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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA EDUARDA OBERG ESTUDO DE CASO - IGREJA DO REDENTOR Rio de Janeiro 2020 INTRODUÇÃO Em busca das grandes obras que marcaram os tempos antigos, me deparei com Andrea Palladio, arquiteto italiano renascentista, o qual possui diversas obras nas cidades de Veneza e Vicenza, além das espalhadas pelo interior da Italia. O embasamento construído a partir dos estudos da arquitetura romana foi o ponto mais atrativo em relação à ligação do estudo à matéria desenvolvida, podendo-se desenhar a evolução criativa e analítica do arquiteto, com sua culminância na obra escolhida: a Igreja do Redentor, ou “Chiesa del Santíssimo Redentore”, ou ainda “Il Redentore”, podendo se apreciar a conclusão de diversos aspectos trabalhados pelo mesmo ao longo da vida, os quais serão abordados ao longo da análise desenvolvida. 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRIA Após a morte de 20%-30% da população de Veneza (em torno de 50.000 pessoas), no dia 4 de Setembro de 1576, o Senado se reuniu para propor a construção de uma igreja dedicada a Cristo Redentor. A proclamação oficial foi feita pelo Doge Alvise I Mocenigo, que oficializou o financiamento à construção proposta, juntamente à promessa de realizar uma procissão anualmente, na data em que a cidade fosse considerada livre da praga, como forma agradecimento à Deus pela libertação da pandemia, que já assolava a cidade à 2 anos. O local onde seria erguida a igreja foi decidido apenas na 3ª comissão realizada pelo Senado, chegando-se na escolha de um terreno encontrado às margens da ilha de Giudecca, o qual teria sua importância tida como fundamental devido visibilidade obtida em relação à Praça de São Marco, o centro mais importante de Veneza. A implantação em uma ilha fez-se necessário o uso de barcos para chegar ao local, representando a travessia como forma de purificação durante o trajeto, como um tipo de ritual simbólico religioso. 2 – O PROJETO O escolhido para projetar a majestosa igreja foi o arquiteto renascentista Andrea Palladio, na época, arquiteto estatal, tendo como patrão e amigo, Marc’ Antonio Bárbaro. Quando Veneza é considerada livre da praga, em 13 de Julho de 1577, mesmo tendo como motivos a criação dos conceitos de quarentena e hospitais isolados, a gratidão à Cristo seria provada, com a construção da igreja e o cumprimento da procissão, que é realizada até os dias atuais, no terceiro domingo de Julho, conhecida atualmente como Festa del Redentore, sendo considerada um dos principais eventos anuais da cidade, atraindo turistas e propiciando o sentimento de gratidão que circunda a Chiesa del Santíssimo Redentore. Durante o final de semana de celebração, é erguida uma ponte que liga Giudecca ao resto de Veneza, a qual tem sua estrutura apoiada em barcaças posicionadas em frente à igreja, sendo assim possível o acesso à igreja a pé, além dos barcos enfeitados que preenchem as águas, enquanto a cidade festeja a libertação da doença à luz dos fogos de artifício que iluminam a noite do sábado anterior ao domingo de procissão, durando em torno de 40-60 minutos. Figura 1 - Fiéis e turistas sob a ponte votiva montada durante a Festa del Redentore Fonte: Welcome Venice (2018) A igreja acompanha o estilo adotado por Palladio, o qual foi considerado, segundo Wundram, como o primeiro “classicista” da arquitetura moderna, além de ser talvez o único arquiteto a quem foi dedicado um movimento específico, conhecido por palladianismo. Seu sistema arquitetônico integra estrutura, forma, função e ornamentos com perfeição, além de atribuir um valor atemporal pelos embasamentos obtidos a partir de intensos estudos sobre a história da arquitetura, com o que era possível acessar na época; e devido a isso, suas obras influenciam diversos arquitetos ao redor do mundo até os dias atuais. O início da construção ocorreu em 1577, e teve sua conclusão em 1592. Palladio não pôde presenciar a edificação finalizada pois veio a falecer em 1580, sendo a Chiesa del Santissimo Redentore um de seus últimos projetos, a