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Indaial – 2020 CiênCia PolítiCa Prof. Sandro Luiz Bazzanella Prof. Walter Marcos Knaesel Birkner 2a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof. Sandro Luiz Bazzanella Prof. Walter Marcos Knaesel Birkner Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: B364c Bazzanella, Sandro Luiz Ciência política. / Sandro Luiz Bazzanella; Walter Marcos Knaesel Birkner. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 253 p.; il. ISBN 978-65-5663-176-9 ISBN Digital 978-65-5663-177-6 1. Ciência política. - Brasil. I. Birkner, Walter Marcos Knaesel. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 320 aPresentação Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático de Ciência Política. Para melhor compreensão do conteúdo, distribuímos nosso estudo em três unidades. Cada unidade contém três tópicos que, em conjunto contemplam uma abordagem sobre temas, conceitos e autores elementares a uma compreensão inicial sobre o significado e a importância dessa ciência. A Ciência Política possui seus objetos específicos de investigação, análise e se utiliza do método científico imprescindivelmente. Esse método implica rigorosamente a observação empírica do objeto (factual ou documental); na formulação racional da análise e na imparcialidade analítica, características que serão devidamente explicadas. Os objetos específicos constituem o campo de investigação, que não é exclusivo, mas próprio do espectro de interesses prioritários da Ciência Política. Há uma enorme gama de assuntos de interesse investigativo da Ciência Política. Todos giram em torno de objetos de pesquisa e análise, que pertencem aos conceitos elementares dessa ciência, que são: a Política, em todo o seu universo formal e informal de associações e disputas; o Poder, compreendido como o “leitmotiv”, objetivo último no mundo da política e fonte de todos os conflitos e negociações; e o Estado, que representa a conformação institucional mais acabada em resposta às necessidades de organizar o poder e responder à sociedade. Esses são os conceitos fundamentais ao conhecimento politológico a partir dos quais essa ciência se constitui. E não é por acaso conceitual que a Ciência Política é também denominada de Ciência do Estado e Ciência do Poder. Esses conceitos abrem a abordagem deste livro didático, constituindo o Tópico 1 da Unidade 1. No Tópico 2, apresentamos as três formas clássicas de governo, que foram indicadas pela primeira vez pelo filósofo grego Aristóteles, e que ao longo do tempo, encontraram adornos conceituais na modernidade em vigor até hoje. No Tópico 3, expomos a abordagem propriamente moderna das formas de governo. Essa contextualização inicia com a apresentação do fundador da Ciência Política Moderna, o filósofo florentino Nicolau Machiavel e sua tese de separação entre moral e política. Em seguida, passa pela tese da divisão dos poderes de Montesquieu e até chegar ao seu conterrâneo francês Tocqueville e a magistral descrição sobre a democracia na América. No cerne da teoria moderna da Política está o conceito de República. Na Unidade 2, o objetivo é oferecer uma explicação sobre o significado e a constituição dessa ciência do poder. E demonstramos a origem histórica e conceitual desse campo do conhecimento das Ciências Sociais. Na sequência, aprofundamos uma justificação sobre a especificidade de seu objeto de investigação e da condição imprescindível do método científico, devidamente caracterizado. Além disso, abordamos uma análise dos conceitos de sistema político, da racionalidade inerente às ações dos agentes políticos e às relações com as instituições. Ao final da Unidade 2, expomos uma inescapável reflexão sobre os partidos políticos, como também, as formas de representação e de participação, elementos centrais no cotidiano público. Por fim, a Unidade 3 representa o esforço de apontar conceitos e tendências contemporâneas, pois a Ciência Política tem o compromisso de enfrentá-las analiticamente. Nessa perspectiva, tratamos de dissertar sobre uma tríade terminológica elementar à constituição histórica republicana: que é composta pelos conceitos de igualdade, liberdade e justiça, expressando a síntese possível dos desafios da democracia no século XXI. Nesse espectro, é inevitável contemporizar os fenômenos da burocracia, do corporativismo e do patrimonialismo. E, ao demonstrar esses fatores como elementos de crise e necessidade de reforma do Estado, discutimos mais dedicadamente o problema republicano. Isso consiste em questionamento dos processos decisórios, perguntando quem faz as leis e para qual finalidade. Vale destacar a importância que conferimos no apontamento aos movimentos de descentralização do poder como expressão de uma tendência do Estado republicano durante o século XXI. É uma espécie de desfecho analítico a prenunciar desdobramentos cognitivos para a Ciência Política atual e futura. Nessa perspectiva, desenvolvemos um exercício reflexivo apoiado na filosofia política moderna. Portanto, é uma avaliação politológica ante o processo histórico e, ousamos dizer, evolutivo das instituições e dos valores políticos do Ocidente, somados a experiências contemporâneas da democracia. Esperamos que este livro didático inspire a atenção que a Ciência Política merece, para o bem da formação profissional e cidadã. Bons estudos! Prof. Sandro Luiz Bazzanella Prof. Walter Marcos Knaesel Birkner Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! 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LEMBRETE sumário UNIDADE 1 — POLÍTICA: TEORIA E CONCEITOS ELEMENTARES DA POLÍTICA ........ 1 TÓPICO 1 — POLÍTICA, ESTADO E PODER ................................................................................. 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 POLÍTICA .............................................................................................................................................. 3 2.1 SISTEMA POLÍTICO ...................................................................................................................... 9 3 ESTADO .............................................................................................................................................. 10 3.1 PRECEDENTES GREGOS E ROMANOS .................................................................................. 13 3.2 MACHIAVEL E BODIN ............................................................................................................... 14 3.3 HOBBES, LOCKE E ROUSSEAU................................................................................................ 16 3.4 HEGEL ............................................................................................................................................ 17 3.5 BENTHAM E MARX .................................................................................................................... 18 3.6 VARIADAS CONCEPÇÕES ........................................................................................................ 19 4 PODER ................................................................................................................................................. 21 4.1 AUTORIDADE COMO QUESTÃO NORMATIVA ................................................................. 23 4.2 AUTORIDADE COMO QUESTÃO SOCIOLÓGICA .............................................................. 24 4.3 AUTORIDADE COMO QUESTÃO PSICOLÓGICA ............................................................... 25 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 31 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 32 TÓPICO 2 — FORMAS CLÁSSICAS DE GOVERNO: MONARQUIA, ARISTOCRACIA E DEMOCRACIA ....................................................................... 33 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 33 2 MONARQUIA .................................................................................................................................... 34 2.1 MONARQUIAS CONTEMPORÂNEAS ................................................................................... 37 2.2 MONARQUIA NO BRASIL ........................................................................................................ 40 3 ARISTOCRACIA ............................................................................................................................... 43 4 DEMOCRACIA .................................................................................................................................. 49 4.1 A DEMOCRACIA ATENIENSE.................................................................................................. 53 4.2 DEMOCRACIA NAS SOCIEDADES MODERNAS ................................................................ 55 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 61 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 63 TÓPICO 3 — FORMAS MODERNAS DE GOVERNO: DE MACHIAVEL A MONTESQUIEU E TOCQUEVILLE ....................................................................... 