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Fernanda Sirotsky Scaletscky Marcelo Cândido de Azevedo e Pedro Ricardo Serpa - Existência validade e eficácia da convenção arbitral - Copia (1) (1)

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EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DA CONVENÇÃO ARBITRAL
Revista de Direito Empresarial | vol. 3/2014 | p. 321 - 351 | Maio - Jun / 2014
DTR\2014\2689
Fernanda Sirotsky Scaletscky
Especialista em Direito Civil, Negocial e Imobiliário pela Universidade
Anhanguera/Uniderp, Rede LFG, em Direito Internacional Privado pela UFRGS e em
Direito Comparado e Europeu dos Contratos e do Consumo pela Universidade de Savoie
(Chambery), França. Mestranda em Direito Internacional Privado e Arbitragem pela USP.
Advogada.
Marcelo Cândido de Azevedo
Mestre em Direito Comercial pela Universidade Metodista de Piracicaba. Professor de
Direito Civil e Comercial na Faculdade de Direito de Araraquara (Uniara),
Fatec-Americana e Faculdade Claretiana de Rio Claro. Advogado.
Pedro Ricardo Serpa
Mestre e Doutorando em Direito Civil pela USP. Professor do Curso de Pós-graduação
lato sensu em Direito Imobiliário da FGV. Advogado.
Área do Direito: Processual; Arbitragem
Resumo: O advento da Lei 9.307/1996 trouxe a necessidade de se estudar o instituto da
arbitragem sob o enfoque privatista, na órbita do negócio jurídico, delimitando-o em
seus planos de existência, validade e eficácia, suas consequências e seus efeitos.
Palavras-chave: Arbitragem - Negócio jurídico - Existência - Validade - Eficácia.
Abstract: The enactment of the Statute n. 9.307/1996 brought the need to study the
concept of arbitration under the privatized approach, in the orbit of the contract,
delimiting planes of existence, validity and effectiveness, its consequences and its
effects.
Keywords: Arbitration - Legal Business - Existence - Validity - Efficacy.
Sumário:
1.Introdução (a convenção de arbitragem) - 2.O plano da existência (aspectos gerais) -
3.O plano da validade (aspectos gerais) - 4.A eficácia da convenção de arbitragem e a
extensão subjetiva de seus efeitos - 5.Conclusão - 6.Referências bibliográficas
1. Introdução (a convenção de arbitragem)
É inegável que o desenvolvimento social e econômico experimentado por nosso país
(especialmente nas duas últimas décadas, após a estabilização monetária), para além da
intensificação significativa da interação entre agentes econômicos, trouxe como
consequência um aumento igualmente significativo de situações de “choques de
direitos”, nas quais os interesses motores desses agentes entram em conflito. O
aumento da conflituosidade acarreta o aumento da litigiosidade (submissão dos conflitos
a métodos heterocompositivos) e passa a exigir, consequentemente, o maior e melhor
aparelhamento dos sistemas de heterocomposição para que se possa outorgar soluções
adequadas e céleres aos conflitos surgidos entre tais agentes econômicos (agora
litigantes).
Ocorre que, nessas mesmas duas últimas décadas, o que se observou foi um verdadeiro
descompasso entre o aumento do número de litígios e o aparelhamento do Poder
Judiciário Estatal (sistema ordinário de heterocomposição), de modo a não se poder
afirmar que os agentes econômicos encontram no Poder Judiciário Estatal um
mecanismo ágil e adequado para a solução de litígios. As exigências de mercado
passam, dessa maneira, a demandar pelo desenvolvimento de um sistema de
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
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heterocomposição paralelo ao Estatal, apto a suprir as necessidades que aquele sistema
ordinário não tem se mostrado capaz de suprir.
É neste sentido que se tem verificado em nosso país (especialmente após a dita
“maioridade” do instituto, decorrente do reconhecimento da constitucionalidade da Lei
9.307/1996),1 um crescimento da arbitragem como meio alternativo para a solução de
questões.2
Com efeito, após quase 20 anos de vigência da aludida Lei, pode-se dizer, em coro com
Carlos Alberto Carmona, que “a prática venceu a resistência dos mais ferrenhos
conservadores”,3 podendo-se notar que, atualmente, apesar de a arbitragem não se ter
tornado um meio de escoamento da “litigiosidade contida” (na feliz expressão de Kazuo
Watanabe), como os Juizados Especiais, certamente encontrou seu nicho, mormente
para a solução de controvérsias surgidas de contratos empresariais e acordos
societários.4
Apesar de assente o entendimento doutrinário a respeito da natureza jurisdicional da
arbitragem,5 não se olvida que o poder jurisdicional dos árbitros e o próprio
procedimento arbitral surgem de uma relação jurídica negocial, ou seja, surgem de um
negócio jurídico.6
Com efeito, o procedimento arbitral, como método heterocompositivo de solução de
controvérsias surge: (1) de iniciativa das partes, que, por meio da convenção de
arbitragem (cláusula compromissória ou compromisso arbitral), optam por submeter
conflito surgido entre elas para o julgamento da jurisdição privada; e (2) da aceitação do
árbitro ou grupo de árbitros, por meio do negócio denominado receptum arbitrii.7 Tanto
a convenção de arbitragem quanto o receptum arbitrii são espécies de negócio jurídico
processual,8 entabulando-se, em razão destes negócios, relação jurídica entre partes e
árbitro que é, em tudo, contratual.9
Fixada a premissa de que a jurisdição arbitral surge de um verdadeiro negócio jurídico
(ainda que dito processual), extrai-se importante conclusão: os princípios e regras
atinentes aos negócios jurídicos, presentes em nosso ordenamento, também regem a
arbitragem (tendo esta como verdadeira relação jurídica – i.e., a “eficácia atualizada” do
negócio jurídico da qual ela decorre).10–11
Em razão dessa concepção de que a arbitragem possui uma origem privatista, o
presente trabalho visa a analisar a convenção de arbitragem justamente sob o enfoque
negocial, o que se fará por meio da dissecação de seus elementos de existência,
requisitos de validade e fatores de eficácia, consoante conhecida abordagem doutrinária
trazida para nosso país por Pontes de Miranda e desenvolvida por Antonio Junqueira de
Azevedo.
Tendo essa premissa metodológica em mente, e passando-se a abordar a convenção de
arbitragem à luz do ordenamento jurídico brasileiro, é de se ressaltar que, ao editar a Lei
9.307/1996, o legislador, inspirado no sistema francês do início da década de 1980,12 e
em atenção à “tradição do direito brasileiro”,13 “manteve a dicotomia cláusula
compromissória e compromisso” 14 (art. 3.º da Lei 9.307/1996). Contudo, como
acertadamente aponta Pedro A. Batista Martins, “tão somente isso, e nada mais, se
mantém igual à legislação anterior”.15
Em primeiro lugar, para além de se manter a convenção de arbitragem subdividida em
suas duas espécies (cláusula compromissória e compromisso arbitral), a Lei de
Arbitragem (LA) manteve a distinção essencial entre estas duas espécies, justamente
“baseada no critério temporal do litígio (atual e futuro)”.16
Assim, a cláusula compromissória é negócio jurídico inserida no corpo de um dado
contrato,17 ou celebrada posteriormente a ele18 (mas, em qualquer dos casos, sempre
antes de instaurada a controvérsia entre as partes),19 pelo meio do qual as partes de
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comprometem a submeter a análise de determinada controvérsia ainda a surgir ao Juízo
Arbitral. A cláusula compromissória, portanto, tem por objeto controvérsias futuras e
determináveis.
Ainda quanto à cláusula compromissória, instituiu o legislador uma novidade,
prescrevendo a possibilidade de as partes, de antemão, firmarem negócio jurídico
completo, dotado de todos os elementos necessários para a pronta instituição do Juízo
Arbitral (trata-se da chamada cláusula compromissória cheia, nos termos do art. 5.º da
Lei 9.307/1996); ou, caso assim entendam adequado, de negócio jurídico ainda
carecedor de complementação, que disponha apenas sobre elementos mínimos aptos a
identificar a opção pela solução arbitral, mas ainda incapazes, por si sós, de proporcionar
a instituição do Juízo Arbitral (trata-se da chamada cláusula compromissória em branco,
ou vazia, nos termos dos arts. 6.º e 7.º da Lei 9.307/1996).
Já o compromisso arbitral é negócio jurídico celebrado após a eclosão de determinado
conflito entre as partes,20 seja ele“contratual ou extracontratual, judicial ou
extrajudicial”,21 pelo meio do qual as partes se comprometem a submeter a solução de
tal conflito já surgido ao Juízo Arbitral. O compromisso arbitral, portanto, tem por objeto
controvérsias atuais e determinadas, de modo que a existência destas controvérsias é
verdadeira causa pressuposta do compromisso.
Apesar de ter mantido a distinção entre as duas espécies de convenção de arbitragem, o
novo dispositivo legal o fez apenas atentando-se ao supra aludido critério temporal.
Como se verificará abaixo com mais detalhes, procurou o legislador equiparar, em seus
efeitos, cláusula compromissória e compromisso,22 desenvolvendo finalmente um
instituto negocial único (convenção de arbitragem) e efetivo, apto a, por si só, instituir o
Juízo Arbitral.
Feitas tais digressões, passa-se a tratar diretamente da convenção de arbitragem em
seus três planos (existência, validade e eficácia).
