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UNIDADE 7 FAMÍLIA IDEAL E FAMÍLIA REAL Rodrigo Rangel e Pereira Nesta unidade iremos estudar os seguintes temas: • O ideal e a construção do desejo • Mapas familiares e as implicações na chegada do novo filho • O perfil dos pais adotivos, sua história, características, expectativas • O perfil dos filhos adotivos, sua história, razão do acolhimento, características, expectativas • A relação dos acolhidos com seus irmãos e com seus amigos/colegas do acolhimento • Teoria do apego e a construção de vínculos (introdução) • O luto do ideal (dos pais e do filho) • Figuras substitutivas parentais na vida da criança • A criança/adolescente real • A família real A utilização e impressão dos materiais do curso somente serão permitidas para uso pessoal do estudante, visando facilitar o aprendizado dos temas tratados, sendo proibida sua reprodução e distribuição sem prévia autorização da EJEF. Neste módulo, trataremos das expectativas idealizadas de famílias e crianças e adolescentes versus a realidade muito diferente na qual se tornará a família real. Isso é o que geralmente acontece nas famílias, sejam elas formadas por filhos biológicos ou adotivos, por isso sempre ouvimos que todo filho precisa ser adotado, seja ele filho consanguíneo ou filho pelas vias da adoção. Os nossos ideais não encontram correspondência nas relações familiares reais que viveremos, nem no casal/companheiro, nem nas crianças que vêm muitas vezes de realidades difíceis, de muitos traumas devido a abusos, negligências e violências desde suas famílias de origem, passando por instituições de acolhimento, casas, lares ou famílias acolhedoras. Veremos como trabalhar e negociar essas expectativas dentro de cada indivíduo e suas possibilidades reais dentro dos sistemas familiares. A construção do ideal As idealizações que temos a respeito de família e filiação são construídas ao longo das nossas histórias, quer tenhamos consciência delas ou não, elas sempre existirão, em maior ou menor grau. As idealizações podem acontecer em várias áreas da nossa vida, devido a projetarmos muitas expectativas, que nem sempre serão alcançadas. Idealizamos nossos estudos e nosso trabalho, por exemplo. Ao escolhermos uma profissão de que gostamos, e mesmo dentro dessa premissa, no desenrolar do trabalho, enfrentamos várias etapas ou processos que, por vezes, não esperávamos, que são “chatos” de fazer, outros são cansativos, mas fazem parte do trabalho que amamos fazer. Até mesmo com nossos cônjuges/parceiros, quando namoramos, esperamos sempre determinados comportamentos, atitudes, que aconteciam mais na fase do namoro, mas que, no dia a dia, perdem força, diminuem de intensidade, mas, sim, nós escolhemos aquela pessoa, que é também um ser em constante mudança, e precisamos continuar a amar, mesmo quando essa pessoa se torna bem diferente daquela inicialmente idealizada no namoro. Por isso dizemos que o amor não é um sentimento, o amor precisa ser uma decisão. Precisamos entender que a paixão, em determinadas etapas, pode diminuir ou até ser extinta, não importa, não podemos nos deixar guiar pelos nossos sentimentos efêmeros ou sensações passageiras, na relação de pais/mães e filhos. Esse conceito não apenas evita e bloqueia as terríveis devoluções, mas nos dá musculatura emocional e fundamento intelectual para superar o “IDEAL” e aceitar e amar com toda intensidade o “REAL”, agindo com convicção e intencionalmente para aperfeiçoar o “REAL”. Mapas familiares Identificar os valores e princípios familiares que construíram os nossos ideais é um ótimo primeiro exercício para uma melhor percepção de quão forte é a ligação das nossas ações com esses valores e princípios inerentes a cada pessoa, que a psicologia trata como “Mapas familiares”. Esses mapas familiares decodificados, lidos, reconhecidos, decifrados e devidamente identificados traduzirão e emitirão o que trataremos como vozes familiares. Trarão muitos ganhos para cada indivíduo e/ou casal/parceiros que estão postulando identificar cada valor para cada área de sua vida, seja a área de