65 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 65 2 MACHIAVEL ...................................................................................................................................... 66 2.1 VIDA E CARREIRA ...................................................................................................................... 67 2.2 ESCRITOS ...................................................................................................................................... 70 2.2.1 O príncipe ............................................................................................................................. 71 2.3 VIRTUDE E FORTUNA ............................................................................................................... 72 2.4 OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS ............................................................................................. 74 3 MONTESQUIEU ................................................................................................................................ 75 3.1 VIDA E CARREIRA ...................................................................................................................... 76 3.2 CARTAS PERSAS .......................................................................................................................... 77 3.3 A MATURIDADE INTELECTUAL ............................................................................................ 77 4 TOCQUEVILLE .................................................................................................................................. 83 4.1 OBRA ............................................................................................................................................ 84 4.2 A VIAGEM AOS EUA: DEMOCRACIA NA AMÉRICA ........................................................ 85 4.3 O ANTIGO REGIME E A REVOLUÇÃO .................................................................................. 89 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 92 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 95 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 96 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 97 UNIDADE 2 — O QUE É CIÊNCIA POLÍTICA: ORIGEM, OBJETO E MÉTODO ................ 99 TÓPICO 1 — ORIGEM, OBJETO E MÉTODO ............................................................................ 101 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 101 2 UM ENTENDIMENTO CONCEITUAL: ORIGEM, OBJETO E MÉTODO ......................... 104 2.1 O PODER...................................................................................................................................... 107 3 AS TEORIAS ELITISTA E PLURALISTA ................................................................................... 109 3.1 A TEORIA PLURALISTA .......................................................................................................... 111 3.2 A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES ................................................................. 115 3.3 A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES ................................................................. 115 3.4 PODER IDEOLÓGICO ............................................................................................................... 118 RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................124 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 126 TÓPICO 2 — SISTEMA POLÍTICO, RACIONALIDADE E INSTITUIÇÕES ....................... 127 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 127 2 SISTEMA POLÍTICO ...................................................................................................................... 128 2.1 OS GUARDIÕES DOS PORTÕES ........................................................................................... 132 3 INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO E TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL .......... 136 4 A IMPORTÂNCIA DAS INSTITUIÇÕES .................................................................................. 142 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 146 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 147 TÓPICO 3 — PARTIDOS POLÍTICOS, REPRESENTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO ................ 149 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 149 2 O QUE É POLÍTICA? ...................................................................................................................... 149 3 O QUE É PARTIDO POLÍTICO? .................................................................................................. 151 4 UM POUCO DE HISTÓRIA ......................................................................................................... 154 5 AS FUNÇÕES DOS PARTIDOS POLÍTICOS ........................................................................... 158 6 TIPOS DE PARTIDOS .................................................................................................................... 159 7 OS SISTEMAS PARTIDÁRIOS .................................................................................................... 161 8 BREVE TRAJETÓRIA DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO .................................... 163 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 168 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 170 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 171 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 173 UNIDADE 3 — CONCEITOS E TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEOS ................................ 175 TÓPICO 1 — IGUALDADE, LIBERDADE E JUSTIÇA .............................................................. 177 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 177 2 A INTERPRETAÇÃO ANTIGA .................................................................................................... 177 2.1 PLATÃO E A QUESTÃO DA LIBERDADE E DA IGUALDADE ....................................... 178 2.2 ARISTÓTELES E A QUESTÃO DA LIBERDADE .................................................................. 182 3 A INTERPRETAÇÃO MODERNA ............................................................................................... 184 3.1 LIBERDADE EM JOHN STUART MILL ................................................................................. 184 4 A INTERPRETAÇÃO CONTEMPORÂNEA .............................................................................. 187 4.1 JUSTIÇA EM JOHN RAWLS ..................................................................................................... 187 4.2 IGUALDADE EM RONALD DWORKIN ............................................................................... 189 4.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 191 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 194 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 195 TÓPICO 2 — BUROCRACIA, CORPORATIVISMO E PATRIMONIALISMO .................... 197 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 197 2 BUROCRACIA ................................................................................................................................. 197 2.1 CARACTERÍSTICAS E PARADOXOS DA BUROCRACIA ................................................. 198 2.2 A BUROCRACIA E O ESTADO................................................................................................ 199 2.3 RESPONSABILIZAÇÃO JURISDICIONAL ........................................................................... 203 2.4 A NECESSIDADE DE COMANDO E O PARADOXO DESSA NECESSIDADE .............. 204 2.5 CONTINUIDADE ....................................................................................................................... 205 2.6 REGRAS ....................................................................................................................................... 205 2.7 PROFISSIONALIZAÇÃO .......................................................................................................... 206 2.8 SUMARIZAÇÃO ....................................................................................................................... 207 3 CORPORATIVISMO ...................................................................................................................... 208 3.1 EM NOME DO INTERESSE PÚBLICO .................................................................................. 209 4 PATRIMONIALISMO .................................................................................................................... 212 4.1 O PATRIMONIALISMO NA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA ........................ 214 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 220 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 221 TÓPICO 3 — CRISE E REFORMA DO ESTADO: REPUBLICANISMO, DESCENTRALIZAÇÃO E UMA PERGUNTA: QUEM FAZ AS LEIS E PARA QUÊ? ............................................................................................................. 