anali- sar e avaliar o impacto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) na educação superior, na última década. A aprovação da LDB, em 1996, constituiu-se em um marco históri- co importante na educação brasileira, uma vez que esta lei reestruturou a educação escolar, reformulando os diferentes níveis e modalidades da edu- cação. Além disso, desencadeou um processo de implementação de refor- mas, políticas e ações educacionais, na gestão do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), tendo por base as transformações em cur- so na sociedade contemporânea. A LDB, aprovada em 1996, revogou a primeira LDB (Lei nº 4.024/ 61), bem como a Lei n° 5.540/68, que instituiu a reforma universitária, que havia implementado alterações significativas no ensino superior Apresentação 12 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB brasileiro. Outorgada no regime militar, a Lei nº 5.540/68 tinha como propósito pautar as universidades brasileiras por parâmetros de efici- ência, de eficácia e de modernização administrativa, em uma perspec- tiva racionalizadora e gerencialista da vida acadêmica. Entre os efeitos dessa reforma encontra-se a expansão do ensino superior privado, de caráter empresarial. Após os anos de ditadura militar (1964-1984), o Brasil elegeu seu primeiro Congresso Constituinte e aprovou a nova Constituição, em 1988. Esta Constituição, por sua vez, consolida a indissociabilidade entre o ensi- no, a pesquisa e a extensão (art. 207) e estabeleceu, também, parâmetros para a elaboração de uma nova LDB. Somente após oito anos de intenso debate, em um ambiente de reconstrução democrática, a nova LDB foi aprovada (Lei nº 9.394/1996). No entanto, em vez de frear o processo expansionista privado e redefinir os rumos da educação superior, contribuiu para que acontecesse exata- mente o contrário: ampliou e instituiu um sistema diversificado e diferen- ciado, por meio, sobretudo, dos mecanismos de acesso, da organização acadêmica e dos cursos ofertados. Nesse contexto, criou os chamados cursos seqüenciais e os centros universitários; instituiu a figura das uni- versidades especializadas por campo do saber; implantou Centros de Edu- cação Tecnológica; substituiu o vestibular por processos seletivos; acabou com os currículos mínimos e flexibilizou os currículos; criou os cursos de tecnologia e os institutos superiores de educação, entre outras alterações. Passados dez anos de sua aprovação, a LDB ainda tem enormes desafios para vencer, entre os quais se pode destacar: a ampliação do acesso e da garantia da permanência dos estudantes na educação superi- or; a desmercantilização da oferta desse nível de ensino; o estabelecimen- to de mecanismos efetivos de aferição e controle da qualidade; a expan- são da oferta por meio de instituições públicas. Embora complementada por diferentes mecanismos legais (leis, decretos, portarias, resoluções, pa- receres), a LDB deve ser tomada como um marco importante na configu- ração da educação brasileira. Este livro é, assim, o resultado de um trabalho coletivo de reflexão, consolidado em uma rede acadêmica de pesquisa e de interlocução entre pares que têm em comum uma área de conhecimento: a educação supe- rior. Nesse livro, em especial, a rede Universitas/BR e o GT Políticas de 13 Apresentação Educação Superior da ANPEd desenvolvem reflexões específicas acerca do acesso, organização acadêmica, formação, financiamento, internacionalização, trabalho docente e reforma da educação superior, com o propósito de avaliar e refletir sobre o significado político e educaci- onal desses dez anos de vigência da Carta Magna da educação brasileira. O leitor encontrará, pois, uma análise crítica e embasada de temáticas importantes da educação superior que poderão contribuir com as refle- xões e pesquisas da área. Mariluce Bittar João Ferreira de Oliveira Marília Costa Morosini I – DESAFIOS DA EDUCAÇÃO E DA EDUCAÇÃO SUPERIOR PÓS-LDB 1 Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB Carlos Roberto Jamil Cury* * Doutor em Educação e professor adjunto da PUC-MG; e-mail: crjcury@terra.com.br 19 Introdução Aos 20 de dezembro de 1996, o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), denominada oficialmente Lei Darcy Ribeiro, sob o nº 9.394/96.1 Assinou com o presidente, o ministro da Educação Paulo Renato Souza.2 O Diário Oficial da União a fez publicar em 23 de dezembro de 1996. Estamos, pois, perto de dez anos dessa LDB. Dez é um numeral cardinal redondo, tradicionalmente tornado um número de referência para uma avaliação ou base de comemorações. E é também um número que, na escola tradicional, remetia a uma nota máxi- ma para provas e resultados gerais. Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB 1 A sanção presidencial representa a adesão do chefe do Executivo ao projeto já aprovado pela Câmara e pelo Senado. A manifestação presidencial pela sanção positiva ou pela sanção negativa (veto) significa uma forma co-participada entre os dois poderes no processo legislativo. Nesse sentido, a sanção ratifica a lei fazendo-a entrar em vigor. Trata-se de uma tradição no direito nacional e sua origem tem a ver com a passagem das monarquias absolutas para as monarquias constitucionais (cf. art. 66 da Constituição Federal, 1988; Carvalho Neto, 1992; Silva, 1964). 2 De acordo, com o art. 87 da Constituição Federal, os ministros referendam atos presidenciais no âmbito de sua área. 20 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB Trata-se aqui de evocar não só conhecimentos relativos ao decê- nio, mas também reconhecer, a partir desse texto legal, alguns dos cami- nhos trilhados pela educação escolar brasileira. Longo e polêmico foi o processo de tramitação legal dos projetos de LDBEN tanto no âmbito da sociedade civil, quanto no do Legislativo e Executivo para que se chegasse a termo o mandado constitucional do art. 22, XXIV. Muitas foram as vicissitudes sofridas pelos diferentes textos que foram sendo escritos desde o início do processo legislativo por meio de muitas e variadas emendas aos projetos. Isso evidencia, de novo, como tem sido tradicional no Brasil, difícil e propriamente contencioso quando o assunto é um marco regulatório da educação escolar. Muitas foram também as avaliações relativas ao texto final da lei com copiosa bibliografia a respeito (cf. Cury, 1997, 2006; Demo, 1997; Frauches, 2000; Catani, Oliveira, 2000, Brzezinski, 2000, entre outros). Ao lado dessa literatura, seria importante analisar a atuação de sujeitos coletivos, impossível no espaço desse esboço, como a do Conselho dos Secretários Estaduais de Educação (Consed), o da União dos Dirigen- tes Municipais de Educação (Undime), o do Fórum dos Conselhos Estadu- ais de Educação e a da União dos Conselhos Municipais de Educação não só no processo de elaboração como também na efetivação da lei. Muitos outros sujeitos também se puseram a campo a fim de discutir os projetos e sugerir alternativas como é o caso de ocupantes de cargos no aparelho de Estado, associações profissionais de docentes, associações científicas, organizações não-governamentais e pessoasestratégicas.3 E houve um antes da contagem do decênio O capítulo da educação na Constituição Federal de 1988 represen- tou um significativo avanço para a área (cf. Maliska, 2001; Cury, 1989; Cury, 1991, Farenzena, 2006). Por outro lado, como uma nova LDB era mandato constitucional a ser efetivado, havia uma coexistência entre o avanço propiciado pela Constituição e o texto da Lei nº 4.024/61 com a redação dada pela Lei nº 7.044/82 e da Lei nº 5.540/68. 3 Entrevistas com atores privilegiados, nesse processo, ainda estão por ser feitas. 