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Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 1 1. Depressão O termo depressão, na linguagem corrente, tem sido empregado para designar tanto um estado afetivo normal (a tristeza), quanto um sintoma, uma síndrome e uma (ou várias) doença(s). Os sentimentos de tristeza e alegria colorem o fundo afetivo da vida psíquica normal. A tristeza constitui-se na resposta humana universal às situações de perda, derrota, desapontamento e outras adversidades. Cumpre lembrar que essa resposta tem valor adaptativo, do ponto de vista evolucionário, uma vez que, através do retraimento, poupa energia e recursos para o futuro. Por outro lado, constitui-se em sinal de alerta, para os demais, de que a pessoa está precisando de companhia e ajuda. As reações de luto, que se estabelecem em resposta à perda de pessoas queridas, caracterizam-se pelo sentimento de profunda tristeza, exacerbação da atividade simpática e inquietude. As reações de luto normal podem estender-se até por um ou dois anos, devendo ser diferenciadas dos quadros depressivos propriamente ditos. No luto normal a pessoa usualmente preserva certos interesses e reage positivamente ao ambiente, quando devidamente estimulada. Não se observa, no luto, a inibição psicomotora característica dos estados melancólicos. O sentimento de culpa, no luto, limita-se a não ter feito todo o possível para auxiliar a pessoa que morreu; outras ideias de culpa estão geralmente ausentes. Enquanto sintoma, a depressão pode surgir nos mais variados quadros clínicos, entre os quais: transtorno de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia, alcoolismo, doenças clínicas, etc. Pode ainda ocorrer como resposta a situações estressantes, ou a circunstâncias sociais e econômicas adversas. Enquanto síndrome, a depressão inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer, apatia), mas também uma gama de outros aspectos, incluindo alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas (sono, apetite). Finalmente, enquanto doença, a depressão tem sido classificada de várias formas, na dependência do período histórico, da preferência dos autores e do ponto de vista adotado. Entre os quadros mencionados na literatura atual encontram-se: transtorno depressivo maior, melancolia, distimia, depressão integrante do transtorno bipolar tipos I e II, depressão como parte da ciclotimia, etc. A depressão é uma síndrome psiquiátrica altamente prevalente na população em geral; estima-se que acometa 3% a 5% desta. Já em populações clínicas, a incidência é ainda maior, uma vez que a depressão é encontrada em 5% a 10% dos pacientes ambulatoriais e 9% a 16% de internados (Katon, 2003). Apesar desta alta prevalência em populações clínicas, a depressão ainda é subdiagnosticada e, quando corretamente diagnosticada, é muitas vezes tratada de forma inadequada, com subdoses de medicamentos e manutenção de sintomas residuais, que comprometem a evolução clínica dos pacientes. Apenas 35% dos doentes são diagnosticados e tratados adequadamente (Hirschfeld et al., 1997). A presença de depressão piora diversos fatores relacionados à saúde em pacientes clínicos. Estudos recentes descreveram maior mortalidade associada a sintomas depressivos em pacientes idosos com doenças clínicas crônicas (Cooper et al., 2002; Unützer et al., 2002). Pacientes com doenças clínicas e depressão têm maior risco de não aderirem às recomendações médicas (Dimatteo et al., 2000). Depressão e ansiedade parecem aumentar a percepção de sintomas físicos inexplicáveis (Katon et al., 2001). A presença do diagnóstico de depressão maior ou transtorno bipolar triplica os custos médicos (Kupfer e Frank, 2003). A presença de comorbidades clínicas com transtornos depressivo-ansiosos aumenta mais dias de incapacitação do que a soma dos efeitos Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 2 individuais das doenças clínicas (Kessler et al., 2001). O custo médico em serviços primários é maior na comorbidade entre depressão e doenças clínicas, apesar deste aumento não ser devido exclusivamente à presença do quadro depressivo (Chisholm et al., 2003). Por outro lado, o tratamento bem sucedido da depressão nos pacientes deprimidos de alto custo diminui dias de incapacitação (Von Korff et al., 1992). A avaliação adequada dos sintomas depressivos em pacientes com condições médicas associadas é dificultada pela superposição dos sintomas da patologia clínica (fadiga, inapetência, dor, insônia, lentificação), bem como de condições associadas à internação e à percepção das conseqüências adversas das doenças (desalento e baixa auto-estima). Critérios intuitivos como a intensidade de sintomas desproporcional ao esperado pelo quadro clínico e a relação temporal entre o início dos sintomas depressivos e da patologia clínica podem induzir a erros, como a possibilidade de postergar o diagnóstico de depressão. Em pacientes internados, pode-se lançar mão de medidas indiretas para avaliar sintomas depressivos, como a capacidade de obter prazer em conversas com colegas de quarto e visitas familiares, capacidade de vislumbrar melhora e a possibilidade de voltar a realizar atividades antes prazerosas e fazer planos para o futuro. Alguns sintomas parecem estar associados ao maior risco de mortalidade, como indecisão, insônia, baixa auto-estima, desesperança, anedonia, pensamentos de morte e de suicídio e planejamento suicida (Furlanetto, 2001). A dificuldade em se avaliar sintomas depressivos e definir o diagnóstico de depressão em pacientes clínicos gerou a necessidade de se definir critérios que clarificassem a questão, apesar de não haver consenso na literatura. Esses critérios podem ser agrupados em tipos de abordagens, descritos na tabela 2. A melhor abordagem para a