223 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 223 2 REPUBLICANISMO ....................................................................................................................... 223 2.1 LIBERDADE POSITIVA E NEGATIVA ................................................................................... 226 2.2 LIBERDADE COMO NÃO DOMINAÇÃO ............................................................................ 227 2.3 QUEM FAZ AS LEIS E PARA QUEM? .................................................................................... 229 2.4 A DESCENTRALIZAÇÃO COMO TENDÊNCIA REPUBLICANA DO ESTADO CONTEMPORÂNEO ................................................................................................................. 231 3 HOBBES: HOMEM LOBO DO HOMEM E O DIREITO À VIDA ....................................... 232 4 ROUSSEAU: O BOM SELVAGEM E A AFIRMAÇÃO DA IGUALDADE .......................... 234 5 LOCKE: O DIREITO À LIBERDADE EM COMUNIDADE ................................................... 239 6 CONCLUSÃO ...................................................................................................................................242 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 247 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 249 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 250 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 251 1 UNIDADE 1 — POLÍTICA: TEORIA E CONCEITOS ELEMENTARES DA POLÍTICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • entender a importância da Ciência Política para a formação profissional; • adquirir noção elementar acerca dos principais conceitos da Ciência Política; • identificar os objetos de estudo específicos da Ciência Política; • conhecer a classificação clássica das formas de governo; • compreender o significado do adjetivo “moderno”, na menção ao Estado; • apreender as ideias fundamentais a constituírem o Estado moderno. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – POLITICA, ESTADO E PODER TÓPICO 2 – FORMAS CLÁSSICAS DE GOVERNO: MONARQUIA, ARISTOCRACIA E DEMOCRACIA TÓPICO 3 – FORMAS MODERNAS DE GOVERNO: DE MACHIAVEL A MONTESQUIEU E TOCQUEVILLE Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 POLÍTICA, ESTADO E PODER 1 INTRODUÇÃO A Ciência Política tem seus próprios objetos de investigação, o que é condição básica de qualquer ciência. Nessa perspectiva, este primeiro tópico da Unidade 1 do Livro Didático Ciência Política traz uma exposição de fenômenos, conceitos e autores cuja apreensão introdutória é elementar aos nossos estudos. Trata-se de uma exposição introdutória, que apresenta os primeiros e fundamentais conceitos da Ciência Política. São, por assim dizer, as ideias fundantes, os principais fenômenos a originarem os estudos desta ciência social. Neste tópico, apresentamos os conceitos de Política, de Poder e de Estado. Trata-se de fenômenos e conceitos que armazenam uma longa história de ações e ideias e constituem a base inicial de reflexão, sem o que não é possível falar em Ciência Política. Para tanto, é preciso recorrer às origens históricas, considerando os primeiros relatos, as primeiras ideias e concepções teóricas acerca desses fenômenos. É preciso estudar essas origens, pois é dessa maneira que passamos a iniciar uma compreensão sobre o sentido de nossas próprias ideias e da ordem social, política e econômica em que vivemos. O conceito de Política é apresentado desde a sua concepção etimológica e suas experiências na antiga Grécia e no Império Romano. Vem de lá as origens da nossa forma de pensar e fazer política. O conceito de Poder é apresentado como a ideia essencial da política, sintetizada nas disputas humanas e na necessidade do convívio regrado. Não há como evitar nem as disputas, tampouco as regras. E o conceito, tanto quanto o fenômeno do Estado, representa a expressão histórica dessas disputas e dessa necessidade geral. 2 POLÍTICA O conceito de política se origina do grego politikós, que significa tudo que tem a ver com a polis, que significa cidade. Nessa direção, a política está essencialmente vinculada às coisas públicas, às coisas relacionadas à comunidade dos homens. Tem a ver com cidadão, cidadania, com o que é civil, social, coletivo e próprio da ordem social que é estabelecida pelos homens e mulheres para que vivam em agregação. Isso vai do município à nação e até mesmo para além desses limites. E, é preciso que se saiba que quanto mais intensa e, portanto, cívica for a vida dos homens e mulheres em comunidade, tanto maiores serão as chances de uma vida marcada por oportunidades de realizações pessoais. UNIDADE 1 — POLÍTICA: TEORIA E CONCEITOS ELEMENTARES DA POLÍTICA 4 O termo política foi difundido desde a essencial contribuição do filósofo grego Aristóteles que, por meio de sua notável obra intitulada “Política”, o definiu pela primeira vez na história da civilização ocidental. Este livro foi o primeiro tratado sobre o assunto, isto é, sobre a natureza da atividade política, do poder e das leis. É a primeira obra a tratar da origem e necessidade do Estado, de suas funções, suas divisões, seus necessários equilíbrios e as formas de governo. Nessa perspectiva, Aristóteles tratou da arte de governar a polis, a partir de seus conflitos e necessidades. Muitas vezes o fez de maneira descritiva, mostrando como a política é, outras vezes, o fez de modo prescritivo, escrevendo como a política deveria ser. De uma forma ou outra, sua obra se tornou a “pedra fundamental” da teoria política do Ocidente. Durante muito tempo, a palavra “política” foi usada para referir-se a escritos, sim, a livros dedicados aos estudos sobre as relações entre os homens e o exercício do poder que se refere aos governantes e aos quais se viam os homens submetidos. Em 1603, o filósofo alemão Johannes Althusius expôs sua definição do Estado, apresentando esta instituição como um “consociatio publica”, considerando que o Estado reune e é composto por várias formas de “consociationes “ menores (BOBBIO, 2000, p. 159). Somente as elites se referiam ao termo política e o entendiam como um ramo de estudo da filosofia. O termo consociatio publica provém do latim, que significa consórcio público ou associação pública. Esse era o tratamento conferido ao que entendemos hoje por Estado. O filósofo político alemão Johannes Althusius (1563-1638) usa o termo no original para se referir às coisas do Estado, em sua obra “Política”. Para saber mais informações, acesse o link a seguir: http://farolpolitico.blogspot.com/2007/05/althusius-1557-1638.html. NOTA Na modernidade, o termo “política” se aperfeiçoa, tanto quanto se populariza, até chegar “à boca do povo”. Não obstante, quando referido como ramo do conhecimento, passa a ter denominações como doutrina do Estado, filosofia política, ciência do Estado e Ciência Política. Quando definimos a política propriamente dita, como fenômeno e objeto de estudos da Filosofia ou da Ciência, ela continua tendo a mesma definição. Significa o conjunto de atividades relacionadas à pólis, isto é, ao convívio entre os homens na cidade, na comunidade, local, regional, estadual, nacional ou global. Por extensão, é indispensavel dizê- lo: tem a ver com o Estado, isto é, com o funcionamento interno dos governos, nas suas divisões de poder, e suas relações com a Sociedade. TÓPICO 1 — POLÍTICA, ESTADO E PODER 5 Os atos do Estado, isto é, dos governantes, tem a ver com comandar, autorizar, delegar, proibir, representar ou atender aos indivíduos no coletivo ou determinados grupos sociais. Tem a ver, como nos faz lembrar o sociólogo Max Weber, com o monopólio exclusivo do exercício de poder, do uso da violência e de domínio sobre um determinado território. Trata-se, por extensão, de manter a ordem, de legislar e executar, distribuir parte das riquezas segundo critérios de justiça social, de assegurar a liberdade, a propriedade e a vida. Além disso, devemos ainda considerar que o papel do Estado (aqui compreendido como o Executivo, o Legislativo e o judiciário) implica conquistar, manter e defender seu território e proteger o seu povo. De maneira ampla, podemos concordar que muito do esforço de definição conceitual sobre política parte da raiz etimológica (do grego polis), como vimos. E isso é absolutamentenatural e necessário. A concepção que os gregos (atenienses, espartanos, entre outros) tinham sobre a pólis estava causalmente relacionada ao desenvolvimento da potência humana. Noutros termos, era através do convívio e da participação política qualificada que os homens desenvolveriam seus potenciais. Deveriam fazê-lo (e o faziam) por meio do uso e desenvolvimento da linguagem, da capacidade racional de entendimento e da vontade de realização. Essa concepção da política, advinda da cultura grega clássica, passa pelo império romano e sobrevive até os dias de hoje como um tipo ideal. Em outras palavras, serve de referência orientativa a ser perseguida, mesmo que nunca seja plenamente alcançada. Exprime a ideia de que a felicidade, tal qual a entendemos, só é plena na vida coletiva