21 Também há de assinalar a Lei nº 9.131/95, a Lei nº 9.192/95 e, de modo especial, para a educação básica, a Lei nº 8.069/90, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A primeira (re)cria o Conselho Nacional de Educação com suas atribuições e estabelece um siste- ma nacional de avaliação da educação (cf. Belloni, 2003). A outra estabelece procedimentos para eleições de dirigentes no sistema federal de educação. O ECA, enfim, contém uma retomada do capítulo de educação da Constitui- ção Federal de 1988 nos princípios e em aspectos pedagógicos importantes não explicitamente postos na LDBEN que viria a ser a Lei nº 9.394/96. Havia, pois, ante o capítulo constitucional da educação, uma coe- xistência formada por concepções, ao mesmo tempo distintas e conver- gentes ou divergentes, resultando ora em recepções juridicamente válidas, ora em um hibridismo, ora em “buracos negros" e mesmo em revogações. De todo modo, havia uma coexistência entre o “novo e o velho" sugerindo dificuldades de hermenêutica quanto a vários pontos na busca de uma continuidade jurídica viável. Tal é o caso da nomenclatura da organização da educação, como ensino fundamental e médio versus ensino de 1º grau e de 2º grau; tam- bém se apresentam questões relativas aos princípios da gratuidade, da gestão democrática e do padrão de qualidade entre outros. Há que se assinalar a imposição constitucional de novos deveres ao Estado como são os casos da educação infantil, do direito público subjetivo e dos conteú- dos curriculares mínimos (em vez de currículo mínimo) e do regime de colaboração. Outros pontos importantes referem-se ao estatuto do siste- ma privado, ao acolhimento de novidades como a distinção entre língua oficial e língua materna no ensino, aos novos percentuais de vinculação e ao acolhimento do sistema municipal de educação autônomo. Sobre essas congruências e incongruências, Bobbio (1994, p. 177) sustenta: O fato de o novo ordenamento ser constituído em parte por normas do velho não ofende em nada o seu caráter de novidade: as normas comuns ao velho e ao novo ordenamento pertencem apenas materialmente ao pri- meiro; formalmente, são todas normas do novo, no sentido de que elas são válidas não mais com base na norma fundamental do velho ordenamento, mas com base na norma fundamental do novo. Nesse sentido falamos de recepção, e não pura e simplesmente de permanência do velho no novo. A recepção é um ato jurídico com o qual um ordenamento acolhe e torna suas as normas de outro ordenamento, onde tais normas permanecem materialmente iguais, mas não são mais as mesmas com respeito à forma. Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB 22 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB Nessa situação, havia que fazer convergir “matéria e forma" em razão do e em adequação ao novo ordenamento trazido pela Lei Maior. Isso tudo, de um lado, criava a expectativa com relação a uma nova LDB e, de outro lado, por força do art. 25 do Ato das Disposições Consti- tucionais Transitórias (ADCT), a partir de 180 dias da promulgação da Constituição Federal de 1988, ficavam revogados “todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competên- cia assinalada na Constituição" (cf. Decreto nº 1.734/95). Analisando esse artigo, diz Ranieri (2000, p. 163): [...] o artigo 48, caput, da Constituição Federal determina que cabe ao Congresso Nacional dispor sobre todas as matérias de competência da União; e a Lei nº 4.024/61 atribuía, efetivamente, competências normativas ao CFE (artigo 9º). Não tendo sido tal prazo prorrogado por lei, nem editada nova lei específica atribuindo aquelas competências, o CFE até a sua extinção, provocada pela Lei nº 9.131/95, atuou sem competência legal, o que, a rigor, implica a nulidade dos atos normativos praticados no período. A chegada da Lei nº 4.024/61 com a redação dada pela Lei nº 9.131/95 formaliza o Conselho Nacional de Educação (CNE), dada a extinção do Conselho Federal de Educação (cf. Medida Provisória nº 661 de 18/10/ 1994 e seguintes até a MP nº 1.126 convertida na Lei nº 9.131/95), e regulamenta a avaliação da educação escolar, em especial a da educação superior. Com isso, havia um órgão legal para interpretar as leis educacio- nais e propiciar a continuidade da ordem jurídica e capaz de arbitrar o andamento dos sistemas de educação.4 Ao mesmo tempo, estava em curso o processo de elaboração da nova LDB, exigência constitucional, conducente à solução do caráter hí- brido então existente, à conformação de coerência à Constituição da Re- pública de 1988. E, nesse processo, projetos distintos disputavam a hegemonia na explicitação de princípios gerais postos na Constituição. Os projetos existentes disputaram acirradamente o campo parla- mentar, sendo o projeto provindo da Câmara bem mais analítico e o outro, originado no Senado, bastante sintético.5 O termômetro capaz de medir a temperatura de ambos era dado pelo maior ou menor “calor" da intervenção 4 Menos do que antecipar a LDB, essa Lei foi uma espécie de lei-ponte do tipo regulamentação prévia dentro de uma previsibilidade de que o projeto sintético seria aprovado. 5 Além dos projetos do Legislativo, havia propostas advindas do CFE e de outros fóruns profissionais ou associativos. 23 do Estado na educação escolar, seja na administração pública, seja no seg- mento privado. E esse termômetro passou a subir quando o governo eleito em 1994 e empossado em 1995 não só fez clara opção pelo projeto sintéti- co, como aderiu à vaga conservadora que perpassou vários regimes latino- americanos. Apesar dessa vaga governamental conservadora poder propor leis regulamentadoras que contivessem dispositivos de igual natureza, há que se assinalar o papel “amortecedor" de vários artigos da Constituição de 1988 cujo teor mais permanente tornou menor, no âmbito da educação escolar, o impacto das políticas restritivas aos direitos sociais e de outras tendentes à saída do Estado de atividades econômicas. Uma redação final apressada A redação final da LDB, após oito anos de tramitação parlamentar, teve uma solução com sua aprovação no Congresso por grande maioria e sua sanção na Lei nº 9.394/96 tornando-se, de fato e de obrigação legal, um campo obrigatório de referência educacional. A opção pelo projeto sintético, ainda que jungido de aspectos pro- vindos do projeto analítico, deu-se também dentro de uma educação es- colar nacional complexa (para efeito de sua administração, gestão, finan- ciamento e controle).6 Imprecisões terminológicas reforçaram a necessida- de de uma hermenêutica que viabilizasse o novo texto legal.7 Essas dificuldades associadas à inevitável postulação de grupos in- teressados em alterar aspectos específicos da lei, conduziram, nesses dez anos, às seguintes mudanças no corpo legal da lei então sancionada: 1. Alterações legais: Lei nº 9.495/97: art. 33 Lei nº 10.328/01: art. 26, § 3º Lei nº 10.639/03: art. 26-A, §§ 1º e 2º; art. 79 B Lei nº 10.709/03: art. 10, VII e art. 11, VI 6 A referência aqui é à complexidade não só de um país continental e diverso, como também dos delineamentos do pacto federativo. 7 Atribuem-se tais imprecisões ao afã de prestigiar em vida o antropólogo Darcy Ribeiro, autor do projeto do Senado. Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB 24 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB Lei nº 10.793/03: art. 26, § 3º, I, II, III, IV, V Lei nº 11.114/05:art. 6º Lei nº 11.183/05: art. 19, II Lei8 nº 11.274/06: art. 32; art. 87, § 2º, § 3º, I Lei nº 11.301/06: art. 67, §§ 1º e 2º Lei nº 11.330/06: art. 87, § 3º Lei nº 11.331/06: art. 44, § único Desse modo, no interior dessas 11 leis habitam 24 alterações inclu- sive com alterações das alterações como o § 3º na Lei nº 10.328/01, o art. 32 na Lei nº 11.114/05 e o inciso I, letras a, b, c na Lei nº 11.114/05.9 Exceto a alteração ocorrida no art. 44 (referente ao ensino superior) pela Lei nº 11.331, as outras 23 alterações pertencem ao campo da educa- ção básica.10 2. Acréscimos legais: Lei nº 10.287/01: art. 12, VIII Esse acréscimo se refere também à educação básica. 3. Regulamentação por lei: Lei nº 9.536/97: art. 49 Refere-se ao ensino superior (transferência ex-officio) 4. Regulamentações por decretos: Decreto nº 2.207/97: arts. 19, 20, 45, 46 e § 1º, 52, parágrafo único, 54 e 88 Decreto nº 2.208/97: art. 36, § 2º, arts. 39 a 42 Decreto nº 2.306/97: arts. 16, 19, 20, 45, 46, § 1º, 52 § único, 54 e 88 Decreto nº 2.494/98: art. 80 Decreto nº 3.276/99: arts. 61 a 6311 Decreto nº 3.860/01: Título V, Capítulo IV Decreto nº 5.154/04: § 2º, art. 36, arts. 39 a 41 8 Esta lei estatui o ensino obrigatório de nove anos iniciando-se aos 6 anos e prolongando-se até aos 14 anos. 9 Note-se que são alterações provindas de leis específicas com força inovadora em relação à ordem jurídica. Ainda não se fez um estudo detalhado de quem são os atores manifestos e não-manifestos dessas alterações legais. 