prática clínica diária é a inclusiva, em que os sintomas depressivos devem ser contabilizados, independente de poderem ser explicados pela patologia clínica. Como exemplo, pode-se citar a fadiga e insônia na insuficiência cardíaca, que podem ser explicados pela doença clínica, mas devem ser contabilizados como sintomas depressivos. Esta abordagem gera mais diagnósticos falso- positivos, porém diminui o risco de não se diagnosticar um quadro depressivo oligossintomático. A abordagem excludente retira os sintomas explicáveis pela patologia clínica, mas os critérios são muito variáveis de autor para autor, e por ser muito restritivo, acaba gerando muitos diagnósticos falso-negativos. Esta abordagem é mais adequada para pesquisas clínicas. A abordagem etiológica é a utilizada pelo DSM-IV (APA, 1994), onde o diagnóstico de depressão é definido a partir da inferência de que a patologia clínica causou o quadro depressivo, o que gera diagnóstico de baixa confiabilidade. A proposta de substituir um sintoma físico (alteração do sono) por um comportamental ou cognitivo Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 3 (isolamento social) gera multiplicidade de diagnósticos, de acordo com propostas de autores diversos. Nas próximas seções, serão discutidas as relações entre a depressão e as principais patologias clínicas usualmente associadas. As descrições feitas por Kraepelin, dos estados depressivos e maníacos, na oitava edição de seu tratado, são insuperáveis pela clareza e precisão. Felizmente encontra-se disponível uma reedição recente desse trabalho, em tradução inglesa, o que torna sua leitura mais facilmente acessível. De muito interesse é o artigo clássico de Falret, sobre a “folie circulaire”, marco na história da doença maníaco-depressiva, datado de 1854 e recentemente republicado pelo American Journal of Psychiatry, com comentários de Marc Sedler. Igualmente interessantes são as descrições de Bleuler, em seu Tratado de Psiquiatria (atualizado porManfred Bleuler), que conta com traduções em espanhol e mesmo em português. Embora a característica mais típica dos estados depressivos seja a proeminência dos sentimentos de tristeza ou vazio, nem todos os pacientes relatam a sensação subjetiva de tristeza. Muitos referem, sobretudo, a perda da capacidade de experimentar prazer nas atividades em geral e a redução do interesse pelo ambiente. Frequentemente associa-se à sensação de fadiga ou perda de energia, caracterizada pela queixa de cansaço exagerado. Alguns autores enfatizam a importância das alterações psicomotoras, em particular referindo-se à lentificação ou retardo psicomotor. Este tópico será abordado mais detidamente no item referente à conceituação da “melancolia”. No diagnóstico da depressão levam-se em conta: sintomas psíquicos; fisiológicos; e evidências comportamentais. Sintomas psíquicos: ❖ Humor depressivo → sensação de tristeza, autodesvalorização e sentimento de culpa. Os pacientes costumam aludir ao sentimento de que tudo lhes parece fútil, ou sem real importância. Acreditam que perderam, de forma irreversível, a capacidade de sentir alegria ou prazer na vida. Tudo lhes parece vazio e sem graça, o mundo é visto “sem cores”, sem matizes de alegria. Em crianças e adolescentes, sobretudo, o humor pode ser irritável, ou “rabugento”, ao invés de triste. Certos pacientes mostram-se antes “apáticos” do que tristes, referindo-se muitas vezes ao “sentimento da falta de sentimentos”. Constatam, por exemplo, já não se emocionarem com a chegada dos netos, ou com o sofrimento de um ente querido, e assim por diante. O deprimido, com frequência, julga-se um peso para os familiares e amigos, muitas vezes invocando a morte para aliviar os que o assistem na doença. São frequentes e temíveis as ideias de suicídio. As motivações para o suicídio incluem distorções cognitivas (perceber quaisquer dificuldades como obstáculos definitivos e intransponíveis, tendência a superestimar as perdas sofridas) e ainda o intenso desejo de pôr fim a um estado emocional extremamente penoso e tido como interminável. Outros ainda buscam a morte como forma de expiar suas supostas culpas. Os pensamentos de suicídio variam desde o remoto desejo de estar simplesmente morto, até planos minuciosos de se matar (estabelecendo o modo, o momento e o lugar para o ato). Os pensamentos relativos à morte devem ser sistematicamente investigados, uma vez que essa conduta poderá prevenir atos suicidas, dando ensejo ao doente de se expressar a respeito. ❖ Redução da capacidade de experimentar prazer na maior parte das atividades, antes consideradas como agradáveis. As pessoas deprimidas podem relatar que já não se Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 4 interessam pelos seus passatempos prediletos. As atividades sociais são frequentemente negligenciadas, e tudo lhes parece agora ter o peso de terríveis “obrigações”. ❖ Fadiga ou sensação de perda de energia. A pessoa pode relatar fadiga persistente, mesmo sem esforço físico, e as tarefas mais leves parecem exigir esforço substancial. Lentifica-se o tempo para a execução das tarefas. ❖ Diminuição da capacidade de pensar, de se concentrar ou de tomar decisões. Decisões antes quase automáticas parecem agora custar esforços intransponíveis. Um paciente pode se demorar infindavelmente para terminar um simples relatório, pela incapacidade em escolher as palavras adequadas. O curso do pensamento pode estar notavelmente lentificado. Professores experientes queixam-se de não conseguir preparar as aulas mais rotineiras; programadores de computadores pedem para ser substituídos pela atual “incompetência”; crianças e adolescentes têm queda em seus rendimentos escolares, geralmente em função da fatigabilidade e déficit de atenção, além do desinteresse generalizado. Sintomas