Buscar

Alergia alimentar

Prévia do material em texto

Maria Seiane - Medicina 
INTRODUÇÃO 
 É definida como uma doença consequente a 
uma resposta imunológica anômala, que 
ocorre após a ingestão e/ou contato com 
determinado(s) alimento(s). 
 A alergia alimentar geralmente começa nos 
primeiros dois anos de vida. Certas alergias 
alimentares, como as ao leite de vaca e ovo de 
galinha (doravante referidos neste tópico como 
"leite" e "ovo", respectivamente), são geralmente 
superadas durante a infância ou adolescência, 
enquanto as alergias a amendoim e nozes são 
mais propensas a persistem na idade adulta ou 
podem se desenvolver mais tarde na infância 
ou na idade adulta. 
CLASSIFICAÇÃO PATOLÓGICA 
 De acordo com os mecanismos fisiopatológicos 
envolvidos, as reações adversas a alimentos 
podem ser classificadas em imunológicas ou 
não-imunológicas. 
 Reações não-imunológicas: 
o Dependem principalmente da substância 
ingerida (p. ex: toxinas bacterianas 
presentes em alimentos contaminados) ou 
das propriedades farmacológicas de 
determinadas substâncias presentes em 
alimentos (p. ex: cafeína no café, tiramina em 
queijos maturados). 
o As reações adversas não imunológicas 
podem ser desencadeadas também pela 
fermentação e efeito osmótico de 
carboidratos ingeridos e não absorvidos. 
o O exemplo clássico é a intolerância por má 
absorção de lactose. 
o Mais recentemente vem sendo valorizados 
também outros carboidratos não 
completamente absorvidos conhecidos pela 
sigla em inglês "FODMAPs": F = fermentável, O 
= oligossacarídeos (frutanos, 
galactooligosacarídeos), D = dissacarídeos 
(lactose, sacarose), M = monossacarídeos 
(frutose), e P = polióis (sorbitol). 
 Reações imunológicas: 
o Dependem de susceptibilidade individual e 
podem ser classificadas segundo o 
mecanismo imunológico envolvido. “Alergia 
alimentar” é um termo utilizado para 
descrever as reações adversas a alimentos, 
dependentes de mecanismos imunológicos, 
mediados por anticorpos IgE ou não; 
CLASSIFICAÇÃO PELA HIPERSENSIBILIDADE 
Mediadas por IgE 
 Decorrem de sensibilização a alérgenos 
alimentares com formação de anticorpos 
específicos da classe IgE, que se fixam a 
receptores de mastócitos e basófilos. 
 Contatos subsequentes com este mesmo 
alimento e sua ligação a duas moléculas de IgE 
próximas determinam a liberação de 
mediadores vasoativos e citocinas Th2, que 
induzem às manifestações clínicas de 
hipersensibilidade imediata. 
 São exemplos de manifestações mais comuns 
que surgem logo após a exposição ao alimento: 
reações cutâneas (urticária, angioedema), 
gastrintestinais (edema e prurido de lábios, 
língua ou palato, vômitos e diarreia), 
respiratórias (broncoespasmo, coriza) e 
reações sistêmicas (anafilaxia e choque 
anafilático). 
Reações mistas (mediadas por IgE e 
hipersensibilidade celular) 
 Neste grupo estão incluídas as manifestações 
decorrentes de mecanismos mediados por 
IgE associados à participação de linfócitos 
T e de citocinas pró-inflamatórias. 
 São exemplos clínicos deste grupo a esofagite 
eosinofílica, a gastrite eosinofílica, a 
gastrenterite eosinofílica, a dermatite atópica e 
a asma; 
Reações não mediadas por IgE 
 Não são de apresentação imediata e 
caracterizam-se basicamente pela 
hipersensibilidade mediada por células. 
 Embora pareçam ser mediadas por linfócitos T, 
há muitos pontos que necessitam ser mais 
estudados nesse tipo de reações. 
 Aqui estão representados os quadros de 
proctite, enteropatia induzida por proteína 
Maria Seiane - Medicina 
alimentar e enterocolite induzida por proteína 
alimentar. 
EPIDEMIOLOGIA 
 É mais comum em crianças e a sua prevalência 
parece ter aumentado nas últimas décadas em 
todo o mundo. 
 Estima-se que a prevalência seja 
aproximadamente de 6% em menores de três 
anos, e de 3,5% em adultos; 
 Os principais alérgenos identificados nos EUA 
foram frutos do mar (0,9%), fruta ou vegetal 
(0,5%), leite e derivados (0,5%), e amendoim 
(0,5%); 
 No Brasil, um estudo realizado por 
gastroenterologistas pediátricos apontou ser a 
incidência de alergia às proteínas do leite de 
vaca 2,2%, e a prevalência 5,4% em crianças 
entre os serviços avaliados; 
FATORES DE RISCO 
 Lactente do sexo masculino, etnia asiática e 
africana, comorbidades alérgicas (dermatite 
atópica), desmame precoce, insuficiência de 
vitamina D, redução do consumo dietético de 