10 É de se notar que, ao caráter impreciso de certos termos, se deve adicionar a natureza estrutural flexível no corpo da lei. 11 Este Decreto foi retificado dias após. 25 Decreto nº 5.622/05: art. 80 Decreto nº 5.773/06: art. 9º, incisos VI, VIII e IX, e 46. Decreto nº 5.786/06: art. 45 São dez decretos dos quais ao menos cinco são referentes ao ensi- no superior, um decreto relativo à educação profissional é substituído por outro, bem como houve substituição no decreto concernente à educação a distância.12 Tal quantidade de alterações, praticamente 24% do texto, con- quanto possível, em qualquer lei, é indicativo de que algo poderia ter sido mais bem redigido na versão original.13 Além disso, há que se assinalar outras leis concorrentes e complemen- tares à própria educação escolar derivadas ou não de emenda constitucional. Em virtude da emenda nº 14/96, foram modificados artigos im- portantes do capítulo da educação da Constituição Federal, no caso, os arts. 34, 208, 211, 212. Foi também alterado, por 10 anos, o art. 60 do ADCT, artigo importante do financiamento. Esse artigo faz, com a LDB, 10 anos de funcionamento e terá, pois, seu prazo de validade esgotado. Do conjunto dessa emenda procedeu a Lei nº 9.424/96 sancio- nada a 24 de dezembro de 1996, publicada no Diário Oficial de 26/12/ 1996, mais conhecida como a Lei do Fundo de Manutenção e Desen- volvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Essa lei nasceu de um projeto do Executivo: PL nº 2.380 (cf. Oliveira, 2000). A lei do Fundef, para efeito de políticas educacionais do ensino fundamental, em matéria de financiamento, tem um impacto tão grande ou maior do que a própria LDB. Afinal, ela tange ao mesmo tempo o pacto federativo e o sistema de financiamento do ensino obrigatório seja pela subvinculação, seja pelo controle dos recursos. 12 Os decretos visam apenas regulamentar o fiel cumprimento das leis quando essas não são auto-executáveis preenchendo eventuais lacunas ou explicitando aspectos da aplicação da lei. 13 Esse volume de alterações parece indicar um processo contínuo, quase que permanente, de atividade propriamente legiferante de educação devido ao próprio caráter sintético da LDBEN aprovada. Isso obriga os executivos, em rotatividade política, a alterar o ordenamento legal para poder levar adiante programas de governo (cf. Couto, 1997). Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB 26 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB Já em respeito ao art. 214 da Constituição, tem-se a Lei nº 10.172/ 01, mais conhecida como Plano Nacional de Educação (PNE). Sua tramitação revela a reedição entre dois projetos: o do Executivo, mais sintético e menos abrangente, e o da sociedade civil, mais analítico e mais abrangente. A lei aprovada e sancionada, a rigor uma expressão continuada da LDBEN em matéria de metas e objetivos, apresenta um realismo no diagnóstico da educação nacional e tem sua eficácia depen- dente, em maior parte, do financiamento. Contudo, esse último sofreu vetos presidenciais em todos os itens relativos ao financiamento. Não há dúvida que tal mutilação significou uma perda substantiva quanto ao caráter obrigatório do Plano podendo-se dizer que ele, praticamente, se tornou um Plano declaratório. Pode-se citar também, como paralelas e concorrentes à LDBEN, as leis nº 10.436/02 (língua de libras) e nº 11.161/05 (língua espanhola). Relativamente ao ensino superior, temos o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, Lei nº 10.861/04 (Lei do Sinaes) que redefine artigos da Lei nº 9.131/95 e tem o seu complemento na Portaria MEC nº 2.051/04 regulamentando a figura do Conselho Nacional da Ava- liação da Educação Superior (Conaes). A Lei nº 11.096/2005 do Programa Universidade para Todos (ProUni) e suas respectivas regulamentações, por portaria ou decreto, também representam uma alteração significativa nas relações público/privado. A Portaria MEC nº 2.051/04 regulamenta a lei do Sinaes e o Decreto nº 5.245/04 regulamenta o ProUni. Não se pode esque- cer a existência de um projeto de lei relativo a ações afirmativas e de outro projeto – em parte antecipado pelo Decreto nº 5.773/06 –, que traduzem ampla reorganização do ensino superior especialmente quanto à regula- mentação e avaliação dessa etapa de ensino. Paralelamente, um esforço para criar um marco regulatório no âmbito da inovação tecnológica, por meio de incentivos relativos ao ambiente produtivo, foi a aprovação da Lei nº 10.973/04.14 Tangente à pós-graduação, deve-se destacar a existência do Plano Nacional de Pós-Graduação: 2005-2010. 14 Em 15/10/06, o Executivo encaminhou ao Congresso projeto de lei que altera e promove a lei de incentivos fiscais, lei nº 11.196/05, beneficiando as pessoas jurídicas que aplicarem em pesquisas científicas e tecnológicas de acordo com a Lei nº 10.973/04. 27 A atividade normativa A esses constrangimentos legais deve-se apontar a existência de múltiplas Portarias15 do Ministério e, sobretudo, a atuação normativa do Conselho Nacional de Educação, órgão público criado por lei, por meio de pareceres e resoluções. A atuação normativa desse Conselho, órgão colegiado por lei, si- tua-se no âmbito da interpretação da legislação sabendo não ser um legislativo no sentido próprio do termo. Isto é: um conselheiro não é de- putado, senador ou vereador que têm delegação popular para inovar a ordem jurídica. Ele também não dispõe de autoridade para decretos ou medidas provisórias. A capacidade legal atribuída de normatizar ou disci- plinar assuntos infraconstitucionais da educação escolar não pode e nem deve significar iniciativas pontuais incertas quanto à jurisdicidade consti- tucional ou legal desses mesmos assuntos. Nesse sentido, importa não confundir o uso interpretativo, legal e legítimo da lei com o abuso de poder legal. Um parecer e uma resolução, como atos administrativos, emanados de um órgão colegiado normativo criado por lei, ligado à administração pública, de acordo com o art. 1º da Lei nº 9.131/95, ligam-se às atribui- ções normativas, deliberativas e de assessoramento ao ministro de Estado da Educação, do Conselho, dentro do assunto ou matéria de sua compe- tência, respeitada a hierarquia das leis. Conseqüentes a tais atribuições, as Câmaras do CNE e seu Conselho Pleno buscaram exercê-las. A Câmara de Educação Básica (CEB) exarou, em 10 anos, 327 pareceres e 26 resoluções; a Câmara de Educação Supe- rior(CES) emitiu 7.357 pareceres16 e 69 resoluções e o Conselho Pleno (CP) aprovou 372 pareceres e 11 resoluções.17 Muitos desses pareceres foram esclarecedores de situações duvido- sas, mas alguns foram rigorosamente interpretativos no sentido de explicitação específica do caráter genérico da lei. É o caso das Diretrizes 15 Portarias são expedidas por escalões abaixo do chefe do Executivo para efeito de decisões de efeito interno relativas ao bom andamento funcional de processos administrativos. 16 Deve-se observar que a maior parte desses pareceres refere-se a processos de autorização e de credenciamento. 17 Esses dados foram retirados da página oficial do CNE no Portal MEC www.mec.gov.br. Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB 28 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB Nacionais Curriculares que cobriram toda a educação básica, bem como o das Diretrizes do Plano de Carreira do Magistério do Ensino Público – ensino fundamental. Mais ainda: devem-se consultar as Diretrizes Curriculares Nacionais das áreas de conhecimento do ensino superior. Tais diretrizes, em que pese a necessidade de sua constante avaliação periódi- ca, viabilizaram a LDB por serem um marco regulatório da educação naci- onal, especialmente quando os currículos mínimos deixaram de ser esta- belecidos pela União.18 Não é fácil atravessar esse denso e emaranhado caminho de tantos diplomas legais ordenadores da educação escolar como também não se pode ser simplista na avaliação dessa atuação. E há que se considerar a ação similar dos Conselhos Estaduais, Municipais que estão desenhando aspectos de um padrão federativo da educação nacional ainda pouco conhecido. Um pequeno balanço O que se pode dizer, preliminarmente, é que a Lei nº 9.394/96 enquanto lei nacional teve um impacto tanto na educação superior quan- to na educação básica. Repare-se que o art. 92 já revogava expressamente as leis de educação anteriores.19 Mas como lei específica, o maior impacto deu-se na educação superior cuja expansão, mercê da flexibilidade posta na lei, foi espetacular. Já as alterações fundantes da educação básica fo- ram prefiguradas na Constituição e, em certa medida, antecipadas pelo ECA. Além da regulamentação nacional, a lei deveria ser aclimatada pelos sistemas de ensino. No caso da educação básica, a CF/1988 criava os sistemas de ensino por colaboração recíproca, a gestão democrática, a gratuidade em todo o ensino público, o financiamento vinculado, o direito público subjetivo, o en- sino obrigatório, a autonomia dos sistemas e o Plano Nacional de Educação. A LDBEN fará a importante distinção entre educação e educação escolar. A primeira expressando-se por uma grande abertura para processos 18 Sobre a tensão entre Diretrizes Curriculares e Parâmetros Curriculares, cf. Parecer CNE/CEB nº 03/97. 