e qualificada se a buscarmos pelo diálogo. E essa vida dialógica e conflitiva, por certo, deve ser permeada pela razão e pela ética. A razão, todos a temos. A ética, por sua vez, é o resultado do senso estético do “fazer a coisa certa”, o que todos adquirimos em sociedade, através da educação e do diálogo racional que estabelece os consensos e as regras de convivência. O conceito de tipo ideal é um recurso metodológico de investigação da realidade a partir de uma ideia, isto é, uma concepção ideal do objeto a ser estudado. Quem definiu isso foi o sociólogo alemão Max Weber, sugerindo ao pesquidador que pré- estabelece um tipo puro, a partir do qual faria seus estudos sobre a realidade. Assim, ao estudar, por exemplo, as instituições políticas de uma dada nação, deve o pesquisador definir previamente o que são instituições políticas. Ao tentar compreender, por exemplo, descentralização do poder de um governo nacional ou estadual, deve pré-definir o que entende por governo descentralizado. É isso. INTERESSA NTE UNIDADE 1 — POLÍTICA: TEORIA E CONCEITOS ELEMENTARES DA POLÍTICA 6 Através dessa perspectiva que devemos entender o uso da expressão “animal político” (zõon politikón), quando Aristóteles se referia ao ser humano. Significa que não apenas vivemos coletivamente, pelos vários benefícios que isso significa na comparação com o isolamento. Na condição de seres humanos racionais e vivendo coletivamente, temos nessa complexa e instável circunstância as possilidades de aperfeiçoar essa condição humana, evoluindo, desenvolvendo-nos. É nessa linha que compreendemos a recomendação do sociólogo estadunidense Talcot Parsons, que as sociedades evoluem através da linguagem e das leis. Por assim dizer, o desígnio humano de realizar a aspiração republicana. Mas, se o conceito de política existe desde os antigos gregos, também sofreu revezes, soluções de continuidade e modificações. Ainda que permaneça na essência, foi incorporando e, ao mesmo tempo, tomando novos significados. Nessa perspectiva, uma de suas características atuais, talvez a mais notável, é sua “autonomização gradual em relação a outros campos da ação humana” (DELLA PORTA, 2003, p. 16). Em outras palavras, na pólis grega, o “cidadão” não se distinguia da esfera política, ao contrário, fazia parte constituinte e ativa do Estado. Era literalmente um “animal político”, participando da vida pública, constituindo-a e por essa forma se realizando como ser pensante e cidadão ativo. Atualmente, a política é uma esfera separada dos cidadãos e totalmente formalizada, ocupando um lugar específico na divisão do trabalho social. É essencial que saibamos tratar-se de uma elite de habitantes das antigas cidades gregas, constituída de homens livres e de posses. Esses “cidadãos” de direitos tinham escravos a executarem os trabalhos necessários às suas rendas e à sustentação de seus ócios. O tempo livre era, portanto, fundamental para que se interessassem, pensassem a vida política e nela interferissem. Constituiam pequena parcela da população, em geral não superior a um décimo dos habitantes. Os outros noventa porcento eram as mulheres, as crianças, os escravos e os estrangeiros. Nesse sentido, não é incomum que jovens estudantes acreditem na utopia da participação direta e constante dos individuos na sociedade de massa, como a grande solução republicana. Nada, nenhuma ideia política ou qualquer proposição idealista deve ser descartada aqui, por mais utópica que pareça. A Ciência Política, enquanto ciência, nada deve omitir, tampouco dissuadir, para não cairmos em restrições interpretativas e desencantamentos prematuros em relação à realidade. Ainda assim, precisamos estar atentos às ilusões sobre as possibilidades da democracia direta. Afinal, o homem e a mulher comuns têm suas vidas privadas preenchidas por inúmeras tarefas e necessidades diárias, tornando difícil e nada atraente a atividade política constante. Em geral, a maioria dos indivíduos, na sociedade em massa, prefere delegar essas funções a representantes por eles escolhidos. TÓPICO 1 — POLÍTICA, ESTADO E PODER 7 É essa a característica da democracia indireta, leia-se, representativa, de participação indireta dos indivíduos na vida pública. Ou seja, mesmo na Grécia antiga, de onde vem nosso ideal democrático, a proporção de pessoas envolvidas diretamente com as coisas da política, era uma minoria. Isso tem a ver com a própria divisão do trabalho social em cada sociedade. Embora o tipo ideal grego de democracia nos inspire à ideia da participação direta dos cidadãos, lá mesmo, no “berço” da democracia da civilização ocidental, essa tarefa coube a uma minoria. Em outras palavras, na divisão do trabalho social, coube a uma elite, por direitos discriminatórios, cuidar das coisas da pólis. Obviamente, a democracia indireta, caracterizada pela representação, demonstra seus limites. Um sistema de representação ao extremo do formalismo e da autonomização, como dissemos antes, cria um descolamento indesejável, do ponto de vista democrático, entre representante e representado. Isso acontece nos regimes semidemocráticos, onde o limite da participação dos representados está no ato de eleições aos Executivo e Legislativo. A partir dessa delegação, regimes restritivos abrem poucos espaços participação. Essa situação difere em regimes democráticos abertos e menos centralizados, em que a mediação entre representado e representante tem instâncias intermediárias de participação e pressão. Mas a autonomização da política é inevitável. Tal divisão entre as coisas da política e outras coisas, estabeleceu-se de modo mais categórico entre os romanos. Se, ainda na filosofia grega, Platão já prenunciasse essa divisão com a ideia do bom governo, é na civitas romana que tal distinção fica mais explicitada. É em Roma que, na prática, se institucionaliza essa divisão através da criação de um “ordenamento jurídico”. É esse fato histórico que demarcará, no curso da civilização ocidental, a primeira separação nítida e prescritiva entre a Sociedade e o Estado. A partir daí, tem-se a primeira forma institucional dessa separação, através da qual a civitas romana é juridicamente organizada e a vida em Sociedade passa a ser fundamentada “no consenso da lei” (SARTORI, 1990 apud DELLA PORTA, 2003, p. 16). A ideia do bom governo ou governo ideal, para Platão, era o governo aristocrático, mas que assim o fosse pelo mérito e não pela hereditariedade, como nas monarquias. Tal governo aristocrático seria composto pelos melhores e mais sábios e é dessa formulação que surge a ideia do “rei filósofo”, ou seja, a defesa de que governos deveriam ser sempre compostos por homens de saber notoriamente reconhecido. Se esse fosse o critério, os governantes poderiam ser inclusive escolhidos pelo povo. NOTA UNIDADE 1 — POLÍTICA: TEORIA E CONCEITOS ELEMENTARES DA POLÍTICA 8 Passado o longo “período das trevas”, como muitas vezes se codinominou a Idade Média,vemos ressurgir os pressupostos dessa separação em fins do século XV, pelas reflexões do “pai” da Ciência Política, o renascentista italiano Nicolau Machiavel. Esse pensador profundo da política de seu tempo descreveu as coisas do Estado como necessariamente distintas da sociedade. O autor de “O príncipe” delimitou as coisas da política de modo a separá-la, nitidamente, da moral. Nessa perspectiva, o governante precisaria estar disposto a subverter qualquer preceito religioso e moral em nome da conquista e da manutenção do poder. Com Machiavel, a política torna-se autônoma, orientada por leis próprias. Já não vale mais a ideia do rei bom, benevolente e caridoso, submetido aos ditames da Igreja. O que interessa é que o rei seja eficiente, justo quando necessário, mas, sobretudo capaz de manter a ordem, guardar com força o seu território e garantir a proteção e a obediência dos súditos. É nessa perspectiva que deve ser compreendida a máxima de que “os fins justiticam os meios”. Nao se trata dos fins privados. Trata-se dos fins últimos da política, quais sejam, a manutenção do poder do governante, do Estado, acima de tudo, em nome da nação e seus interesses estratégicos. E quaisquer que sejam os meios utilizados, se justificam, desde que tais fins sejam garantidos. Com todas as variáveis que a história produziu, continua sendo assim até hoje, expresso nos comportamentos dos agentes políticos e nas leis. Portanto, quando falamos em democracia direta, concebemos a hipótese de que muitos indivíduos, na maioria das cidades, participe ativamente da vida política. É verdade, e sempre será, que o grau de interesse de maior ou menor número de cidadãos, em geral, defina a qualidade das instituições políticas. Se a vida política é mais ou menos estável em um país ou cidade, isso tem relação com o maior ou menor interesse de seus cidadãos com as coisas da política. A isso, denominamos de civismo. A rigor, somente uma maioria de cidadãos que seja consciente e exigente elegerá bons representantes. Nesse sentido, não somente boas instituições (leis e regras) criam bons cidadãos, mas, também, cidadãos interessados e instruídos forçam a