fisiológicos: ❖ Alterações do sono (mais frequentemente insônia, podendo ocorrer também hipersonolência). A insônia é, mais tipicamente, intermediária (acordar no meio da noite, com dificuldades para voltar a conciliar o sono), ou terminal (acordar mais precocemente pela manhã). Pode também ocorrer insônia inicial. Com menor frequência, mas não raramente, os indivíduos podem se queixar de sonolência excessiva, mesmo durante as horas do dia. ❖ Alterações do apetite (mais comumente perda do apetite, podendo ocorrer também aumento do apetite). Muitas vezes a pessoa precisa esforçar-se para comer, ou ser ajudada por terceiros a se alimentar. As crianças podem, pela inapetência, não ter o esperado ganho de peso no tempo correspondente. Algumas formas específicas de depressão são acompanhadas de aumento do apetite, que se mostra caracteristicamente aguçado por carboidratos e doces. ❖ Redução do interesse sexual Evidências comportamentais: ❖ Retraimento social ❖ Crises de choro ❖ Comportamentos suicidas ❖ Retardo psicomotor e lentificação generalizada, ou agitação psicomotora. Freqüentemente os pacientes se referem à sensação de peso nos membros, ou ao “manto de chumbo” que parecem estar carregando. Em recente revisão da literatura sobre os estados depressivos, o item “retardo psicomotor” foi o denominador comum, em nove sistemas classificatórios, como traço definidor da melancolia. Na Austrália, Gordon Parker e colaboradores propuseram, para o diagnóstico da melancolia, um sistema baseado não em “sintomas” (subjetivos), mas em “sinais” (características objetivas, observáveis): o sistema “core”, que tem sido cada vez mais utilizado pelos pesquisadores nessa área. Na França, Daniel Widlöcher e colaboradores, na Salpêtrière, desenvolveram uma escala especificamente destinada a medir o retardo psicomotor (“échelle de ralentissement dépressif” da Salpêtrière). Deve-se ainda lembrar, no diagnóstico das depressões, que algumas vezes o quadro mais típico pode ser mascarado por queixas proeminentes de dor crônica (cefaleia, dores vagas no tórax, abdome, ombros, região lombar, etc.). A ansiedade está frequentemente associada. Em idosos, principalmente, as queixas de caráter hipocondríaco costumam ser muito comuns Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 5 Alterações nos ritmos circadianos → Muitas funções circadianas encontram-se alteradas nas depressões, a exemplo da regulação da temperatura e do ritmo de produção do cortisol. Entre as alterações mais conspícuas estão aquelas relacionadas ao ritmo do sono. Segundo Akiskal,6 cerca de dois terços dos pacientes deprimidos têm diminuição da latência para o início do sono REM (“Rapid Eyes Movements”). As formas ditas “melancólicas” da depressão caracterizam-se, entre outros aspectos, pela piora matinal e pelo despertar precoce pela manhã Características melancólicas → O termo “melancolia” tem sido empregado, nas atuais classificações (como o DSM IV), para designar o subtipo anteriormente chamado de “endógeno”, “vital”, “biológico”, “somático” ou “endogenomorfo” de depressão. Considerado por muitos como o “protótipo” ou síndrome nuclear das depressões, a melancolia – ao contrário de outras formas de depressão – parece constituir-se em um grupo mais homogêneo, que responde melhor a tratamentos biológicos, e para o qual os fatores genéticos seriam os principais determinantes. Parker e cols. chamam a atenção para a importância das alterações psicomotoras na melancolia, para eles a principal característica desse quadro nosológico. O conceito de melancolia no DSM-IV foi revisto, em relação ao do DSM-III-R, tornando-se mais preciso e definindo com mais rigor no subgrupo aqui estudado. Testes biológicos, como, por exemplo, o teste da supressão do cortisol pela dexametasona, são mais frequentemente positivos nos quadros melancólicos do que em outros tipos de depressão. Características psicóticas → Cumpre lembrar que o termo “psicótico”, origem de tantascontrovérsias em psiquiatria, tem três significados distintos: 1. significado meramente descritivo, quando designa, por exemplo, quadros psiquiátricos onde ocorrem alucinações e delírios; 2. significado etiológico, quando designa quadros endógenos (determinados por tendências constitucionais do indivíduo), em contraposição àqueles determinados por fatores psicogênicos; e 3. significado que alude à gravidade (ou intensidade) do quadro. As atuais classificações, fugindo de preconceitos etiológicos, utilizam o termo psicótico apenas em sentido descritivo. Assim, a expressão designa, nesse contexto, aquelas formas de depressão onde ocorrem delírios e alucinações. Admite-se que essas formas cheguem a 15% dos quadros depressivos. Os delírios depressivos considerados congruentes com o humor incluem delírios de culpa, de punição merecida, delírios de ruína e delírios nihilistas (que podem configurar a síndrome de Cotard, quando incluem negação de órgãos e negação da morte). Na depressão delirante as pessoas podem interpretar eventos triviais do cotidiano como evidências de defeitos pessoais, ao tempo em que se culpam de forma indevida e francamente inapropriada. Um paciente, por exemplo, culpava-se pela morte de um desconhecido, cujo féretro passou por sua rua; outra, uma senhora de meia idade, julgava ser a responsável pela paralisação das obras de uma ponte em sua cidade. Mais comumente, no entanto, o paciente recua no tempo, com a finalidade de se acusar por supostos delitos ou atos culposos do passado, remoendo escrúpulos indevidos. Os temas de ruína, quando delirantes, apresentam-se, de acordo com Bleuler, como: ruína do corpo (delírios hipocondríacos: a pessoa acredita, por exemplo, estar com o fígado “apodrecido”, ou com determinados órgãos “tomados pelo câncer”); ruína espiritual (delírios