19 Restaram preservados poucos artigos da Lei nº 4.024/61 e da Lei nº 5.540/68. 29 formativos, sobretudo extra-escolares e gozando de alto grau de liberdade. Já a segunda é propriamente a educação escolar e que é disciplinada pelo próprio emergir da LDB. Isso pode ser verificado logo no artigo 1º da LDB e seus respectivos parágrafos. O acolhimento dessa distinção permite que haja, na educação escolar, a valorização seletiva de dimensões educativas trazidas por processos educativos mais amplos do que a escola. Por sua vez, a LDB, na condição de lei específica da educação escolar e dentro dela o ensino, terá grande impacto na relação com os estabelecimentos, seja pela abertura propiciada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais via Lei nº 9.131/95 associada à flexibilidade da Lei nº 9.394/96, seja pela liberdade na organização pedagógica dos estabelecimentos,20 com o acolhimento dos projetos pedagógicos, com a extensão de dias letivos de 180 para 200 dias, com a determinação da hora como direito do aluno e com o enfoque no direito do aluno a ter uma aprendizagem com padrão de qualidade e, mais recentemente, com o ensino obrigatório de nove anos. Outro momento significativo da LDB é o do acolhimento do con- ceito de educação básica como seqüenciação articulada das etapas da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio como direito da cidadania. Se o princípio da instauração da educação pública repousa no direito de todo aluno em ter uma aprendizagem qualificada, então a educação pública tem suas matrizes no princípio da igualdade, do ensi- no comum e da busca de uma qualidade contemporânea às urgências do conhecimento. Já o direito relativo à iniciativa privada oferecer educação escolar se apóia na liberdade de ensino, garantida a presença legal do Estado nessa matéria. E o princípio de liberdade de ensinar algo diferente, expres- so no ato autorizativo, é garantido uma vez que estejam presentes os elementos comuns da organização da educação nacional e desde que esse diferencial seja conseqüente com os princípios de uma sociedade demo- crática e plural. 20 Uma parte dos sistemas públicos adotou o regime de ciclos, enquanto as redes privadas dos sistemas preferiram continu- ar com a seriação (cf. Negreiros, 2004). Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB 30 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB As alterações na lei, relativas à educação escolar e anteriormente sinalizadas, devem ser contextualizadas, analisadas caso a caso e avalia- das pelo grau de aproximação com os critérios clássicos do acesso, perma- nência e qualidade. Além disso, há que se verificar o impacto dessas leis nos sistemas de ensino que, por lei, são responsáveis pela oferta do conjunto das etapas da educação básica. E chega o Fundef Dado o padrão federativo da República e o regime de autonomia dos entes federativos, o impacto maior sobre a educação básica advirá da Emenda Constitucional nº 14/96 e da Lei nº 9.424/96 (lei do Fundef). O Fundef representa a chegada (polêmica) de uma longa trajetória na busca de uma vinculação financeira para a educação obrigatória no regime federativo republicano cujo disciplinamento em matéria de destinação sempre esteve na pauta de educadores. A figura de um Plano Nacional de Educação, já em 1934, e o custo-aluno-ano posto no salário- educação representam iniciativas de expansão planejada das etapas do ensino e o apoio de recursos a serem bem administrados. Esse custo e essa expansão se cruzam com a demanda histórica dos entes federativos pela complementação financeira da União para com os ônus do ensino obrigatório. Tal demanda se refere à efetivação implementadora de fundos para a educação. Pode-se afirmar que tal de- manda é nítida no regime da Constituição de 1934 e vai tomando figura no regime estadonovista, desde a Conferência Nacional de Educação de 1941 até a redemocratização em 1946.21 Os cálculos do custo do então ensino primário explicitam-se em sua ligação com os estudos relativos à figura do salário-educação. O então Insti- tuto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) foi acionado para realizar estu- dos com esse fim, nos quais foi ativa a participação do professor Carlos Pasquale. 21 Se no salário-educação deve-se destacar a figura de Carlos Pasquale, no caso da efetivação dos fundos deve-se afirmar a presença de Teixeira de Freitas. Para a biografia de ambos, ver Fávero e Britto, 2002. 31 Anísio Teixeira, em seu clássico Educação é Direito, é o ponto de encontro desses dois projetos com vistas a um financiamento sólido do ensino fundamental (cf. Amaral, 2001),22 síntese que terá seu ápice em 1994 com a Conferência Nacional de Educação (cf. Vieira, 2000). O governo Fernando Henrique Cardoso tomará os projetos nasci- dos dessa Conferência e dar-lhes-á um rumo peculiar em conjunto com sua política descentralizante. Não fora a grave omissão desse mesmo governo em cumprir a equação aritmética por ele mesmo defendida na Lei nº 9.424/96 para o valor do custo-aluno-ano e o Fundef, mesmo remodelado conservadoramente, poderia ter tido uma efetivação muito mais conseqüente.23 Essa efetivação se deu pela clarasubvinculação de impostos para o ensino fundamental; pelo disciplinamento dos recursos mediante meca- nismos de financiamento significando uma minirreforma tributária; pela maior clareza quanto às responsabilidades dos governos na oferta desse ensino e pela constituição de conselhos de controle social e financeiro dos recursos.24 Apesar da efetivação, incompleta, lacunosa por conta da escan- dalosa omissão do poder público da União em trazer sua parte na cons- tituição do Fundo, ainda assim essa focalização propiciou uma menor distância entre regiões do País em matéria de dispêndio com essa etapa da educação básica e auxiliou na universalização do acesso ao ensino fundamental. Mas não se pode deixar de apontar que, dentro do conceito de educação básica, a focalização no ensino obrigatório deixou em segundo plano políticas consistentes de expansão da educação infantil, de ensino médio e respectivas modalidades. Essa lacuna, na etapa inicial e final da educação básica é uma das razões que condicionam um mau desempenho do conjunto dos estudantes do ensino fundamental. 22 Esse artigo explora as similitudes e diferenças entre os dois "Fundefs". 23 Calcula-se em mais de R$ 12 bilhões o passivo deixado pelo governo FHC no âmbito do Fundef em que pese as sucessivas cobranças do Tribunal de Contas da União (TCU). 24 Para uma análise do Fundef do ponto de vista da descentralização sem a consideração da omissão da União (cf. Oliveira e Rezende, 2003). Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB 32 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB Outros pontos Digna de nota é a articulação entre o ensino médio e a educação profissional. De um lado, há que se apontar o avanço quanto à concepção do ensino médio posta na LDBEN, integrando-o à educação básica e qualifi- cando-o como momento formativo e conclusivo. De outro lado, não se deixar de considerar que a educação profissional representa um momento de manifestação do caráter classista da sociedade capitalista e que sua efetivação carrega o ônus de ser, ao mesmo tempo e em proporções dis- tintas, imposição e escolha. A Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio que toda e qualquer educação visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (cf. art. 205). Esse princípio é retomado pelo art. 2º da LDB, após o reco- nhecimento da importância da vinculação entre mundo escolar e mundo do trabalho. Assim, a educação profissional, modalidade escolar estratégi- ca do esforço da nação em prol de uma igualdade de acesso aos múltiplos bens sociais, participa desse princípio e sob esta luz deve ser considerada. Apesar do peso que a acomete, a educação profissional, longe de redu- zir-se a uma rede paralela e secundarizada dentro de um sistema dualista, pressupõe a educação básica para todos e dentro dessa, em especial, o seu nível obrigatório: o ensino fundamental. E para sua realização em nível mé- dio, completada com o respectivo diploma, exige-se, obrigatoriamente, o seu correspondente formativo: o certificado do ensino médio da educação básica. Por isso mesmo, a Lei nº 9394/96, em seu parágrafo único do art. 39 abre a possibilidade de acesso à educação profissional a todo o cidadão e, reforçando dimensões passadas duramente conquistadas, faculta o en- sino superior a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equi- valente (art. 44, II). Já o Decreto nº 2208/97, em seu art. 3º, II, expressando a urgência contemporânea do ensino médio na formação de todos, determinou que o nível técnico da educação profissional, a rigor um nível médio, seja concomitante ou conseqüente ao ensino médio geral. Entretanto, ao arre- pio da própria LDB no art. 36, § 2º, o Decreto, em seu art. 5º, interditava uma forma integrada entre ambas as organizações curriculares. 33 Ora, o caminho da correlação entre educação profissional e demo- cracia supõe a possibilidade de uma escolha por parte dos indivíduos de tal modo que o acesso a essa modalidade de oferta educacional não seja calcada em fatores sociodiscriminatórios. Por outro lado, tais fatores im- põem ao indivíduo uma heteronomia advinda de mecanismos sociais que o impede de se construir como sujeito e se reconhecer como livre para uma opção autônoma, ainda que sempre relativa e, portanto, arriscada e incerta. O direito de cada um construir-se como sujeito significa não só opções diferenciadas em torno de valores e vias profissionais, mas também a crescente estima de si em sua personalidade. Ponderando essa realidade e a clara infringência à LDBEN, a lei retomou seu curso com a substituição do Decreto nº 2.208/97 pelo Decre- to nº 5.154/04 que restabelece a correlação integrada entre o ensino mé- dio e a educação profissional.25 Antecipando ao Decreto, afirma Cunha (2001, p. 99): Dentre as mudanças ocorridas na educação brasileira nos anos 90, verifica- se a inflexão da tendência que se definia desde os anos 40: a progressiva fusão entre a educação geral - propedêutica e a educação técnico-profissi- onal cedeu lugar a uma tentativa de cisão entre elas... atenuada pela exi- gência de que o curso técnico somente poderá outorgar certificados para os alunos que tenham também concluído o ensino médio... O Decreto nº 5.154/04, além de reabrir a possibilidade de a União investir na abertura de Escolas Técnicas, caminhou o sentido de uma pro- gressiva fusão entre a função formativa e a propedêutica garantida a fun- ção profissionalizante. Outro ponto a ser destacado na LDB é a maior consciência e presença do direito à diferença. A LDB, apoiada na Constituição, passou a reconhecer, afirmaria Bobbio (1992) “direitos de especificação" tais como os relativos às fases da vida, estado normal e excepcional, populações indígenas e negras entre outros (cf. Parecer CNE/CEB nº 03; Res. CNE/CEB nº 01/04; Cury, 2005). Nessa matéria, houve significativa normatização desses assuntos no Conselho Nacional de Educação como é o caso, por exemplo, das 25 De certa forma o Parecer CNE/CEB nº16/99 avizinhava-se da lei de modo cauteloso e tateante. Para uma análise crítica do último decreto, ver Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005. Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB 34 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB pessoas com necessidades educacionais especiais, das comunidades in- dígenas e da educação de jovens e de adultos. Pode-se dizer também que as políticas de focalização ganharam certa continuidade positiva dentro de alguns programas governamentais federais.26 O que resta a fazer Nesses dez anos, o acesso ao ensino fundamental chegou a pouco mais de 97% de crianças na faixa etária obrigatória. Resta enfrentar os desafios da permanência no ensino fundamental, ampliar o acesso na educação infantil e no ensino médio e garantir uma via para a tão neces- sitada qualidade para todas essas etapas. Nesse sentido, vale afirmar que a efetivação do atual Plano Nacio- nal de Educação (PNE) em suas metas e objetivos já seria um monumental avanço. Por outro lado, está em tramitação na Câmara dos Deputados, em fase conclusiva, a emenda constitucional (Câmara/PEC original nº 536-E/ 97 e agora PEC nº 09/06) do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).27 Caso aprovada essa emenda e caso aprovada a lei de regulamentação da mesma, pode-se esperar uma mudança na composição e distribuição dos recursos em educação. Abrem-se as portas para maior atendimento do ensino médio, da educação infantil e da educação de jovens e adultos (EJA) dado o maior percentual subvinculado e um aporte de complementação “carimbado" pela União. Mesmo assim restará o que fazer com os vetos apostos pelo governo anterior ao Plano Nacional de Educação (cf. CF/88 art. 57, parágrafo 3º, V, art. 66 e art. 84, V). Ainda que o Fundeb, como o Fundef, preveja 60% de cada seg- mento do Fundo para o pagamento do magistério, resta a ansiada valori- zaçãodo magistério seja na sua remuneração por meio de um salário 26 Atualmente, segundo o Relatório do FNDE de 2005, esse órgão executa ou apóia 14 programas e uma operação especial. Deles decorrem 75 diferentes ações. 27 No momento de fechamento deste artigo, ainda faltava uma votação na Câmara dos Deputados para então subir à sanção presidencial. 35 profissional nacional mínimo, seja na sua formação continuada, seja na obrigação de as instituições de ensino superior oferecerem uma sólida formação inicial. Os indicadores da situação socioeconômica-cultural dos docentes (cf. Codo, 1999; Unesco, 2004; Vieira, 2003) exigem políticas que garan- tam possibilidades de educação continuada, aperfeiçoamento profissio- nal, valorização salarial e, conseqüentemente, maior auto-estima e maior índice de compromisso profissional. São medidas cruciais, caso se queira, de fato, a qualidade da educação escolar como resultante do acesso e da permanência dos estudantes. De qualquer modo, o papel da União no apoio seguro aos ônus repre- sentados pelo investimento na educação básica, continua crucial para os es- forços em prol da democratização universalizada da educação escolar.28 O empenho até agora realizado, apesar de alguns avanços alcança- dos, ainda não foi suficiente para cumprir os dispositivos constitucionais e legais de nosso ordenamento jurídico. A realidade educacional continua apresentando um quadro severo muito aquém dos benefícios que a edu- cação desencadeia para o conjunto social e encontra-se longe das pro- messas democráticas que ela encerra. Estamos diante de um desafio instaurador de um processo que amplia a democracia e educa para a cidadania, rejuvenesce a sociedade e irriga a economia e da necessidade de uma saída urgente para uma educa- ção de qualidade. Uma saída que obedeça aos ditames da razão que a educação inaugura. O Estado que não assume essa via decreta sua perdi- ção. A sociedade que não busca essa saída aceita a autoridade da submis- são e refuga o caminho da autonomia. Para sair de uma condição que nos constrange, em vários aspectos, a um confinamento educacional próprio do século XIX, é preciso que a socie- dade e o Estado pactuem um novo esforço em prol da educação sem o qual não ultrapassaremos os limites dos avanços até agora celebrados. O futuro não espera! Só uma política de Estado que presentifique o potencial da 28 Em 15/10/06 o Executivo encaminhou projeto de lei que altera o art. 62 da LDB pondo sob o regime de colaboração a promoção da formação