criação de boas instituiçoes e bons comportamentos. É preciso considerar que o interesse e o grau de “conscientização política” se obtêm não somente através da participação direta. Há várias maneiras de participação indireta que elevam o nível da cultura política de uma sociedade. Se há sempre uma classe política que age diretamente, todos os cidadãos podem participar de alguma forma. O lócus principal é o Estado, por meio de suas divisões (executivo, legislativo e judiciário), subdivisões (ministérios, secretarias, órgãos, agências etc.) e níveis (federal, estadual, municipal, regional ou local). Não obstante, política se faz desde o ambiente familiar, passando pelas associações, agremiações e ambientes de todo tipo. Nisso considerem-se sindicatos, conselhos, escolas, universidades, clubes e as várias circunstâncias de diálogo e decisão, até a imprensa, as redes sociais, além das formas de descentralização política que permitem a sinergia entre Estado e Sociedade. TÓPICO 1 — POLÍTICA, ESTADO E PODER 9 2.1 SISTEMA POLÍTICO Os estudos da Ciência Política, em geral, partem de dois conceitos elementares, a partir dos quais as análises são formuladas, o conhecimento e a noção de política se estabelece, tornando o conceito universalmente aceito. Esses conceitos são Estado e Poder. A abordagem mais tradicional na Ciência Política, como na Filosofia Política, se conforma a partir de uma perspectiva vertical da política, do Estado para a Sociedade. A nítida separação entre essas duas esferas é o produto histórico e evolutivo da racionalização da vida em comum. A forma de racionalização da vida em Sociedade denominanos de superdivisão do trabalho social, dando origem ao conceito de “sistema político”. Entendemos por sistema político o complexo ordenamento jurídico e estrutural, composto pelas leis, normas e órgãos que compõem o Estado, isto é, um governo. Por extensão, sua definição abrange as formas de comportamento políticas reais e prescritas, a organização formal-legal e o funcionamento real dos governos, nas suas divisões e níveis. Ainda mais amplamente definido, o sistema político é visto como um conjunto de “processos de interação” ou como um subsistema do sistema social que interage com outros subsistemas não políticos, como o sistema econômico, por exemplo. Isso aponta para a importância também dos processos sociopolíticos informais e enfatiza o estudo do desenvolvimento político. A análise legal ou constitucional tradicional, usando a primeira definição, produziu um enorme corpo de literatura sobre estruturas governamentais, muitos dos termos especializados que fazem parte do vocabulário tradicional da Ciência Política e vários esquemas instrutivos de classificação. Do mesmo modo, a análise empírica dos processos políticos e o esforço para identificar as realidades subjacentes às formas governamentais produziram um imenso e valioso armazenamento de informações. Esse estoque informacional e cognitivo compõe o complexo teórico da Ciência Política, inspirando e abastecendo inúmeros trabalhos acadêmicos, empregando dados e mais dados e gerando novos conceitos. Tudo isso torna a Ciência Política um campo do conhecimento bastante dinâmico e atual, permitindo o aperfeiçoamento das instituições e a evolução da ordem republicana. Nesse processo científico e informacional, o próprio conceito de sistema político torna-se mais e mais abrangente. E a grande utilidade dessa dinâmica cognitiva está em “abrir a caixa preta” do sistema. Nos estudos recentes, as pesquisas e consequentes análises sistêmicas flutuam entre a eficácia das instituições, os comportamentos individuais e as sinergias entre Estado e Sociedade. Essas três vertentes analíticas constituem a maior parte do corpo teórico da politologia ocidental e alargam, sem lastro, a compreensão dos dois conceitos fundamentais de todo o pensamento político: Estado e Poder. UNIDADE 1 — POLÍTICA: TEORIA E CONCEITOS ELEMENTARES DA POLÍTICA 10 Referente ao tema, acesse no link a seguir, sobre a matéria realizada pelo Jornal Estadão – Grupos de renovação política ganham força e incomodam partidos. Link: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,grupos-de-renovacao-politica-ganham- forca-e-incomodam-partidos,70003056410. INTERESSA NTE 3 ESTADO Por muito tempo, a Ciência política foi identificada como a Ciência do Estado, termo que vem do alemão Staatwissenschaft. O ponto de partida para uma compreensão científica do Estado tem sido a divisão dos três poderes, tão magistralmente proposta pelo eminente filósofo francês, o Barão de Montesquieu (1689-1755). Nesse aspecto, é preciso lembrar que a Ciência Política é essencialmente uma ciência contemporânea, assim como a divisão dos três poderes. Estuda-se o Estado moderno desde a sua conformação inicial, mais ou menos no século XIV. Não obstante, o que se produz de análise pretensamente científica sobre o Estado, parte essencialmente dessa conformação contemporânea. Lembremo-nos de que, do ponto de vista historiográfico, considera-se contemporâneo o que é pertinente ao curso da história ocidental desde a Revolução Francesa, em 1789. NOTA De modo geral, o que entendemos por Estado tem a ver com o ordenamento político e jurídico que surge lentamente, aqui e ali, no contexto da Europa do século XIV. As primeiras conformações aparecem em Portugal, Espanha, França e Inglaterra. Emergem das fissuras do sistema feudal e pela força das circunstâncias impostas pelo capitalismo mercantil. Nessa perspectiva, o elementomolecular do Estado é a progressiva concentração de poder, justamente em função das necessidades circunstanciais. Essa centralização do poder sob o controle do governante é a base do principio da 1) territorialidade e da 2) obrigação para com o contrato social (contratualismo político). TÓPICO 1 — POLÍTICA, ESTADO E PODER 11 [...] Os autores contratualistas: John Locke, Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau usavam a existência dos contratos sociais como uma forma de entender de que maneira e diante de quais circunstâncias, o Estado Civil passou a regulamentar a vida em sociedade. O contrato social pode ser implícito ou explícito e marca a passagem do estado natural para o estado em que acontece a vida social e política. Embora os três autores contratualistas mais importantes tenham chegado a conclusões distintas, eles concordavam com a ideia de que a sociedade e o Estado se originaram a partir de relações contratualistas. Nessa perspectiva, a partir dos pactos contratuais é que foram estabelecidas as regras sociais, de convívio, as leis e a origem das instituições políticas e de poder. John Locke [...] Locke acreditava que o homem seria uma criatura naturalmente racional e social (com) inclinação para o bem, empatia e senso de amor. Os homens seriam, também, naturalmente livres, iguais e racionais, regidos sempre pela razão. No entanto, o homem natural, embora fosse racional, não era constantemente bom, tendo também sentimentos de raiva, vingança, ímpeto de destruição e egoísmo. Por conta dessas características humanas, os atritos entre os indivíduos surgiriam a partir dos conflitos de interesses. Assim, seria um direito natural de todo ser humano punir outros de seu convívio que desobedecessem às leis naturais. Para que os seres humanos pudessem viver livres, de forma organizada e com punições pré-estabelecidas, deveriam abrir mão de alguns direitos, como os de fazer julgamentos e de praticar punições, transferindo-os para o Estado. Essa transferência determina o contrato social, um acordo no qual todos reconhecem a autoridade governamental, a autonomia no uso da violência e a existência de homens atuando como juízes para o estabelecimento e garantia do bem comum. Thomas Hobbes Hobbes, por sua vez, acreditava que o homem era naturalmente mau, cruel e egoísta. Para Hobbes, "o homem é o lobo do homem", ou seja, estava sempre disposto a ser cruel e sacrificar o outro em benefício próprio. Os problemas do homem, em seu estado natural, aconteceriam, pois, a maldade do ser humano faria com que os homens vivessem em um estado constante de guerras, ameaças e destruição. [...] a única forma de garantir a convivência pacífica, organizada e harmônica seria a cessão de alguns direitos ao Estado, que seria o responsável pela organização social do poder, do uso da violência e da força, de forma legítima. Somente através de um contrato social é que o homem poderia viver e desenvolver sua sociedade. IMPORTANT E UNIDADE 1 — POLÍTICA: TEORIA E CONCEITOS ELEMENTARES DA POLÍTICA 12 Jean Jacques Rousseau [...] Para Rousseau, o homem nasce bom, mas é corrompido pela sociedade. O homem também nasce livre, no entanto, mantém-se sempre preso, por conta da vaidade, busca por status, posição social, orgulho e vaidade. Para que fosse possível a preservação da liberdade natural do homem e, ao mesmo tempo, a segurança e o bem-estar social, propõe um contrato social no qual é garantido a prevalência da soberania social e a soberania política determinada pelas vontades coletivas. O contrato social rousseauniano deve definir a questão da igualdade