de culpa, com acusações por faltas ou pecados cometidos); e ruína financeira (delírios que envolvem temas de pobreza e miséria). A “escolha” do tema faz-se, certamente, em consonância com as características da personalidade do paciente. Por outro lado, podem ocorrer temas delirantes, aparentemente sem relação com o humor depressivo. Os delírios incongruentes com o humor incluem temas de perseguição, e delírios de estar sendo Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 6 controlado (estes, comumente associados a fenômenos “schneiderianos” de inserção e irradiação de pensamentos). Quando presentes, esses fenômenos incongruentes com o humor associam-se a um pior prognóstico, avizinhando-se, não raramente, dos estados ditos “esquizoafetivos”. As alucinações que acompanham os estados depressivos, quando presentes, são em geral transitórias e não elaboradas. Costumam ser, mais comumente, coerentes com o humor depressivo: vozes que condenam o paciente, imprecações do demônio, choro de defuntos, etc. Mais raramente, ocorrem alucinações não congruentes com o humor (sem relação aparente com os temas depressivos). As formas mais severas de depressão psicótica foram descritas por Kraepelin com o nome de “melancolia fantástica”. Nessa forma aparecem intensos delírios e alucinações, alternando-se estados de violenta excitação com estados estuporosos, a par de leve obnubilação da consciência (essas formas são hoje dificilmente encontradas). Diz-se que uma depressão tem características catatônicas quando o quadro clínico se caracteriza por intensas alterações da psicomotricidade, entre as quais: imobilidade quase completa, atividade motora excessiva, negativismo extremo, mutismo, estereotipias, ecolalia ou ecopraxia, obediência ou imitação automática. A imobilidade motora pode se apresentar como estupor (o chamado “estupor melancólico”) ou ainda por catalepsia (flexibilidade cérea). Impõe-se aqui o diagnóstico diferencial cuidadoso, com a catatonia induzida por condição médica geral (por exemplo, encefalopatia hepática), por drogas ou medicamentos, e com a esquizofrenia catatônica. Cumpre notar que, nos tempos atuais, é muito raro encontrar-se um verdadeiro “estupor melancólico”. As facilidades de diagnóstico e de tratamento quase sempre impedem a progressão a essas formas mais graves, que ainda em passado recente (particularmente antes da introdução do eletrochoque) ameaçavam a vida dos pacientes. Em pessoas jovens, o aparecimento de acentuada lentificação psicomotora e de formas sutis de estupor é quase sempre indicativo de doença bipolar, que frequentemente acabará se manifestando mais tarde através de fases maníacas. As depressões crônicas são geralmente de intensidade mais leve que os episódios de depressão maior. Mais que o humor francamente deprimido, os pacientes com depressão crônica (distimia) sofrem por não sentir prazer nas atividades habituais, e por terem suas vidas coartadas por uma espécie de morosidade irritável. Originalmente criado na Inglaterra, e posteriormente desenvolvido pelo grupo da Universidade de Columbia, em Nova York, o conceito de depressão “atípíca” refere-se (de modo muito típico) àquelas formas de depressão caracterizadas por: reatividade do humor, sensação de fadiga acentuada e “peso” nos membros, e sintomas vegetativos “reversos” (opostos aos da depressão melancólica), como aumento de peso e do apetite, em particular por carboidratos e hipersonia. Além disso, descreve-se como característica constante das pessoas sujeitas a esse tipo de depressão um padrão persistente de extrema sensibilidade à percepção do que consideram como rejeição por parte de outras pessoas. Episódios com características “atípicas” são mais comuns nos transtornos bipolares (I e II), no transtorno depressivo com padrão sazonal. Especialmente no hemisfério norte, onde as estações do ano são bem definidas, verifica- se com clareza que algumas formas de depressão se ou são acentuam precipitadas de acordo com um padrão sazonal; mais comumente as depressões desse tipo ocorrem no outono e no inverno. Muitos desses pacientes têm fases hipomaníacas na primavera, sendo classificados como do tipo bipolar II (depressões maiores e hipomania). Freqüentemente esses pacientes apresentam algumas características sobrepostas às da Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 7 “depressão atípica”: fadiga excessiva, aumento do apetite (em particular por carboidratos) e hipersonolência. O DSM-IV inclui o “padrão sazonal” como um especificador do tipo de depressão estudada. Classificações atuais do estado depressivo CID10: ❖ A Classificação Internacional das Doenças, da Organização Mundial da Saúde, em sua décima revisão, a CID-10, assim apresenta os transtornos do humor, em suas linhas gerais: ➢ F30 → Episódio maníaco (usado para episódio único de mania). ➢ F31 →Transtorno afetivo bipolar. O transtorno afetivo bipolar pode ser classificado, de acordo com o tipo do episódio atual, em hipomaníaco, maníaco ou depressivo. Os episódios maníacos são subdivididos de acordo com a presença ou ausência de sintomas psicóticos. Os episódios depressivos são classificados de acordo com as regras descritas em F32. O transtorno afetivo bipolar inclui ainda os episódios mistos (F31.6). ➢ 1 2 F32 → Episódio depressivo (usado para episódio depressivo único). O episódio depressivo pode ser, quanto à intensidade, classificado como: leve, moderado ou grave. Os episódios leves e moderados podem ser classificados de acordo com a presença ou ausência de sintomas somáticos. Os episódios depressivos graves são subdivididos de acordo com a presença ou ausência de sintomas psicóticos. ➢ F33 → Transtorno depressivo recorrente (tem as mesmas subdivisões descritas para o episódio depressivo). ➢ F34 → Transtornos