afetividade, trabalho, área de relacionamento familiar (que pode ser desmembrada em vários aspectos), área financeira, área sexual, área profissional, etc. Citamos esses apenas como exemplos e não pretendemos aqui esgotar todas as inúmeras possibilidades desses exercícios, que podem e devem ser feitos nas várias etapas do ciclo familiar, tais como chegada da criança, início das atividades escolares, chegada de um irmão, início da adolescência, saída de um filho para estudar fora, mudança de cidade, saída de um filho para casar, etc. À medida que cada indivíduo consegue ir identificando esses motivos, começa a entender as fontes das aspirações e é daí que partem as motivações (o que motiva as nossas ações). Com esse mapa familiar do indivíduo pronto, sugerimos um investimento de tempo importante com essas vozes familiares que compõem esse mapa familiar. Uma boa reflexão individual poderá trazer muitos ganhos para a pessoa, que aumentará a harmonia entre o indivíduo e/ou casal/parceiros, tendo em vista que a possibilidade de esclarecimento de cada realidade estará bem mais clara e evidenciada. A pacificação e a melhoria das relações trazem ganhos para todos os envolvidos nas relações familiares e, obviamente, também para os novos membros que virão a compor essa relação familiar pela via da adoção. Assim, sugerimos trazer os pontos para serem refletidos e conversados entre os parceiros. Esses exercícios e conversas trazem luz e mais infraestrutura para um maior amadurecimento e preparação sobre todas as questões abordadas de forma aberta e intencional. Quando essas conversas acontecem “sem a pressão” das situações de tensão que virão, temos uma enorme vantagem e possibilidades muito mais ampliadas de resolução de possíveis conflitos. Portanto, os ganhos pela realização dessas conversas, que parecem simples, mas, na verdade, não são, têm uma profundidade gigantesca. Não se engane, essas atividades irão requerer bastante sabedoria, dedicação e compreensão da parte de todos os envolvidos. Disponha de tempo e energia para isso, sabendo que será um ótimo investimento para uma relação familiar mais saudável e harmoniosa. Não dispense ajuda profissional, se entender necessária, de terapeutas, psicólogos, etc. Creio que, para cada valor, podemos e devemos dialogar e negociar conosco mesmo, com nosso cônjuge/companheiro, para, então, após a intencional desconstrução desses ideais, conseguir uma situação familiar que traga mais equilíbrio e sustentabilidade nas relações. Ser intencional nesse exercício que precisa se tornar constante, nessa nova etapa familiar, será sempre uma injeção de saúde para todos os componentes desse sistema familiar. Esse exercício parte de uma reflexão sobre como cada valor foi construído na minha vida pessoal e como esse valor afeta os outros membros do sistema familiar. Vejamos o exemplo de um casal em que o marido vem de um sistema familiar cujo lema referente ao item finanças é o seguinte: “Gaste seu dinheiro enquanto é tempo, pois não sabemos o dia de amanhã”. Já a voz familiar da esposa, nessa área, se resume ao seguinte pensamento: “Dinheiro é muito difícil de ganhar, portanto, precisamos poupar o máximo possível para não faltar”. Logo percebemos uma situação clara de conflito de interesses nessa área. Ainda que “não ditos”, já está instalada a diferença gritante de pensamentos, que irá trazer motivações muito distintas e que criará desordens na relação do casal nessa área. Sem dúvida alguma, nas muitas áreas de cada um de nós, temos inúmeras situações em que pensamos de uma forma e nosso cônjuge/companheiro pensa de outra. E tais situações, devidamente identificadas, precisam ser negociadas, tendo em vista a pacificaçãodas diferenças e o aumento da qualidade das relações familiares. Se é assim entre os cônjuges, que precisam conversar, fazer concessões, negociar, dialogar mais um pouco, aceitar as diferenças e ter muita paciência e acolhimento para repetir todo o processo acima e daí chegar à pacificação, ao meio termo, à boa medida, imagine, então, faça as contas, invista tempo e emoções em imaginar como se aplica isso agora em uma