entre todos, garantir a vontade individual e determinar a vontade coletiva com foco no bem comum. Rousseau propõe o uso da justiça para submeter igualmente fracos e poderosos (e) explica o surgimento da desigualdade social, originada pela posse de propriedades privadas. A desigualdade na forma como as propriedades estão distribuídas, na visão de Rousseau, originou uma sociedade de caos, crimes, destruição e manutenção de uma sociedade de guerra. O contrato social surge, também, como uma forma de organização dessa sociedade caótica na qual os indivíduos pensam apenas no próprio bem. FONTE: <https://querobolsa.com.br/enem/sociologia/contratualismo>. Acesso em: 16 dez. 2019. Por guerra ou ameaça, compreendamos que o Estado moderno é resultado histórico da conquista do mais forte senhor feudal sobre os outros. Disso resulta o acordo que legitima a liderança do monarca, dono do mais forte exército, que submete os outros à sua vontade. Estabelece os limites do seu território e a identificação de seu povo. Suas duas maiores tarefas implicam a defesa desse território e na segurança de seu povo, base do contrato social. E o toque de acabamento dessa conformação política e jurídica está assentado justamente no estabelecimento da lei. E a característica fundante desse estabelecimento vai se conformar historicamente na impessoalidade do exercício de quem comanda. Na perspectiva sociológica, o Estado é uma forma de associação humana diferenciada de outros grupos sociais por conta de seus objetivos específicos, quais sejam, o estabelecimento da ordem e da segurança. Da mesma forma, o Estado se distingue por seus métodos: o estabelecimento de leis e seu cumprimento. Por extensão, diferencia-se pela demarcação de um território, pela área de jurisdição ou pelas as fronteiras geográficas. E, finalmente, distingue-se pelo aspecto da sua soberania, isto é, pelo fato de não haver poder acima dele. O estado consiste, de maneira mais ampla, no acordo dos indivíduos sobre os meios pelos quais as disputas são resolvidas na forma de leis. Assim, a principal distinção do Estado moderno, enquanto tal, é o governo pelo imperio da lei e nao da vontade pessoal do governante. Por extensão disso, vale apresentar uma classificação de tipo ideal, a partir da qual possamos saber do que estamos falando, quando usamos a palavra Estado. As definiçoes conceituais são, na verdade, imprescindíveis à nossa comunicação, sem o que, a construção coletiva fica comprometida. Parece haver TÓPICO 1 — POLÍTICA, ESTADO E PODER 13 consenso entre os teóricos da política quanto a algumas características essenciais na composição desse ordenamento jurídico. Assim, para caracterizarmos o Estado moderno enquanto tal adjetivo lhe sirva, é necessário que contenha, ao menos, seis características essenciais: 1- a impessoalidade do mando (o império da lei); 2- a defesa do território; 3- a defesa do povo, através da garantia dos direitos básicos; 4- o monopólio exclusivo do uso da violência; 5- o estabelecimento de uma burocracia pública racional-legal; 6- a autonomia em relação à religião (distinção não antagônica entre Estado e Igreja). O contrato social significa simbolicamente o acordo entre o governante e os governados. Embora o nome seja uma metáfora criada por filósofos políticos entre os séculos XVII e XVIII, representa a síntese explicativa do surgimento do Estado Moderno. É baseado na ideia de que os homens, em coletividade, admitem outorgar a um ente distinto o poder de governá-los em troca da garantia aos direitos naturais básicos dos serem humanos. Os três principais filósofos contratualistas foram John Locke, Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau. NOTA 3.1 PRECEDENTES GREGOS E ROMANOS A história do estado ocidental começa na Grécia antiga. Platão e Aristóteles escreveram sobre a polis, ou cidade-estado, como uma forma ideal de associação, na qual as necessidades religiosas, culturais, políticas e econômicas de toda a comunidade poderiam ser satisfeitas. Essa cidade-estado, caracterizada principalmente por sua autossuficiência, era vista por Aristóteles como o meio de desenvolver a moralidade no caráter humano. A ideia grega corresponde com mais precisão ao conceito moderno de nação, ou seja, uma população de umaárea fixa que compartilha uma língua, cultura e história em comum – enq uanto a res publica romana, ou comunidade, é mais semelhante ao conceito moderno de o Estado. A res publica era um sistema legal cuja jurisdição se estendia a todos os cidadãos romanos, assegurando seus direitos e determinando suas responsabilidades. Com a fragmentação do sistema romano, a questão da autoridade e a necessidade de ordem e segurança levaram a um longo período de luta entre os senhores feudais da Europa em guerra. UNIDADE 1 — POLÍTICA: TEORIA E CONCEITOS ELEMENTARES DA POLÍTICA 14 3.2 MACHIAVEL E BODIN Foi a partir do século XVI que o conceito de Estado passou a ser utilizado. O encontramos nos escritos do filósofo italiano Nicolau Machiavel (1469-1527) e do teórico político francês Jean Bodin (1530-1596). Os dois pensadores apresentaram o conceito de Estado como a força centralizadora por meio da qual a ordem social se mantém. Partiam do mesmo pressuposto de que o poder não é uma dádiva e sim uma conquista. Apenas divergiram parcialmente na interpretação quanto à legitimidade do poder e tal divergência permitiu um ótimo debate na teoria política. Em sua magistral obra “O príncipe”, Machiavel priorizou a estabilidade dos governos, procurando entender como podia ser obtida. Para isso, afirmou que o êxito disso dependia, primeiramente, do afastamento de quaisquer restrições de ordem moral, leia-se, religiosa. A partir desse ponto de ruptura, Machiavel passou a concentrar-se na força do governante, como o elemento mais importante para o bom governo. Vitalidade, coragem, astúcia e autonomia deveriam ser as qualidades do príncipe. Não poderia haver obstáculos morais que pusessem em risco os fins últimos do governante. Os meios, isto é, o modo de garantir as finalidades de cada governo, não precisavam estar revestidos de preceitos religiosos. Os meios teriam de ser suficientemente eficientes para que os fins da pollítica fossem assegurados. E a manutenção do poder, a garantia da ordem, a defesa do território e a proteção ao povo são esses fins, princípio de toda carta magna. Na ótica de Jean Bodin, o poder não seria suficiente por si só para criar um soberano. Este teria de fazer por merecê-lo, obedecendo à moralidade para ser durável e ter continuidade. A principal preocupação era garantir a estabilidade nas sucessões dos reis, sem quebrar a linhagem sanguínea. A teoria de Bodin foi a precursora da doutrina do "direito divino dos reis", segundo o qual a monarquia era a própria expressão da vontade divina na terra e os reis seriam descendentes diretos do Deus. Nesse aspecto, em particular, é que a teoria do filósofo político francês é diferente da de Machiavel que, por sua vez, não dava ênfase ao direito divino. Os dois autores eram modernos, portanto, humanistas no sentido de atribuir a responsabilidade e a legitimidade do mando à capacidade humana do governante. Mas, enquanto Bodin ainda carrega tintas na força simbólica da religião, o pensador italiano vai direto ao ponto: a política é coisa eminentemente humana. E essa tensão propiciou um criativo debate de ideias reformistas na Europa, a partir do século XVII. Dessa fundamental discussão aos rumos da política ocidental, foram precursores os filósofos John Locke e Thomas Hobbes na Inglaterra, além de Jean-Jacques Rousseau, na França e mais tarde Georg Hegel na Alemanha, entre muitos outros. Esses pensadores começaram a reexaminar as origens e os propósitos do Estado, ajudando a fundamentar o ordenamento jurídico do que é o Estado atualmente. TÓPICO 1 — POLÍTICA, ESTADO E PODER 15 Um exemplo de atitude amoral encontramos na descrição que o dramaturgo inglês William Shakespeare fez da breve vida do Rei Ricardo II, da Inglaterra do século XIV. Em um dos episódios dramáticos, o Rei teria mandado matar o próprio filho por lesar o erário público. Do ponto de vista da moral religiosa, sua atidute é condenável, porém, do ponto de vista da ética política, o rei deu um exemplo radical e eficiente do que poderia acontecer a qualquer um que desrespeitasse a lei. NOTA O rei Ricardo II (1377-99), retratado em peça homônima de William Shakespeare FIGURA 1 - REI RICARDO II FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/dd/Richard_II_of_England. jpg/245px-Richard_II_of_England.jpg>. Acesso em: 18 set. 2020. UNIDADE 1 — POLÍTICA: TEORIA E CONCEITOS ELEMENTARES DA POLÍTICA 16 3.3 HOBBES, LOCKE E ROUSSEAU Nas perspectivas dos contratualistas Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau, o Estado seria o próprio reflexo da natureza humana na manifestação de suas mais fundamentais necessidades. Se durante toda a Idade Média o mundo era justificado a partir de uma concepção religiosa sem influência humana, na Idade Moderna, sobretudo o poder passa a ser explicado a partir da dimensão humana. A política já não era mais