ácidos graxos poliinsaturados do tipo ômega 
3, redução de consumo de antioxidantes, uso 
de antiácidos que dificulta a digestão dos 
alérgenos, obesidade como doença 
inflamatória, época e via de exposição aos 
potenciais alérgenos alimentares e outros 
fatores relacionados à Hipótese da higiene; 
 A predisposição genética, associada a fatores 
de risco ambientais, culturais e 
comportamentais, formam a base para o 
desencadeamento das alergias alimentares em 
termos de frequência, gravidade e expressão 
clínica; 
 Herança genética; Fatores dietéticos; Disbiose 
intestinal; Insuficiência da vitamina D; 
Microbiota intestinal; 
ETIOLOGIA 
 Pode ser causada por qualquer substância 
presente no alimento, porém são mais comuns 
com frutos do mar, amendoim, ovo, leite de 
vaca, trigo, nozes, soja e oleaginosas; 
FISIOPATOLOGIA 
NORMALIDADE 
 Absorção do antígeno: o determinante da 
alergia alimentar é a proteína; 
 Mecanismos imunológicos de defesa: 
o A hidrólise proteolítica, que ocorre no tubo 
digestivo, promove a quebra das proteínas 
intactas, transformando-as em 
oligopeptídios e, principalmente, tri, di e 
monopeptídios, teoricamente sem 
propriedades antigênicas. É, pois, um dos 
mecanismos naturais de defesa contra a 
alergia alimentar. 
o As macromoléculas atravessam a barreira 
da mucosa intestinal; 
o O transporte antigênico (proteínas intactas) 
e ́ mais comum em recém-nascidos, 
especialmente nos prematuros, por 
imaturidade do trato gastrintestinal, com 
deficiência relativa de secreção de IgA. 
o As células M realizam a captação de 
antígenos; 
o Após a absorção, as proteínas alergênicas 
penetram os espac ̧os intercelulares, 
ganhando os linfa ́ticos e a corrente 
circulatória. 
o Além disso, as células M estão em contato 
íntimo com células do tecido linfoide, que 
podem captar o antígeno. É o primeiro 
evento para a sensibilização. 
o Ao captar o antígeno, o linfócito 
sensibilizado passa por processos de 
diferenciação, transformando-se em 
plasmócitos, que iniciam a produção de 
anticorpos específicos, principalmente de 
IgA, secretados no trato gastrintestinal. 
o Os anticorpos específicos formam complexos 
com os seus respectivos anti ́genos no lúmen 
intestinal, evitando sua absorça ̃o 
subsequente. 
 Mecanismos não imunológicos de defesa: 
o O tubo digestivo detém outros mecanismos 
naturais, não imunológicos, que dificultam a 
absorção do antígeno: atividade gástrica 
(HCl, pepsina), flora intestinal (inibição 
competitiva), secreção de muco (previne a 
fixação do antígeno), renovação celular do 
epitélio, motilidade intestinal (permite 
limpeza mecânica de organismos 
patogênicos e dificulta a fixação de 
alergênicos à superfície intestinal) e o 
sistema reticuloendotelial hepático. 
PATOLÓGICO 
 O indivíduo suscetível (Hiper-reativo): uma 
deficiência nos mecanismos de defesa resulta 
em entrada e absorção de quantidades 
excessivas de antígeno, sensibilizando o 
hospedeiro suscetível. 
o Existem controvérsias a respeito de quais 
alimentos seriam mais alergênicos. 
Maria Seiane - Medicina 
Frequentemente, encabeçam a lista leite, 
ovos, amendoim, castanhas, peixes, 
crustáceos, trigo, soja e milho; 
 Reação alérgica: uma vez sensibilizados, os 
linfócitos B se diferenciam e iniciam a produção 
de moléculas de IgE, que se ligam aos 
mastócitos presentes na parede do tubo 
digestivo, especialmente na submucosa e na 
lâmina própriada mucosa. Em exposição 
subsequente ao mesmo alergênio da dieta, este 
pode ligar-se a duas moléculas contíguas de 
IgE na parede do mastócito e ativa ́-las. A 
ativação dos mastócitos resulta na 
degranulação e liberac ̧ão de mediadores 
químicos pré-formados e na geração de 
mediadores secundários. 
o As consequências imediatas no trato 
alimentar são: aumento da permeabilidade 
vascular, produção aumentada de muco, 
contração da musculatura lisa, edema das 
vilosidades, estimulação de fibras nervosas 
de dor e recrutamento de células 
inflamatórias. 
o A anafilaxia local, ao aumentar a 
permeabilidade da barreira mucosa, facilita 
a passagem à circulação de novas 
macromoléculas antigênicas. 
o Quando atingem outros o ́rgãos-alvo, elas 
disparam novamente os mecanismos de 
reação anafilática (hipersensibilidade 
imediata) e levam a ̀s manifestações 
extraintestinais de alergia alimentar; 
DIAGNÓSTICO 
História clínica 
 