relação ainda mais complexa, que tem a inclusão de mais membros, quando chega um membro dependente, que carece de muita atenção e que, sem dúvida, inaugura esse sistema familiar (o nascimento do primeiro filho). Esperamos e torcemos para que este e outros membros que virão possam trazer muitas alegrias e realizações, mas o fato é que estes mesmos trarão muitas demandas cuja extensão não tínhamos ideia. Aqui estamos para somar, para ajudar a pensar e planejar para que esse processo de adaptação seja o mais bem- sucedido possível e menos traumático. Essas reflexões enriquecem a relação e preparam o casal para a chegada de um novo membro na família, o que também cria muitos ideais. Citaremos um exemplo muito usado em encontros de casais, que ilustra bem os exercícios propostos, pois carrega uma simbologia e didática peculiar: Cada indivíduo traz uma mala de viagem (representando a sua bagagem das vozes e do mapa), daí se coloca uma mala grande para cada cônjuge e uma mesa para se conversar/dialogar/negociar, com uma linha divisória no chão. Depois da linha, encontra-se uma única malinha pequena, na qual deverá caber toda a bagagem dos dois indivíduos. Fonte: Pexels - www.pexels.com/pt-br É assim na vida de todos nós, haverá negociações, adaptações, concessões até chegar ao reequilíbrio familiar, com todos os membros readaptados e confortáveis. Esse tempo de reequilíbrio varia de família para família e de pessoa para pessoa. Quanto mais “musculatura emocional” conseguirmos, mais será a nossa consciência dos “tipos de bagagem” que carregamos e estamos nos dispondo a carregar, quanto mais conversarmos, mais saudável poderá ser nossa estrutura relacional familiar. Perguntas para o desenvolvimento pessoal de uma melhor relação familiar: 1. Quais são as suas vozes familiares nas áreas: - Relacionamento familiar - Financeira - Sexual - Profissional 2. Compare as suas vozes familiares com as vozes familiares do seu cônjuge/casal e identifique quais são os pontos que são conflitantes. Após essa identificação, que comecem as negociações, tendo em vista a composição. Escolha, no máximo, duas áreas para serem negociadas para esse momento. Coloque na sua agenda um lembrete para realizar essa tarefa com outros itens conflitantes daqui a 30 dias e sempre que puder. É muito interessante realizar essa mesma tarefa daqui a um ano, por exemplo, e perceber o crescimento e a ampliação do entendimento, por isso aconselhamos anotar os resultados. Quem são esses pais? Os pais e as mães que chegam a ser postulantes à adoção são os mesmos que participam de toda a diversidade familiar do Brasil. Temos postulantes de todos os credos e cores, de todas as classes sociais e de todas as configurações familiares que existem na sociedade brasileira, tendo em vista que é dessa forma que a lei brasileira estabelece, dando possibilidade a todos aqueles que querem adotar. Entretanto, a lei foi estruturada visando ao melhor interesse das crianças e adolescentes. Dentre os postulantes, apenas para citar alguns exemplos, muitos são casais que já tiveram filhos e querem ter filhos pelas vias da adoção, passando pelos monoparentais (homem ou mulher solteiro/a que quer adotar), passa pelos homoafetivos e também pelos divorciados, essas “categorias” são apenas para ilustrar que temos representantes de toda a sociedade. Nessa hora e sempre, a justiça busca o melhor interesse da criança, o que realmente interessa, para a equipe técnica, é se esse ou essa pessoa, se o casal/parceiros têm condições para desenvolver os papéis parentais de pai e mãe na vida das crianças e dos adolescentes que estão disponíveis para adoção. Muitos são os que querem paternar ou maternar pelas vias da adoção. Dentre esses grupos, temos muitos pais e mães que já tentaram pelas vias biológicas e não tiveram sucesso. Paternar ou maternar, muitas vezes, é parte do maior projeto de vida de um ser humano. Para outros, apenas uma parte importante, mas, sem dúvida, é um projeto excelente, fantástico, de longo prazo, que muda a existência de qualquer pessoa, afetando drasticamente suas prioridades, agenda, finanças, enfim, é