2. O plano da existência (aspectos gerais)
Em se tratando da conceituação de negócio jurídico, como salienta Miguel Maria de
Serpa Lopes,23 muitas divergências surgiram, exceto a de que se trata de manifestação
de vontade tendente à produção de um determinado efeito jurídico.
Para os voluntaristas, o negócio jurídico é uma ação da vontade, cujo interesse reside
sempre no conteúdo volitivo.24
Já para os adeptos da teoria de declaração, como Emilio Betti,25 o importante é a
declaração propriamente dita, pois a autonomia de vontade nela reside e implica em
vinculação capaz de exigir uma conduta obrigatória.
Conforme assinalado por Antonio Junqueira de Azevedo,26 possui o negócio jurídico
elementos gerais que são essenciais à sua existência, a saber: intrínsecos ou
constitutivos: a forma, o objeto e as circunstâncias negociais e extrínsecos ou
pressupostos: agente, lugar e tempo do negócio.
Em linhas gerais, trata-se assim o negócio jurídico de uma declaração de vontade que
gera efeitos criativos, modificativos ou extintivos de direitos, desde que o objeto seja
lícito, possível, determinado ou determinável e, ainda, que possua forma prescrita ou
não defesa em lei.
Tem, portanto, como seu principal pressuposto a vontade, ou melhor, a manifestação da
vontade, sendo esse seu requisito primordial, sendo necessário que a manifestação da
vontade seja expressa (art. 3.º da Lei 9.307/1996 – Cláusula compromissória ou
compromisso arbitral).
A este respeito, a Lei de Arbitragem brasileira, bem como a Convenção de Nova Iorque
e, de um modo geral, todas as legislações em matéria arbitral exigem que a convenção
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
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arbitral seja feita por escrito.
Assim, no sistema da Lei 9.307/1996, diversos dispositivos parecem sugerir que apenas
a manifestação escrita e inequívoca da parte contratante pode obrigá-la à arbitragem.27
Nesse diapasão, a arbitragem repousa na aceitação voluntária das partes em escolher
essa via, que não lhes pode ser imposta, mas a partir do momento que decidem desse
modo proceder, passa a ser obrigatória, e as partes não podem propor demanda judicial,
e isso, em decorrência do efeito vinculante da cláusula compromissória.
Como primeiro pressuposto de existência do negócio jurídico arbitral temos as partes
(agentes emissores da vontade). Nesse sentido, dispõe o art. 1.º da Lei 9.307/1996
que: “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir
litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
Como abaixo se verá com maior detalhe, tais partes, para emitirem validamente sua
vontade, deverão ser capazes e legitimadas.
Dentro do quesito capacidade, se fala necessariamente da capacidade de fato ou de
exercício, uma vez que, a capacidade de gozo ou de direito é inerente a todos.
Quanto à legitimação, trata-se de uma forma específica de capacidade para a prática de
determinados atos da vida civil, in casu, o negócio jurídico da arbitragem.
Com relação ao objeto, tem-se que este deverá ser lícito, possível, determinado ou
determinável, não se admitindo no ambiente arbitral qualquer negócio de natureza
ilícita, imoral ou mesmo contrário aos bons costumes.
Outro ponto que merece destaque é a questão do silencio como forma ou não de
expressão da vontade.
Preceitua o art. 111 do CC/2002 que: “O silêncio importa anuência, quando as
circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade
expressa”.
Conforme visto anteriormente, a aceitação da cláusula compromissória opera-se, via de
regra, pelo consentimento expresso das partes. Contudo, o silêncio de uma das partes
pode ser reputado como anuência à convenção de arbitragem. Esse, aliás, foi o
entendimento do STJ ao proferir sua primeira homologação de sentença estrangeira em
que litigavam L’Aiglon S.A. x Têxtil União S.A. (STJ, SEC 856, Corte Especial, rel. Carlos
Alberto Menezes Direito, DJ 27.06.2005, tendo como fundamentos a boa-fé objetiva e a
lealdade negocial).
De fato, o consentimento para arbitrar atualmente não se resume na aposição de uma
assinatura em um documento, mas é aferido pela análise da vontade das partes e sua
inerente conduta no trato negocial.
Nesse sentido, assevera Cristina Jambardo28 que, apesar da Lei 9.307/1996 exigir a
celebração por escrito da convenção de arbitragem, não é necessário que todas as
partes tenham anuído expressamente, bastando demonstrar a manifestação clara de
vontade livre e desimpedida de se submeter à arbitragem.
Assim, no precedente supra indicado, sinaliza o STJ que o consentimento para submeter
determinado conflito à arbitragem deverá ser aferido através da vontade das partes, a
partir da sua conduta, mas a questão não é pacífica.
A seu turno, o TJSP teve a oportunidade de fixar sobre a necessidade de decisão
unânime dos sócios para inclusão da cláusula compromissória nos Estatutos da S.A.
(TJSP, AgIn 373.141-4/4-00, j. 22.02.2005, rel. Des. Sérgio Gomes). Tal corrente,
sustentada em sede doutrinária por Luiz Leonardo Cantidiano,29 assevera que, em se
tratando de sociedade por ações, é necessária a adesão expressa dos acionistas para a
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higidez do compromisso arbitral, ainda que em termo separado.
Em sentido oposto é a posição de Carlos Alberto da Silveira Lobo30 que entende ser
válida a inserção da cláusula ainda que com a aprovação da maioria apenas.
No mesmo diapasão, Antonio Correa Meyer e Eliane Cristina Carvalho31 salientam que
assim deve ser, mesmo porque, a arbitragem como forma de solução de conflitos
societários agrega valor às melhores práticas de governança corporativa, “já que a
eficiência na condução dos negócios sociais compreende a eficiência jurídica na solução
de disputas”.
Vê-se, portanto, que a questão não é pacífica, sendo que existe uma tendência da
doutrina no sentido da segunda corrente, como bem apontado por Pedro Batista Martins,
32 pois a arbitragem gera um conforto maior aos acionistas e ao mercado, dada a
celeridade, a confidencialidade e maior especialidade dos árbitros.
Feitas essas considerações mais amplas a respeito do plano da existência, passa-se a
analisar, pormenorizadamente, os elementos de existência das duas espécies de
convenção de arbitragem.
2.1 Elementos de existência do compromisso arbitral
Antes do advento da Lei 9.307/1996, o compromisso arbitral era a convenção de
arbitragem por excelência, i.e., o negócio jurídico pelo qual se atribuía aos árbitros o
poder jurisdicional para o julgamento da controvérsia.33
Apesar de ter atribuído maior relevância à cláusula compromissória (tornando-a matéria
de “objeção processual”, como acima já asseverado) como forma de instituição do Juízo
Arbitral, a Lei 9.307/1996 ainda manteve a figura do compromisso arbitral, prevendo-o
expressamente em seu art. 9.º, em suas modalidades judicial (art. 9.º, § 1.º) e
extrajudicial (art. 9.º, § 2.º, da LA), estabelecendo seus requisitos de validade no art. 10
(do qual trataremos abaixo) e seus elementos “acidentais” de existência no art. 11.
Assim como a cláusulacompromissória dita “cheia”, o compromisso arbitral é também
ele uma convenção de arbitragem completa, o qual, por ser celebrado após o advento da
controvérsia que será submetida à arbitragem, é por vezes apto a operar, até de forma
praticamente imediata, a instauração do Juízo Arbitral.34
Por convenção de arbitragem completa quer-se dizer que o compromisso arbitral, para
existir (é dizer: para existir como negócio jurídico da categoria compromisso arbitral)
deve conter todos os elementos imprescindíveis para a instauração do Juízo Arbitral,
quais sejam: (1) declaração negocial das partes (elemento geral de existência de todo e
qualquer negócio jurídico);35 (2) indicação dos árbitros ou da “entidade institucional à
qual as partes delegaram a indicação dos árbitros”;36 e (3) a referência à matéria que
será objeto da controvérsia.37
Ainda em atenção ao plano da existência, a Lei 9.307/1996 prescreve (art. 11) alguns
elementos particulares38 que podem, a critério das partes contratantes, ser acrescidos
ao compromisso arbitral, tais como: (1) o local onde se desenvolverá a arbitragem (art.
11, I); (2) a autorização para que os árbitros julguem a causa por equidade (art. 11, II);
(3) o prazo para a apresentação da sentença arbitral (art. 11, III); (4) a indicação das
normas jurídicas aplicáveis à arbitragem (art. 11, IV); (5) a distribuição da
responsabilidade pelo custeio dos honorários e despesas com a arbitragem (art. 11, V);
39 e (6) a fixação dos honorários dos árbitros (art. 11, VI).
Por se tratar de meros elementos particulares, a ausência de qualquer das previsões
contidas no art. 11 da LA, não acarretará reflexos nem no plano da existência,40 nem
tampouco no plano da validade41 do compromisso arbitral.
2.2 Elementos de existência da cláusula compromissória
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
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Ultrapassado o tratamento do compromisso arbitral no plano da existência, passa-se a
tecer considerações a respeito das duas distintas modalidades de cláusula
compromissória.
Em primeiro lugar, em sua modalidade denominada “cheia”, a cláusula compromissória
é, assim como o compromisso arbitral, convenção de arbitragem completa. Vale dizer:
também a cláusula compromissória cheia possui todos os elementos de existência
necessários para, por si só, dar ensejo à instauração do Juízo Arbitral.