persistentes do humor: F34.0 - Ciclotimia e F34.1 - Distimia. A CID-10 inclui ainda códigos para “outros” transtornos do humor e para “transtornos não identificados” ❖ A Associação PsiquiátricaAmericana, no DSM-IV,9 assim classifica os transtornos do humor → Transtornos depressivos: ➢ 296.xx → Transtorno depressivo maior, que é subdividido em episódio único, ou recorrente. ➢ 300.4 →Transtorno distímico, que pode ser especificado de acordo com o tipo de início (precoce ou tardio), e de acordo com a presença ou ausência de características atípicas. ➢ 311 → Transtorno depressivo sem outra especificação (SOE). Transtornos bipolares: ➢ 296.xx → Transtorno bipolar I. O transtorno bipolar I inclui a ocorrência de episódio maníaco único. O DSM IV pede que se especifique o tipo do episódio mais recente: hipomaníaco, maníaco, depressivo, misto, ou inespecificado. ➢ 296.89 → Transtorno bipolar II (hipomania associada a pelo menos um episódio depressivo maior). Especificar se o episódio atual (ou mais recente) é hipomaníaco ou depressivo. • 301.13 - Transtorno ciclotímico ➢ 296.80 → Transtorno bipolar sem outra especificação (SOE) ➢ 293.83 → Transtorno do humor devido a condição médica geral ➢ ___.__ → Transtorno do humor induzido por substâncias (referir os códigos específicos para cada substância). ➢ 296.90 → Transtorno do humor sem outra especificação (SOE). O DSM IV fornece ainda, em seu apêndice B, conjuntos de critérios para estudos adicionais. No que concerne os transtornos do humor, devem ser lembrados: transtorno depressivo menor, transtorno depressivo breve recorrente, transtorno misto de ansiedade-depressão e transtorno da personalidade depressiva. Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 8 Depressão e o espectro dos transtornos bipolares → Assiste-se hoje, indubitavelmente, à redescoberta da obra de Kraepelin. Os critérios diagnósticos adotados pela Associação Psiquiátrica Americana (DSM IV) e pela Organização Mundial da Saúde (CID 10) refletem, em suas linhas gerais, a nosologia kraepeliniana. Também no âmbito das afecções do humor (transtornos afetivos) verifica-se, em aspectos fundamentais, o retorno às concepções de Kraepelin. Em 1921, tratando da definição da “insanidade maníaco- depressiva”, Kraepelin escreveu: “A insanidade maníaco-depressiva , como descrita nesse capítulo, inclui, por um lado, o domínio completo da chamada insanidade periódica e circular, e por outro lado inclui a mania simples, a maior parte dos estados mórbidos designados como melancolia, e também um número não desprezível de casos de amência. Finalmente, incluímos aqui certos coloridos leves e sutis do humor, alguns dos quais periódicos, outros continuamente mórbidos, os quais, se por um lado podem ser encarados como o rudimento de doenças mais severas, por outro lado passam, sem limites nítidos, para o campo da predisposição pessoal. No curso dos anos eu me tornei mais e mais convencido de que todos os estados acima mencionados representam apenas manifestações de um único processo mórbido.” Retomando a abordagem clássica de Kraepelin, Akiskal tem, em diversas publicações, enfatizado a importância do espectro da doença bipolar. Esse espectro incluiria desde as formas típicas da doença bipolar (bipolar I, com pelo menos uma fase maníaca), passando pelas depressões associadas à hipomania (bipolar II) até as depressões recorrentes, sem hipomania espontânea, mas freqüentemente associadas ao temperamento hipertímico e/ou à história de transtorno bipolar na família. Estes últimos casos são chamados de “bipolar III” ou de “pseudo unipolares”, na terminologia de Akiskal. Admite-se hoje, em geral, a existência de numerosas formas de transição entre estados depressivos e maníacos, incluindo suas formas mitigadas, que esbarram na fronteira dos chamados “temperamentos hipertímicos” e “depressivos”. Por outro lado, muitos pacientes exaltados, com quadros psicóticos cíclicos, frequentemente caracterizados por curso bifásico (alguns incluindo características psicóticas incongruentes com o humor) pertencem, na verdade, ao espectro bipolar, o que se depreende pela história familiar (bipolar) e resposta ao tratamento com estabilizadores do humor. De fato, muitos dos pacientes chamados “esquizoafetivos” concentram-se em famílias de pessoas com quadros afetivos bipolares típicos. O DSM IV tornou “oficial” o conceito de “transtorno bipolar II”, incluindo na classificação americana os quadros de hipomania associados a episódios depressivos maiores (um ou mais episódios depressivos maiores, acompanhados pelo menos por um episódio hipomaníaco). Nas versões anteriores do DSM (DSM III e DSM III R), tais quadros – mais frequentes que os de tipo bipolar I – eram classificados apenas como “transtorno bipolar sem outra especificação- SOE”. O temperamento dos pacientes bipolares II e III, quando avaliado fora das crises, é frequentemente ciclotímico, isto é, caracterizado por leves depressões que se alternam com hipomanias. Nos bipolares III a mudança para a hipomania não é observada espontaneamente. Muitas vezes ocorrem fases hipomaníacas, ou maníacas, em decorrência do uso de antidepressivos ou eletroconvulsoterapia. Cumpre notar que muitos desses pacientes têm história familiar de transtorno bipolar ou temperamento pré-mórbido hipertímico. Considerando-se que muitas vezes é difícil obter história fidedigna quanto a antecedentes familiares de bipolaridade, o diagnóstico basear- se-á, muitas vezes, na presença de temperamento hipertímico ou ciclotímico, associado a depressões recorrentes, para que se inclua o paciente dentro do “soft bipolar spectrum”. Observe-se que, entre os ciclotímicos, são relativamente poucos (6%) os que desenvolvem Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 9 mania. A maioria desenvolverá