muito difícil descrever em palavras todas as implicações socioculturais, emocionais, afetivas e de todos os aspectos da vida de um ser humano. Difícil descrever a real profundidade e total extensão do paternar ou maternar com responsabilidade. Fonte: Pexels - www.pexels.com/pt-br Por isso a importância de conversar, refletir, pesquisar. Nos cursos que damos aos postulantes, sempre pedimos a eles: “Dê a si mesmo uma nota de 0 a 10 de qual a importância da família para você”. A grande maioria responde que é bem próximo a 10. Mas, na verdade, todos nós sabemos que o investimento realizado pelas famílias para a família não é 10, pois temos ainda índices muito altos de violência doméstica, o que demonstra a real falta de saúde familiar. Dentre tantos outros indicadores que também demonstram isso, sabemos do esforço de muitos para ter uma melhor harmonia e saúde familiar. Entretanto, dois indicadores muito importantes e simples podem e devem ser usados para medir o investimento que nós pais e mães fazemos para a família. São eles: tempo e dinheiro. Esses são fatores básicos, que nos ajudam a mensurar e nos indicam qual tem sido o nosso “investimento” para com a família. Dois indicadores muito simples, mas que falam muito a respeito de nós mesmos e da nossa própria família. Eles nos dão facilmente acesso a um autorretrato familiar. A observação detalhada de uma simples fatura de cartão de crédito, por exemplo, pode nos ajudar a entender em que temos investido nossos recursos e nosso tempo. Transformar a nossa família o mais próximo do nosso ideal passa por nós. Mais do que passa, está em nós. A bola está comigo e contigo. Quer seja pai ou mãe, somos os responsáveis pela nossa família, pois somos os adultos da relação e a responsabilidade direta está conosco. Essa deve ser uma reflexão constante, ao menos uma vez por mês. Nos crachás inerentes a nós, pais e mães, na lida com orçamento doméstico, seremos expostos a esse gráfico de prioridade familiar. No fechamento da fatura do cartão de crédito ou no formato de orçamento doméstico que você usa, seja no papel, caderno, planilha ou aplicativo, invista alguns momentos individuais, e/ou em família, frente a frente com esse orçamento, e faça algumas perguntas do tipo: - Como posso melhorar a aplicação desse orçamento para o maior benefício da minha família? - Com esse orçamento, como posso usar nossa criatividade para termos mais tempo de qualidade em família? - Nosso orçamento está mais focado em “coisas” ou em pessoas? Quem são essas crianças e adolescentes? Essas crianças e esses adolescentes que chegam ao acolhimento institucional/casas, lares ou famílias acolhedoras são crianças e adolescentes que estão sob medida protetiva, ou seja, que estão em uma situação extrema, foi necessária uma intervenção estatal, foram retirados de suas famílias de origem, por algum motivo de abuso, violência ou negligência. Estão em algum serviço público de acolhimento. Estão acolhidas, mas, muitas vezes, apesar dos esforços dos dirigentes e coordenadores, acabam tendo diversas restrições dos seus direitos a uma convivência familiar e comunitária, pois ainda não dispõem de uma família segura e definitiva. A realidade é que essas crianças e essesadolescentes estão abandonados de fato, mas não de direito, pois a sua situação jurídica, como afirma o Dr. Sávio Bittencourt, Procurador de Justiça no Estado do Rio de Janeiro, é de crianças “Nem-Nem”, nem podem ser filhas ou filhos efetivamente da sua própria família de origem nem têm o seu poder familiar resolvido, pois estão nesse limbo, sob a responsabilidade do Estado, mas sem ter o seu poder familiar concedido para alguma família, nem voltam para a reintegração familiar, nem estão disponíveis para adoção — 69% delas não recebem visita dos pais consanguíneos. São sujeitos que já sofreram abandonos múltiplos, pois foram abandonados pela sua família de origem, muitas vezes, estão abandonados pela rede de garantia de direitos da criança, pois a demora excessiva no seu encaminhamento ao sistema de acolhimento é notória, tendo em vista os indicadores do próprio CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 2020, segundo o qual a média de idade da chegada das crianças no acolhimento é maior que os oito anos. A maioria esmagadora delas deseja e anseia por uma família. Principais fatores que impedem a permanência das crianças nas famílias consanguíneas - Alcoolismo, uso de drogas, violência física e sexual, miséria e doença; - a ausência de um dos pais ou de ambos em virtude do cumprimento de pena em instituições penitenciárias, na maioria dos casos, por tráfico e homicídio; - desamparo, negligência, conflitos e abusos. Instituições de acolhimento x Realidade das crianças Existem formas diferentes de acolhimento: - As instituições de acolhimento/casas lares: O acolhimento institucional (comumente chamado de “abrigo”) que pode ter até 20 crianças na mesma unidade de acolhimento. FORMAS DE ACOLHIMENTO Instituições de acolhimento/casas lares Famílias acolhedoras - As famílias acolhedoras: As famílias acolhedoras são também unidades de acolhimento, no sentido de que são famílias que estão sob a supervisão estatal, que, via de regra, é alguma organização social em parceria com o município (prefeituras). Essas famílias são treinadas, capacitadas e supervisionadas por uma equipe técnica, geralmente, formada, no mínimo, por um ou mais coordenadores, psicólogos e assistentes sociais. As unidades de acolhimento citadas acima têm como missão garantir a segurança e proteção infantil durante o período em que um estudo psicossocial está em curso em relação às famílias de origem da criança e do adolescente. Enquanto isso, essas unidades de acolhimento prestam esse serviço de receber e cuidar das crianças nesse período, em que o Estado, nesse caso, o Judiciário, junto com toda a sua equipe técnica de psicólogos, assistentes sociais, além dos juízes e promotores, acompanham e direcionam a situação das crianças e dos adolescentes nas instituições de acolhimento, bem como a sua família de origem. No caso específico de adoção, na grande maioria dos processos, caberá à Vara da Infância e Juventude acompanhar, quando esta existir na comarca. O Provimento 36 do CNJ diz que toda cidade acima de 100 mil habitantes deve ter uma vara específica da Infância e da Juventude. Sabemos que, infelizmente, essa não tem sido uma realidade ainda. Mas o fato é que todo o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente deve trabalhar arduamente para sua implementação o quanto antes. É um dever também atribuído à sociedade civil assegurar as medidas protetivas para a infância e a juventude. Assim diz o art. 227 da Constituição Federal: Título VIII Da Ordem Social Capítulo VII Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. É direito de toda criança viver numa família que cuida, nutre e protege; é direito de toda criança o acesso à convivência familiar e comunitária. Qualquer violação de quaisquer dos itens citados acima é uma violação grave e precisa receber uma tratativa especial. Quais são os direitos de toda criança? Todos temos muitos direitos na sociedade, desde pequenos até adultos. Inclusive, quando maiores, esses direitos parecem até que diminuem, pois talvez deixemos de nos preocupar com eles, achamos que são detalhes ou não vamos mais atrás. Mas e a criança que não tem conhecimento da maioria de seus direitos? Você sabe quais são os direitos de uma criança? Algumas leis tratam apenas disso, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) cuida especificamente dessa área, os direitos dos pequenos na sociedade, e vamos mostrar a vocês quais são eles. •Ter uma educação de boa qualidade; •Ter acesso à cultura e aos meios de comunicação e informação; •Poder brincar com outras crianças da mesma idade; •Não ser obrigada a trabalhar como adulto; •Ter uma boa alimentação que dê ao organismo todos os nutrientes de que precisa para crescer com saúde e energia; •Receber assistência médica gratuita nos hospitais públicos sempre que precisar de atendimento; •Ser livre para ir e vir, conviver em sociedade e expressar ideias e sentimentos; •Ter a proteção de uma família, seja ela natural ou adotiva, ou de um lar oferecido pelo