Com efeito, prescreve o art. 5.º da Lei 9.307/1996 que, “reportando-se as partes, na
cláusula compromissória, às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade
especializada, a arbitragem será instaurada e processada de acordo com tais regras,
podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro
documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem”.
Ao assim dispor, o legislador, ao mesmo tempo, (1) definiu a cláusula compromissória
cheia como “aquela que contém os requisitos mínimos para que possa ser instaurado o
procedimento arbitral”;42 (2) distinguiu as duas modalidades de cláusula compromissória
cheia (cláusulas remissivas, que estabelecem a arbitragem institucional e cláusulas
compromissórias dispositivas, que estabelecem a arbitagem ad hoc);43 e (3) dispôs que,
qualquer que seja a modalidade de cláusula compromissória cheia (institucional ou ad
hoc), a arbitragem será, imediatamente, e sem a prévia intervenção do Poder Judiciário
estatal, instaurada e processada de acordo com as regras previstas, quer pelo órgão
arbitral institucional, quer pelas próprias partes.
Feitas essas considerações, é de se rechaçar a (má) compreensão de que os elementos
de existência da cláusula compromissória cheia (= os elementos mínimos para que possa
ser instaurado o procedimento arbitral) se confundiriam com os requisitos de validade
formal previstos no art. 10 da Lei 9.307/1996.44 Quer-nos parecer que, para que uma
cláusula compromissória tenha o condão de produzir todos os efeitos de uma convenção
de arbitragem, é imprescindível apenas que apresente (1) declaração negocial das
partes; (2) indicação dos árbitros ou de entidade/pessoa à qual as partes delegarão a
indicação dos árbitros;45 e (3) referência, ainda que de forma apenas suficiente, acerca
das futuras controvérsias que poderão ser objeto de apreciação pelo Juízo Arbitral.46
Em suma, os elementos essenciais para a instauração da arbitragem referem-se apenas
e tão somente à possibilidade de que, quer as partes se reportem ao regulamento de um
dado órgão arbitral institucional (cláusula compromissória remissiva), quer as partes
disponham sobre o próprio regulamento (cláusula compromissória dispositiva), tenham
elas à sua disposição um mecanismo de “contemple a faculdade de se instituir a
arbitragem mesmo ausente a outra parte”.47
Por isso, parece-nos acertada a opinião de Rodrigo Almeida Magalhães, quando sustenta
que, “para se ter a arbitragem, sem a celebração do compromisso arbitral e a
intervenção do Poder Judiciário, a cláusula compromissória deverá conter todos os
requisitos do art. 10 ou a forma de nomear o árbitro ou os árbitros ou a instituição
encarregada de sua nomeação e determinar o objeto da controvérsia, uma vez que os
demais requisitos do art. 10 poderão ser preenchidos pelo árbitro ou tribunal arbitral, se
as partes lhe atribuírem a função, o que, normalmente, acontece nos regulamentos das
entidades especializadas em arbitragem”.48
Diferente será quando as partes contratantes, por opção própria, houverem celebrado
cláusula compromissória em sua modalidade vazia, que, na dicção da LA (art. 6.º), é
aquela que não contém “acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem”. Neste
caso, estar-se-á diante de uma verdadeira convenção de arbitragem incompleta,
desprovida daqueles os elementos mínimos para que possa ser instaurado o
procedimento arbitral49 e, portanto, incapaz de produzir os “efeitos instituidores do juízo
arbitral”.50
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
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Ainda no que concerne ao plano da existência, parece-nos que, por ser desprovida
destes elementos mínimos, basta à cláusula compromissória vazia: (1) a declaração
negocial das partes e (2) a referência, de forma nada mais do que apenas suficiente
acerca das futuras controvérsias que poderão ser objeto de apreciação pelo Juízo
Arbitral. Para existir como cláusula compromissória vazia basta que ela possua dicção
semelhante a “qualquer conflito decorrente do presente contrato será resolvido por meio
da arbitragem”.51
3. O plano da validade (aspectos gerais)
No que concerne ao plano da validade, a primeira grande questão que se coloca (e que
assume especial relevância quanto às arbitragens internacionais ou transnacionais) é a
de se saber qual o ordenamento que determinará os requisitos de validade da convenção
de arbitragem.
Um dos critérios adotados para atingir tal definição é aquele expresso no art. V, 1, a, da
Convenção de Nova York, que determina que a sentença arbitral não será reconhecida se
o Tribunal verificar que “tal acordo não é válido nos termos da lei à qual as partes o
submeteram, ou, na ausência de indicação sobre a matéria, nos termos da lei do país
onde a sentença foi proferida”. Ao assim prescrever, a Convenção de Nova York
determina que a validade da convenção de arbitragem será definida pela lei escolhida
pelas partes para regular o aspecto material da controvérsia, ou, inexistindo disposição
nesse sentido, pela lei do país no qual a sentença arbitral deverá ser proferida.
Para os fins do presente trabalho, abordar-se-á o plano da validade sob a égide do
ordenamento jurídico brasileiro, aludindo-se a ordenamentos estrangeiros apenas para
fins de comparação.
Tendo em conta o ordenamento pátrio, observa-se que os requisitos básicos de validade
de todos os negócios jurídicos são aqueles enumerados pelo art. 104 do CC/2002, quais
sejam: (1) agente capaz; (2) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e, por
fim, (3) forma prescrita ou não defesa em lei.
Especificamente no que se refere ao objeto do presente estudo, o art. 1.º da Lei
9.307/1996 estabeleceque: “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da
arbitragem (…)”, ressaltando-se, aqui, tratar-se da chamada capacidade de fato,52 – 53
i.e., da capacidade para exercer validamente as posições jurídicas ativas e passivas.
Assim sendo, aqueles desprovidos de capacidade plena (trata-se dos relativa ou
absolutamente incapazes, conforme estabelecem os arts. 3.º e 4.º do CC/2002), podem
validamente celebrar convenção de arbitragem, desde que devidamente assistidos ou
representados, suprindo-se a exigência legal.54
No que concerne à licitude do objeto, questão específica atinente à convenção de
arbitragem é aquela relacionada à “arbitrabilidade” (= possibilidade de submissão válida
de determinada controvérsia à solução arbitral. Tal conceito, no sentido aqui exposto, é
por vezes denominado de “arbitrabilidade objetiva”, em contraposição à concepção de
“arbitrabilidade subjetiva”, ideia esta que, a seu turno, diz respeito à possibilidade de
submissão válida de controvérsias relacionadas a determinadas pessoas à solução
arbitral).55
Quanto ao tema da “arbitrabilidade objetiva”, nosso direito posto apresenta um (ao
menos aparente) conflito normativo entre o art. 1.º da Lei 9.307/1996 (que trata
genericamente sobre a arbitrabilidade de todas as convenções de arbitragem) e o art.
852 do CC/2002 (promulgado posteriormente à entrada em vigor da Lei de Arbitragem,
e que trata especificamente da arbitrabilidade das controvérsias submetidas à
arbitragem por meio de compromisso arbitral).56
Enquanto a Lei de Arbitragem parece invocar o critério da patrimonialidade e
disponibilidade do direito material subjacente à pretensão (o art. 1.º da Lei 9.307/1996
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
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permite a submissão à arbitragem de “litígios relativos a direitos patrimoniais
disponíveis”), o Código Civil, em sentido distinto, parece se valer do critério da
patrimonialidade da pretensão decorrente do direito material (tanto assim que o art. 852
do CC/2002 veda a submissão à arbitragem de “questões de Estado, de direito pessoal
de família e de outras [questões, i.e., pretensões] que não tenham caráter estritamente
patrimonial”).57
Diante dessa (ao menos aparente) contraposição normativa, parece prevalecer a
compreensão de que “consequências patrimoniais” (= pretensões estritamente
patrimoniais), ainda que decorrentes de lesão a direitos e/ou interesses não
patrimoniais, poderão ser submetidas à solução arbitral.58
A consequência para o desatendimento à “arbitrabilidade objetiva” (= previsão
antecipada e expressa a respeito da possibilidade de submissão à solução arbitral de
matéria que ordinariamente seria impassível de ser arbitrada) é a invalidade da
convenção, conforme prescreve, ademais, os arts. 1.º e 3.º da Lei Portuguesa de
Arbitragem Voluntária (estabelecendo o art. 1.º, itens 1 e 2, os critérios para a
“arbitrabilidade objetiva” e o art. 3.º que: “[é] nula a convenção de arbitragem
celebrada em violação do disposto nos artigos 1.º e 2.º”).
Ainda no que concerne ao objeto da convenção de arbitragem, a convenção deve
indicá-lo e em se tratando de compromisso arbitral, surgido, portanto, após o advento
da controvérsia, deve precisá-lo, sob pena de invalidade, consoante se discorrerá abaixo.
Já no que diz respeito à forma da convenção de arbitragem, seguindo orientação
notadamente predominante nas legislações extravagantes,59 os arts. 4.º, § 1.º; e 9.º da
Lei 9.307/1996, são expressos ao prescrever a forma escrita para a convenção de
arbitragem.