vista como uma esfera refletida da vontade de Deus. O poder é analisado como o resultado de um jogo de interesses, regras e finalidades que eram humanas. Assim, a política não é mais vista como uma fatalidade, mas como resultado da capacidade humana. O Estado, por sua vez, é o resultado histórico, na esfera mundana, daquilo que os homens coletivamente conseguiram compor. De maneira geral, reflete as necessidades e desejos humanos, sendo resultado das lutas pelo poder e dos consensos mínimos em relação à ordem necessária em sociedade. Os seres humanos vivem coletivamente por decisão humana, cientes de que essa condição é melhor do que viver isoladamente. Não obstante, para viverem em sociedade, precisam estabelecer regras, sendo esta a origem mais reomota do Estado. Na medida em que os agrupamentos humanos crescem e as economias se desenvolvem, os conjuntos de regras ficam mais complexos, resultando historicamente no que entendemos como o Estado. A "condição natural" do homem, disse Hobbes, é egoísta e competitiva. Por essa razão, os homens se submetem ao domínio do Estado como o único meio de autopreservação pelo qual ele poderia escapar do brutal ciclo de destruição mútua. Hobbes é o autor da parábola do “homem, lobo do homem”, segundo a qual, deixados à solta e livres, os homens se matariam uns aos outros, inviabilizando a vida coletiva e a própria sobrevivêncioa da espécie. Por reconhecerem essa condição natural, os homens acordam entre si pela criação de um ente superior, capaz de protegê-los de si próprios. Para Locke, a condição humana não é assim tão malévola e egoísta. Todavia, também para ele o Estado é o resultado da percepção sobre as vantagens de viver coletivamente e de modo minimamente organizado. Trata- se, por extensão, da constituição política de uma imperiosa necessidade de proteção dos direitos naturais dos homens. Estes seriam direitos inerentes à condição humana. Inspirador do liberalismo clássico, Locke afirmou que o Estado seria a materialização mais acabada do contrato social. Através deste, os indivíduos concordam em não infringir os "direitos naturais" uns dos outros à vida, liberdade e propriedade, em troca do qual cada homem assegura sua própria "esfera de liberdade". Já na concepção de Rousseau sobre o contrato social, aparece uma ideia mais otimista em relação à natureza humana, se comparada a Hobbes ou Locke. Em vez do direito de um monarca governar, Rousseau entende que o contrato social é oriundo de uma vontade geral dos governados. Para ele, a própria TÓPICO 1 — POLÍTICA, ESTADO E PODER 17 nação é soberana, e a lei não deve ser outra senão a vontade dos indivíduos em coletividade. Influenciado por Platão, Rousseau reconheceu o Estado como o ambiente para o desenvolvimento moral da humanidade. Seu pressuposto geral é o de que o homem é bompor natureza, mas a Sociedade corrompe essa natureza boa. Para restabelecê-la, é preciso que o Estado garanta as condições para tanto, estimulando os homens a buscarem o bem-estar social. Como o resultado da busca individual gera conflitos, um estado saudável e sem corrupção) só pode existir quando o bem comum é reconhecido como a meta oficial a ser alcançada e garantida. 3.4 HEGEL Para o filósofo alemão George W. F. Hegel, somente o Estado, como um ente soberano e reflexo dos interesses mais gerais e prioritários, seria capaz de garantir a liberdade, princípio fundamental da vida humana. Evidentemente associada à segurança, a liberdade seria fundamental porque é a condição essencial para viver e desenvolver-se. Só poderia ela ser garantida através de leis que garantissem a soberania dos indivíduos, entendida não somente na sua perspectiva individual, mas coletiva, como um direito, expressão maior da razão humana. Nesse sentido, o Estado, com todo o ordenamento jurídico, burocrático e policial, seria (deveria ser) a expressão máxima da evolução da humanidade. FIGURA 2 – GEORGE W. F. HEGEL FONTE: <https://static.todamateria.com.br/upload/ge/or/george-wilhelm-friedrich-hegel-og.jpg>. Acesso em: 21 jul. 2020. Que fique claro: para o filósofo alemão, a liberdade não é a capacidade, tampouco o direito, de cada um fazer o que bem entender de sua vida. Muito mais que isso, é um desejo universal pelo bem-estar. Quando os homens agem como agentes morais, agindo racionalmente, os conflitos cessam e os objetivos passam a coincidir. Ao se subordinarem, por livre entendimento, às leis do Estado, os indivíduos passam a estar habilitados a realizar a síntese entre os valores familiares e as necessidades econômicas. Para Hegel, o Estado é o resultado do armazenamento das ações morais ao longo da história, onde são filtradas e solidificam o desenvolvimento humano. É no Estado que a liberdade de escolhas se cristaliza, permitindo a união das vontades racionais. UNIDADE 1 — POLÍTICA: TEORIA E CONCEITOS ELEMENTARES DA POLÍTICA 18 Nessa perspectiva, o filósofo alemão vê no Estado a representação resumida e ordenada do direito à liberdade humana. Diferentemente dos contratualistas Rousseau e Locke, Hegel não afirma diretamente que a liberdade é um direito natural. Mais do que isso, a liberdade é o resultado da razão humana, depurada, através da qual homens e mulheres tornam-se capazes de entender seu verdadeiro sentido: a expressão da vontade individual em concordância com a vontade coletiva. O Estado seria a síntese da ação moral, onde a liberdade de escolha é orientada para a universalidade, isto é, à unidade das vontades. Através do ordenamento jurídico, as partes da constituintes da sociedade seriam reunidas e assentadas para a saúde do corpo social. 3.5 BENTHAM E MARX Por sua vez, para os utilitaristas ingleses do século XIX, o Estado seria a instituição responsável por realizar a unidade dos interesse individuais, além de assegurar o equilíbrio social. Esse entendimento foi proposto pelo filósofo utilitarista e jurista inglês Jeremy Bentham (1748-1832) e compartilhado por outros seus contemporâneos. Trata-se, também, de um entendimento de que os direitos não seriam naturais, mas conquistados e preservados pelos homens a partir e através do Estado. O Estado, nesse entendimento, seria a representação máxima da utilidade que as leis têm para aqueles que exercem o poder sobre os outros. Leis ajudam a controlar o funcionamento da sociedade e precisam ser resguardadas por um ente com autoridade para tal. Assim, Jeremy Bentham ajudou a demarcar as bases para os primeiros pensadores socialistas como Karl Marx (1818-1883). Para este filósofo alemão, o Estado foi constituído para ser o "aparato de opressão" da classe dominante para a garantia de seus interesses e privilégios econômicos, em detrimento dos interesses gerais da classe trabalhadora. Nessa interpretação, o Estado não seria o representante dos interesses gerais e aglutinador da razão universal. O Estado, compreendido em todo o seu ordenamento júrídico, burocrático e policial representaria, fundamentalmente, os interesses de uma minoria no poder. Portanto, leis não seriam sinônimo de justiça, mas de usurpação e interesses privados. Marx e seu amigo Friedrich Engels (1820-1895) foram pensadores revolucionários. Entre suas inúmeras contribuições está a advertência de que não vejamos as coisas como parecem ser e as autoridades dizem que são. Seria preciso perceber o que está por trás do Estado e por baixo das leis. Elas expressariam interesses universais mas esconderiam interesses particulares. Os dois pensadores e ativistas políticos redigiram a famosa obra intitulada “O Manifesto Comunista”. Ali, afirmam que a única maneira de a classe trabalhadora obter a liberdade e o bem-estar que lhe são de direito, seria tomando o poder à força. TÓPICO 1 — POLÍTICA, ESTADO E PODER 19 A partir da conquista revolucionária do Estado, a classe trabalhadora instauraria a "ditadura do proletariado". Seria uma etapa provisória, temporária, até que se pudesse prescindir do Estado e este seria extinto, por pura falta de utilidade. O raciocínio é simples: O Estado é o produto histórico do ordenamento jurídico e policial das classes dominantes ao longo do tempo. Sua maior incumbência seria proteger a propriedade privada e garantir a acumulação de riquezas de quem está no poder. A acumulação seria o resultado da exploração da classe dominante sobre a classe trabalhadora. Então, o Estado é, por definição, contra os interesses dos trabalhadores. Sendo, na origem, uma instituição de opressão, deveria ser extinto. O que se seguiria depois seria uma sociedade sem classes, baseada não na aplicação das leis, mas na justa distribuição dos bens produzidos e sem propriedade privada. 