quadros de depressão maior, aproximando-se dos bipolares de tipo II. Entre as depressões leves e crônicas, a importância do “espectro” é corroborada pelo fato de que um em três pacientes com diagnóstico de “distimia”, observados prospectivamente, desenvolvem hipomania, caracteristicamente depois da farmacoterapia com antidepressivos. Os episódios depressivos daqueles pertencentes ao “espectro bipolar” tendem a se caracterizar por hipersonolência e hiperfagia, embora a insônia possa ocorrer, sobretudo em episódios mistos. As flutuações do humor observadas nos bipolares II e III frequentemente dão origem a crises na profissão, na vida familiar e no relacionamento social. Não por acaso, esses pacientes, sujeitos a períodos de exaltação do humor e liberação dos impulsos sexuais e agressivos, são erroneamente classificados como tendo transtornos da personalidade (borderline, narcísico e histriônico). Frequentemente, o abuso e a dependência do álcool e de outras drogas ocorre como “complicação” das doenças do espectro bipolar, pela frequência com que essas substâncias são usadas como autotratamento. Principais doenças e agentes farmacológicos associados ao desencadeamento de estados depressivos 2. Depressão: saúde mental Epidemiologia: ❖ Prevalência de 8-9% no Brasil; na população hospitalizada esse valor passa a ser de 33% ❖ Relação de 2 mulheres para cada homem ❖ Faixa etária mais acometida → adolescentes e adultos jovens Episódio depressivo: ❖ 14 dias de duração ❖ Evento pontual ❖ Sintomatologia → apatia; tristeza; falta de motivação; anedonia (perda do prazer nas coisas em que gostava); irritabilidade Transtorno depressivo: ❖ Ao menos dois episódios depressivos ❖ Depressão em si ❖ Sintomatologia → atrapalha a rotina; prejuízos para o paciente (de modo geral); doença orgânica (neurotransmissores) Representados através de um gráfico bimodal Alteração Apetite Sono Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 10 Causas: ❖ Genética ❖ Gatilho ❖ Disfunção orgânica: ➢ Hipotireoidismo ➢ Menopausa ➢ Doenças crônicas ➢ Medicamentos → isotretinoína(roucutan); corticoide; sibutramina❖ Trauma ❖ TCE ❖ Ambiente ❖ Substâncias psicoativas Mecanismo: ❖ Neurotransmissores → serotonina; dopamina; noradrenalina ❖ Ocorre a flutuação, sub produção ou baixa/disfunção dos receptores dos neurotransmissores Diagnóstico → É predominantemente clínico Diagnóstico diferencial: ❖ Duração ❖ Episódio x transtorno depressivo ❖ Transtorno de ansiedade ❖ Esquizofrenia ❖ Bipolaridade ❖ Ciclotimia → oscilação ultrarrápida de humor ❖ Demências Tratamento: ❖ Farmacoterapia → é necessário de 3-6 semanas de uso para se ter efeito ❖ Desmame → só inicia depois de 6 meses quando o paciente estiver bem ❖ Pode associar com um ansiolítico ❖ Psicoterapia ❖ Tomar Sol ❖ Alimentação balanceada ❖ Atividade física ❖ Eletroconvulsoterapia (ECT): ➢ Indicado para pacientes refratários → depressivos ou gestantes ➢ Procedimento seguro e caro → na faixa de 800-1200 reais ➢ Realizado em ambiente hospitalar/ clínica ➢ Pode provocar uma leve cefaleia e amnesia Internamento: ❖ Pedido do paciente ❖ Risco iminente de morte Exames para início da farmacoterapia: ❖ Função e perfil hepático ❖ Ureia e creatinina ❖ Dosagem de T3 e T4 Atenção: Transtorno endógeno → envolve o psiquismo Transtorno exógeno → doença preexistente que cause como efeito (ex. hipotireoidismo) Transtorno psicogênico → gatilho Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 11 3. Neurotransmissores da depressão O sistema nervoso juntamente com o sistema endócrino, é responsável pela maioria das funções do controle do organismo. As principais células que compõem todo este sistema, conta-se aos bilhões e recebem o nome de neurônios. Do corpo de cada neurônio saem prolongamentos que são chamados dendritos, que são vários, e o axônio. Esses prolongamentos funcionam como se fossem fios que levam os impulsos nervosos captados pela visão, olfato, audição, tato e pelo paladar. Dessa forma o neurônio ao receber um determinado impulso pode transmitir um estímulo exitatório ou inibitório a outro neurônio localizado à distância. Essa comunicação de neurônio a neurônio, não ocorre na base de 1/1, pelo contrário, muitas vezes um único neurônio pode enviar impulsos nervosos a muitos outros, por meio de ramificações finais e de seu axônio. Portanto, o cérebro humano vive constantemente uma fantástica ciranda de impulsos nervosos em todas as direções, um mecanismo da impressionante complexidade que tem como resultado o pensamento, a ação, locomoção, manifestação de alegria ou de preocupação. Os impulsos nervosos para passarem de um neurônio para outro, através do axônio, devem vencer um espaço existente entre eles, o qual é denominado de Fenda Sináptica. Esta função de passar e receber o estímulo, recebe o nome de Sinapse. Para que os impulsos nervosos possam vencer esse espaço, o primeiro neurônio, através dos impulsos que chegam a sua terminação, liberam substâncias químicas que estimulam ou inibem o neurônio seguinte. Essas sustâncias químicas, sintetizadas e liberadas pelos neurônios, recebem o nome de neurotransmissores. Os quais têm um papel fundamental no nosso sistema nervoso. Os neurotransmissores são armazenados em vesículas neuronais. Uma vez que ocorre a liberação, estas vesículas decaem na fenda sináptica, reagindo diretamente com os receptores situados nas membranas do neurônio seguinte. Parte do neurotransmissor pode ser reaproveitada pelo próprio neurônio que a liberou, ou pode ser rearmazenada novamente em vesículas neuronais recém sintetizadas. Para que haja o rearmazenamento, deve haver a recepção do neurotransmissor liberado pelo próprio neurônio. É possível ainda que outra parte do eurotransmissor seja metabolizada ou destruída por enzimas, e seus produtos