Estado se, por infelicidade, perder os pais e parentes mais próximos; •Não sofrer agressões físicas ou psicológicas por parte daqueles que são encarregados de sua proteção e educação ou de qualquer outro adulto; •Ser beneficiada por direitos, sem nenhuma discriminação por raça, cor, sexo, língua, religião, país de origem, classe social ou riqueza, e toda criança do mundo deve ter seus direitos respeitados; •Ter desde o dia em que nasce um nome e uma nacionalidade, ou seja, ser cidadão de um país. P R IN C IP A IS D IR E IT O S D A S C R IA N Ç A S : Resumidamente, na teoria, todas as crianças têm direito a uma vida digna, saudável e feliz. Fonte: Pexels - www.pexels.com/pt-br Como princípio básico, em uma sociedade, precisamos aprender, desde a infância, a lidar com diferenças e respeitá-las e, com isso, seguir e proporcionar à futura nação todos os seus direitos. Podemos seguir tudo isso não discriminando as pessoas com algum tipo de deficiência, ou pobres, com educação diferente, religião, etnia, sexo, cor, nacionalidade, opção sexual, partido e outros. Mas, infelizmente, não é o que acontece no mundo. “É dever de todos respeitar os que são diferentes, porque eles também são cidadãos e possuem os mesmos direitos e deveres que nós na sociedade brasileira”, dessa forma, todos recebem os seus direitos e se igualam. Sabemos que as crianças que estão em alguma instituição de acolhimento já tiveram um ou mais de seus direitos violados. Essas crianças estão em uma situação de fragilidade emocional grave, a grande maioria delas ainda tem muitos traumas e, portanto, apresenta comportamentos, muitas vezes, desconhecidos e inesperados pela grande maioria dos postulantes à adoção. Por isso, a grande necessidade do preparo para lidar com as demandas que virão. Esse é um dos importantes objetivos de todo o treinamento para os postulantes à adoção. Esperamos não apenas evitar as devoluções de crianças e adolescentes, mas oferecer sim preparo, incentivo, instrução e, dessa forma, capacitar as famílias para que tenham os maiores indicadores de saúde familiar possível. É comprovado que famílias bem preparadas para a adoção não devolvem os seus filhos. É sabido, ainda, que a qualidade das relações familiares influencia diretamente o desenvolvimento integral das crianças,e, portanto, isso é prioridade absoluta, conforme determina a Constituição Federal. O que as crianças estão procurando, bem como o Judiciário e obviamente toda a rede de garantia de direitos da criança/adolescente, são boas famílias. Sabemos que os postulantes estão procurando crianças e adolescentes para formar suas famílias. O foco são as crianças e os adolescentes. Elas são a prioridade máxima. Elas são o alvo principal de todo o processo e trabalho realizados por toda a rede de garantia de direitos da criança/adolescente. Fratria Fonte: Unsplash - unsplash.com A definição dos termos fratria, fraterno e fraternidade mostra a íntima relação entre si no que tange à edificação da identidade do sujeito. Fratria (phratría), segundo o Dicionário Aurélio (2010), significa conjunto de irmãos, confraria ou outro agrupamento. É exatamente o que acontece nas instituições de acolhimento, as relações entre as crianças se tornam fraternais, e esses vínculos criados são muito importantes na vida das crianças e dos adolescentes, pois são essas vinculações afetivas que precisam ser alimentadas e preservadas para a continuidade do seu bom desenvolvimento. Possibilitar a continuidade desses vínculos é garantir às nossas crianças e adolescentes o direito que eles têm a essas relações. Claro que compete ao novo cuidador ou nova família estabelecer os limites saudáveis para essas relações, tal como intensidade e frequência. Em um grupo de irmãos, por exemplo, o intuito é o não rompimento de vínculos, a ideia de manter os vínculos afetivos é sempre a prioridade. Existem já muitas sentenças sendo proferidas, com determinação de manter o vínculo afetivo, para irmãos que são adotados por duas famílias, em bairros ou cidades próximas, mas que essas famílias assinem um acordo, na sentença judicial, de continuarem se