qual é considerada o culminar de todos os estudos realizados durante sua vida. As obras foram prosseguidas pelo seu auxiliar Antonio da Ponte, quem seguiu fielmente o projeto inicial, deixado completo por Palladio antes de sua morte. Figura 2 – Planta baixa – Igreja do Redentor Fonte: Wikipedia (1783) Com objetivo de se manter nas características da arquitetura clássica, o tipo de igreja para peregrinação dos fiéis se tornou um desafio, pois dessa forma se fazia necessário uma longa nave, saindo das proporções adotadas no renascentismo, no qual se via a tentativa de fundir as características de uma igreja votiva, com as de uma igreja processional, mas Palladio optou por demarcar as diferentes formas, mantendo a essência de cada estilo, enquanto cria-se um novo. A localidade do terreno escolhido fez com que Palladio projetasse uma fachada inspirada no Panteão de Roma, direcionada para o Norte, inteiramente em pedra branca Ístria, e alocada sob um largo pedestal, o que possibilitou a inserção de 15 degraus na entrada da igreja, sendo uma ligação direta ao Templo de Jerusalém. Figura 3 - Vista frontal – podemos observar o protagonismo da fachada perante a construção Fonte: Veracidade versus mentira – blog (2019) 3 – O EXTERIOR A vista do resto da construção fica totalmente obstruída quando nos posicionamos em frente à igreja, ficando aparente apenas a cúpula e as torres sineiras, criando um forte contraste ao admirar a construção de longe, ressaltando os tons avermelhados das paredes que circundam a nave, o presbitério, e coro (nesta ordem), criando além da fachada, uma tripartição estrutural, acompanhando a função de cada espaço projetado. Ao observarmos a fachada, conseguimos identificar o desenvolvimento do espaço interior, tendo a nave central, assim como a cúpula, correspondendo à largura do pórtico da entrada, sendo este um dentre os vários estudos de proporção aplicados no projeto. Notamos também, ao observar o ritmo estabelecido entre os pilares e semi- colunas de ordem coríntia que suportam o frontão principal, o objetivo de trazer uma ideia de profundidade e ritmo, sem perder o conceito de “unidade” estabelecido para o visual da edificação. Figura 4 - Vista lateral da edificação reforçando a ligação entre forma e função Fonte: Morbideidee – blog (2011) 4 – O INTERIOR O estilo de cúpula palladiana possui uma aproximação à arquitetura oriental, desenvolvida pelos bizantinos. Em Il Redentore, as torres sineiras são muito semelhantes aos minaretes Otomanos, reforçando a ligação das ideias ocidentais e orientais, com intuito de chegar nas melhores soluções possíveis. Sob a cúpula, encontramos o presbitério, que possui três semi-circunferências idênticas no seu entorno, transformando-se em um tipo de transepto diferente do usual, quebrando a intensidade advinda do formato com a predominância do eixo transversal, típico das igrejas longitudinais, e formando um espaço mais estreito, remetendo às igrejas centralizadas. Figura 5 - Recorte da estrutura com foco na distribuição da área do presbitério Fonte: University of the Incarnate Word – fórum (2014) Ao adentrar a igreja, a nave única acompanha os conceitos de tripartição, sendo visto três capelas em ambos os lados, dando forma a eixos transversais, que pausam o ritmo do eixo longitudinal; no presbitério encontramos as três absides relatadas anteriormente, e no coro, mesmo sendo um espaço único, Palladio inseriu duas sacristias laterais, tripartindo também esse espaço,enquanto o mesmo é iluminado por três janelas encontradas ao fundo. As capelas são inseridas à nave por arcos abertos ao longo do percurso, os quais são proporcionais às janelas termais encontradas no interior de cada uma delas. As absidíolas receberam aberturas que realizam a ligação entre as capelas, enquanto a última (mais próxima ao coro), contorna o presbitério, e abre uma última passagem dando acesso às sacristias. Dessa forma, a circulação pela igreja é facilitada, possibilitando que seja feita sem que as celebrações sejam interrompidas. Encontramos semi-colunas dispostas aos pares entre as capelas, separadas por dois