Embora a Lei 9.307/1996 não contemple previsão expressa nesse sentido, admite-se
como atendida a forma escrita quando a convenção de arbitragem conste não apenas de
instrumento contratual escrito e assinado pelas partes, mas, igualmente, de troca de
missivas, faxes, ou até mesmo mensagens eletrônicas, das quais reste prova escrita.60
Questão interessante, relacionada à regularidade formal da convenção, é aquela atinente
à formação (sob o enfoque do plano da validade) por meio do silêncio ou fatos
concludentes.
Como acima se referiu, quando se tratou do plano da existência, o art. 111 do CC/2002
admitem (insiste-se: do ponto de vista do plano da existência) que a celebração de um
negócio jurídico se dê de maneira tácita, sem declaração negocial expressa por parte do
oblato, “quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a
declaração de vontade expressa”.
Do ponto de vista do plano da validade esta afirmação merece ser analisada com cautela
especial, uma vez que a convenção de arbitragem formada pelo silêncio de uma das
partes poderia ser existente, porém inválida (valendo, neste ponto, invocar a prescrição
contida no art. 217, 2, do Código Civil português, que, ao tratar da formação dos
negócios jurídicos pelo silêncio, estabelece que: “[o] carácter formal da declaração não
impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada
quanto aos factos de que a declaração se deduz”. Ou seja, ainda que existente, o
negócio celebrado em desrespeito à forma prescrita seria inválido).
Desta feita, quer-nos parecer que a celebração da convenção de arbitragem poderia
ocorrer validamente por meio de fatos concludentes (sem, portanto, subscrição do
instrumento contratual), contanto que desses fatos restasse forma escrita.61
Por derradeiro, questão relacionada ao plano da validade que merece destaque é aquela
atinente à chamada “autonomia” da convenção de arbitragem.62
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
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De fato, a despeito de se valer da expressão “autônoma” para designar a cláusula
compromissória (reputando-a “autônoma em relação ao contrato em que estiver
inserta”), o art. 8.º da Lei 9.307/1996 estabelece com precisão que a invalidade do
contrato não implica necessariamente a invalidade da cláusula. Verifica-se, desta forma,
que existe a possibilidade de que vícios que contagiem igualmente a celebração da
cláusula compromissória e do contrato que lhe é subjacente (basta pensar no contrato
que contempla a cláusula compromissória e é celebrado mediante coação física ou
moral, vício sem o qual relação jurídica alguma teria surgido entre as partes).
Ainda em atenção ao referido dispositivo legal, o parágrafo único do art. 8.º da Lei
9.307/1996 estabelece o chamado princípio da “competência-competência”, o qual
atribui ao Tribunal Arbitral, em caráter exclusivo e prioritário, a jurisdição para analisar
as questões referentes à existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem. Ao
assim fazer, permite-se justamente que o Tribunal decida sobre sua própria jurisdição.63
Passa-se, abaixo, a tratar dos aspectos particulares da validade de cada uma das
espécies de convenção de arbitragem.
3.1 Requisitos de validade do compromisso arbitral
Além dos requisitos gerais de validade de todo o negócio jurídico acima já referidos, o
compromisso arbitral, por se tratar de negócio jurídico solene (assim como as demais
convenções de arbitragem), exige a observância da forma rescrita em Lei para cada uma
de suas diversas modalidades. Tratando-se de compromisso arbitral judicial, será
negócio jurídico material e formalmente processual, celebrado no curso de demanda
judicial e levado a termo nos autos (art. 9.º, § 1.º, da Lei 9.307/1996). Tratando-se,
contudo, de compromisso arbitral extrajudicial, será negócio jurídico apenas
materialmente processual, devendo, não obstante, ser celebrado por escrito particular,
assinado por duas testemunhas, ou por meio de escritura pública (art. 9.º, § 2.º, da Lei
9.307/1996).
Além destes requisitos de ordem geral, o compromisso arbitral deverá atender a
requisitos de validade de ordem específica, previstos no art. 10 da LA, quais sejam: (1)
a qualificação das partes contratantes, com indicação de seu “nome, profissão, estado
civil e domicílio” (art. 10, I, da LA); (2) a qualificação dos árbitros, também com
indicação de seu “nome, profissão e estado civil” (art. 10, II, da LA); (3) a definição da
“matéria que será objeto da arbitragem”64(art. 10, III, da LA); e (4) o “lugar em que
será proferida a sentença arbitral” (art. 10, IV, da LA).65
A despeito de a LA não trazer previsão expressa neste sentido, à guisa do que fazia o
art. 1.074 do CPC, entende a doutrina tratar-se de requisitos de validade que, caso
descumpridos, poderão dar ensejo à declaração de nulidade do compromisso por vício de
forma66 (arts. 104, III; e 166, IV, CC/2002).
Tratando-se de requisitos de validade formal, com atenção especial ao princípio da
conservação dos negócios jurídicos, entende-se que se deve procurar sempre suprir
eventuais lacunas deixadas pelas partes, “sendo de decretar-se a nulidade do pacto
apenas em caso de total impossibilidade de depreender-se e delimitar-se razoavelmente
a vontade dos compromitentes”.67
Demais disso, ainda que se estivesse diante de situação insuprível, em que não se
pudesse depreender, pela interpretação, a real intenção das partes, eventual nulidade
formal do compromisso, por sua natureza relevável, poderia vir a ser suprida por meio
da repetição;68 i.e., pela substituição do negócio jurídico viciado por negócio jurídico
novo, constituído com estrita atenção às exigências formais, sanando-se, portanto, o
negócio jurídico anterior.69
Por fim, e superados os aspectos formais específicos do compromisso arbitral, é de se
frisar que, no que concerne à determinação do objeto da controvérsia, a exigência do
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
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compromisso é muito mais intensa do que aquela da cláusula compromissória. Por se
tratar de convenção de arbitragem surgida após o advento do litígio, exige-se do
compromisso arbitral a previsão precisa da matéria que será submetida ao julgamento
dos árbitros, exigência esta não encontrada na cláusula compromissória por razões de
ordem lógica. Em atenção a esse aspecto, o art. 2.º, item 6, da LAV portuguesa
estabelece que: “[o] compromisso arbitral deve determinar o objecto do litígio; a
cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem”.
3.2 Requisitos de validade da cláusula compromissória
Especificamente no que se refere à cláusula compromissória dita “cheia”, é de se
asseverar que a atenção das partes aos requisitos de validade formal previstos no art.
10 da Lei 9.307/1996 é mera faculdade dos contratantes, e sua inobservância não fará,
ao menos não necessariamente, com que a cláusula compromissória seja convenção de
arbitragem incompleta.70 É possível, portanto, que possa outorgar às partes
contratantes o poder de instaurar o Juízo Arbitral ainda que estas não tenham,
previamente, atentado para todos os requisitos supra aludidos. Basta que a cláusula
traga os elementos de existência acima enumerados e que as partes tenham previsto
mecanismo (ou a ele tenham-se reportado) que permita a instauração e processamento
da arbitragem ainda que ausente uma das partes.
Da mesma maneira, para a cláusula compromissória dita “vazia” ela seja reputada
válida, basta que contenha todos os requisitos gerais de validade de todo e qualquer
negócio jurídico (arts. 104 e 166 do CC/2002) e seja celebrada por escrito (art. 4.º, §
1.º, da LA), desnecessária a observância dos requisitos previstos no art. 10 da LA.71
Por derradeiro, repisa-se que a determinação do objeto a ser submetido à arbitragem é
exigência que deve ser observada cum granum salis no que se refere à cláusula
compromissória, bastando, para que se tenha convenção de arbitragem válida, a
referência à relação jurídica que originará as controvérsias a serem arbitradas
(aludindo-se, por exemplo, ao contrato do qual surgirão os eventuais e possíveis
litígios).
4. A eficácia da convenção de arbitragem e a extensão subjetiva de seus efeitos
Nesta última parte do trabalho, será abordado o tema da eficácia da convenção arbitral e
a possível extensão de seus efeitos a partes não signatárias do negócio jurídico contendo
a convenção arbitral, sobretudo no âmbito dos grupos societários.
Tendo em vista o crescente número e a complexidade das transações envolvendo formas
plurissocietárias de associação entre empresas, seja por motivos financeiros, tributários,
comerciais, entre outros, nem sempre existe uma semelhança entre a empresa que
firmou o negócio jurídico e aquela que participou de sua execução. Por isso, árbitros
internacionais e tribunais nacionais estão, cada vez mais, confrontando-se com a
questão de saber se uma convenção arbitral firmada por uma das empresas
pertencentes ao grupo societário pode ser estendida ou imputada a outras empresas,
não signatárias do contrato contendo tal convenção.72
4.1 A eficácia da convenção de arbitragem
Quando se fala em eficácia da convenção arbitral, é primordial que se relembre, antes de
adentrar no assunto propriamente dito, que, até o advento da Lei 9.307/1996, apenas o
compromisso arbitral poderia instituir o juízo arbitral. A cláusula compromissória não
afastava a competência do juiz estatal e, muito menos, tinha o condão de instituir a
arbitragem. Para muitos, ela era considerada um mero pré-contrato, tendo em vista que,
“quando muito, serviria para obrigar a parte renitente a celebrar o compromisso arbitral,
daí o seu inafastável caráter de pré-contrato, que para muitos não gerava efeito algum”.