 Os sintomas de alergia envolvem tipicamente a 
pele e os tratos respiratório e gastrintestinal. 
o A pele é a sede mais frequente de sinais e 
sintomas. Eczema atópico exacerbado por 
alimentos tem sido descrito em crianças, mas 
e ́ incomum em adultos. 
o As manifestaço ̃es respiratórias incluem 
rinoconjuntivite e asma, mas a asma 
desencadeada por alergia alimentar não e ́ 
frequente. 
o A enxaqueca é acontecimento frequente 
em pacientes alérgicos. Entretanto, os 
alimentos comumente associados à 
enxaqueca alérgica são aqueles 
conhecidos por conter aminas 
farmacológicas vasoativas – como cafeína, 
tiramina, triptamina e serotonina –, que 
podem desencadear cefaleia vascular, 
caracterizando mecanismo na ̃o imunológico 
para o fenômeno. 
 
 A reação anafilática ocorre na primeira hora 
depois da exposição ao alimento, pode ser 
súbito ou inicia com sintomas menores, como 
sensação de calor, parestesia na boca, 
desconforto abdominal, urticária, ansiedade, 
dispneia, dentre outros, após ingestão do 
nutriente; 
 O alimento mais relacionado a reação 
anafilática fatal é o amendoim; 
 Há ocasiões em que a relação causa-efeito 
tem-se mostrado evidente: a alergia à proteína 
do ovo manifesta-se por lesões cutâneas; a ̀ 
proteína do peixe, por dor abdominal; e à do 
amendoim, por alterações da mucosa oral; 
 As manifestações de hipersensibilidade 
alimentar são mais comuns na infância. 
 No lactente, os sintomas de alergia ao leite de 
vaca costumam se iniciar aos 2 meses de idade, 
ou depois de 2 a 3 semanas de introdução 
alimentar; 
 O principal alergênio implicado é a 
betalactoglobulina. 
 Reduça ̃o de reatividade clínica é frequente 
com a idade. Relaciona-se, provavelmente, ao 
desenvolvimento de tolerância imunológica 
(mais comum em crianc ̧as), assim como à 
maturação da mu- cosa intestinal e proteólise 
mais adequada. 
Testes alérgicos 
 O diagnóstico de alergia alimentar é 
auxiliado por quatro métodos principais: dietas 
de exclusão, dietas de provocac ̧ão, testes 
imunológicos e biopsia intestinal. 
 Nenhum deles é suficientemente sensível e 
específico para fornecer o diagnóstico de 
certeza, mas podem fornecer fortes evidências. 
Dieta de exclusão 
 Mai utilizado para confirmação do diagnóstico; 
Maria Seiane - Medicina 
 Consiste em excluir do regime alimentar, por 2 
semanas, os nutrientes suspeitos e reintroduzi-los 
um a um. Assim, chega-se ao desaparecimento 
dos sintomas, quando o alimento responsável 
pela alergia é afastado da dieta. 
 Antes do teste, o paciente deve ser mantido em 
sua dieta usual por 10 a 14 dias. Durante esse 
tempo, são registrados, em um diário nutricional, 
tipo e quantidade dos nutrientes ingeridos e 
ocorrência e caráter das reações adversas. O 
diário auxilia na identificaça ̃o dos alimentos a 
serem eliminados inicialmente. 
 