inicial, continuada e capacitação dos profissionais do magistério usando os recursos da EAD. Tal formação, de acordo com outro projeto de lei, deverá contar com o apoio da Fundação Capes, especialmente por meio dos recursos e tecnologias de educação a distância. Educação no Brasil: 10 anos pós-LDB 36 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB educação será capaz de superar as contradições e as barreiras que impedem a construção de uma democracia mais ampla. Se quisermos associar democracia e modernidade, ou o país como um todo toma a decisão inadiável e necessária de priorizar a educação básica como tarefa inadiável ou perderemos, todos, a velocidade da história. Referências bibliográficas ABRAHÃO, J. Financiamento e gasto público da educação básica no Brasil e comparações com alguns países da OCDE e América Latina. Educação e Sociedade, v. 26, n. 92, p. 841-858, out. 2005. ALVES DE BRITO, V. L. Projetos de LDB: histórico da tramitação. In: Medo à liberdade e compromisso democrático: LDB e Plano Nacional de Educação. São Paulo: Editora do Brasil, 1997. AMARAL, N. C. Um novo Fundef? As idéias de Anísio Teixeira. Educação e Sociedade, v. 22, n. 75, p. 277-290, 2001. BELLONI, I. A educação superior na nova LDB. In: BRZEZINSKI, I. (Org.). 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Para analisar o período pós-LDB (1996-2004), faz-se necessário identificar as características básicas da educação superior brasileira, sinte- tizadas em dez itens: a) Expansão; b) Privatização; c) Diversificação; d) Centralização; e) Desequilíbrio regional; f) Ampliação do acesso; Educação superior no Brasil –10 anos pós-LDB: da expansão à democratização 42 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB g) Desequilíbrio de oferta; h) Ociosidade de vagas; i) Corrida por titulação; j) Lento incremento na taxa de escolarização superior. A expansão, que não pode ser confundida com democratização, define-se pelo crescimento expressivo do sistema, com índices que, no período, chegam a, aproximadamente, 120%, para as instituições e as matrículas, e 180%, para os cursos de graduação presencial. A privatização pode ser constatada pelo crescimento, principalmente, das instituições privadas, com essas instituições atingindo em 2004 uma representatividade de 90% do total das instituições; 65% do total dos cursos e 70% do total das matrículas da educação superior. A diversificação tem a ver a um só tempo com a superação do modelo único de instituição de educação superior e com a aguda banalização do termo universidade, decorrente da rápida perda de centralidade por parte das universidades, tal qual definido na Constituição Brasileira de 1988, isto é, instituições autônomas de ensino, pesquisa e extensão, de preferência com espaços para estudos avançados, com pro- gramas de mestrado e doutorado e com linhas de pesquisa clara e forte- mente definidas. As universidades, que em 1996 representavam um percentual pequeno (14,8%) em relação ao total das instituições, em 2004 passaram a representar apenas 8,4%, sendo confundidas no imaginário popular com centros universitários e pequenas faculdades – instituições exclusivamente dedicadas ao ensino de graduação. A centralização refere-se principalmente ao sistema regulatório da educação superior do País. Tendo em vista que a expansão da educação superior se deu predominantemente por meio da iniciativa privada, a edu- cação superior brasileira experimentou uma centralização progressiva no sistema federal, que hoje representa 93% das instituições de educação superior. Isso significa afirmar que 93% das cerca de 2.300 IES dependem da União para o seu sistema regulatório, com evidentes e sérias implica- ções sobre o processo de autorização, reconhecimento, renovação de re- conhecimento, credenciamento e recredenciamento e, igualmente, sobre os processos avaliativos. 43 O desequilíbrio regional caracteriza-se principalmente pela Sudestificação da educação superior. Os quatro Estados da Região Sudes- te representam cerca da metade das instituições, cursos e matrículas do Brasil. O predomínio da Região Sudeste, embora venha diminuindo desde 1996, ainda continua sendo um fenômeno expressivo. A ampliação do acesso nos remete ao fato de que a expansão da educação superior não teve apenas um sentido de ampliação geográfica, mas também um sentido de ampliação de oportunidades de acesso para setores da classe média até então excluídos desse nível de ensino. Esta ampliação do acesso confunde-se em grande parte com o próprio proces- so de privatização, pois ocorreu principalmente como resultado da forte excludência historicamente reinante nas universidades públicas. O desequilíbrio de oferta pode ser observado no panorama das “vo- cações" profissionais dos jovens brasileiros, com alguns poucos cursos (Ad- ministração, Direito e Pedagogia) dominando largamente as matrículas e revelando uma despreocupação nacional crônica com um projeto nacional de desenvolvimento e com uma imagem de futuro para o País. A ociosidade crescente de vagas talvez tenha sido uma das mais chocantes realidades desde 2003, pois ocorre ao mesmo tempo em que milhares de jovens buscam a educação pós-média. Em 2004, do total de vagas disponíveis na educação superior (2.320.421), apenas 1.303.110 (56,2%) foram preenchidas, permanecendo ociosas 1.017.311 vagas (43,8%). Em 2003, pela primeira vez na história da República, o número de vagas na educação superior superou o número de concluintes do ensino médio. A corrida por titulação deve-se em boa parte às exigências estabelecidas na LDB (Lei nº 9.394/1996) para as universidades. Pode-se afirmar que as funções docentes estão se qualificando em um ritmo que acompanha o crescimento do sistema de educação superior, embora os dados do último Censo da Educação Superior (2005) revelem que a titulação de doutores cresce em ritmo mais acelerado nas instituições públicas, ou seja, nas instituições que já detêm os mais altos percentuais de doutores em seu quadro docente. O incremento na taxa de escolarização superior, embora muito dis- tante do preconizado pelo Plano Nacional de Educação (PNE) e sabidamente minado pelo elitismo histórico instalado, vem ocorrendo. A incorporação de significativos contingentes de pessoas acima de 24 anos, que estiveram Educação superior no Brasil –10 anos pós-LDB: da expansão à democratização 44 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB excluídos da educação superior, além de revelar a grave e crônica defasa- gem idade-série em algumas regiões do País, tem pouco efeito sobre a população que entra no cômputo do PNE, pois 40% de nossos estudantes estão fora da idade apropriada (18 a 24 anos). Em 2004, apenas 10,4% da população de 18 a 24 anos estavam matriculados na educação superior. Esses percentuais não só estão entre os mais baixos do mundo, mas colo- cam o País na vexatória situação de desperdiçar o potencial de milhões de pessoas que poderiam contribuir com o desenvolvimento nacional e com a melhoria da qualidade da vida. Mantido o atual ritmo de crescimento, deveremos chegar ao ano de 2011 com cerca de 9 milhões de estudantes universitários. Parece muito, mas não é! Se quisermos atingir a meta do Plano Nacional de Educação (30% dos jovens de 18 a 24 anos matriculados na educação superior, com 40% das matrículas em instituições públicas), vamos precisar de bem mais do que o crescimento inercial instalado. Se por um momento lembrarmos que, nos últimos dois anos, pela primeira vez na história do País, tivemos mais vagas na educação superior do que concluintes do ensino médio e que 42% das vagas oferecidas nas instituições de ensino superior (IES) privadas permaneceram ociosas, fica evidente que, para garantir a migração desejada de cérebros e pessoas para a educação superior, será necessária uma participação maior do po- der público. O mercado, por si só, ao contrário do que sonharam alguns, não conseguirá viabilizar esse importante projeto de Estado. É fundamental perceber que a expansão dos últimos anos ocorreu principalmente pelo setor privado, que hoje representa 90% das instituições. Quando esse setor deixa quase a metade de suas vagas ociosas, quando índi- ces alarmantes de inadimplência o desestabilizam e quando a evasão ameaça inviabilizar mesmo cursos