73
Entretanto, com o advento da Lei 9.307/1996, o legislador pátrio optou por fazer uso da
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
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expressão “convenção arbitral”, expressão que denota o gênero, do qual são espécies a
cláusula compromissória e compromisso arbitral. Nesse sentido, está o art. 3.º: “As
partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante
convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso
arbitral”.74
Nota-se, pela redação do artigo supratranscrito, que a nova legislação brasileira a
respeito da arbitragem terminou com a distinção de efeitos entre a cláusula
compromissória e o compromisso arbitral, a chamada convenção arbitral, não existindo
mais a obrigatoriedade de se firmar o compromisso arbitral para se instituir a
arbitragem. Tanto a cláusula compromissória, quanto o compromisso, são aptos a
afastar a jurisdição estatal e instituir a arbitragem – geram o mesmo efeito, a saber,
retiram do juiz estatal a competência para conhecer de litígio advindo de determinada
relação jurídica, seja ela contratual ou não.
A cláusula compromissória não é mais considerada um pré-contrato, pois ela não é mais
uma promessa de celebrar o compromisso, mas sim, de verdadeiramente instituir o Juízo
Arbitral, o que resta evidente pela leitura dos arts. 3.º, 5.º, 19 e 20 da Lei 9.307/1996.
Ou seja, mesmo a cláusula compromissória, inserida em determinado contrato, é capaz
de, per se, submeter a disputa ao Juízo Arbitral. Tanto assim o é, que a LBA modificou
os arts. 267, VII, e 301, IX, do CPC, para alterar a expressão compromisso arbitral por
convenção arbitral.75
Doutrinariamente falando, costuma-se dizer que a convenção arbitral tem um duplo
caráter, também conhecidos como efeitos positivos e negativos da convenção arbitral.
Nas palavras de Carlos Alberto Carmona, os efeitos da convenção arbitral podem ser
assim resumidos:
“Em síntese apertada, a convenção de arbitragem tem um duplo caráter: como acordo
de vontades, vincula as partes no que se refere a litígios atuais ou futuros, obrigando-as
reciprocamente à submissão ao juízo arbitral; como pacto processual, seus objetivos são
os de derrogar a jurisdição estatal, submetendo as partes à jurisdição dos árbitros”.76
O efeito positivo da convenção arbitral diz respeito à obrigatoriedade de submissão ao
Juízo Arbitral de qualquer litígio que porventura ocorreu, ou que possa vir a ocorrer, de
determinada relação jurídica. Segundo Fouchard, Gaillard e Goldman, o efeito positivo da
convenção arbitral é demonstrável pelo fato de derivar diretamente do princípio
contratual do pacta sunt servanda, estando positivado em diversas convenções
internacionais, bem como pelo fato de esta obrigatoriedadeser capaz de execução
específica.77
Nesse sentido, a obrigatoriedade de submissão ao Juízo Arbitral de disputas abrangidas
pela convenção arbitral resulta diretamente da aplicação do princípio de que os contratos
são vinculantes para as partes, comumente conhecido como pacta sunt servanda, sendo
uma das regras mais reconhecidas do direito contratual internacional. Por conseguinte, o
princípio de que a convenção arbitral vincula as partes que a firmaram, acabou sendo
aceita como uma regra substantiva da arbitragem comercial internacional.78 Esta regra
encontra-se presente em muitas convenções internacionais sobre a matéria, como o art.
II, 1, da Convenção de Nova Iorque de 1958.79
O efeito positivo da convenção arbitral também resta consubstanciado na regra de que a
convenção arbitral é capaz de execução específica, tendo em vista que, se a sanção pelo
descumprimento de uma convenção arbitral fosse meramente indenizatória, a
arbitragem não estaria atingindo o seu objetivo principal. A Lei 9.307/1996, nesse
sentido, adotou, em seu art. 7.º, um mecanismo próprio para permitir a execução
específica da cláusula compromissória quando houver resistência de uma das partes em
instaurar o procedimento, por meio de sua instauração judicial.80
No que tange ao efeito negativo da convenção arbitral, este diz respeito exatamente ao
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
Página 11
fato de a arbitragem, vista como pacto processual, derrogar a jurisdição estatal
originalmente competente para a demanda, submetendo-a à apreciação dos árbitros.
4.2 A extensão subjetiva dos efeitos da convenção arbitral
Um dos temas que vem suscitado acalorados debates doutrinários, atualmente, diz
respeito a uma das formas de extensão dos efeitos da convenção arbitral. Se o assunto
pode ser visualizado sob seu aspecto objetivo, ou seja, em relação à interpretação do
objeto da convenção arbitral, também pode ser feita sua análise sob o aspecto subjetivo,
para perquirir se a convenção arbitral pode atingir terceiros, que não foram parte da
avença. O tema ganha ainda maior relevo quando examinado sob o enfoque dos grupos
societários, tendo em vista ser este terreno fértil para discussões relativas à abrangência
da convenção arbitral a partes não signatárias.
Quando se trata da teoria dos grupos societários no direito arbitral, a pergunta que a
doutrina busca responder e que, de resto, é a pergunta que também aqui propomos, é a
de se investigar se uma companhia, não signatária de um negócio jurídico contendo uma
convenção arbitral, mas integrante de um mesmo grupo societário do qual uma ou mais
companhias assinaram o contrato contendo a referida convenção, está automaticamente
abrangida por esta. Ou ainda, a convenção arbitral pode atingir terceiras companhias,
que não firmaram o contrato contendo a convenção arbitral?
Esse questionamento surge do fato de não ser incomum que uma sociedade pertencente
a um grupo societário, que não a sociedade signatária, participe da negociação, da
execução ou mesmo do término de um contrato firmado por uma, ou algumas
sociedades pertencentes a este mesmo grupo.
Contudo, é importante lembrar que a regra geral é a de que a convenção arbitral tem
um efeito apenas relativo (princípio da relatividade dos negócios jurídicos), sendo
vinculante tão somente para as partes que firmaram o contrato ou concluíram a avença,
não obrigando diretamente terceiros que não concluíram o negócio.81 Isso porque, como
é sabido, a arbitragem tem uma origem contratual e um litígio daí advindo somente
poderia ser subtraído da jurisdição estatal por vontade das partes.
Disso emana o princípio da interpretação restritiva da cláusula arbitral, segundo o qual
“está só obriga, e dela só pode se beneficiar, a parte que com ela consentiu”.82 Ou seja,
ao determinar quem são as partes abrangidas por determinada convenção arbitral, os
árbitros devem se perguntar quem são as partes submetidas a essa convenção, o que,
frequentemente, se traduz em saber quem exprimiu a vontade de obrigar-se pela
convenção, pois “pode ocorrer de a manifestação de vontade estar num documento
diferente, ou ter-se externado por outra forma inequívoca, que não pela simples
aposição de assinatura em um contrato”.83
Logo, tendo em vista a sua base voluntarística, não seria, a princípio, possível atrair para
a arbitragem pessoas que não são partes da convenção arbitral. Essa é a regra geral do
instituto, tendo em vista tratar-se de negócio jurídico contratual. Por ser uma forma
consensual de resolução de conflitos, só pode se valer dessa forma quem com ela
consentiu, abrangendo apenas quem manifestou sua vontade de resolver seus conflitos
por essa via.84
Entretanto, uma possível exceção ao efeito relativo da convenção arbitral é a teoria dos
grupos societários. Essa teoria é fruto, em certa medida, da complexificação das relações
negociais presente atualmente no comércio internacional, em que, cada vez mais, as
empresas usam da arbitragem para resolver seus litígios e, cada vez mais, utilizam-se
das formas plurissocietárias e dos agrupamentos de empresas para efetuarem suas
trocas, a ponto de se concluir que, hoje, os grupos societários transformaram-se na
principal técnica de organização da empresa.85
Os grupos societários podem ser definidos como agrupamentos de empresas, pluralidade
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
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de sociedades, que têm autonomia jurídica, mas que estão sujeitas a uma direção e
gerenciamento únicos, entendido este último como elemento central a caracterizar o
instituto. A concepção de grupo de empresas está ligada à noção de controle, pois o
fenômeno grupal implica que uma mesma empresa passe a ter o controle de outras
sociedades.86 Caracterizam-se, fundamentalmente, pela diversidade jurídica de seus
membros aliada à unidade econômica, tendo em vista que é indispensável ao fenômeno
grupal a presença de uma centralização mínima da atividade administrativa das
empresas que o compõe, o que as leva a perderem, em parte, sua independência
econômica.87
Apesar da importância e das peculiaridades encontradas nas diversas estruturas que
formam os grupos societários, é importante destacar, como o fez parte da doutrina que
os estuda,88 voltando ao tema da extensão da convenção arbitral, que a simples
participação de uma empresa, signatária de um determinado contrato, em um grupo
societário, não legitima, automaticamente, a extensão dos efeitos de tal contrato, ou de
eventual convenção arbitral existente, a outras empresas pertencentes ao mesmo
agrupamento. Para que possa ser efetuada a extensão, ou para que possam ser
conhecidas as verdadeiras partes do negócio jurídico, indispensável se faz que os juízes
e árbitros examinem, em cada caso concreto, a vontade e o comportamento das partes.