Dieta de provocação 
 É o teste que melhor identifica reac ̧ão adversa 
ao alimento. E ́ dieta de prova e tem, portanto, 
finalidade diagnóstica, sendo considerado 
padrão-ouro, confirmando 40 a 60% das 
histórias de reação adversa a alimentos. 
 História de anafilaxia generalizada 
contraindica o teste, especialmente se o 
alimento em questão for conhecido por suas 
propriedades alergênicas (amendoim, peixes, 
crustáceos). 
 Uma semana antes do início, deve ser suspensa 
a administração de medicamentos, tais como 
anti-histamínicos e corticosteroides, e também 
os alimentos a serem testados; 
 Deve ser realizado em forma de estudo duplo-
cego controlado: o paciente e o médico não 
sabem o momento em que se administra o 
alimento testado ou o placebo. Os dados são 
colhidos por observador neutro, o que confere 
maior objetividade à prova. 
 
Testes cutâneos 
 Entre os testes disponíveis, os cutâneos são os 
que demonstram a presença de IgE de 
maneira mais simples. 
 Suspensões aquosas de extratos alimentares 
são aplicadas à pele do antebraço, que, 
posteriormente, sofre escarificac ̧ões ou punturas. 
 Se o hospedeiro apresenta IgE contra o 
alimento testado, forma-se, no local de 
exposição, uma pápula eritematosa em 10 a 15 
min. 
 Testes intradérmicos não devem ser utilizados 
pela maior ocorrência de falso-positivos e maior 
risco de desenvolvimento de anafilaxia; 
 Resultados falso-positivos ocorrem com 
frequência; 
 O teste pode também permanecer positivo em 
crianças previamente alérgicas e que 
desenvolveram tolerância clínica ao alimento; 
Biopsia intestinal 
 Em pacientes com manifestações gastrintestinais 
sugestivas de alergia, a biopsia da mucosa 
jejunal tem revelado anormalidades nas 
vilosidades (altura e contorno) e infiltrac ̧ão de 
células inflamatórias, inclusive eosinófilos. 
 A técnica de imunofluorescência pode revelar 
deposição de imunoglobulinas e complemento, 
com presença de células plasmáticas produ- 
toras de IgE. 
 Para confirmação do diagnóstico, a biopsia 
deve ser repetida apo ́s desaparecimento dos 
sintomas com a dieta de exclusão e depois do 
recrudescimento destes, induzido por dieta de 
provocação; 
TRATAMENTO 
Maria Seiane - Medicina 
 Eliminação do alergênico da dieta: Definido 
o alergênico, através das dietas de prova 
(exclusão e provocação), deve ser eliminado 
do regime alimentar; aceita-se a tentativa de 
reintrodução de um alimento entre 3 meses e 1 
ano apo ́s sua suspensão. 
 Prevenção de reação alérgica: 
o O cromoglicato de so ́dio inibe a 
degranulação dos mastócitos, mesmo 
quando já houve reação do antígeno com 
a IgE específica. Consequentemente, previne 
o aumento da permeabilidade da mucosa 
intestinal, a absorção de anti ́genos e a 
formac ̧ão de complexos imunes. Seu 
emprego em alergia alimentar parece 
promissor. 
o Os anti-histamínicos, bloqueadores dos 
receptores H1, podem ser u ́teis na terapia 
sintoma ́tica, mas não previnem a reação 
alérgica; 
o Os anti-inflamatórios na ̃o esteroides, tem 
sido atribuída a propriedade de prevenir 
sintomas gastrintestinais; 
o O leite materno exerce efeito protetor em 
crianças, prevenindo a sensibilização e a 
consequente reação ale ́rgica por 
(a) fornecer IgA secretória, células 
imunorreativas, fatores anti-bacterianos e 
antivirais; 
(b) promover o desenvolvimento de flora 
intestinal composta por bifidobacte ́rias 
gram-positivas, inibindo o desenvolvimento 
de enterobactérias gram-negativas; 
(c) reduzir a exposição a outros tipos de 
leite e proteínas alergênicas. 
Aleitamento materno exclusivo até́ os 4 a 6 
meses de idade reduz a incidência de 
reações alérgicas no primeiro ano de vida 
 Tratamento sintomático: broncodilatadores 
para broncospasmo; anti-histamínicos para 
rinite, erupções cutâneas ou distúrbios 
gastrintestinais; epinefrina para anafilaxiasiste ̂mica ou laringospasmo; e corticosteroides 
siste ̂micos ou tópicos em quaisquer dessas 
condic ̧ões, quando graves, ou no estágio de 
convalescença de gastroenteropatias 
alérgicas graves. Quando o doente não 
responde às medidas iniciais de tratamento da 
anafilaxia, pode estar indicada a lavagem 
gástrica, para reduzir absorção subsequente 
de antígeno.

Continue navegando