relacionando e assim manterem os vínculos afetivos, oferecendo à criança esse direito, que lhe trará muitos benefícios. Apego Fonte: Unsplash - unsplash.com Teoria do apego ou teoria da vinculação é a teoria que descreve certos aspectos a curto e longo termo de relacionamentos entre humanos e entre outros primatas. Seu princípio mais importante declara que um recém-nascido precisa desenvolver um relacionamento com, pelo menos, um cuidador primário para que seu desenvolvimento social e emocional ocorra normalmente. A teoria do apego é um estudo interdisciplinar que abrange os campos das teorias psicológica, evolutiva e etológica. Imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, as crianças órfãs e sem lar apresentaram muitas dificuldades, e o psiquiatra e https://pt.wikipedia.org/wiki/Bebé https://pt.wikipedia.org/wiki/Psicologia https://pt.wikipedia.org/wiki/Evolu%C3%A7%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/Etologia https://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_Mundial https://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Guerra_Mundial https://pt.wikipedia.org/wiki/Psiquiatria psicanalista John Bowlby foi convidado pela Organização das Nações Unidas (ONU) a escrever um panfleto sobre o assunto. Posteriormente, ele formulou a teoria do apego.1 O psicólogo John Bowlby ensina que somos seres emocionais, somos constituídos pelas relações de afetividade às quais somos submetidos. Somos seres afetivos. A nossa essência como ser humano passa pelo apego. A teoria do apego afirma que somos desenvolvidos e aperfeiçoados como seres humanos na medida em que conseguimos nos apegar a outro ser humano. A correspondência afetiva desenvolve positivamente ou negativamente as nossas constituições fisiológicas, emocionais e, portanto, sociais. O ser humano amado, querido, desejado, festejado, usufrui de interações humanas essenciais para o desenvolvimento do cérebro e de toda a sua neuroquímica. O ser humano que não as desenvolve, nas suas relações, sofre de inúmeras perdas fisiológicas e emocionais e, portanto, sociais. São seres humanos carregados de traumas que comprometem o seu desenvolvimento neuroquímico. Bowlby define alguns tipos de apego, entendemos que é um tema de grande importância e que teremos a oportunidade de conhecer melhor em outros módulos. O luto do ideal Fonte: Unsplash - unsplash.com Após a nossa consciência ter sido ampliada, cabe a nós realizarmos e processarmos o luto dos nossos ideais, aqueles que constatamos serem impossíveis de serem alcançados, que agora podem e devem partir. Devemos deixar esses ideais morrerem, para darem lugar a uma realidade possível, um ideal que foi negociado, ajustado com a morte de impossibilidades, que dão lugar a novas possibilidades. 1 Ver Teoria do apego. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_do_apego. https://pt.wikipedia.org/wiki/Psicanalista https://pt.wikipedia.org/wiki/John_Bowlby https://pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_do_apego Podemos e devemos desistir desses ideais, que nos levam apenas a decepções, desilusões, frustações, desgostos e contrariedades. Esses ideais não realizados, quando processados, podem e devem se tornar crescimento, amadurecimento e, enfim, expansão de possibilidades. Deixar e fazer morrer intencionalmente nossos ideais, quando identificamos que estão projetados nos filhos. Por exemplo: - A mãe que sempre sonhou em ser bailarina e que por diversas razões não conseguiu. - O médico que espera que seu filho ou filha seja, como ele, um médico. - A menina que não gosta de brincar de boneca e ama jogar futebol. - Crianças que têm muita resistência aos estudos e pais que têm expectativas que seus filhos sejam bons alunos. - Os pais que querem ter um irmão ou irmã, para serem companheiros(as), e eles têm muitas dificuldades de adaptação e mesmo depois não se dão bem. - Dentre inúmeros outros... Precisamos, intencionalmente, entender que projetar esse “ideal” não é saudável, nem para a criança nem para a mãe ou pai. Liberar emocionalmente as crianças dos nossos ideais trará para elas um espaço maior