de altíssima demanda, fica evidente que a sua capa- cidade de expansão está próxima do limite. Junte-se a isso o fato de que os mais de 9,5 milhões de estudantes do ensino médio têm renda familiar 2,3 vezes menores do que a dos estudantes que hoje estão na educação superior. O IBGE nos informa, há algum tempo, que entre os estudantes do ensino médio, há milhões deles tão pobres que, mesmo que a educação superior seja pública e gratuita, terão dificuldades de se manterem no campus. Como esse quadro só tende a piorar com a universalização da edu- cação básica – que trará exércitos de carentes às portas do campus nos 45 próximos anos – falar apenas em expansão é insuficiente. Se é verdade que a expansãoda educação privada teve o mérito de fazer com que o vestibular deixasse de ser um trauma na vida de pais e filhos da classe média, é também verdade que ela, para os filhos das classes baixas, até a chegada do Programa Universidade para Todos (ProUni), tinha trazido apenas promessa. Esses, porque não conseguem nem vencer a excludência do campus público, nem pagar os altos preços do campus privado, conti- nuam fora da educação superior. Se a palavra de ordem da década passada foi expandir, a desta década precisa ser democratizar. E isto significa criar oportunidades para que os milhares de jovens de classe baixa, pobres, filhos da classe traba- lhadora e estudantes das escolas públicas tenham acesso à educação su- perior. Não basta mais expandir o setor privado – as vagas continuarão ociosas; não basta aumentar as vagas no setor público – elas apenas faci- litarão o acesso e a transferência dos mais aquinhoados. A democratização, para acontecer de fato, precisa de ações mais radicais – ações que afirmem os direitos dos historicamente excluídos, que assegurem o acesso e a permanência a todos os que seriamente procuram a educação superior, desprivatizando e democratizando o campus público. O ProUni, a criação de novos campi nas instituições federais de ensino superior (Ifes), a proposta, sempre tímida, de expansão do ensino noturno público, a criação de novas universidades federais, a proposta de conver- são da dívida dos Estados em investimentos na educação, a criação da Universidade Aberta, a expansão da educação a distância, a criação de bolsas permanência, a retomada das contratações de docentes e técnicos, são algumas das ações que apontam para o caminho da democratização. Há, no entanto, necessidade de se tornar a democratização indissociável da expansão nos campi públicos, onde permanece fortemen- te enraizada a noção de que expandir significa piorar a qualidade. Lamen- tavelmente, escapa à maioria de nós, a percepção de que se preocupar apenas com a qualidade, sem pensar em quantidade, significa a preserva- ção de um sistema elitista e excludente! O estranho é que quando a ex- pansão do setor privado veio beneficiar a classe média, o campus público, salvo honrosas exceções, fez de conta que a questão não era com ele; quando, há dois anos, a renúncia fiscal tornou viável a concessão de bol- sas para centenas de milhares de jovens pobres, no mesmo setor privado, Educação superior no Brasil –10 anos pós-LDB: da expansão à democratização 46 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB o seu protesto foi veemente; agora que a democratização quer dar um passo adiante para atender aos mais carentes, no espaço público, muitos se escudam na autonomia e se escondem atrás da qualidade. “Vai piorar a qualidade" é a ladainha da moda, que evidentemente nega, sem escrúpu- los, os dados dos processos seletivos do ProUni que comprovam de forma insofismável: os alunos do ProUni têm desempenho na maioria das vezes superior ao desempenho dos estudantes que ingressam pelas vias tradici- onais!1 E assim, democratizar o campus público permanece, no campus público, ironicamente um tabu. A menos que consigamos mudar essa cul- tura, grande parte do esforço pela recuperação da centralidade da univer- sidade pública e gratuita torna-se sem sentido. Precisamos vencer a afirmação secular, repetida cotidianamente na grande mídia e em textos acadêmicos mundo afora, de que o campus é um espelho da sociedade e de que ele a reflete em todas as suas peculia- ridades, privilégios, comoções e injustiças. Os dados mostram que o campus pode até ser um espelho da sociedade, mas é com certeza do tipo que distorce. Contas feitas, a conclusão a que se chega é uma só: sob muitos aspectos, os cursos de graduação não reproduzem, mas hipertrofiam as desigualdades sociais existentes. A oportunidade de acesso para estudantes pobres é um bom exem- plo. Estudantes com renda familiar de até três salários mínimos, que na população brasileira representam 50%, na Enfermagem e na Educação Física – cursos com percentuais mais próximos da realidade – representam apenas cerca de 30%. Essa distorção se torna mais gritante na Odontolo- gia e na Medicina nos quais 50% passam a ser apenas 10,5% e 8,8%, respectivamente. Ou seja, como ressaltam os casos da Enfermagem e da Educação Física, mesmo o que no campus mais se aproxima da realidade está profundamente distorcido, e para pior. Quando se olha a questão pelo viés dos mais ricos (mais de dez salários mínimos de renda familiar), percebe-se que uma pequena minoria na sociedade se torna uma grande maioria no campus. É bom lembrar que 1 Os estudantes do ProUni tiveram desempenho superior em todas as 15 áreas do conhecimento avaliadas pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) em 2006, comprovando o que relatórios freqüentes de reitores, pró- reitores e coordenadores de curso já haviam informado. 47 na sociedade, esse grupo representa 11,8%. Na Enfermagem, é verdade, ele representa algo bastante próximo – 15%; na Odontologia e na Medicina, no entanto, os 11,8% de ricos tornam-se 52% e 67%, respectivamente. A representação por cor/raça, da mesma forma, mostra que entre os dez cursos mais brancos cinco estão da área da saúde (Odontologia, Veterinária, Farmácia, Psicologia e Medicina) – todos com mais de 77% de representação de brancos. Na população, os brancos representam 52%. Entre os cursos da área com os menores percentuais de brancos estão Enfermagem, com 67%, e Biologia, com 69%. Conclusão: mesmo nos cursos menos brancos, o campus distorce significativamente os percentuais da sociedade. Com intensidade ainda mais dramática, o espelho do campus distorce as proporções dos estudantes originários das escolas públicas – grupo fortemente sub-representado tanto na educação superior pública quanto na privada: nas Ifes e nas IES privadas sua representação é de 43%, isto é, inferior à metade dos 87% que representa no ensino médio. Nos cursos, a desproporção pode ser maior: apenas 18% dos estudantes de Odontologia e 34% dos estudantes de Medicina cursaram todo o ensino médio em escola pública. É necessário inferir, portanto, que para um aluno originá- rio do ensino médio privado e pago a oportunidade de chegar à educação superior, em especial em cursos de alta demanda, é várias vezes superior à de seus colegas originários da escola pública e gratuita. O espelho do campus também distorce as proporções dos sexos. Os cursos da saúde, por exemplo, são quase todos majoritariamente femini- nos, estando fortemente marcados por questões mal resolvidas de gênero: das 14 áreas, apenas em Educação Física os homens ainda são maioria. Como os homens são maioria na sociedade até os 20 anos de idade, isto é, durante o período correto de ingresso na educação superior, é estranho descobrir que a proporcionalidade não esteja mantida. Justificativas à parte, está equivocada a afirmação de que o espelho do campus simplesmente reflete a sociedade. Talvez pudéssemos argumentar que o campus reflete os vários brasis que temos, com todas as suas desigualdades regionais e estaduais. Afinal, quando dizemos que o Brasil forma um médico e um dentista para apro- ximadamente 19 mil habitantes e que no Norte essa proporção é de um para mais de 40 mil e no Nordeste um para mais de 33 mil, estamos Educação superior no Brasil –10 anos pós-LDB: da expansão à democratização 48 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB também dizendo que vivemos em um país bastante desigual na formação de profissionais. No entanto, mesmo essa desigualdade parece