3.6 VARIADAS CONCEPÇÕES De um modo geral, a concepção de Estado apresentada por Marx e Engels teve muitos adeptos e ganhou força interpretativa desde o fim do século XIX, passando a antagonizar com a concepção digamos assim conservadora do Estado, sintetizada na idealização hegeliana. De um lado, a ideia do Estado como produto da razão e, de outro, como instrumento de usurpação. E, embora tenhamos convivido fortemente com o binário “direita” (conservadora ou reacionária) e “esquerda” (progressista ou revolucionária) na política mundial e no interior das nações, as experiências concretas se orientaram por essas duas concepções, hegeliana e marxista, sem exclusividade a um ou outro lado. Durante o século XX, as concepções de Estado tiveram alguma variação. Oscilaram entre concepções as mais autoritárias e centralizadoras até as mais libertárias ou mesmo descentralizadas. Foram do Estado totalitário ao anarquismo, passando pelo Estado de bem-estar até o Estado mínimo. Em cada um dos casos, sempre houve teorias a constituir elaboradas justificativas em defesa de cada modelo. Com exceção da utopia anarquista, experiências concretas não faltaram, a deixar suas marcas na história e as possibilidades de que se tenha aprendido com elas. Nessa perespecrtiva, cabe resumida tipificação, como vemos a seguir: • O totalitarismo expressa a máxima centralização do poder e a minimalização das liberdades. É o Estado do medo, retratado e justificado notavelmente na obra “O leviatã”, de Thomas Hobbes (1588-1679). • O anarquismo, por sua vez, defende a extinsão do Estado, sugerindo que toda forma de poder é uma forma de usurpação, de dominação ilegítima e deve ser negada. É a negação do Estado, retratada, por exemplo, na obra “O anarquismo e a democracia burguesa”, que inclui o capítulo “O Estado: alienação e natureza”, do anarquistarusso Mikhail Bakunin (1814-1876), entre outros escritos de anarquistas como Malatesta, Phroudon e Kropotkin. UNIDADE 1 — POLÍTICA: TEORIA E CONCEITOS ELEMENTARES DA POLÍTICA 20 • O Estado de bem-estar social é, como sugere o nome, o Estado protetor, empenhado na distribuição da riqueza social através de políticas públicas de transferência de rendas, incluindo as políticas sociais na saúde e na educação. Nessa perspectiva, governos são responsáveis pela sobrevivência de seus membros, garantindo subsistência àqueles que não a possuem. Uma excelente análise foi feita pelo sociólogo polonês Adam Przeworski (1940 - ), em seu livro “Capitalismo e social-democracia”. • O Estado mínimo expressa a ideia de que quanto menor for a intervenção do Estado na vida privada das pessoas e na economia, tanto melhor. Para os liberais ortodoxos, o Estado deveria apenas cuidar do básico, ou seja, garantir o direito à propriedade privada, cuidar da segurança dos indivíduos e da educação aos que mais necessitam, deixando o restante com a iniciativa privada e a sociedade organizada. Uma compreensão sobre o assunto pode ser iniciada com a leitura do pensador liberal austríaco Ludwig von Mises (1881-1973), em “A mentalidade anticapicalista”. Contemporaneamente (século XXI), podemos afirmar que o Estado é uma ordem política, cuja legitimidade é pouco distutível. Podemos manifestar nossas insatisfações com a ordem política. Podemos contestar os ordenamentos jurídicos, reclamar das políticas econômicas, de governos autoritários, ineficientes, corruptos, perdulários, entre outros defeitos. Tudo isso nos permite constatar que a ordem política é produto das relações de poder entre seres humanos em busca da consecução de suas ideias e interesses, públicos ou inconfessáveis. Por extensão, podemos concordar ou divergir das concepções sobre como o Estado deve primordialmente ser. Poderia ou deveria ser mais centralizado, autoritário, descentralizado, democrático, mais ou menos liberal, na economia, na organização política, nos costumes e comportamentos individuais. Deveria ser mais assistencialista, como sugerem os socialdemocratas ou menos intervencionista, como os defensores do liberalismo clássico. Na vida real, esses “tipos ideais” se confundem, conformando as experiências em cada governo, cada nação e em cada tempo. As experiências políticas ao fim da segunda década do século XXI não permitem prognósticos seguros. A democracia é a forma de governo preferida entre os países mais desenvolvidos do Ocidente. Todavia, isso não nos exime de reconhecer que a relação democracia e desenvolvimento seja uma regra tácita. A China não é uma democracia e, no entanto, desponta para ser a potência econômica do século XXI. Seguirá sendo um regime político centralizado e restritivo? E quanto ao Ocidente democrático, quais serão os resultados do embate entre o Estado de bem-estar e o Estado mínimo, entre social-democratas e liberais ortodoxos? (considerando que todos são, a rigor, liberais democratas). Sejam quais forem os resultados, eles dependerão do interesse dos cidadãos de cada país, microrregião e cidade, sobre as coisas da política. O Estado, seja numa conformação ou noutra, estará presente e legitimado pelos indivíduos, é difícil prever algo diferente. Sua legitimidade dependerá sempre, TÓPICO 1 — POLÍTICA, ESTADO E PODER 21 em considerável medida, da capacidade de a ordem política formal responder às necessidades econômicas e aos direitos fundamentais dos indivíduos. E a qualidade dos serviços dependerá de um duplo esforço da sociedade, qual seja, o esforço econômico e a atenção à política. Podemos admitir, como sugeriu certo filósofo, que a política não nos levará ao céu, mas é somente através dela que nos livraremos do pior dos infernos. 4 PODER Definimos o conceito de poder como o resultado da ação capaz de exercer influência sobre o outro ou os outros, a fim de conseguir realizar e fazer prevalecer o interesse de quem busca obtê-lo. Se falarmos em termos de poder político, podemos defini-lo como o exercício da influência legítima de um agente sobre outro ou outros. Há inúmeras formas de um agente exercer poder sobre outros, fazendo-os alterar seus comportamentos em função do interesse e mando de quem o exerce. No caso da ordem política, é a autoridade legítima que se expressa, seja pelo uso da força, seja pela ameaça de seu uso em nome da lei. A recorrência ao uso da força na política é uma condição necesária, mas não suficiente para definir o conceito de poder (BOBBIO, 2000, p. 164). Em política, o uso da força como possibilidade ou ameaça depende da legitimidade conferida pelos cidadãos. É o uso da força com a força da lei. E isso confere ao Estado o poder exclusivo de utilizá-la, sem o que o poder é ilegítimo. Em outras palavras, somente o poder político tem o direito de exercer o poder com base no uso ou na ameaça do uso da violência. Nenhum outro indivíduo, grupo ou organização na Sociedade pode fazê-lo, o que confere ao Estado o monopólio do uso da força para o exercício da autoridade. É nessa perspectiva que devemos entender a explicação oferecida pelo filósofo inglês Thomas Hobbes. No grande clássico da teoria política, intitulado “O leviatã”, Hobbes explica mais ou menos assim os fundamentos do contrato social, base da teoria do Estado moderno: trata-se da passagem do estado de natureza (estado selvagem) para o estado civil (estado político), em que os homens abdicam do direito de usar cada qual sua força para se protegerem e ou alcançarem seus interesses. É quando todos resolvem outorgar esse poder a um ente superior, qual seja, o Estado, que Hobbes chama alegoricamente de Leviatã, em recorrência à figura bíblica (HOBBES apud BOBBIO, 2000, p. 165). Nessa perspectiva, os governos em geral são o exemplo de agentes com autoridade exclusiva de usar a força física para obrigar a obediência aos cidadãos nas circunscrições do território sobre o seu controle. Um policial, por exemplo, é uma extensão humana da autoridade estatal sobre o cidadão. Mas o monopólio do uso da força não deve ser confundido com autoridade sem limites, embora na prática isso muitas vezes aconteça. Por exemplo, se esse policial, instituido da autoridade que lhe é outorgada, ameaça um cidadão, o obriga a uma confissão ou lhe cobra propina sob ameaça, estará fora dos limites da autoridade política. Trata-se, nesse caso, de um exercício ilegítimo do poder. UNIDADE 1 — POLÍTICA: TEORIA E CONCEITOS ELEMENTARES DA POLÍTICA 22 ‘Naturalmente, estamos tratando do fenômeno do poder de um ponto de vista contemporâneo. O poder é tão antigo quanto a convivência humana. Admitido isso, não podemos afirmar que sempre houve legitimidade no exercício do poder. A força de um sobre outro é antes de tudo uma violência. O que torna esse uso minimamente aceitável é quando a força é usada em defesa contra a violência alheia. E é exatamente essa reação que, ao longo da história humana, vai revestir o uso da violência de moralidade. É a constituição da autoridade, em nome da ordem, que legitimará o uso da força. Todavia, se todos se atribuírem essa autoridade, o resultado tenderá a confirmar o temor hobbesiano: deixados à própria sorte, os seres humanos entrariam em guerra permanente e se matariam uns aos outros. É como que uma consciência adquirida pelos seres humanos de que seus egoísmos ameaçam a própria sobrevivência da espécie. É para assegurá-la, que os homens estabelecem o acordo, isto é, o tal “contrato social”. Desse modo, outorgam o poder a um ente superior, um líder, chefe ou governante, a quem incumbem a tarefa de exercer o poder em nome da ordem, da sobrevivência. Admitida a evolução histórica, isso nos
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