eliminados no organismo. Os neurônios precisam ter sempre à disposição esses neurôtransmissores para serem sintetizados a qualquer momento. Assim sempre que um neurotransmissor é liberado, ocorre a síntese e o armazenamento de novas moléculas de neurotransmissor bem como novas vesículas neuronais para substituir as que foram utilizadas. Quando é sintetizado e não utilizado, o neurotransmissor necessita ficar armazenado a espera de um momento preciso para ser liberado. Mais de 40 substâncias químicas diferentes já foram provadas ou postuladas funcionarem como transmissores sinápticos. Muitas delas são divididas em dois grupos distintos de transmissores sinápticos. Um dos grupos, formado por substâncias com moléculas pequenas, são transmissores de ação rápida. O outro grupo, constituído por grande número de neuropeptídios de peso molecular muito mais elevado, age bem mais lentamente. Os transmissores de baixo peso molecular e ação rápida são os que causam a maior parte das respostas agudas do sistema nervoso, tais como a transmissão dos sinais sensoriais em direção ao Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 12 cérebro, bem como dos sinais motores em direção aos músculos. Os neuropeptídios, por outro lado, causam comumente ações mais prolongadas, tais como as modificações a longo prazo do número de receptores, o fechamento duradouro de certos canais iônicos e, possivelmente, as alterações a longo prazo do número de sinapses. Acetilcolina → é secretada pelos neurônios de muitas áreas cerebrais, mas especificamente pelas grandes células piramidais do córtex motor, por diversos neurônios dos gânglios basais, pelos motoneurônios que inervam os músculos esqueléticos, pelos neurônios pré-ganglionares do sistema nervoso autonômico, pelos neurônios pós- ganglionares do sistema nervoso parassimpático e por alguns neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso simpático. Na maior parte das vezes, a acetilcolina tem efeito excitatório; no entanto, sabe-se que ela tem efeitos inibitórios em algumas terminações nervosas parassimpáticas periféricas, tais como a inibição do coração pelos nervos vagos. Norepinefrina → é secretada por muitos neurônios cujos corpos celulares estão localizados no tronco cerebral e hipotálamo. Especificamente, os neurônios secretores de norepinefrina, localizados no locus ceruleus da ponte, enviam fibras nervosas para áreas espalhadas no cérebro e ajudam a controlar o estado geral e o estado de ânimo mental. Em muitas dessas áreas, ela ativa receptores excitatórios mas, em umas poucas, ativa receptores inibitórios. A norepinefrina é também secretada pela maior parte dos neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso simpático, onde ela excita alguns órgãos mas inibe outros. Dopamina → é secretada por neurônios originários da substância nigra. Esses neurônios terminam principalmente na região estriatal dos gânglios basais. O seu efeito é comumente de inibição. Glicina → é secretada principalmente nas sinapses da medula espinhal. Provavelmente, atua sempre como transmissor inibitório. Ácido gama-aminobutírico (GABA) → é secretado por terminações nervosas na medula espinhal, no cerebelo, nos gânglios basais e em muitas outras áreas do córtex. Acredita-se que cause sempre inibição. Glutamato → é provavelmente secretado por terminais pré-sinápticos em muitas das vias sensoriais, bem como em muitas áreas do córtex, é provável que cause sempre excitação. Serolonina → é secretada pelos núcleos que se originam na parte mediana do tronco cerebral e se projetam para muitas outras áreas do sistema nervoso, especialmente para a ponta dorsal da medula espinhal e para o hipotálamo. A serotonina age como inibidora da via algésica na medula e acredita-se, também, que ela ajude a controlar o humor da pessoa, talvez até provocando sono. Os neuropeptídios formam um grupo inteiramente diferente de neurotransmissores, sintetizados de modo diferente e cujas ações são lentas e, por outro lado, bastante diferentes das correspondentes aos transmissores de baixopeso molecular. Os neuropeptídios não são sintetizados no citosol dos terminais pré-sinápticos. Em vez disso, eles são sintetizados pelos ribossomas, localizados no corpo celular dos neurônios, como partes integrais de grandes moléculas proteicas, e são transportados imediatamente para Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 13 o retículo endoplásmico do corpo celular. O retículo endoplásmico e, subsequentemente, o aparelho de Golgi funcionam juntos para fazer duas coisas: primeiro, eles quebram enzimaticamente a proteína original em fragmentos menores e, dessa maneira, liberam tanto o próprio neuropeptídio como seu precursor. Segundo o aparelho de Golgi empacota o neuropeptídio em minúsculas vesículas transmissoras, que são liberadas no interior do citoplasma. As vesículas transmissoras são, então, transportadas por toda a extensão da célula até a extremidade das fibras nervosas por meio da corrente de fluxo iônico do citoplasma do axônio, com velocidade de fluxo de apenas alguns centímetros por dia. Finalmente, essas vesículas liberam seu transmissor em resposta a potenciais de ação, da mesma forma como ocorre com os transmissores de baixo peso molecular. Entretanto, há autólise da vesícula, e ela não é reutilizada. Devido ao seu laborioso método de formação, os neuropeptídios são liberados em quantidades habitualmente muito menores que as dos transmissores de baixo peso molecular. No entanto, isso é parcialmente compensado pelo fato de que, geralmente, os neuropeptídios são mil ou mais vezes mais potentes que os transmissores de baixo peso molecular. Outra característica importante os neuropeptídios é que, habitualmente, causam ações prolongadas. Algumas dessas ações incluem fechamento