mais refra- tada do que refletida: os campi do Rio de Janeiro, Estado com 8,4% da população, formam 24% dos médicos do Brasil, enquanto há Estados que ainda não formaram um único médico, dentista ou enfermeiro. As desi- gualdades no campus em geral superam as projetadas pela sociedade. Como o crescimento dos cursos mostra-se muito desigual (nos últi- mos 14 anos, Fisioterapiae Enfermagem cresceram 741% e 443%, enquan- to Medicina e Odontologia cresceram apenas 38% e 50%, respectivamente), é fácil perceber que as políticas públicas para a formação na saúde precisam estar ancoradas nas realidades específicas de cada uma das áreas do conhe- cimento vis-à-vis as demandas dos Estados e da sociedade em geral. Só com políticas de expansão, combinadas com a democratização do acesso e da permanência, como as em implantação, é possível fazer com que o campus deixe de ser este espelho que aguça as nossas distorções e se torne uma lâmpada que ilumine os caminhos rumo à igualdade de oportu- nidades para todos. Afirmar que o campus apenas reflete a sociedade equi- vale a atribuir-lhe um papel passivo que, como demonstram os dados, ele certamente não tem. Significa também retirar dele o papel de agente capaz de interferir de um modo mais desejável na realidade existente. Diante desse quadro, ficam evidentes os dez grandes e imediatos desafios da educação superior que precisam ser enfrentados pelo País nos próximos anos: Desafio 1: Superar a expansão da oferta de vagas para chegarmos à efetiva democratização do acesso e da permanência dos estudantes de baixa renda. Desafio 2: Buscar um equilíbrio mais adequado entre o público e o privado. A meta estabelecida no PNE, embora aparentemente modesta, deve ser buscada por meio da aceleração do crescimento das matrículas públicas, em ritmo consideravelmente superior ao das matrículas privadas, sem desacelerar o ritmo de crescimento do setor privado. Desafio 3: Trabalhar a diversidade institucional em estreita relação de seus objetivos aos objetivos maiores do Estado brasileiro, de seu desenvolvi- mento, de sua economia, de sua cultura, e das necessidades de sua gente. Desafio 4: Organizar uma cooperação mais intensa da União com os entes Federados, de modo a evitar a balcanização do sistema educaci- onal superior. 49 Desafio 5: Buscar, por meio de políticas compensatórias, um equi- líbrio entre a oferta de educação nas diversas regiões do País e a represen- tação percentual da população na sociedade brasileira. Desafio 6: Manter a oferta de financiamento estudantil para filhos de classe média baixa e ampliar o financiamento para jovens de classe baixa, entre eles os do ProUni, que por vezes são tão pobres que mesmo com a bolsa do ProUni encontram dificuldades para se sustentarem no campus. Desafio 7: Induzir o desenvolvimento com a criação de novos cur- sos de graduação em áreas do conhecimento, por exemplo, Ciências Agrá- rias e Aqüicultura, que têm papel estratégico para o desenvolvimento do País, e representação até o momento muito pequena no conjunto da edu- cação superior. Desafio 8: Superar a ociosidade das vagas no ensino superior priva- do com programas de valorização do ensino médio e de políticas mais agressivas de financiamento estudantil, acompanhada da expansão da oferta pública e de racionalização da oferta no setor privado. Desafio 9: Manter a política de apoio à titulação no setor público e induzir o setor privado a ampliar seus investimentos em capacitação de mestres e, especialmente, de doutores. Desafio 10: Não abrir mão do sonho de chegarmos a 2011 com 30% dos jovens da faixa etária apropriada na educação superior, aumen- tando gradativamente os investimentos públicos em educação até chegar a 7% do Produto Interno Bruto (PIB). São estes os grandes desafios que a realidade revelada pelos núme- ros do Censo da Educação Superior, nos últimos 15 anos, nos impõe. A superação dos desequilíbrios apontados e a construção de um sistema de educação superior mais equânime e de melhor qualidade implicam, salvo melhor juízo, em colocar esses desafios como prioridades inarredáveis da agenda nacional. Referências bibliográficas BRASIL. Anteprojeto de Lei da Reforma da Educação Superior. Brasília: MEC, 2005. ______. Plano Nacional de Educação (PNE). Lei nº 10.172/2001. Brasília: Congresso Nacional, 2001. Educação superior no Brasil –10 anos pós-LDB: da expansão à democratização 50 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad). Brasília, 2005. Disponível em: <http:// www.ibge.gov.br>. Acesso em: 24 mar. 2007. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse Estatística do Ensino Superior 2004. Brasília, 2005. ______. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior: da concepção à regulamentação. Brasília: Inep, 2004. RISTOFF, D.; ARAÚJO, L. Missão Inadiável. In: UNIVERSIDADE XXI: a encruzilha- da da Educação Superior. Brasília: MEC, nov. de 2003. RISTOFF, D.; PACHECO, E. Educação Superior: democratizando o acesso. Brasília: Inep, 2004. (Série Documental. Textos para Discussão) UMA ESCOLA DO TAMANHO DO BRASIL. Programa de Governo do Candidato Lula, 2002. II – A EDUCAÇÃO SUPERIOR EM DEBATE 10 ANOS PÓS-LDB A) Acesso 3 Reforma da Educação Superior: o debate sobre a igualdade no acesso* Deise Mancebo** * Versão preliminar desse texto foi apresentada na XXIX Reunião Anual da ANPEd, em 2006, no colóquio “A educação superior na América Latina: o debate sobre a igualdade no acesso às universidades". ** Doutora em História da Educação (PUC/SP); pós-doutorado pela USP; professora e pesquisadora do Programa em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPFH/Uerj) e do Programa de Psico- logia Social da mesma universidade; e-mail: mancebo@uerj.br. 57 Introdução Profundas reestruturações ocorreram nos sistemas educacionais la- tino-americanos, nos últimos 25 anos, por conta da adoção do receituário neoliberal pelos governos desses países. Muito se tem escrito acerca do neoliberalismo e não é minha inten- ção, neste trabalho, insistir em reiterações desnecessárias. Interessa-me reafirmar, no entanto, alguns aspectos sobre a natureza e o sentido que esse projeto tem assumido na educação e, especificamente, na educação superior, mesmo porque, como uma alternativa política, econômica, soci- al, jurídica e cultural para a crise econômica do mundo capitalista, inicia- da com o esgotamento do regime de acumulação fordista, em finais dos anos 1960, o neoliberalismo representa uma necessidade global de restabelecimento da hegemonia burguesa, trazendo implicações não só para a vida econômica, mas também para as diversas relações que se esta- belecem entre os homens. No campo educacional, com a adoção da pauta neoliberal, estabe- leceu-se em todos os países do continente, uma série de medidas, enfeixadas Reforma da educação superior: o debate sobre a igualdade no acesso 58 Educação Superior no Brasil – 10 anos pós-LDB ou não sob a denominação de reformas, que, para além das especificidades locais, evidenciaram uma profunda redefinição do papel do Estado na sua relação com a educação. Na realidade, em consonância com o receituário mais geral, assistiu-se a uma retração financeira do Estado na prestação de serviços sociais (incluindo educação, saúde, pensões, aposentadorias, entre outros) e a subseqüente privatização ou, pelo menos, tentativa de privatização, desses serviços. Tratou-se, portanto, de uma redefinição do Estado em termos classistas, com redução de suas funções de cunho social universalista, e da ampliação do espaço e do poder dos interesses privados. A educação não escapou dessa reordenação mais geral, de modo que os sistemas educacionais foram submetidos a profundos processos de privatização em nome dos benefícios supostamente advindos do livre mercado. No entanto, o discurso neoliberal em defesa do Estado-mínimo e a conseqüente estagnação ou redução da prestação de serviços públicos não deve levar à confusão de se supor que o Estado esteja se retirando da cena econômica e política. Pelo contrário, ele permanece com forte parti- cipação em um sentido social amplo. No campo educacional, por exem- plo, o chamado Estado-avaliador priva-se do financiamento da educação, ou pelo menos, reduz drasticamente sua participação
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