nichos sobrepostos. Na base dos nichos inferiores encontramos um friso que se desenvolve em todo o seu interior, sendo muito semelhante ao friso encontrado na parte externa, tanto pela altura, como pela dimensão, diferenciando-se apenas pelo padrão adotado. Essa ideia de divisão horizontal é ainda mais reforçada a partir da divisão cromática ao nível do friso, mantendo o branco na parte superior, e um tom cinza na parte inferior. Figura 6 - Vista do interior da Igreja do Redentor Fonte: Pinterest Na parte superior, encontramos janelas termais sob cada entrada das capelas, totalizando seis entradas de luz as quais foram inseridas em abóbodas de penetração, possibilitando uma iluminação zenital, que junto à forma como as abóbodas foram projetadas, fazem com que a luz reflita na cobertura e ilumine o interior de forma igualitária, deixando os contornos encontrados no teto ainda mais leves. A forma no qual Palladio introduziu o presbitério à nave, mantendo a sequencia de colunas, inserindo os nichos nas partes diagonais e mantendo a sequência de arcos regida pelo arco triunfal, gera uma sensação de continuidade, mesmo se tratando de dois espaços com funcionalidades diferentes, contrastando apenas a intensidade da iluminação, decorrente à presença da cúpula. O altar-mor, colocado em posição centralizada, assume grande destaque, não apenas pelo foco de iluminação, como pela ideia de remate ao eixo longitudinal, partindo da entrada. Além disso, os elementos presentes na estrutura em torno do altar seguem os já usados nas capelas laterais, diferenciando-se pela substituição da parede maciça ao fundo, por quatro colunas inteiras, dispostas em semicircunferência, estabelecendo o limite entre o presbitério e o coro mesmo com a ideia de continuidade gerada pelos vãos. Acompanhando o formato das colunas, segue-se uma mureta com altura superior ao friso que percorre a igreja, impossibilitando o acesso visual ao coro, contando apenas com uma passagem central para que haja a transição entre os espaços. Colocando-se na entrada da igreja, as absides laterais do presbitério não são visíveis, estando no campo de visão apenas após alguns metros da porta principal. Nesses espaços, as janelas escolhidas foram aberturas retangulares em dois níveis, abrindo mão das janelas termais encontradas ao longo da nave. O coro por sua vez apresenta uma estrutura completamente diferente da usada no restante da igreja, contando com paredes lisas, sem decoração, como as usadas por Palladio no exterior da construção, fazendo com que este se torne um espaço isolado e autônomo, ligado de ambos os lados à sacristia, mantendo a privacidade necessária para os membros da igreja. CONCLUSÃO A Igreja do Redentore pôde reunir e amadurecer os conceitos desenvolvidos, materializando todas as informações obtidas por Palladio durante seus anos de estudo, após realização de outras obras incríveis, mas que comparadas à esta, a evolução obtida pelo arquiteto é clara. As ideias de contraste, proporção e ligação com Deus foram encontradas por todos os cantos da edificação, reinventando com excelência diversos conceitos até então sólidos, e reutilizando técnicas antigas para moldar o presente necessário para a época. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ▪ GONÇALO, José Santos Pereira. A Igreja do Redentor em Veneza - Uma Hereditariedade Cultural Reinterpretada. 2014. 206 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Faculdade de Arquitetura, Universidade do Porto. ▪ Il Redentore. Wikipedia, 2020. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Il_Redentore> Acesso em: 11 de out. de 2020. ▪ Festa del Redentore, comemorando o fim da praga, o comité italiano da Juventude, 2017. Disponível em: <https://www.hisour.com/pt/festa-del- redentore-celebrating-end-plague-italian-youth-committee-unesco-16783/> Acesso em: 4 de out. de 2020. ▪ Venice day 4 - Palladio and Longhena: Il Redentore and the Santa Maria della Salute, 2017. Disponível em: <https://www.teggelaar.com/en/venice-day-4- continuation-2/> Acesso em: 11 de out. de 2020.
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