para o seu próprio desenvolvimento e dará a oportunidade de todo o sistema familiar ter um funcionamento mais harmonioso. Figuras substitutivas Existem pessoas que em determinadas situações são chamadas de figuras substitutivas, que cumprem um papel muito significativo para a criança e/ou adolescente. Exercem o mesmo papel que originalmente se espera de um pai ou mãe. Fonte: Unsplash - unsplash.com Pesquisas científicas atestam que essas “figuras substitutivas significativas” podem ser, por exemplo, um professor ou professora que desenvolve afinidade e gera um apego tal que confere a esse profissional a “autoridade” no desenvolvimento de uma função parental. A esse fenômeno dá-se o nome de figura substitutiva. São muito positivas para as crianças e adolescentes, pois possibilitam a eles a oportunidade de um apego saudável, e com isso se tornam colunas muito importantes no desenvolvimento neurológico, emocional, enfim, o apego a essas figuras substitutivas trará enormes benefícios para todo o desenvolvimento integral da criança. Famílias reais Fonte: Unsplash - unsplash.com Agora temos consciência de que os nossos ideais não encontram correspondência nas relações familiares reais que viveremos, nem no casal/companheiro, nem nas crianças que vêm muitas vezes de realidades difíceis, de muitos traumas devido a abusos, negligências e violências desde suas famílias de origem, passando por instituições de acolhimento e família acolhedora. Agora cabe a nós termos diligência e intencionalidade para trabalharmos e aperfeiçoarmos nossos sistemas familiares. Os adultos da relação, que somos nós, os postulantes, precisamos exercer nossa maturidade e, a partir daí, assumir as nossas responsabilidades e intencionalmente investir com perseverança e constância nas nossas famílias,para termos mais qualidade e saúde nos nossos sistemas familiares. Essas negociações com os nossos ideais devem ser trabalhadas como um exercício continuado, que, quando realizado, repetido e entendido, proporciona mais saúde intra e inter-relacional. Referências: BOWLBY, John. Apego e perda. São Paulo: Martins Fontes, 2004. Trilogia com 3 volumes. BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1990 e retificado em 27 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: jun. 2020. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 36. Dispõe sobre a estrutura e procedimentos das Varas da Infância e Juventude. Brasília, DF, 24 abr. 2014. Disponível em: http://cgj.tjrj.jus.br/documents/1017893/1038413/prov-36-cnj-estrutura-varas-inf- juv.pdf. Acesso em: jun. 2020. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, Centro Gráfico. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: jun. 2020. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes. Brasília, DF, jun. 2009. Disponível em: http://www.mds.gov.br/cnas/noticias/orientacoes_tecnicas_final.pdf. Acesso em: jun. 2020. HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo, 2014. Disponível em: https://www.dicio.com.br/aurelio-2/. Acesso em: jun. 2020. LEVINZON, Gina Khafif. Adoção. Belo Horizonte: Artesa, 2019. SILVA, Sávio Renato Bitencourt Soares. Guia do pai adotivo: orientações para uma adoção feliz. Curitiba: Juruá, 2012. TEORIA do apego. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_do_apego. Acesso em: jun. 2020. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm http://cgj.tjrj.jus.br/documents/1017893/1038413/prov-36-cnj-estrutura-varas-inf-juv.pdf http://cgj.tjrj.jus.br/documents/1017893/1038413/prov-36-cnj-estrutura-varas-inf-juv.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://www.mds.gov.br/cnas/noticias/orientacoes_tecnicas_final.pdf https://www.dicio.com.br/aurelio-2/ https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_do_apego HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo, 2014. Disponível em: https://www.dicio.com.br/aurelio-2/. Acesso em: jun. 2020. LEVINZON, Gina Khafif. Adoção. Belo Horizonte: Artesa, 2019. TEORIA do apego. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_do_apego. Acesso em: jun. 2020.
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