Nesse sentido, a existência do grupo societário constituiria um primeiro indício da
participação da sociedade não signatária no negócio jurídico e, logo, no procedimento
arbitral, indício este que deve ser levado em consideração pelos julgadores, mas sendo
apenas uma presunção relativa, tendo em vista admitir prova em contrário. No âmbito
do comércio internacional, a participação de uma empresa em um grupo de sociedades
serve de indício, e não de presunção da participação de uma determinada sociedade em
um negócio jurídico, permitindo entrever, com mais facilidade, que não signatários
sejam abrangidos pela cláusula compromissória que não assinaram.
O assunto ora em debate tem origem na arbitragem internacional, consubstanciando-se
no Caso Dow Chemical v. Isover Saint Gobain (“Caso Dow Chemical”), que foi um dos
primeiros precedentes avindos da jurisprudência arbitral internacional a enfrentar o tema
da extensão da cláusula compromissória a partes não signatárias pertencentes a um
mesmo grupo societário, tornando-se verdadeiro paradigma no assunto.
O caso consagrou a teoria da unidade econômica do grupo societário (une réalité
économique unique), dando-lhe um conteúdo concreto, ao reconhecer que se umasociedade de um mesmo grupo societário firmou um contrato contendo uma convenção
arbitral, existe a possibilidade de se envolver outras sociedades, do mesmo grupo, que
tenham tido papel relevante na performance do contrato, mesmo que não signatárias da
convenção arbitral.
O precedente trata de dois contratos de distribuição de equipamentos de isolamento
térmico, firmados nos anos de 1965 e 1968, entre duas subsidiárias suíças da empresa
norte-americana Dow Chemical e a empresa Isover Saint Gobain.89 Os contratos
previam que a distribuição das mercadorias, em solo francês, poderia ser feita por
qualquer empresa pertencente ao grupo Dow Chemical, e continham cláusulas
compromissórias para a realização de eventuais procedimentos arbitrais na França, sob a
administração da Câmara de Comércio Internacional, CCI.
Tendo em vista dificuldades de instalação em um dos produtos objeto dos contratos de
distribuição, foi iniciado um procedimento arbitral por empresas do grupo Dow Chemical,
alegando que os danos advindos das referidas dificuldades eram responsabilidade da
empresa Isover Saint Gobain. A arbitragem foi iniciada por quatro empresas do grupo
Dow Chemical, as duas subsidiárias suíças que assinaram os contratos de distribuição,
uma subsidiária francesa e a empresa matriz norte-americana.
A demandada Isover Saint Gobain levantou objeções preliminares quanto à jurisdição do
tribunal arbitral, sediado em Paris, em relação à matriz norte-americana e em relação à
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
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subsidiária francesa pertencente ao grupo Dow Chemical, já que estas não haviam
assinado os contratos objeto da disputa.
O tribunal arbitral, composto por Berthold Goldman, Michel Vasseur e Pieter Sander (os
dois primeiros franceses e o último holandês, exercendo a presidência do Juízo Arbitral),
ao decidir que a empresa matriz e a filial francesa do grupo Dow Chemical deveriam ser
vinculadas à convenção arbitral assinada por outras companhias do mesmo grupo, ou
seja, ao interpretar a vontade das partes, levou em consideração as circunstancias da
negociação, da execução e do término dos contratos que continham as cláusulas
compromissórias, perquirindo da participação das empresas não signatárias na vida dos
contratos firmados por outras empresas do mesmo grupo societário.
O tribunal arbitral, ao julgar que a matriz norte-americana e a subsidiária francesa do
grupo da Dow Chemical estavam abrangidas pelos contratos que continham as
convenções arbitrais e, logo, eram partes legítimas para participar do procedimento
arbitral, acabou por consolidar o entendimento de que as empresas pertencentes a um
mesmo grupo societário, apesar de terem personalidades jurídicas distintas, fazem parte
de uma realidade econômica única, que deve ser levada em consideração pelo julgador,
a saber, “independentemente da identidade jurídica distinta de cada um de seus
membros, um grupo de empresas constitui uma mesma realidade econômica (une réalité
économique unique), que o tribunal arbitral deve levar em conta quando se pronuncia
sobre sua própria jurisdição”.90
Ademais, concluíram os árbitros que a cláusula compromissória expressamente aceita
por determinadas sociedades do grupo deveria vincular as outras sociedades que, “em
virtude do papel que desempenharam na conclusão, na execução ou no término dos
contratos contendo as referidas cláusulas (…), aparentam terem sido verdadeiras partes
desses contratos, ou terem sido consideravelmente envolvidas pelos mesmos e pelos
litígios que deles podem resultar”.91
Desse acórdão resta, logo, o entendimento de que se deve verificar a realidade
econômica dos contratos e qual a participação das empresas em sua formação, execução
e término para se decidir a respeito da extensão de eventual convenção arbitral à parte
não signatária.
É importante notar que o entendimento do Caso Dow Chemical, da década de 80, foi
reproduzido em julgado do TJSP aqui no Brasil, apenas nos anos 2000,92 e que o
verdadeiro problema debatido em ambos os casos, é aquele do consentimento das
partes, ou seja, da base voluntarística da arbitragem, para que se possa responder à
pergunta a respeito da eventual possibilidade de extensão da convenção arbitral a partes
não signatárias, com a devida cautela.
Conforme se depreende da análise do Caso Dow Chemical acima perpetrada, acabou se
firmando, no cenário internacional, sobretudo sob os auspícios da CCI, a “regra
fundamental na matéria” 93 que aqui se analisa, ou seja, a possibilidade jurídica da
extensão da cláusula compromissória a empresas, não signatárias, pertencentes a um
mesmo grupo societário, desde que estas tenham participado, efetivamente, da
negociação, da execução ou da rescisão do negócio jurídico firmado por outra(s)
empresa(s) pertencente(s) ao grupo.94 Essa regra fundamental restou cristalizada na
seguinte passagem encontrada no referido julgado:
“Considerando, em particular, que a cláusula compromissória expressamente aceita por
determinadas sociedades do grupo deve vincular as outras sociedades que, em virtude
do papel que tiveram na conclusão, na execução ou na resilição dos contratos contendo
as referidas cláusulas e, de acordo com a vontade comum de todas as partes do
procedimento, aparentam terem sido verdadeiras partes nos contratos, ou terem sido
consideravelmente envolvidas pelos mesmos e pelos litígios que deles podem resultar.”95
O Caso Dow Chemical também ressaltou a importância da formação de uma realidade
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
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econômica una no âmbito dos grupos societários e o fato de que a ausência de
assinatura de uma empresa pertencente a um grupo não é um obstáculo intransponível
à extensão dos efeitos de uma convenção arbitral firmada por outras companhias
pertencentes ao agrupamento.
Entretanto, apesar das importantes balizas doutrinárias firmadas pelo Caso Dow
Chemical, conforme já mencionado, o fato de uma empresa, signatária de um
determinado contrato, fazer parte de um grupo societário, não legitima,
automaticamente, a extensão dos efeitos de tal contrato a outras empresas pertencentes
ao mesmo agrupamento.
A existência do grupo societário constitui um primeiro indício da participação da
sociedade não signatária no negócio jurídico, sendo esta apenas uma presunção relativa,
tendo em vista admitir prova em contrário. Isso porque, independentemente de se estar
em face de um grupo societário, as empresas que o integram são dotadas de
personalidades jurídicas próprias, por isso é que é preciso analisar cuidadosamente a
participação de uma empresa não signatária no negócio jurídico e, mais especificamente,
se a mesma manifestou, ainda que tacitamente, o consentimento em relação à
arbitragem, ou seja, a sua vontade de ser parte do negócio jurídico subjacente.
A respeito desse tema, Julian Lew refere que o argumento de base que se deve levar em
consideração é o de que, quando uma empresa, pertencente a um grupo societário,
desempenha um papel ativo na conclusão ou na performance de um contrato, seria
como se o contrato tivesse sido firmado com todo o grupo, e não com um de seus
membros. Em tais casos, seria contrário à boa-fé e à realidade econômica tratar as
sociedades pertencentes ao grupo como entidades separadas.96
O resultado é o de que, hoje, está se consolidando na jurisprudência arbitral o
entendimento de que, presentes determinados requisitos, é possível estender a
convenção de arbitragem a uma sociedade que, embora integrante de um grupo
societário, não tenha participado formalmente do vínculo contratual.
Em estudo sobre o assunto em comento, Arnoldo Wald elencou os requisitos, que,
segundo este autor, permitiriam a extensão dos efeitos da cláusula compromissória à
sociedade não signatária. Para ele, seria necessário o atendimento de apenas um deles,
indistintamente: (a) a sociedade tem que ter desempenhado um papel ativo nas
negociações das quais decorreu o acordo do qual consta a cláusula compromissória; (b)
a sociedade deve estar envolvida,ativa ou passivamente, na execução do contrato no
qual consta a cláusula compromissória; ou (c) a sociedade tem que ter sido
representada, efetiva ou implicitamente, no negócio jurídico.97
Segundo Bernard Hanotiau, se, o que se busca é fazer uso da teoria dos grupos
societários, seria necessário, em primeiro lugar, recorrer aos princípios que a embasam.