prolongado dos canais de cálcio, alterações prolongadas da máquina metabólica celular, alterações prolongadas na ativação ou desativação de genes específicos no núcleo celular e alterações prolongadas do número de receptores excitatórios ou inibitórios. Alguns desses efeitos podem durar dias ou, às vezes, meses ou anos. Infelizmente, nossos conhecimentos sobre as funções dos neuropeptídios estão ainda em seus primórdios. Neurotransmissores da depressão: ❖ Os seres humanos se entristecem ou se alegram com facilidade, em decorrência de acontecimentos da vida. Essa experiência, de flutuações diárias em nosso afeto, é universal e normal. Em algumas pessoas, no entanto, estas flutuações se tornam excessivas em termos de intensidade e/ou duração, passando a interferir de forma significativa em seu cotidiano. Nesses casos, encontramo-nos diante de um transtorno afetivo. Por outro lado, quando uma pessoa sofre uma perda significativa, como a morte de um filho ou do esposo, a separação de um cônjuge, a perda do emprego, ou é acometida por uma doença grave, a tristeza pode ser muito intensa e prolongada, caracterizando um quadro de depressão mental. ❖ A depressão é um problema de saúde pública. Embora não se tenha um cálculo exato, estima-se que cerca de 30% da população mundial sofra de depressão. Quimicamente, a depressão é causada por um defeito nos neurotransmissores responsáveis pela produção de hormônios como a serotonina e endorfina, que dão a sensação de conforto, prazer e bem estar. Quando existe algum problema nesses neurotransmissores, a pessoa começa a apresentar sintomas como desânimo, tristeza, autoflagelamento, perda do interesse sexual, falta de energia para atividades simples. ❖ Na depressão acontece uma diminuição na quantidade de neurotramismissores liberados, mas a bomba de recaptação e a enzima continuam trabalhando normalmente. Então um neurônio receptor captura menos neurotransmissores e o sistema nervoso funciona com menos neurotransmissores do que normalmente seria preciso. Para o tratamento da depressão são rotineiramente usados antidepressivos, que têm por objetivo inibir a recaptação dos neurotransmissores e manter um nível elevado dos mesmos na fenda sináptica. Havendo isso todo o humor se reestrutura e logo o doente se sente melhor. Marina Ribeiro Portugal MARINA RIBEIRO PORTUGAL CASO 10: DEPRESSÃO 14 4. Hipotireoidismo Hipotireoidismo e hipertireoidismo são disfunções da glândula tireoide que causam diversas alterações no organismo humano. Este trabalho teve como objetivo realizar uma revisão da literatura sobre aspectos gerais dessas duas disfunções, tais como tipos, definições, sintomas, efeitos sobre o organismo, diagnósticos e tratamento. Foi realizada uma busca de artigos científicos em diferentes bases de dados com termos associados a hipotireoidismo e hipertireoidismo. Existe vasta literatura sobre o assunto, indicando que estas disfunções podem ocorrer de diferentes formas, com impactos no sistema cardiovascular, pulmonar, cérebro e também durante a gestação. O diagnóstico é feito através da dosagem dos hormônios TSH, T3 e T4. Quanto à questão nutricional, poucos trabalhos foram encontrados sobre o papel da alimentação tanto no surgimento, como no controle destas disfunções. A depressão é uma das manifestações psiquiátricas mais frequentes do hipo e hipertireoidismo. A prevalência de depressão no hipotireoidismo é em torno de 33 a 43% e, na doença de Graves, chega a 23%, sendo 14% na fase prodrômica. Os sintomas depressivos podem preceder os sinais físicos do hipotireoidismo ou hipertireoidismo e podem ser mais frequentes do que a depressão maior. Os pacientes com hipotireoidismo possuem risco aumentado de sofrer internação devido à depressão ou transtorno bipolar (TB) ao longo do primeiro ano após a realização do diagnóstico endocrinológico. Níveis de T4-livre e TSH foram associados ao bem-estar psicológico em pacientes com hipotireoidismo tratados, independente da presença de sintomas ansiosos ou depressivos típicos. Parece que a gravidade do hipertireoidismo não tem relação com a prevalência de depressão. A “tirotoxicose apática” é um quadro mais freqüente em idosos e deve ser lembrada. Seu curso é lento e insidioso, podendo evoluir de modo grave, com perda de peso, fraqueza e alterações cardíacas. Alguns dados sugerem que a evolução para o eutireoidismo leva à remissão da sintomatologia depressiva. Os sintomas depressivos e ansiosos melhoram com o tratamento e o eutireoidismo, tanto no hipotireoidismo clínico quanto no tipo subclínico. Eventos de vida, traços de personalidade e sintomas depressivos são fatores associados a um pior prognóstico do tratamento da doença de Graves. Há poucos estudos sobre o tratamento da depressão nessa condição médica (Tabela IX). Esses pacientes possuem grande sensibilidade aos efeitos sedativos e anticolinérgicos. A abordagem psicoterápica direcionada às estratégias de enfrentamento tem sido sugerida no tratamento desses pacientes. Referências bibliográficas Livro de Clínica Médica da USP volume 6 Del Porto, J. A. (1999). Conceito e diagnóstico. Brazilian Journal of Psychiatry, 21, 06-11. Teng, C. T., Humes, E. D. C., & Demetrio, F. N. (2005). Depressão e comorbidades clínicas. Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo), 32(3), 149-159. Gorenstein, C., & Andrade, L. H. S. G. (1998). Inventário de depressão de Beck: propriedades psicométricas da versão em português. Rev Psiq Clin, 25(5), 245-50. Lafer, B., Almeida, O. P., Fráguas Jr, R., & Miguel, E. C. (2000). Depressão no ciclo da vida. Revista Brasileira Psiquiatria, 22(3), 149- 52. de Andrade, R. V., da Silva, A. F., Moreira, F. N., Paulo, H., Santos, S., Dantas, H. F., ... & Nascimento, M. A. (2003). 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