Para o professor belga, ademais das fórmulas citadas por Wald, o julgador deve estar
atento à questão do consentimento na arbitragem, tendo em vista que ele pode adquirir
contornos diferentes quando uma sociedade, membro de um grupo societário, participa
de uma operação internacional complexa, tendo em vista a natureza das relações que
existem entre as próprias empresas do grupo.98
Nesse particular, o consentimento para com a arbitragem pode ser deduzido do
comportamento de uma sociedade do grupo – não signatária da convenção arbitral – em
razão de sua implicação na negociação e/ou execução e/ou resilição do contrato que
contém a convenção e do qual são partes uma ou mais sociedades do grupo. Entretanto,
como já examinado, essa circunstância – ser parte de um grupo societário – não é, de
per se, uma condição suficiente para permitir a extensão da convenção arbitral às
empresas não signatárias, motivo pelo qual, devem os julgadores, sejam árbitros ou
juízes, examinar, com cautela, a vontade das partes e o seu consentimento para com a
arbitragem, antes de decidirem pela extensão, ou não, da convenção arbitral a partes
não signatárias.
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
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5. Conclusão
Vê-se, portanto, que o advento da Lei 9.307/1996, bem como os quase 20 anos de
desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial que se passaram desde sua edição,
serviram não apenas para cristalizar a posição de destaque que a arbitragem representa
no plano jurídico nacional como meio alternativo de solução de controvérsias como,
igualmente, para sedimentar a compreensão a respeito da origem (por assim dizer)
dúplice da arbitragem. Tem-se, de um lado, o inolvidável aspecto jurisdicional, mas, de
outro, o igualmente observável aspecto negocial, decorrente da natureza jurídica da
convenção de arbitragem.
Justamente em razão desse aspecto negocial é que o estudo da convenção de
arbitragem não pode prescindir de uma análise que parta do ponto de vista do negócio
jurídico.
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1 Reconhecido este ocorrido em 12.12.2001, no julgamento do AgRg interposto nos
autos da homologação de SE 5.206-7/Reino de Espanha.
2 É interessante a constatação que se encontra em acórdão da lavra do desembargador
paulista Adílson de Araújo, no qual o magistrado constata que: “[e]m vista dos céleres
avanços da vida em sociedade, e do agigantado aumento dos litígios entre as pessoas,
não se pode furtar ao reconhecimento de que a administração da Justiça pelo
Estado-Juiz tem revelado, além da morosidade que assola o Poder Judiciário, a
alarmante dificuldade de se dar uma resposta adequada às necessidades que reclamam
uma pronta soluçãode conflitos. Assim, à luz do inegável congestionamento da Justiça,
imperioso se abdique das soluções tradicionais, na busca de novas fórmulas e novos
caminhos tendentes à pacificação social, alvitrando a celeridade e praticidade aos
litigantes. Daí, avulta em importância, entre nós, o instituto da arbitragem, que deve ser
sempre incentivado, desde que, é certo, não implique denegação de Justiça” (TJSP, Ap
1071425006, j. 02.12.2008, rel. Des. Adílson de Araújo).
3 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.
20.
4 Idem, p. 21.
5 Idem, p. 45. Também nesse sentido: COSTA, Nilton César Antunes da. Efeitos
processuais da convenção de arbitragem. Campinas: Servanda, 2006. p. 48-50;
VALENÇA FILHO, Clávio de Melo. Poder Judiciário e sentença arbitral. Curitiba: Juruá,
2002. p. 46-56; THEODORO JR., Humberto. Arbitragem e terceiros – Litisconsórcio fora
do pacto arbitral – Outras intervenções de terceiros. RArb 14/357-372; e, ainda, NERY
JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 9. ed. São Paulo: Ed. RT,
2009. p. 153.
6 VALENÇA FILHO, Clávio de Melo. Op. cit., p. 54-55. Ainda nesse sentido: THEODORO
JR., Humberto. Op. cit., p. 372; e FIGUEIRA JR., Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e
execução. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1999. p. 182.
7 LEMES, Selma Ferreira. Dos árbitros. In: ______; CARMONA, Carlos Alberto;
MARTINS, Pedro A. Batista. Aspectos fundamentais da Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro:
Forense, 1999. p. 260-263.
8 Ainda que grasse certa controvérsia em doutrina quanto à categoria do negócio
jurídico processual, essa parece ser a posição dominante na doutrina nacional. Nesse
sentido: CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 103; FIGUEIRA JR., Joel Dias. Op. cit., p.
175; e, ainda, NERY JR., Nelson. Op. cit., p. 152-153, o qual, após ampla citação de
doutrina alemã, afirma ser esta a posição atualmente predominante em doutrina. Para a
noção de negócio jurídico processual, cfr., por todos, JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio.
Negócio jurídico e declaração negocial. Tese de Doutorado, São Paulo, USP, 1986, p.
53-62.
9 “As partes confiam ao árbitro a missão de solucionar a disputa, emitindo um
julgamento, podendo ser remunerado por este trabalho. A relação entabulada é
contratual” (LEMES, Selma Ferreira. Op. cit., p. 360).
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
Página 18
10 “A relação jurídica contratual é eficácia atualizada do contrato que existe e vale;
portanto a relação contratual é eficácia atualizada do contrato do qual se origina”
(TOMASETTI JR., Alcides em OLIVEIRA, Juarez de (coord.). Comentários à Lei de
Locação de Imóveis Urbanos. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 67).
11 Nesse sentido, apesar de tratar, no trecho a seguir transcrito, especificamente da
cláusula compromissória, Carlos Alberto Carmona esclarece que: “[t]ratando-se de
contrato (…) submete-se a cláusula [compromissória] aos mecanismos gerais previstos
na lei civil para a celebração dos contratos” (op. cit., p. 106).
12 CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 34.
13 BARBI FILHO, Celso. Cumprimento judicial de cláusula compromissória na Lei
9.307/96 e outras intervenções do Judiciário na arbitragem privada. RT 749/107.
14 Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro, 2008. p. 62.
15 BATISTA MARTINS, Pedro A. Op. cit., p. 62.
16 ANTUNES DA COSTA, Nilton César. Op. cit., p. 106.
17 BARBI FILHO, Celso. Op. cit., p. 106.
18 CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 35. Importa de ver que o próprio Carlos Alberto
Carmona (op. cit., p. 105), esclarece que a cláusula compromissória nem sempre será
pacto adjeto a outro contrato, podendo referir-se a controvérsia que decorrerá de uma
relação extracontratual, como, por exemplo, a relação de vizinhança. Neste caso,
cláusula compromissória mantém sua natureza jurídica de contrato; apenas não será
vinculada a outro contrato. Mantém, contudo, todos os seus elementos de existência e
requisitos de validade.
19 SCAVONE JR., Luiz Antonio. Manual de arbitragem. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2009. p.
84.
20 Idem, p. 89.
21 BATISTA MARTINS, Pedro A. Op. cit., p. 165.
22 MAGALHÃES, Rodrigo Almeida. Arbitragem e convenção arbitral. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2006. p. 164.
23 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos Ed., 2000. vol. I, p. 421.
24 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.
4.
25 BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Trad. Fernando de Miranda. Coimbra:
Coimbra Ed., 1969. t. I, p. 300.
26 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico… cit., p. 33
27 Exemplo disso é o art. 4.º, § 1.º, da Lei 9.307/1996, que estabelece que: “A cláusula
compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio
contrato ou em documento apartado que a ele se refira”.
28 JAMBARDO, Cristina Saiz. “Extensão” da cláusula compromissória na arbitragem
comercial internacional: o caso dos grupos societários. Dissertação de Mestrado, São
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
Página 19
Paulo, USP, 2009.
29 CANTIDIANO, Luiz Leonardo. Reforma da Lei das S.A. São Paulo: Renovar, 2002. p.
119-120.
30 LOBO, Carlos Alberto da Silveira. A cláusula compromissória estatutária. RArb 22/11.
31 MEYER, Antonio Correa; CARVALHO, Eliane Cristina. Cláusula compromissória e o
administrador das sociedades anônimas. Arbitragem. Revista do Advogado, p. 30.
32 MARTINS, Pedro Batista. Arbitragem no direito societário. São Paulo: Quartier Latin,
2012. p. 115.
33 BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos E. U. B. ed. histórica, 7. tir. Rio de Janeiro: Ed.
Rio/Estácio de Sá, sem data. vol. II, p. 163.
34 BATISTA MARTINS, Pedro A. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem. Rio de
Janeiro, 2008. p. 166.
35 JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Negócio jurídico, existência, validade e eficácia.
3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 32-33.
36 E, neste ponto, o que se pretende dizer é exatamente a indicação dos árbitros, e não
sua qualificação, requisito de validade previsto no art. 10, II, da LA. A indicação dos
árbitros ou a definição de entidade institucional encarregada de tal indicação (ou, ainda,
a adoção de uma forma de indicação dos árbitros que possibilite que a escolha seja feita
ainda que uma das partes seja recalcitrante; o que geralmente ocorre por meio da
adoção de um órgão arbitral institucional que providencie a escolha dos árbitros em
situações de recalcitrância ou impasse) é elemento categorial de existência do
compromisso arbitral, e não seu requisito de validade; ou seja, o negócio jurídico
posterior à existência da controvérsia, tendente à instituição do Juízo Arbitral e que não
indique os árbitros é convenção de arbitragem incompleta, que demandará
complementação posterior, quer por acordo entre as partes, quer por meio de
intervenção do Poder Judiciário estatal.
37 Sendo o compromisso arbitral de negócio jurídico causal (i.e., negócio jurídico dotado
de causa pressuposta), a referência a esta causa é elemento categorial inderrogável do
compromisso, sem o qual ele não existe como compromisso. Sobre a questão, Antonio
Junqueira de Azevedo afirma que: “[a] causa é um fato externo ao negócio, mas que o
justifica do ponto de vista social e jurídico, enquanto o elemento categorial objetivo é
justamente a referência, que se faz a este fato, no próprio conteúdo do negócio. Por
outras palavras, o elemento inderrogável objetivo faz parte, isto é, é integrante da
estrutura do negócio, e a causa, não. O elemento categorial objetivo consiste numa
referência à causa, a qual está, porém, fora do negócio (ela está, logicamente, ou antes
ou depois, mas não no negócio; ela é extrínseca à sua constituição)” (op. cit., p.
149-150). Exatamente no sentido por nós aqui defendido, Pedro A. Batista Martins
sustenta que: “em certas hipóteses, o requisito é condição de existência do próprio
compromisso. É elemento essencial. É o caso do item III do art. 10, ou seja, da matéria
objeto da arbitragem. Ausente esse elemento, não existecompromisso. A questão
conflituosa é elemento nuclear do instrumento. É ela que dá ‘vida’ ao negócio jurídico
(…). Não declarado o requisito constante do item III art. 10, inexiste compromisso.
Repito: não é inválido e, sim, inexistente o compromisso arbitral” (op. cit., p. 169). A
estas considerações, só se pode acrescentar que não é, propriamente, a “questão
conflituosa” que integra o negócio jurídico, mas, sim, a referência a esta questão
conflituosa. Se a controvérsia não existe, mas a ela se fez referência no compromisso
arbitral, este é negócio jurídico existente, porém inválido (= inválido por falta de causa).
Assim, a existência da controvérsia pode ser requisito de validade do compromisso
arbitral, mas a referência à controvérsia é elemento de existência deste negócio jurídico.
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
Página 20
38 Sobre a caracterização de elementos particulares, cfr. JUNQUEIRA DE AZEVEDO,
Antonio. Op. cit., p. 38.
39 Diferente era o tratamento desta questão sob a égide do CPC/1973, que, no seu art.
1.074, IV, elevava a previsão a respeito do custeio dos honorários e despesas atinentes
à arbitragem a requisito de validade, prescrevendo que: “[o] compromisso conterá sob
pena de nulidade: (…) IV – a declaração de responsabilidade pelo pagamento dos
honorários dos peritos e das despesas processuais (artigo 20).”
40 Assim, o compromisso arbitral que, por exemplo, não indique o prazo no qual deve
ser apresentada a sentença arbitral não é compromisso incompleto, ou, o que seria
ainda pior, não deixa de ser compromisso. Pelo contrário: é negócio jurídico completo,
plenamente apto a produzir todos os seus efeitos característicos.
41 Assim, não se poderá arguir a nulidade do compromisso arbitral em razão da
ausência de qualquer das previsões aludidas no art. 11 da LA.
42 SCAVONE JR., Luiz Antonio. Op cit., p. 84.
43 BATISTA MARTINS, Pedro A. Op., cit., p. 106.
44 Por isso, não se pode concordar com Luiz Antonio Scavone Jr., para quem, “embora o
art. 10 da Lei de Arbitragem, mencione apenas o compromisso arbitral, entendemos que
os requisitos, por óbvio, se estendem à cláusula arbitral cheia. Explicamos: (…) a
cláusula arbitral pode ser cheia e, nesta medida, para que seja, deve conter os requisitos
para instauração da arbitragem sem a necessidade do compromisso posterior (…). É
preciso esclarecer, também, que não é nula a cláusula arbitral que não contenha os
requisitos do art. 10. Todavia, como já dissemos, nesta eventualidade a cláusula arbitral
será vazia, o que demandará um compromisso arbitral depois do surgimento do conflito
(…)” (op. cit., p. 91).
45 Ou, ainda, a adoção de uma forma de indicação dos árbitros que possibilite que a
escolha seja feita ainda que uma das partes seja recalcitrante; o que geralmente ocorre
por meio da adoção de um órgão arbitral institucional que providencie a escolha dos
árbitros em situações de recalcitrância ou impasse.
46 Basta que o objeto da cláusula compromissória seja determinável no futuro, para que
se escape de eventual nulidade (arts. 104, II; e 166, II, do CC/2002).
47 BATISTA MARTINS, Pedro A. Op. cit., p. 106.
48 MAGALHÃES, Rodrigo Almeida. Op. cit., p. 241.
49 SCAVONE JR., Luiz Antonio. Manual de arbitragem. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2009. p.
86.
50 BATISTA MARTINS, Pedro A. Op. cit., p. 114. Em sentido semelhante, Nelson Nery Jr.
e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que: “[q]uando a cláusula é vazia, isto é, não
contém elementos mínimos para a instauração adequada da arbitragem e do tribunal,
essa lacuna terá de ser preenchida pelas próprias partes ou, se isto não ocorrer,
frustra-se a arbitragem e as partes deverão socorrer-se do Poder Judiciário para dirimir
a controvérsia” (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed.
São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 1395).
51 ANTUNES DA COSTA, Nilton César. Op. cit., p. 40.
52 Nesse sentido, cfr. BATISTA MARTINS, Pedro A. Op. cit., p. 3-4.
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
Página 21
53 Não se tratando, aqui, nem da chamada “capacidade de direito”, nem tampouco de
personalidade, valendo ressaltar o entendimento de Carlos Alberto Carmona no sentido
de que até mesmo alguns entes desprovidos de personalidade jurídica, mas dotados de
“capacidade de direito” e “capacidade de fato” podem, em determinadas circunstâncias,
celebrar validamente convenção de arbitragem. É o caso, por exemplo, do espólio, do
condomínio ou da massa falida (op. cit., p. 37).
54 Sobre os reflexos da incapacidade no plano da validade, cfr. MELLO, Marcos
Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2008. p. 82-87e 141-146.
55 Sobre a arbitrabilidade, tanto em seu aspecto objetivo quanto subjetivo, cfr.
PINHEIRO, Luís de Lima. Convenção de arbitragem (aspectos internos e transnacionais).
Revista da Ordem dos Advogados, 64/147-163.
56 Considerando haver ausência de clareza quanto ao critério invocado pela lei brasileira
para a definição da “arbitrabilidade objetiva”, cfr. PINHEIRO, Luís de Lima. Op. cit., p.
148.
57 Sobre o critério para definição da “arbitrabilidade objetiva” fixado no art. 852 do
CC/2002, cfr. TEPEDINO, Gustavo et al (coords.). Código Civil interpretado à luz da
Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. vol. II, p. 675-679.
58 Nesse sentido, cfr. CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 38-39.
59 VICENTE, Dário Moura. A manifestação de vontade na convenção de arbitragem.
Revista da Faculdade de Direito das Universidade de Lisboa, vol. XLIII, n. 2, p. 990.
60 Nesse sentido, CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 105. É essa a previsão do art.
2.º, 2, da LAV portuguesa: “a exigência de forma escrita tem-se por satisfeita quando a
convenção conste de documento escrito assinado pelas partes, troca de cartas,
telegramas, telefaxes ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita,
incluindo meios electrónicos de comunicação”.
61 Sobre a celebração da convenção de arbitragem por meio do silêncio, adotando
posição conservadora, cfr. VICENTE, Dário Moura. Op. cit., p. 994-996.
62 “Autonomia” esta que António Sampaio Caramelo prefere denominar de
“separabilidade” (quando trata da ordinária incontagiação da convenção por vícios do
contrato no qual a convenção se insere) ou de “instrumentalidade” (quando trata da
subordinação funcional da convenção de arbitragem ao referido contrato). (A
“autonomia” da cláusula compromissória e a competência do tribunal arbitral. Revista da
Ordem dos Advogados 68/353-378).
63 Sobre o referido princípio, entre outros, cfr. CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p.
175-177.
64 Como se disse acima, mais do que mero requisito de validade, a referência à
“matéria que será objeto da arbitragem” é elemento categorial inderrogável do
compromisso arbitral, ou seja, é verdadeiro elemento de existência.
65 Critério este cuja relevância foi majorada pelo legislador, que o erigiu a fator
determinante para que se possa aferir se a sentença arbitral será nacional (proferida
dentro do território nacional) ou estrangeira (proferida fora dele). Nesse sentido,
CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 182 e BATISTA MARTINS, Pedro A. Op. cit., p.
170.
Existência, validade e eficácia da convenção arbitral
Página 22
66 SCAVONE JR., Luis Antonio. Op. cit., p. 9: e também, CARMONA, Carlos Alberto. Op.
cit., p. 176.
67 CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 176.
68 Sobre a repetição do negócio jurídico nulo, cfr. MELLO, Marcos Bernardes de. Op. cit.,
p. 75.
69 MELLO, Marcos Bernardes de. Op. cit., p. 239-240. Ressalte-se, ainda invocando as
palavras de Marcos Bernardes de Mello, que a repetição preserva os efeitos praticados
sob a égide do negócio jurídico viciado, operando a “ratificação de obrigações cumpridas
antes do negócio jurídico, as quais se integram à eficácia do novo negócio”.
70 Demais disso, importa de ver que a inobservância destes requisitos de validade não
faz nem mesmo do compromisso convenção de arbitragem incompleta. Poderá ele,
quando muito,

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