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HISTÓRIA DA ARTE: QUANDO O OLHAR ULTRAPASSA AS APARÊNCIAS E TORNA-SE CURIOSO PROF. ME. JOÃO PAULO BALISCEI Reitor: Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira Pró-reitor: Prof. Me. Ney Stival Diretor de Ensino a Distância: Prof. Me. Fábio Oliveira Vaz PRODUÇÃO DE MATERIAIS Diagramação: Alan Michel Bariani/ Thiago Bruno Peraro Revisão Textual: Gabriela de Castro Pereira/ Letícia Toniete Izeppe Bisconcim/ Mariana Tait Romancini Produção Audiovisual: Eudes Wilter Pitta / Heber Acuña Berger/ Leonardo Mateus Gusmão Lopes/ Márcio Alexandre Júnior Lara Gestão da Produção: Kamila Ayumi Costa Yoshimura Fotos: Shutterstock © Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114 Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo (a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá. Primeiramente, deixo uma frase de Só- crates para reflexão: “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida.” Cada um de nós tem uma grande res- ponsabilidade sobre as escolhas que fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica e profissional, refletindo diretamente em nossa vida pessoal e em nossas relações com a socie- dade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente e busca por tecnologia, informação e conheci- mento advindos de profissionais que possuam novas habilidades para liderança e sobrevivên- cia no mercado de trabalho. De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos proporcionando momentos inesquecíveis. Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Distância, a proporcionar um ensino de quali- dade, capaz de formar cidadãos integrantes de uma sociedade justa, preparados para o mer- cado de trabalho, como planejadores e líderes atuantes. Que esta nova caminhada lhes traga muita experiência, conhecimento e sucesso. Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira REITOR UNIDADE 3WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................. 4 O COMEÇO DA ARTE: DA PRÉ-HISTÓRIA ATÉ A IDADE MÉDIA ........................................................................... 6 PRÉ-HISTÓRIA: ARTE E MAGIA ............................................................................................................................... 6 EGITO: ARTE COMO MEIO PARA A ETERNIDADE ................................................................................................. 13 GRÉCIA ANTIGA: A BUSCA PELA BELEZA ............................................................................................................. 19 IDADE MÉDIA: A CONSTRUÇÃO VISUAL DO CRISTIANISMO ............................................................................. 26 O COMEÇO DA ARTE PROF. ME. JOÃO PAULO BALISCEI 01 4WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO “Mas... então é só isso?”: uma introdução à História da Arte Em agosto de 2017, tive a oportunidade de viajar pela Europa pela primeira vez e, com isso, conhecer pessoalmente muitas das construções, pinturas e esculturas valorizadas pela História da Arte e que até então só conhecia por meio de reproduções em livros, filmes e slides. Quando fui elaborar o roteiro dessa viagem, o Vaticano foi um dos primeiros países que selecionei para a visita. A escolha não foi feita por ele ser o menor país do mundo e nem mesmo por abrigar a Basílica de São Pedro na qual os pórticos abraçam os/as visitantes em um gesto metafórico. Queria mesmo era visitar a Capela Sistina: uma estrutura arquitetônica encomendada pelo Papa Sisto IV, em 1475, e cujas paredes e teto foram integralmente pintados por artistas que expressam o Renascimento Italiano. Para evitar as aglomerações típicas dos pontos turísticos, decidi visitar a Capela Sistina no domingo - dia que o pronunciamento do Papa reúne milhares de fiéis em frente à Basílica e, diante disso, talvez, os/as turistas “esqueceriam” da Capela Sistina. Acordei cedo, peguei o metrô de Roma até o Vaticano; caminhei até à entrada e, mesmo chegando duas horas antes da abertura, enfrentei uma imensa fila que aproveite para traçar um plano para a visitação. Os museus do Vaticano são enormes e reúnem uma série de salas, pinacotecas, galerias, corredores e jardins. Com mapas e guias em mãos, percebi que a Capela Sistina era último desses complexos e para chegar até ela teria que passar por muitos outros espaços que guardam obras igualmente interessantes: O Torso de Belvedere (século I a.C.); A escultura Laocoonte e seus filhos (século I d. C.); o afresco A Escola de Atenas (1510-1); e até uma Escada Helicoidal (1932) composta por duas espirais diferentes... tudo era interessante, mas eu não queria me dispersar. Quando as portas dos Museus do Vaticano por fim se abriram, eu adiantei-me para começar do final e aproveitar alguns minutos a sós e em silêncio com as pinturas da Capela Sistina. Foram minutos sublimes. Ali, pude examinar muitos detalhes dos 800m² do teto em que Michelangelo Buonarroti pintou trechos do Antigo Testamento. Ao fundo, a pintura do Juízo Final revela interpretações do Apocalipse onde os homens e mulheres são salvos ou condenados em meio à anjos e demônios numa composição ritmada. Depois de horas, quando o espaço já estava tomado por turistas e os seguranças gritavam “sem foto, por favor” em diversos idiomas, percebi meu pescoço dolorido e voltei minha atenção para as paredes laterais, estudando as dezenas de cenas pintadas por outros artistas italianos. Sentado, aproveitei para ouvir o áudio-guia, ler um catálogo e acessar alguns sites com análises artístico-históricas daquele espaço tão enigmático. No instante em que me preparava para sair, fui abordado por um visitante que me perguntou, em espanhol, “¿Donde queda la Capilla Sixtina?” (“Onde fica a Capela Sistina?”). Quando lhe respondi que aquele espaço era justamente a Capela Sistina, a frustração e a decepção marcaram seu rosto, pois, segundo ele, estava à procura de outra pintura, uma feita por Leonardo da Vinci. Antes que eu pudesse compartilhar com ele minhas impressões sobre o lugar, o visitante se expressou uma última vez, dizendo “Pero ¿entonces eso es todo?” (“Mas, então, é só isso para essa introdução à História da Arte: Por que o mesmo espaço que me causou entusiasmo fora percebido como entediante pelo outro visitante? Os conhecimentos que uma pessoa possui modificam as maneiras que de se relacionar com a Arte? 5WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA É preciso ultrapassar as aparências e desenvolver um olhar curioso. Diante desses questionamentos, considero que para que as relações estabelecidas com a Arte extrapolem a admiração entediada e proponham diálogos mais aprofundados e surpreendentes, é imprescindível que as pessoas conheçam (ainda que em fragmentos) a História da Arte e, a partir dela, comecem a examinar detalhes, texturas, cores, pinceladas, técnicas, temas e, sobretudo, reconhecer que o gosto e o debate artístico se modificam conforme o contexto em que a Arte é produzida. Nas páginas seguintes, numa tentativa de voltar ao passado, ofereço pistas para que aquele e tantos/ as outros/as visitantes possam se entusiasmar diante de uma produção artística, enxergando-a como expressão de um tempo e contexto específicos. 6WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA O COMEÇO DA ARTE: DA PRÉ-HISTÓRIA ATÉ A IDADE MÉDIA Nesta primeira unidade, você conhecerá algumas das primeiras produções artísticas da humanidade, que datam cerca de 30 mil anos, ainda na Pré-História, e percorrem por civilizações da Antiguidade, como a egípcia, a grega e a romana, e da Idade Média. É importante explicar que como recurso de síntese, a ênfase foi dada para as expressões das Artes Visuais, tais como a pintura,a escultura e a arquitetura, e que outras linguagens artísticas não contempladas neste material, como a Dança, a Música e as Artes Cênicas, por exemplo, também se desenvolveram nesses períodos e têm histórias que, em certos pontos, distanciam-se, aproximam-se e até sobrepõem-se às das Artes Visuais. Como você perceberá nas páginas desta unidade, as produções artísticas da Pré-História, Egito, Grécia, Roma e Idade Média não configuram uma linha sequencial e evolutiva. Na História das Artes, as técnicas, recursos e composições não avançam das mais rudimentares para as mais elaboradas, conforme o tempo. Ao contrário disso, as dezenas de milhares de anos contemplados nas páginas que se seguem apresentam produções artístico-visuais complexas (ora realistas, ora estilizadas; ora distorcidas, ora baseadas em métodos), que mais do que refletir os valores estéticos, expressam, visualmente, os contextos históricos, afetivos, religiosos e econômicos de cada sociedade. PRÉ-HISTÓRIA: ARTE E MAGIA O nascimento da Arte pode ser localizado no Paleolítico (período da Pré-História que começou a cerca de 2,5 milhões de anos), quando os homens e mulheres se diferenciaram dos outros animais pela criação das primeiras ferramentas em pedra lascada. Ainda nômades, os sujeitos pré-históricos do Paleolítico se deslocavam de um lugar para o outro em busca de alimento e de proteção, e a habilidade de produzir seus próprios instrumentos de caça e de sobrevivência acabaram também por impulsionar a criação e significação de imagens. É nesse ponto que a História da Arte tem seu início. A Vênus de Willendorf - uma escultura feita em pedra, encontrada em 1908, na Áustria - exemplifica as técnicas, habilidades e as funções místicas que os sujeitos pré-históricos atribuíam à criação de imagens. Essa escultura datada de aproximadamente 24 mil anos atrás é uma das primeiras representações humanas que se tem registro. Observe a Figura 1 e perceba, por três ângulos distintos as características dessa estatueta com cerca de 11 cm de altura. Um corpo feminino estilizado, cujos braços frágeis e pequenos repousam sobre seios fartos e as texturas no topo indicam uma cabeça coberta por tranças. A ausência de detalhes no rosto, assim como os volumes empregados nos seios, nádegas e ventre, permitem supor que esse objeto detinha forte relação simbólica com o poder conferido à fertilidade e a abundância do corpo feminino. 7WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 1 - Vênus de Willendorf, em três ângulos distintos. Fonte: Museu de História Natural de Viena. A estadunidense historiadora de Arte Carol Strickland (2004) explica que, ao contrário do que se poderia pensar, essas primeiras expressões artísticas não tinham como finalidade adornar ou decorar o interior das cavernas, já que a beleza atribuída à Arte não era um valor compartilhado entre os indivíduos pré-históricos. Mais do que um sentido estético e visualmente agradável, essa e outras imagens criadas pelas mãos pré-históricas possuíam um valor místico que, segundo a autora, empenhavam-se em tentar controlar e dominar as forças da natureza. Desta forma, quanto produziam Arte, os homens e mulheres pré-históricos conferiam às imagens poderes sobrenaturais e mágicos. Agora, volte-se para a imagem da Vênus de Willendorf novamente. A partir dessa informação, é possível supor que a ausência da definição dos pés dessa escultura, por exemplo, indica que esse objeto mágico não fora feito para ser admirado, estaticamente sobre uma superfície, mas que era tomado como uma espécie de amuleto, carregado e usado em rituais de fertilidade. Nesse ponto, destaco que para o pensamento artístico pré-histórico, as imagens atuam menos como algo bonito para se admirar e mais como algo poderoso para se recorrer. Isso pode ser percebido também se você analisar as Pinturas Rupestres, isto é, as imagens produzidas por homens e mulheres pré-históricos sobre paredes, tetos e outras superfícies rochosas onde se protegiam da chuva, do calor e de animais selvagens. A Caverna de Altamira, na Espanha, por exemplo, foi o primeiro lugar do mundo onde foram localizadas expressões de pintura rupestre. Essas imagens só foram encontradas em 1879 em um passeio realizado por pai e filha. Como o teto estava imediatamente sobre a cabeça do pai, ele não pôde reparar nas pinturas rupestres que foram percebidas pela filha de oito anos, cuja estatura era menor do que a dele. De início, os/ as especialistas avaliaram que tais pinturas eram falsas e que não correspondiam às habilidades artísticas e intelectuais dos sujeitos pré-históricos. Foi somente em anos posteriores, quando outras cavernas com desenhos semelhantes foram encontradas na França, que as pinturas rupestres da Caverna de Altamira foram consideradas autênticas expressões da Arte Pré-Histórica. Agora, atente-se à Figura 2. 8WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 2 - Animais da caverna de Altamira, na Espanha. Fonte: Google Images (2017). As paredes e tetos da Caverna de Altamira exibem figuras de cavalos, bisões, veados e outros animais pintados pelos sujeitos pré-históricos. As tintas utilizadas nestas pinturas foram feitas a partir de pigmentos naturais, como plantas, carvão e sangue dissolvidos em gordura animal. Como instrumento, utilizavam-se as próprias mãos e pincéis rudimentares feitos a partir de penas, pelos e ossos. Na imagem em questão, perceba a disposição pouco convencional das figuras. Ali, os animais pintados não foram separados em espaços simetricamente organizados e muito menos configuram uma composição que parece respeitar a integridade de cada imagem. A impressão que se tem é a de que não houve planejamento para distribuir essas figuras pela superfície irregular da caverna. Perceba também que os animais não dividem o mesmo solo e nem foram representados sobre o mesmo ponto de vista. Eles parecem flutuar sobre o espaço. Os contornos e as formas dos bisões se sobrepõem e se confundem indicando, novamente, que na Arte Pré-Histórica importavam-se menos com a aparência e com o resultado das imagens e mais com os poderes mágicos conferidos a elas. Mas, quais poderes e vantagens essas figuras poderiam acarretar àqueles/as que habitavam as cavernas? O historiador inglês Ernst Gombrich (1999, p. 42) oferece uma possível resposta a essa questão. Segundo ele, A explicação mais provável para essas pinturas rupestres ainda é a de que se trata das mais antigas relíquias da crença universal no poder produzido pelas imagens; dito em outras palavras, parece que esses caçadores primitivos imaginavam que, se fizessem uma imagem da sua presa - e até a espicaçassem com suas lanças e machados de pedra -, os animais verdadeiros também sucumbiriam ao seu poder. 9WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA É possível supor que quando os homens e mulheres pré-históricos desenhavam repetidas vezes as figuras de animais nas superfícies irregulares das cavernas, exerciam uma espécie de ritual de caça, onde representação e realidade se confundiam e, de novo, destaca- -se a função mágica dada à Arte Pré-Histórica e à pintura rupestre. Produzido em 2010, o filme Caverna dos Sonhos Esquecidos, mostra o interior da Caverna Chauvet, no sul da França, onde mais de 400 pinturas rupestres foram encontradas em 1994. As pinturas encontradas datam mais de 30 mil anos atrás e são umas das mais antigas que se tem conhecimento. Ali, o destaque é dado para imagens sobrepostas de leões, rinocerontes, ursos, mamutes e lobos que, mesmo sendo representados de lado e sem volume, sugerem movimento. Na Figura 3, por exemplo, as várias pernas atribuídas ao bisão conferem-lhe um efeito de movimento, como se estivesse se deslocando pelo espaço. Figura 3 - Arte Rupestre na Caverna Chauvet, na França. Fonte: Caverne du Pont Darc (2017). 10WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IAD A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA REFLITA [Relacionando diferentes contextos] Se você analisar a Figura 4, provavelmente identificará que a pintu- ra Dinamismo de um cão na coleira, feita pelo artista italiano Giaco- mo Balla em 1912, apresenta semelhanças com o bisão pintado na Caverna de Chauvet. O que essas representações de animais têm em comum? Quais estratégias foram utilizadas para proporcionar o efeito de movimento? Além do cão e do bisão, o que mais parece se movimentar? Figura 4 - Dinamismo de um cão na coleira (1912). Fonte: Curiator/Giacomo Balla. 11WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA No Brasil, desde a década de 1970, vários/as especialistas têm trabalhado no Parque Nacional Serra da Capivara, com sítios arqueológicos espalhados por quatro municípios em Piauí. As pinturas rupestres da Serra da Capivara datam de até 12 mil anos e estão, mais especificamente, na cidade de São Raimundo Nonato. Ali, segundo as análises da historiadora brasileira Graça Proença (2005), é possível encontrar pinturas rupestres de dois tipos. As primeiras, com motivos geométricos, são compostas por linhas paralelas, pontos e outros padrões gráficos; as segundas, com motivos naturalistas, representam humanos em atividades isoladas ou coletivas. As duas pinturas rupestres mais famosas de São Raimundo Nonato foram destacadas na Figura 5. Figura 5 - Pinturas rupestres da Serra da Capivara, no Brasil. Fonte: Google Images (2017). Na esquerda, dois personagens estilizados se aproximam e interagem na troca de um beijo. Repare no corpo e no pescoço da figura humana que parece se esticar para concretizar o beijo. Ainda na mesma imagem, você pode ver a pintura rupestre que dá nome ao Parque Nacional Serra da Capivara. Perceba que na extremidade da direita, há uma capivara que carrega em baixo de si uma capivara ainda menor. Quando combinados, a localização e o tamanho das capivaras, permitem interpretar que, talvez, trate-se da representação de uma fêmea prenha ou, pelo menos, caminhando com seu filhote. O que você acha dessa hipótese? 12WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA REFLITA [Relacionando diferentes contextos]: A intervenção urbana Ossário, de Alexandre Orion guarda estreitas aproximações com as pinturas rupestres que você conheceu nesse tópico. Entre os anos de 2006 e 2011, esse artista brasileiro dese- nhou dezenas de crânios nas paredes de túneis, na cidade de São Paulo. Ocorre que, para isso, diferente dos homens e mulheres pré- -históricos, Orion não acrescentou pigmentos, mas sim os retirou como pode ser visto na Figura 6. Durante madrugadas seguidas e usando apenas um tecido, o artista retirou a fuligem impregnada às paredes do túnel de maneira estratégica, desenhando caveiras que permitem o debate sobre poluição, trânsito, memória e outros problemas de megalópoles contemporâneas. Você imagina o que Orion fez com toda a foligem retirada dos túneis? E quanto as ca- veiras de Ossário, será que elas ainda existem? Se você pesquisar sobre isso, provavelmente, ficará surpreso/a. Figura 6 - Ossário (2006-11). Fonte: artista Alexandre Orion, no Brasil. 13WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA A partir de 1940, os estudos realizados em Pinturas Rupestres encontradas na caverna de Lascaux, na França, permitiram reco- nhecer os desenhos da caverna de Altamira, na Espanha, como expressões autênticas da Arte Pré-Histórica. Interessante que, as- sim como aconteceu em Altamira, o descobrimento da Caverna de Lascaux também foi marcado pela presença de crianças. As Pin- turas Rupestres de Lascaux só foram localizadas quando dois me- ninos franceses buscavam por seu cachorro perdido. O cachorro foi encontrado em um buraco que levava para a caverna onde pin- turas permaneciam intactas e desconhecidas por pelo menos 17 mil anos. De início, o espaço foi aberto para turistas, estudantes e curiosos/as, porém, desde 1963, a Caverna de Lascaux está fecha- da para visitação pois o acumulo de pessoas acabou por incentivar a proliferação de fungos que danificavam as pinturas (STICKLAND, 2004). Filme: A Caverna dos Sonhos Esquecidos (2010) <https://www.youtube.com/watch?v=IzcregYsle4>. EGITO: ARTE COMO MEIO PARA A ETERNIDADE A civilização do Egito se desenvolveu por volta de 3 mil a.C., às margens do Rio Nilo, na África. Ainda durante a Antiguidade, a cultura egípcia se destacou de outras civilizações pelos conhecimentos que detinham sobre matemática, pela arquitetura monumental, pelo desenvolvimento de uma escrita bem estruturada e pelos registros visuais que fizeram dessa uma das primeiras sociedades a produzir documentos sobre sua própria existência. Um dos aspectos mais significativos do Egito era sua religião politeísta, a partir da qual vários/as deuses/as eram adorados/as e recebiam oferendas em troca de bênçãos e proteção. Acreditava-se também na eternidade e que a vida após a morte, inclusive, era mais importante que a própria vida terrena. Mas, como alcançar a eternidade? Do que dependia a vida após a morte? Como você logo perceberá, as explicações para esses questionamentos guardam estreitas relações com as Artes Visuais. 14WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Além do elaborado método de mumificação, a partir do qual os corpos eram abertos, limpos e enfaixados com tiras de pano, a pintura, a escultura, a arquitetura e outras expressões das Artes Visuais foram utilizadas pela civilização egípcia para consagrar o espírito dos Faraós e conferir-lhes a vida eterna. O faraó, como explica Gombrich (1999), era o rei que governava o Egito. Era considerado divino, absoluto e inquestionável por toda a civilização. Seu poder, riqueza e força foram capazes de compelir milhares de escravos/as na construção de monumentos que, tais como as pirâmides, iriam lhe servir de túmulo e contribuiriam para a preservação de seu corpo e para a ascensão de sua alma. Observe agora a Figura 7, que mostra o conjunto de pirâmides de Gizé: Figura 7 - Pirâmides de Gizé, no Egito. Fonte: Google Images (2017). Perceba que, visualmente, o formato das pirâmides sugere o movimento de ascensão já que, sendo um triângulo isósceles, permanece com os dois ângulos análogos na base e com o único ângulo diferente apontado para o céu. Para a cultura egípcia, o formato e a monumentalidade das pirâmides contribuíam para que o corpo sagrado do faraó fosse preservado, e sua alma retornasse para o além, de onde viera originalmente. Após a morte do faraó, seu corpo mumificado era depositado justamente no centro dessa montanha de pedras com outros artefatos que eternizavam sua imagem. Considerada a única das sete maravilhas da Antiguidade que sobreviveu ao tempo, o conjunto de pirâmides da Figura 7 foi construído no deserto de Gizé e responde à ordem de três faraós. De gerações diferentes, eles submeteram milhares de escravos/as e dezenas de anos de trabalho à construção desses monumentos colossais onde seus corpos seriam preservados após a morte. 15WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA A pirâmide central, a maior delas, com cerca de 146 m de altura e com uma base com mais de 50 km², foi construída por ordem do Faraó Quéops por volta de 2600 a.C. e hoje é a maior das 80 pirâmides remanescentes. As duas pirâmides laterais correspondem ao túmulo mortuário de Quefrén e Miquerinos, filho e neto de Quéops que também foram faraós. Inicialmente, os ritos de mumificação e a crença de vida após a morte eram exclusivos aos faraós, mas, com o passar do tempo, outros indivíduos importantes passaram a se preocupar com sua eternidade e a investir em túmulos menores, distribuídos ao redor do túmulo real. Além da arquitetura, outras expressões das Artes Visuais serviam ao ideário egípcio de eternizar o corpo e a vida. Por meio da produção de esculturas,por exemplo, acreditavam que, em caso da deterioração do corpo do faraó, sua alma poderia encontrar refúgio em imagens tridimensionais. Com isso, as esculturas egípcias serviam de moradia para o espírito dos reis e de seus/suas familiares, e os indivíduos que as produziam eram conhecidos por um termo egípcio que significava “aqueles/as que mantêm vivo”. No que diz respeito a sua composição, as esculturas guardavam poucas semelhanças com a fisionomia da pessoa representada, já que sua função não era a de provocar o deleite e nem a satisfação por meio da beleza ou do realismo, mas sim manter vivo o espírito do faraó. Perceba isso analisando a Figura 8: Estima-se que, na construção de uma pirâmide, foram utilizados cerca de 2,3 milhões de blocos de calcário, de 2,5 toneladas cada; rampas e pranchas de madeira para transportar e levantar os blo- cos; ferramentas rudimentares para cortá-las; além de mais de 4mil escravos/as e, pelo menos, 23 anos de intenso trabalho, em uma época em que o tempo médio de vida era 35 anos (STRICKLAND, 2004). Maldição do Faraó (2016) : <https://www.megacurioso.com.br/historias-macabras/ 99711-maldicao-do-farao-sera-que-a-tumba-de-tutancamon-era- -mesmo-amaldicoada.htm> A maldição de Tutankamon (1998): <https://www.youtube.com/watch?v=1-judDWkwYQ>. 16WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 8 - Príncipe Rahotep e sua Esposa Nofret. Fonte: Alchetron (2017). Esse conjunto escultórico que corresponde à figura do Príncipe Rahotep e da sua esposa, Nofret, é bastante característico da Arte egípcia e da eternidade que buscava encontrar por meio da representação visual. Observe que ambas as estátuas foram esculpidas de modo que pudessem durar o máximo de tempo possível. Juntas, compõem um todo sólido e frontal e há poucas protuberâncias ou detalhes que pudessem ter sido quebrados com o passar do tempo. A disposição das figuras sentadas em tronos consistentes, os joelhos juntos, as pernas paralelas e os braços colados ao tronco; parece que tudo foi pensado em prol da preservação das peças. Também o material utilizado, a pedra calcária, oferece resistência e durabilidade às esculturas que abrigariam os espíritos do Príncipe e de sua esposa caso seus corpos mumificados entrassem em decomposição. A preferência por valorizar a durabilidade e a inteligibilidade das imagens ao invés de buscar a representação fiel também aparece nas pinturas egípcias. Gombrich (1999) dá destaque a uma espécie de Método Egípcio a partir do qual priorizava-se a clareza e excluíam-se os detalhes secundários. Esse método também é conhecido por Lei da Frontalidade (PROENÇA, 2005) e é constituído por um grupo de estratégicas pictóricas que favoreciam o entendimento visual daquilo que estava sendo retratado. Para entendê-lo melhor, analise a Figura 9, uma cena que fazia parte de um túmulo egípcio. 17WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 9 - Cena de Caça de aves selvagens, da Tumba de Nebamun. Fonte: Portal Faraó e Companhia (2011). Essa cena foi encontrada no túmulo de Nebamun, um oficial do antigo Egito. Para a cultura egípcia era comum adornar o túmulo dos sujeitos com pinturas retratando aquilo que ele gostava de fazer em vida. Como Nebamun queria capturar muitos peixes e pássaros em outras vidas, solicitou que em seu túmulo fossem pintadas cenas de caça no rio Nilo. Essa pintura pode ser tomada como exemplo do método que oferecia regras à pintura egípcia. Agora, volte seus olhares para a figura principal e para a maneira como seus braços, pernas e cabeça estão encaixados em relação ao tronco. Não parece haver algo errado nesse personagem contorcido? Além disso, no rosto, há um elemento que parece estar deslocado em relação aos demais, você consegue identificá-lo? Por último, se você examinar atentamente esse mesmo personagem, provavelmente perceberá que ele parece ter dois “pés direitos” já que em ambos os membros inferiores foi dada ênfase na parte de dentro pés. Na verdade, esses detalhes para os quais chamei atenção se referem menos à equívocos dos/as pintores/as e mais às regras do método egípcio, onde, como explica Gombrich (1999, p.61) “tudo tinha que ser representado a partir de seu ângulo mais característico”. 18WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Segundo o método egípcio, se a o torso humano era mais fácil de ser reconhecido de frente, e os braços, pernas e pés de perfil, as- sim seriam representados mesmo que provocassem certo estra- nhamento em quem olha. O mesmo acontece com a cabeça que é representada de lado, enquanto o olho é visto frontalmente. REFLITA [Relacionando diferentes contextos] Colcha Bíblica é o nome da produção da artista estadunidense Harriet Powers que você pode observar na Figura 10. Ao longo do século XIX, a artista ex-escrava utilizou de técnicas tradicionais e populares, tais como o bordado e aplique de tecidos, para criar col- chas que valorizam a cultura afro-americana. Quais histórias ela conta? Graficamente, você percebe semelhanças entre a colcha de Powers e as pinturas que conheceu neste tópico? A organização vi- sual e a estilização das figuras não te lembram o método egípcio? Figura 10 - Colcha Bíblica (1885-6). Fonte: Harriet Powers, nos Estados Unidos. 19WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Esse método de representação foi valorizado com tanto rigor que antes de iniciar as pinturas, traçava-se, nas superfícies, um sistema matemático quadriculado para garantir que as regras fossem cumpridas. Por outro lado, perspectiva, volume e proporção são recursos de composição pouco utilizados na pintura egípcia, como você perceberá se olhar mais uma vez para a cena do túmulo de Nebamun. GRÉCIA ANTIGA: A BUSCA PELA BELEZA A civilização grega desenvolveu-se nas proximidades do Mar Mediterrâneo por volta de 2000 a.C. Próximo ao século VIII a.C., o aumento do comércio, o crescimento populacional e o desenvolvimento das cidades-estado gregas proporcionaram que seus/suas habitantes entrassem em contato com as civilizações do Egito e que admirassem a maneira como utilizavam das Artes Visuais. Com isso, de início, a Arte da Grécia antiga manifestou-se a partir de referências egípcias. Porém, com o passar do tempo, a criatividade, a experimentação e a observação fizeram com que as produções gregas se distanciassem do modelo egípcio e atingissem um nível artístico de excelência e sem precedentes na História da Arte. Como analisa Strickland (2004), as esculturas da Grécia Antiga podem ser divididas em grupos distintos. Arte Arcaica, Arte Severa e Arte Clássica, por exemplo, ilustram as modificações artísticas adotadas ao longo dos anos, como você pode perceber em análise à Figura 11. Figura 11 - Biton, de Polímedes de Argos (615-590 a.C.), Efebo, de Crítios (480 a.C.) e Hermes com o Jovem Dionísio, de Praxíletes (340 a.C.). Fonte: Estátuas de Argos, Crítios e Praxíletes, respectivamente, diversas épocas. 20WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Denominadas de kouros (termo que significa “homem jovem”), as primeiras esculturas pertencentes ao período Arcaico valorizavam a simetria e a estabilidade do corpo humano e, aqui, é exemplificada por Biton, uma peça de pedra feita por Polímedes de Argos, por volta de 615-590 a.C. Ao examinar a composição de Biton, primeira escultura da Figura 11, provavelmente, você se lembrará da Arte egípcia e perceberá que antes de desenvolverem uma Arte com características exclusivas e inéditas, os/as gregos experimentaram e dominaram o método egípcio. Em Biton, você pode ver uma figura masculina nua, rígida, com o peso do corpo igualmente distribuído entre as pernas. Aqui, note que a composição evidencia a frontalidade da escultura. Ao mesmo tempo que os braços colados ao corpo, as mãos fechadas e a ausênciade movimentos remetem à Arte egípcia e indicam que, neste caso, seja por estilo ou por técnica, também houve intenção de criar uma forma sólida com silhueta regular, os detalhes no abdômen e joelhos sugerem uma curiosidade e pretensão artística até então inéditas. Perceba, na segunda figura, por sua vez, característica do período Severo: O Efebo, feito por Crítios em aproximadamente 480 a.C., apresenta mudanças em relação à fase anterior. Em vez de apoiar-se igualmente sobre as duas pernas, o corpo da figura parece descansar sobre um dos membros e curva o quadril para o lado direito. Em vez de voltar-se para frente, o rosto de Efebo está levemente inclinado, apesar de sua expressão e olhar se manterem severos. Os músculos do abdômen são mais definidos e o rosto exibe uma feição mais pessoal. Agora, por último, dedique-se à última das três figuras, Hermes com o Jovem Dionísio, feita por Praxíteles em aproximadamente 340 a.C. Nele, é possível observar os recursos e habilidades técnicas que esses artistas gregos foram capazes de desenvolver em um intervalo de apenas poucos séculos. No período Clássico, os braços claramente descolados do corpo preconizam o interesse em acrescentar a sensação de movimento às figuras antes estáticas. As texturas do cabelo e o caimento do tecido revelam o surgimento de uma Arte que, diferente da egípcia, estava menos preocupada em reproduzir um modelo e mais curiosa pelas novas ideias a partir das quais a figura humana poderia ser representada. REFLITA [Relacionando diferentes contextos] Freya Jobbins também cria corpos e bustos fragmentados. Eles podem lembrar essas e outras esculturas gregas que com o tempo foram danificadas e perderam alguns de seus membros. Para isso, contudo, a artista sul-africana não utiliza pedra calcária ou mármo- re, mas sim outros materiais pouco convencionais que agregam juventude e bom humor às suas peças. Você consegue identificá- -los na Figura 12? Se você buscar mais sobre a artista, saberá que em outras obras, Jobbins ela retrata celebridades e personagens reconhecidos, como Darth Vader e Frida Kahlo. 21WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 12 - Esculturas inusitadas. Fonte: artista sul-africana Freya Jobbins. Além do período Arcaico, Severo e Clássico, um outro período deu destaque à escultura grega e à beleza que ela almejava, distanciando-a ainda mais do modelo egípcio. O período denominado Helenístico foi aquele em que a Arte grega atingiu o ápice da busca pela harmonia, equilíbrio e realismo, sendo capaz de atribuir expressividade e exclusividade agora também para os rostos das esculturas. Veja, por exemplo, a Figura 13: em que medidas ela se diferencia das outras já apresentadas? As esculturas produzidas no período Helenístico provocam o/a espectador/a a caminhar ao redor da peça e a interessar-se não só por sua frontalidade, mas pelos detalhes espalhados entre toda a superfície. Diferente do que se costuma pensar, as esculturas da Grécia antiga não possuíam o aspecto melancólico, frio e pálido do mármore. Originalmente, essas esculturas eram cobertas de cores: utiliza- va pó e cera para conferir aspecto dourado aos cabelos, unhas e marcas de expressão e pedras coloridas para proporcionar brilho e vivacidade aos olhos. Inclusive os templos gregos eram também pintados com cores fortes e contrastantes. Ocorre que, com a ex- pansão dos valores e da fé do cristianismo, as estátuas gregas fo- ram perseguidas e destruídas, pois retratavam deuses e deusas pa- gãs (GOMBRICH, 1999). As esculturas utilizadas para representar a Arte grega são, na verdade, cópias feitas por artistas romanos que as vendiam como souvenirs às pessoas que colecionavam Arte. 22WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Perceba que em Laocoonte e seus filhos, elaborada no século I d.C., não são somente os dorsos e os membros superiores e inferiores que são expressivos. Assim como os corpos dos três personagens que se contorcem em músculos e veias, também os olhares, bocas e expressões se pronunciam anunciando um momento de drama, dor e sofrimento. Os rostos e os corpos estão voltados para diferentes posições, distribuindo os principais pontos de interesses de quem possa observá-los. Segundo Sonia Gallico (1999), esse conjunto escultórico que se trata de uma cópia romana do original em bronze, foi encontrado somente em 1505 e, logo, foi admirado pelo Papa Júlio II, que o comprou e o colocou em um dos Museus do Vaticano, onde permanece até hoje. A força e agonia que exalam dessa peça de mármore contam a história de Laocoonte, um sacerdote troiano que teria avisado seus/suas conterrâneos/as de que o cavalo de madeira dado pelos gregos/as, na verdade, tratava-se de uma armadilha. Como os deuses e deusas, segundo a mitologia, apoiavam a vitória da Grécia sobre Tróia, enviaram duas serpentes do mar para castigar Laocoonte e seus filhos, já que este havia tentado interferir em seus planos. Figura 13 - Laocoonte e seus filhos. Fonte: estátua de Hagesandro, Atenodoro e Polidoro de Rodes (século I d. C.). 23WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA O Helenístico também dá ênfase à nudez feminina e à inserção de tecidos volumosos e drapeados, sobre os quais é possível adivinhar o formato e a posição do corpo, como é o caso da Vênus de Milo, e de A Vitória de Samotrácia, que só foram localizadas em 1820 e 1863, respectivamente. Nelas, novamente, é possível perceber que a composição não fora pensada para ser observada unicamente de frente. Agora, como reflexão, tente identificar as características da Arte grega e, sobretudo, do período Helenístico nas esculturas da Figura 14. Figura 14 - Vênus de Milo, e A Vitória de Samotrácia (190 a.C.). Fonte: obras de Alexandros de Antióquia (200 a.C.). 24WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Assim como exemplifiquei com a escultura, também a pintura e a arquitetura grega carregam certa semelhança com a Arte egípcia, de início; semelhanças estas que, com o passar do tempo, transformaram-se em diferença, já que a observação, o estudo e as técnicas artísticas da Grécia antiga valorizavam o equilíbrio, a harmonia e o belo. A Figura 15, por exemplo, mostra uma pintura feita sobre uma ânfora grega, uma espécie de vaso utilizado no transporte e armazenamento de cereais e líquidos. A nível de composição, a cena, de certa forma lembra o método egípcio, porém, ali, como comenta Gombrich (1999), o artista atreveu-se a representar, pela primeira vez, um pé, tal como ele é visto, de frente. Escorço é o termo técnico dado a esse recurso de desenho ou pintura em que o/a artista confere tridimensionalidade a algo que é bidimensional. Veja o detalhe na ampliação. Ainda na cena pintada na ânfora, você consegue localizar um segundo exemplo de escorço? Figura 15 - A despedida do guerreiro (510-500 a.C.). Fonte: Google Images (2017). 25WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Assim como os/as gregos/as de início seguiam os métodos egíp- cios, também os/romanos/as se inspiraram na Arte grega antes de desenvolver expressões artísticas próprias de sua cultura. As técnicas de escultura gregas, por exemplo, foram apropriadas pela civilização romana e, aos poucos, foram sendo modificadas con- forme os valores, os interesses e as invenções dos/as romanos/ as. Suas esculturas se aproximavam das gregas no que diz res- peito à técnica, mas se distanciavam no que diz respeito ao tema. Esculturas e demais monumentos romanos davam visibilidade aos valores e conquistas cívicas. Bustos de imperadores e líderes ci- vis importantes; relevos com narrativas de batalhas e arcos e co- lunas comemorativos de feitos militares são alguns dos exemplos de que o tema adotado pela Arte romana priorizava as conquistas políticas da civilização. Agora, analise a Figura 16,em que reuni imagens de duas expressões arquitetônicas, uma grega e a outra romana. O que o Partenon de Atenas e o Coliseu de Roma têm em comum? Há algum elemento que se repete? E em que são diferen- tes? Se você pesquisar um pouco mais, saberá que esses dois mo- numentos arquitetônicos foram utilizados com finalidades muito distintas e que hoje são uns dos pontos turísticos mais visitados da Europa. Figura 16 - Partenon, em Atenas, na Grécia (448-432 a.C.) e o Coliseu, em Roma, na Itália (70-82 d.C.). Fonte: Pinterest (2017). 26WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA IDADE MÉDIA: A CONSTRUÇÃO VISUAL DO CRISTIANISMO Historicamente, na Europa, a Idade Média compreendeu aproximadamente o período entre os séculos V e XV, caracterizado pela economia rural e pelo sistema de produção feudal, a partir do qual os e as trabalhadores eram submetidos a um regime de servidão. Subordinados/as aos Senhores Feudais (proprietários de terras férteis e que desempenhavam influência política local) esses/as camponeses/as trabalhavam arduamente para produzir sustento para todas as outras ordens feudais. Mesmo configurando a maioria da população, os/as trabalhadores/as feudais não podiam abandonar sua condição de servidão e de sofrimento. Com a expansão do Cristianismo sobre o paganismo, investiu-se na ideia de que o deleite de um grupo e o sofrimento de outro eram o simples resultado dos desígnios e da vontade de deus. Com isso, tementes aos Senhores Feudais e sobretudo à religião que se estabelecia naquele momento, os/as camponeses/ as seguiam em sua condição de servidão, acreditando que os sofrimentos vividos em terra seriam recompensados pelo acesso e conforto ao céu cristão. Nesse contexto de valorização de dogmas, de admissão de fiéis e de uma população majoritariamente analfabeta, é de se esperar que as Artes Visuais da Idade Média também tenham sido tomadas como um meio para a construção visual do Cristianismo. Diferente da regularidade que você tem percebido até então, a partir da qual uma cultura se aproxima e se apropria da expressão artística de outra civilização para depois desenvolver seu próprio estilo, a Arte da Idade Média recusa bruscamente os valores estéticos greco-romanos. A concepção artística, agora, volta-se para a busca pela vida santa e, com isso, o corpo belo e atlético é relacionado ao pecado. Como você pode observar na Figura 17, três representações da Virgem Maria, a Arte da Idade Média dá destaque à riqueza do Cristianismo, à proibição da representação da nudez e a distorção do corpo que, mesmo vestido, revela certo desconhecimento em relação à anatomia humana. Figura 17 – Três representações da Virgem Maria - Virgem em Majestade de Santa Trinitá; Virgem em Ma- jestade; e Virgem de Ognissanti. Fonte: Obras de Cimabue (1280-90), de Duccio di Boninsegna (1285) e de Giotto di Bondone (1308), respectivamente (daptado pelo autor). 27WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Perceba nessas pinturas sobre madeira, que a produção artística atendia a necessidade da igreja de divulgar os dogmas e os ensinamentos cristãos. As três imagens adotam a mesma temática e os mesmos esquemas para representar os olhos, os narizes e as mãos. Também chamadas de Ícones, essas figuras esguias, supostamente com poderes sobrenaturais, possuíam olhos amendoados, olhar rígido e cabeças desproporcionais. Pelas semelhanças que apresentam, você poderia, inclusive, supor que as três foram pintadas pelo mesmo artista, concorda? Todavia não é o caso. Assinadas por três artistas italianos diferentes em um período em que os/as artistas ainda não eram valorizados/as, essas obras guardam evidentes semelhanças entre si. Perceba que os/as personagens são, em sua maioria, representados/as de frente e que estão dispostos/as simetricamente, de modo a enfatizar a centralidade da Virgem e do menino Jesus. Assim como os anjos espalhados pelas laterais, as figuras centrais também ostentam uma áurea dourada sobre suas cabeças, como sinal da santidade que possuem. Por último, analise as formas do segundo trono. Não parece haver algo errado ou pelo menos confuso com a maneira como ele foi representado? Se observar com mais atenção as mãos alongadas de Maria, a feição severa do menino Jesus e os pés dos anjos, constatará que os e as artistas medievais não priorizavam a representação realista das figuras, mas sim a história que contavam. [Na Arte da Idade Média] Os ideais greco-romanos de proporções harmoniosas e equilíbrio entre corpo e mente desapareceram. Os artistas medievais se interessavam exclusivamente pela alma, dispostos principalmente a iniciar os novos fiéis nos dogmas da igreja. A arte se tornou serva da igreja. Os teólogos acreditavam que os cristãos aprenderiam a apreciar a beleza divina através da beleza material, e o resultado foi uma profusão de mosaicos, pinturas e esculturas (STRICKLAND, 2004, p. 24). Por Bizantina, entende-se a Arte elaborada a partir de 330 no Mediterrâneo oriental, quando o Império Romano foi transferido para a cidade de Bizâncio (mais tarde, chamado de Constantinopla, e hoje, Istambul). Os Mosaicos, técnica das Artes Visuais em que cubos de pedras, cerâmicas e vidros são reunidos a fim de formar figuras, são as manifestações mais expressivas desse período. Neles, como você pode observar na Figura 18, detalhe da Basílica de Santa Sofia, em Istambul, sobressaem-se imagens religiosas sobre fundos vazios dourados. Tendo apontado a religião como fio condutor que conduziu a pro- dução artística ao longo da Idade Média, destaco três períodos es- pecíficos que podem auxiliar na identificação de nuances das dife- rentes manifestações das Artes Visuais: o Bizantino, o Românico e o Gótico. 28WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 18 - Detalhes de mosaico do interior da Basílica de Santa Sofia, em Istambul. Fonte: Pasion por Estambul (2017). O corpo esguio e estilizado de Jesus Cristo não expressa intenção de movimento. Pelo contrário, é como se tivesse sido pendurado ali, para permanecer estático, e seu olhar severo e sereno parece observar os comportamentos e pensamentos dos/as fiéis. Analisando essa imagem, é possível supor que não houve intenção em empregar efeitos de perspectiva e profundidade, por isso o uso das cores é chapado, isto é, sem variação de tonalidades que sugerem volume. A Arte Românica e a Arte Gótica, por sua vez, encontram na arquitetura suas mais expressivas manifestações das Artes Visuais. Os homens e mulheres que participavam da construção das Catedrais Românicas se apropriaram dos conhecimentos arquitetônicos de Roma, tais como os Arcos Românicos, arredondados, para criar espaços grandes capazes de reunir multidões. Observe a Figura 19, que ilustra a fachada e o interior da Basílica de Saint- Sernin (Santo Saturnino), em Toulouse, a maior igreja românica da França, construída no início do século XI. Por fora, as catedrais românicas são bastante simples e discretas e reservam o tímpano principal, o espaço circular sobre a porta, para exibir relevos que ensinam os/as fiéis sobre os episódios cristãos. Note, nas imagens, a presença de arcos arredondados sobre as portas e janelas principais. Ao lado, no interior da Basílica, também é possível perceber o uso de arcos românicos. 29WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 19 - Fachada e interior da Basílica de São Saturnino, em Toulouse. Fonte: Google Images (2017). Mais reincidentes entre o século XII e XV, as Catedrais Góticas são verdadeiras “Bíblias de pedras” e têm a verticalidade como uma das principais características. O desenvolvimento de técnicas de arquitetura, como os Arcos Ogivais e os Arcobotantes, permitiu que as catedrais góticas atingissem alturas sem precedentes na História da Arte. Os arcos ogivais são portais finalizados por uma curvaturaem ponta, e os arcobotantes, espécies de ponte externa que ajuda a sustentar o peso das paredes. Essas e outras inovações da Arte Gótica permitiram não só a construção de catedrais mais altas como também a inserção de paredes estreitas e com grandes Vitrais que ilustram episódios religiosos. Além disso, as Catedrais Góticas costumavam ser adornadas com coloridas Rosáceas, vitrais arredondados, compostos por motivos decorativos e geralmente localizados sobre o portal da fachada principal. Em análise à Figura 20, referente à Catedral de Notre Dame (Catedral de Nossa Senhora), em Paris, você pode identificar os arcobotantes que oferecem apoio às paredes sólidas, a rosácea do ponto de vista externo e a iluminação que ela proporciona no interior dessa igreja medieval. Examine esses elementos do estilo gótico na Figura 20. Figura 20 - Lateral e interior da Catedral de Notre Dame, em Paris. Fonte: Google Images (2017). 30WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA REFLITA [Relacionando diferentes contextos] Reconhecida por suas pinturas e colagens geométricas que se or- ganizam em figuras floridas e conectadas, Beatriz Milhazes revela forte sensibilidade quanto ao uso cromático. Segundo a própria ar- tista brasileira, suas produções têm inspiração em elementos da cultura popular, tais como o carnaval carioca, a figura excêntrica de Carmen Miranda e a prática de crochê (PEDROSA E DUARTE, 2013). Observando a Figura 21, você consegue estabelecer rela- ções entre os padrões sobrepostos pela artista e as visualidades das rosáceas góticas? Figura 21 - O Mágico (2001). Fonte: artista brasileira Beatriz Milhazes. A Figura 22 diz respeito a detalhes de duas igrejas diferentes. Primeiro, do lado esquerdo, investigue os detalhes da Catedral da Sé que, mesmo tendo sido construída a partir de 1913 em São Paulo apresenta elementos característicos da Arte Gótica. Você consegue localizá-los? Você percebe que as pontas e as formas triangulares contribuem para que a Catedral seja percebida ainda mais alta do que ela já é? A segunda imagem é representativa do interior da Sainte-Chapelle (Capela Santa), em Paris, construída no século XIII e cuja estrutura é composta por mais de 3/4 de vitrais coloridos. 31WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 22 - Fachada da Catedral da Sé, em São Paulo; e interior da Capela Santa, em Paris. Fonte: Google Images (2017). Assim como nos demais períodos, na Idade Média, as mulheres atuaram significativamente da produção artística. Apesar disso, nessa época e ainda hoje, costumam ter sua participação esque- cida ou menosprezada pelos registros documentais. Segundo Andrea Cristina Lisboa de Miranda (2006), foi sobretudo nos mos- teiros que as artistas mulheres, religiosas ou não, encontraram es- paço de visibilidade. Ali, nessa prática que não era exclusivamente feminina, as artistas se dedicaram à ilustração e à cópia de ma- nuscritos - atividades que exigem o domínio da leitura e da escrita além de conhecimentos específicos sobre as Artes Visuais. Obser- ve a Figura 23 e examine detalhes de três Iluminuras, espaços ilus- trados nos cabeçalhos, nos títulos ou nas letras que dão início aos capítulos. Primeiro, uma ilustração do século X, feita por Ende, uma das primeiras mulheres artista da Espanha. No meio, um detalhe de um manuscrito ilustrado em meados do século XII, onde Guda se autorretrata dentro da letra “D”, acompanhada de uma frase que pode ser traduzida como “Guda, mulher pecadora, escreveu e ilus- trou este livro”. Por último, o trabalho de outra artista, Claricia de Baviera, que se autorretratou formando a letra “Q”. 32WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 23 - Mujer sobre la bestia roja; Iluminura de Guda (século XII); e Iluminura de Clarícia de Baviera (século XIII). Fonte: obras de Ende (século X), Guda (século XII) e Clarícia de Baviera (século XIII), respectiva- mente. UNIDADE 33WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................... 34 RENASCENÇA: O TRIUNFO DA BELEZA ............................................................................................................... 35 BARROCO: A RESPOSTA DADA PELA IGREJA CATÓLICA ..................................................................................... 47 AS TRANSFORMAÇÕES DA ARTE: A IDADE MODERNA PROF. ME. JOÃO PAULO BALISCEI 02 34WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Do século XV ao século XVII, as sociedades europeias passaram por significativas mudanças, tais como a emergência da burguesia e das atividades de comércio, o interesse pela ciência, a Reforma Protestante e a Contrarreforma da igreja católica e a colonização do continente americano. Diante desse contexto, os significados e estéticas restritos que na Idade Média atribuíram-se às Artes Visuais foram contestados e transformados, como você perceberá no decorrer das próximas páginas. 35WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA RENASCENÇA: O TRIUNFO DA BELEZA No período denominado Renascença ou Renascimento, os/as artistas italianos/as buscavam pela retomada dos valores, técnicas e estéticas greco-romanos que haviam sido desprezados durante a Idade Média. Com isso, ambicionavam também recuperar o poder e glória pelos quais a Itália fora reconhecida na Antiguidade. Florença, Roma e Veneza - todas cidades italianas - foram o berço do Renascimento, e com o passar do tempo suas ideias repercutiram e foram apropriadas por outros países ao norte, tais como a França, Inglaterra, Alemanha e Espanha. Aqui, vou me deter ao Renascimento italiano. No século XVI, no ápice do Renascimento, defendeu-se a autonomia artística, segundo a qual as produções não precisariam estar necessariamente vinculadas aos dogmas religiosos para serem valorizadas. Ao invés disso, estimavam-se as pinturas, esculturas e demais expressões das Artes Visuais cujas composições demonstravam compromisso com a beleza, com o equilíbrio e com a harmonia. Apesar de o Renascimento ter sido iniciado no século XV, a transformação estética requerida nesse movimento artístico pode ser identificada já nos primeiros anos do século XIV, nas pinturas de Giotto di Bondone, elogiadas por fazerem lembrar a Arte do período Clássico. As rupturas que Giotto apresenta com a Arte da Idade Média não se referem à temática adotada, mas sim à composição, isto é, às maneiras como o artista organizou os elementos, cores e formas no suporte. Volte nas páginas anteriores e observe as representações medievais da Virgem segurando o Menino Jesus. Você consegue reconhecer as diferenças entre aquelas pinturas medievais e A lamentação de Cristo, de Giotto? A expressividade refletida nos movimentos e nas mãos dos apóstolos e o sofrimento estampado no rosto da Virgem Maria e de Maria Madalena diante do corpo recém retirado da cruz apontam para muitas diferenças em relação às figuras estáticas e serenas da Idade Média. Repare também que o artista preferiu representar os/as personagens amontoados/as e não dispostos/as de frente, lado a lado. Por último, observe o comportamento dos anjos no céu. Você concorda que o voo agitado e contorcido desses personagens pode ser interpretado como demonstração de tristeza? Esses indícios visuais indicam que apesar de ter sido produzida em uma data localizada no Período Gótico, essa obra de Giotto sinaliza algo que ainda está por vir, o que faz com que ele seja considerado um Artista Precursor ou, pelo menos de Transição. 36WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 1 - A Lamentação de Cristo. Fonte: pintura de Giotto di Bondone (1305). A ruptura coma Arte da Idade Média e a instauração de novos princípios estéticos só foram alcançadas no século XV, sob liderança de Felippo Brunelleschi, reconhecido pela construção da cúpula da Catedral Maria del Fiore (Maria das Flores), em Florença. Além de ser pioneiro da arquitetura renascentista, a ele se atribui, como explica Gombrich (1999), a invenção do que viria a ser um dos principais recursos artístico-visuais do Renascimento: a Perspectiva. Por meio da perspectiva, uma técnica com uso de cálculos mate- máticos, os/as artistas eram capazes de saber quais as dimensões e localizações exatas deveriam atribuir aos elementos de uma pin- tura para que eles parecessem tridimensionais, isto é, mais perto ou mais distantes de quem olha. 37WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA Observe o uso da perspectiva na Figura 2, A escola de Atenas. A disposição dos arcos, que diminuem conforme se afastam, e que assumem um tamanho específico, não contribui para que a visão enxergue profundidade em uma pintura que, na verdade é exclusivamente bidimensional? Localize, nessa pintura, as linhas diagonais. Você concorda que a inclinação dessas linhas sugere profundidade? Figura 2 - Escola de Atenas. Fonte: pintura de Rafael Sanzio (1510-1). Feita por Rafael Sanzio, um dos artistas italianos mais reconhecidos, essa pintura adota um tema que dá ênfase aos conhecimentos e ao humanismo almejados no Renascimento. Essa composição simétrica revela um encontro imaginário entre filósofos que viveram em épocas diferentes e enfatiza busca pela verdade racional e pela sabedoria. A composição representa Pitágoras, Euclides, Heráclito e outros filósofos, além de Platão e Aristóteles que parecem conversar ao centro. Como destacado no detalhe, Rafael, inclusive, autorretratou-se nesse encontro, na extrema direita, usando uma boina escura e olhando diretamente para fora da pintura. O cenário monumental, por sua vez, é tomado de estátuas, arcos, colunas e relevos em referência à arquitetura clássica. Outra descoberta revolucionária que contribuiu para a ascensão do Renascimento foi a tinta a óleo, invenção que Gombrich (1999) atribui ao pintor Jan Van Eyck. Naquela época, os pintores e pinto- ras preparavam suas próprias tintas. Os pigmentos eram extraídos de plantas e minerais e depois triturados a partir do contato en- tre duas pedras. Para atribuir aos pigmentos uma textura pastosa, acrescentavam-se alguns líquidos e Jan Van Eyck foi o primeiro artista a acrescentar óleo. Antes disso, a preparação mais comum era a Têmpera (procedimento em que o ingrediente líquido acres- centado era ovo) e o Afresco (em que a tinta misturada com água era aplicada à parede enquanto a camada de argamassa ainda es- tava fresca). As três representações da Virgem em Majestade que você conheceu na Unidade I e a Escola de Atenas, são exemplos, respectivamente, de têmpera e afresco. 38WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA Em relação a essas misturas, a Tinta a óleo leva muito mais tempo para secar, o que permitiu a Jan Van Eyck e a outros/as artistas que trabalhassem mais devagar, realizando transições cromáticas mais suaves e delicadas como você pode notar na Figura 3. Trata- -se de um detalhe de Os esponsais dos Arnolfini, a produção mais conhecida desse artista e provavelmente uma das mais enigmáti- cas da História da Arte. Neste detalhe, estão localizadas pelo me- nos duas pistas sobre o artista - o seu nome e a sua imagem. Você consegue localizá-los? Figura 3 - Os esponsais dos Arnolfini. Fonte: pintura Jan Van Eyck (1434). O artista plástico brasileiro Cláudio Pastro (2010) argumenta que, no Renascimento, as cenas cristãs são apenas “[...] pretexto para grandes composições, às vezes teatrais, onde o talento do artista, a riqueza da decoração e a harmonia das formas estarão muito mais acima do significado profundo da cena representada” (PASTRO, 2010, p. 172). Veja isso, por exemplo, na Figura 4, uma pintura a óleo do artista italiano Paolo Veronese. As bodas de Cana, originalmente encomendada para ser colocada em no refeitório cristão, serviu como pretexto para que Veronese demonstrasse e explorasse seus conhecimentos artísticos. REFLITA No Renascimento houve um culto ao belo e à adoção de temas não religiosos, como você pode observar no afresco de Rafael Sanzio ou na pintura a óleo de Jan Van Eyck. Quando o evangelho é toma- do como tema, interessavam aos/às artistas mais a harmonia e as técnicas empregadas na composição, do que os dogmas cristãos. 39WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA Esse episódio bíblico em que Jesus transforma a água em vinho a pedido de sua mãe, foi convertido em um banquete nobre e teatral, cujas vestimentas e riqueza não correspondem à época. Observe os detalhes e bordados nas roupas dos/as convidados/as e as texturas e cores aplicadas às superfícies de mármore. Ao centro, Maria e Jesus permanecem estáticos, enquanto os outros/as 130 personagens comem, bebem e interagem. Na frente dessa composição simétrica com evidentes alusões a Arte greco-romana, um grupo de músicos representa quatro mestres pintores venezianos, sendo um deles o próprio Veronese, retratado de branco. Além disso, nessa tela (que é a maior exposta no Museu do Louvre, em Paris), o artista pintou três pássaros, quatro cachorros, um papagaio e um gato. Você é capaz de encontrá-los? Figura 4 - As bodas de Cana. Fonte: pintura de Paolo Veronese (1528-1588). A popularidade e a intensa procura pela Arte contribuíram para o alcance de mais uma significativa conquista no campo das Artes Visuais: a modificação do status do/a próprio/a artista. Nesse contexto, o/a artista - que até então era apenas associado/a aos trabalhos manuais - deixou de ser visto/a como um simples artesão/ã e teve reconhecimento social também pelo trabalho intelectual e artístico que desempenhava. Essa conquista pode ser, em parte, atribuída ao mecenato - prática de quem exercia patrocínio e incentivo aos/às artistas. Como havia muitas pessoas interessadas em encomendar edifícios e túmulos, em adquirir monumentos e, sobretudo, em ganhar visibilidade social oferecendo, por exemplo, pinturas ou esculturas para igrejas, os/as artistas mais conhecidos/as eram muito procurados/as, e por isso, não precisavam mais submeter suas obras aos caprichos de clientes. 40WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA No Renascimento, o/a artista atingiu um nível de autonomia e liber- dade criativa até então inédito. Em alguns casos, podia ditar suas condições de trabalho, desenvolver um estilo próprio e, inclusive, recusar aquelas encomendas pelos quais não manifestava interes- se. Leonardo da Vinci, por exemplo, deixou de realizar muitas obras que lhe foram encomendadas e insistia aos seus/suas clientes que só a ele cabia a decisão de considerar uma pintura pronta ou não. Da Vinci é conhecido também por examinar o voo de diferentes insetos e pássaros a ponto de desenvolver protótipos de máquinas voadoras; por dissecar cerca de trinta cadáveres para conhecer melhor o corpo humano; e por analisar as formas de rochas e nuvens e o crescimento das árvores. Para ele, todos esses conhecimentos eram necessários para que pudesse ser um artista de excelência. Talvez, dentre as suas inúmeras invenções, uma em especial, tenha aplicabilidade imediata no desenvolvimento das Artes Visuais: o Sfumato. Observe a técnica de sfumato na Figura 5, a Mona Lisa. Perceba a maneira como os tons escuros da roupa, por exemplo, invadem o espaço das mãos, “esfumaçando” seus contornos. Também no rosto, a técnica de sfumato agrega mistério às expressões da mulher representada. Mona Lisa está sorrindo ou não? Seu olhar é discreto ou irônico? Ela te segue com os olhos ou se esquiva de você? Não é possível saber com exatidão. Agora observe a imagem. Note que a aplicação do sfumatonos cantos dos olhos e nos cantos da boca faz com que seus traços se tornem imprecisos e, com isso, o/a expectador/a tem que “adivinhar” ou “definir”, mentalmente, a expressão enigmática dessa figura feminina. O sfumato (termo que pode ser traduzido “como fumaça” ou es- fumado) é uma técnica a partir da qual as cores se fundem, umas com as outras, sem deixar evidente qualquer demarcação que pos- sa separá-las. 41WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 5 - Mona Lisa. Fonte: pintura de Leonardo da Vinci (1503-1506). Essa obra, que provavelmente é a mais parodiada e reinterpretada em todo mundo, trata- se de uma encomenda feita por Francesco de Giocondo, um vendedor de tecidos, de um retrato de sua esposa, Lisa Gherardini. A intenção era presentear a Senhora Lisa com a Mona Lisa em comemoração à aquisição de uma nova casa e ao nascimento do terceiro filho do casal. Há que se destacar também a bela paisagem ao fundo, cujas linhas do horizonte não se encontram. O pintor, exigente, considerava que essa pintura a óleo sobre madeira ainda estava inacabada, e por isso levou-a consigo para França. Após a morte de Leonardo, a pintura voltou para a Itália, mas, atualmente, se encontra no Museu do Louvre, em Paris. A técnica de sfumato foi apropriada também por outros/as artistas, como Sofonisba Anguissola, conhecida pelas pinturas onde representava cenas de seus/suas familiares e, sobretudo, pelos autorretratos. Examine com atenção a Figura 6, duas pinturas a óleo em que Sofonisba se autorretrata elaborando uma outra composição. Você consegue perceber o uso do sfumato? 42WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 6 - Autorretrato com cavalete (1556) e autorretrato também atribuído a artista (1556). Fonte: pin- turas de Sofonisba Anguissola (1556). Enquanto as maçãs do rosto e a lateral esquerda de Sofonisba permanecem iluminadas, o lado direito, sobretudo a testa e o côncavo dos olhos, mistura-se aos tons mais escuros do fundo, semelhante ao tratamento empregado em Mona Lisa. Nestas telas, como analisa Isabel Hargrave (2010), a pintora não apenas representa sua imagem, os instrumentos e o resultado de sua pintura, mas também a própria ação de pintar. Artigo sobre Sofonisba Anguissona (1532/38-1625): Uma pintora italiana no Renascimento Espanhol (HARGRAVE, 2010). Disponível no link: <http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2010/isabel_har- grave.pdf>. REFLITA [Relacionando diferentes contextos] Poucos anos antes, outra pintora também se autorretratou em uma composição semelhante à obra de Sofonista. Segundo Joaquim Nabais (2008) foi Caterina van Hemessen que fez o primeiro autor- retrato da História da Arte em que o/a artista, homem ou mulher, re- presentou-se junto/a ao cavalete. Enquanto em seus autorretratos, Sofonisba parece dar os acabamentos finais à pintura de madonas, na Figura 7, Caterina van Hemessen apresenta um esboço ainda inicial. Você tem um palpite sobre qual seria o tema adotado para essa pintura dentro da pintura? 43WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 7 - Autorretrato ao cavalete. Fonte: pintura de Caterina van Hemessen (1548). Junto de Rafael Sanzio e Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarroti integra o grupo de artistas renascentistas mais famosos e cujas obras ainda hoje geram filas e aglomerações em igrejas, galerias e museus europeus. Assim como seus companheiros, Michelangelo também dissecou cadáveres e realizou pesquisas sobre a anatomia humana. Para ele, todavia, a figura humana não era apenas um dos muitos temas a serem retratados, mas sim a essência de seu trabalho. Os corpos contorcidos e inicialmente nus pintados no teto (1508-1512) e em uma das paredes da Capela Sistina (1536-1541), por exemplo, demonstram que o artista dominava as posições mais complexas da anatomia humana e que se recusava a representar homens e mulheres sem empregar-lhes volumes e movimentos. 44WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA Observe a Figura 8, que ilustra a visão geral e um fragmento do teto da Capela Sistina. Essas figuras humanas pintadas com a técnica de afresco não parecem reais? Isso se deve, principalmente, ao gosto e as habilidades que o artista manifestava em relação a escultura. Quando recebeu esta encomenda do Papa Julio II, Michelangelo fez de tudo para se esquivar, afinal, ele se considerava escultor, e não pintor. Chegou até a pensar que essa encomenda ingrata da qual não conseguia se livrar se tratava de um golpe organizado por artistas que considerava seus inimigos. Figura 8 - Capela Sistina. Fonte: pintura/afresco de Michelangelo (1508-1512). Agonia e Êxtase (1965). Um trecho do filme, no qual Michelange- lo e suas pinturas são censurados pelo gosto do Papa pode ser baixado no link: <http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/video/ showVideo.php?video=6507>. Em 1565, outro artista foi convidado para retocar as figuras de Ju- ízo Final - afresco pintado por Michelangelo em uma das paredes da Capela Sistina entre 1536-1541. A decisão do retoque foi toma- da porque, na época, as figuras nuas e musculosas foram conside- radas impróprias e ofensivas para o espaço e pensamento cristão. Por isso, Daniele da Volterra, um ex-aluno de Michelangelo, foi in- cumbido de pintar véus e tangas para “cobrir” o sexo das figuras e, por isso, passou a ser conhecido como “o ceroulas” (GALLICO, 1999). Observe os fragmentos desse afresco na Figura 9. Por que a nudez é considerada agressiva? O que você pensa sobre os reto- ques feitos por Daniele, eles eram mesmo necessários? 45WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 9 - Detalhes de Juízo Final. Fonte: Pintura de Michelangelo (1536-1541), recortes do autor. As habilidades e o gosto que Michelangelo manifestou pela escultura podem ser identificados na Figura 10, David, esculpido em uma única peça de mármore, sem emendas, com mais de quatro metros. Sob a criação de Michelangelo, David assume um corpo forte e compenetrado. A cabeça voltada para o lado e os olhos objetivos expressam a concentração deste homem preste a atacar seu oponente. Na mão direita segura uma pedra e na mão esquerda, sobre o ombro, uma atiradeira. Nesta versão, David, esse herói bíblico que enfrenta o gigante Golias, exibe a autoconfiança para derrotar o inimigo. Figura 10 - David. Fonte: escultura de Michelangelo (1501-1504). 46WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA REFLITA [Relacionando diferentes contextos] O David de Michelangelo aparece em uma das obras de Alair Go- mes, artista brasileiro reconhecido pelo tratamento homoerótico que atribui as suas imagens e pelos registros voyeuristas de ho- mens na praia. Na série de fotografias da Figura 1, você vê frag- mentos de David. O artista o enquadrou a partir de diversos ângu- los. De frente, de lado, de baixo, de cima, de perto, de longe. Mãos, abdômen, tórax, pernas. Por que, sob o olhar voyeurista desse ar- tista o corpo de David parece mais sedutor e desinibido? Você acha que a maneira como se olha para algo pode modificar, inclusive, o seu significado? Figura 11 - Sem título, registros fotográficos da estátua de Davi, por Alair Gomes (1983). Fonte: Alair Gomes (1983). 47WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA BARROCO: A RESPOSTA DADA PELA IGREJA CATÓLICA Apesar do monopólio que o Catolicismo exercia na Europa, nos séculos XIV e XV, os abusos dessa instituição religiosa levaram a população a manifestar seu descontentamento. A burguesia comercial, por exemplo, cujos lucros e juros eram condenados pela igreja católica, questionou a vida ostentosa da qual padres e demais membros dessa instituição desfrutavam; A realeza, por sua vez, mostrou-se insatisfeita com as intervenções políticas papais; A Reforma Protestante,movimento de contestação ao Catolicismo, criticou o acúmulo de bens e, sobretudo, as indulgências (“perdões”) vendidas pela igreja como um dos meios de arrecadação de recursos para a construção da luxuosa Basílica de São Pedro, no Vaticano. Além disso, o pensamento renascentista que, como você aprendeu, valorizou a ciência e o antroprocentrismo, contribuiu para o enfraquecimento e questionamento dos dogmas cristãos. Diante desse cenário de suspeita e de reclamação por mudanças, o Barroco pode ser interpretado como uma das muitas estratégias adotadas pela Contrareforma, uma resposta da própria igreja à crise do Catolicismo. No Barroco, o objetivo foi renovar a imagem da igreja e, por isso, as pinturas, esculturas, arquitetura e demais expressões desse movimento apelaram para a ornamentação e para o exagero de detalhes, proporcionando aos/às fiéis um grande impacto emocional. Inicialmente com teor pejorativo, o termo “Barroco”, que significa “pérola irregular ou imperfeita”, foi adotado ao longo dos séculos XVII e XVIII e tem como principais características a dramaticidade, o uso de linhas curvas que indicam movimento, a criação de ilusões visuais e, principalmente, o emprego de excessos. Novamente, foi a Itália, precisamente Roma, o cenário principal dessa mudança artística, mas, aos poucos, outros países como Holanda, Espanha, Inglaterra e Brasil incorporaram os pensamentos e estéticas barrocos à sua cultura. A Figura 12 apresenta uma reprodução do afresco A glória de Santo Inácio, pintado por Andrea Pozzo, no interior da Igreja de Santo Inácio de Loyola, em Roma. Esse afresco impressiona pela complexidade empregada em sua composição; pelo acúmulo de elementos dramáticos; pelos movimentos dos/as personagens que parecem ascender ao céu; e pela ilusão que confunde o que é imagem e o que é realidade. Aqui, aplica-se bem a constatação de Strickland (2004, p. 47) de que, nesse movimento artístico, é “[...] como se os artistas barrocos pegassem as figuras da Renascença e as pusessem num redemoinho”. Nesse movimento, não houve um rompimento brusco com a Arte renascentista, negando as técnicas, invenções e habilidades que ela proporcionou. Ao contrário disso, o pensamento barroco apro- priou-se da forma e do conhecimento artístico renascentista, adap- tando-o conforme a temática, os interesses e conveniências do Catolicismo. Você lembra das intervenções feitas por Daniele da Volterra no afresco de Michelangelo, a partir das quais os corpos nus foram cobertos? Elas podem ser tomadas como exemplos das ações e preocupações artísticas manifestadas na Contrarreforma. 48WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA Agora, observe a imagem. Qual a impressão causada pelo uso da perspectiva e das linhas em diagonal nessa pintura? Você concorda que o teto dessa igreja parece abrir-se para o alto e proporcionar acesso ao céu? Figura 12 - A glória de Santo Inácio. Fonte: afresco pintado por Andrea Pozza (1691-1694), na Igreja de Santo Inácio de Loyola, em Roma. Nessa cena teatral, Jesus envia um raio de luz ao coração de Santo Inácio que, por sua vez, multiplica-o em quatro feixes, simbolizando sua contribuição para a difusão do cristianismo. No século XVI, quando Inácio de Loyola ainda era vivo, foi fundador da Companhia de Jesus, um grupo de jesuítas que agiu em prol da expansão e fortalecimento do Cristianismo em todo o mundo. Na Figura 12, inclusive, os continentes europeu, americano, africano e asiático foram representados por quatro grupos alegóricos, você consegue identificá-los? Siga os feixes de luz que saem do coração de Santo Inácio. Cada um dos continentes é representado por uma mulher que, com armas e roupas característicos, impede que corpos disformes e monstruosos subam ao céu. Os excessos do barroco apareceram também na escultura e tiveram Gian Lorenzo Bernini como seu principal expoente. Para alcançar a renovação da igreja católica e o impacto visual ambicionado pela Contrarreforma, Bernini aplicou às suas esculturas efeitos quase cenográficos: acúmulo de texturas diferentes e personagens dramáticos, cujas emoções foram materializadas em fisionomias intensas e movimentos abruptos. Observe essas características na Figura 13, O êxtase de Santa Teresa, uma escultura localizada na Igreja de Santa Maria della Vittoria, em Roma. 49WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 13 - O êxtase de Santa Teresa. Fonte: Estátua de Bernini (1645-1652). Santa Teresa dizia ouvir vozes e ter visões; em uma delas, Teresa teria sido ferida por um anjo, cuja flecha, símbolo do amor divino, proporcionou-lhe uma mistura de sensações tão intensas, que fizeram-lhe gritar de dor e de prazer. Strickland (2004, p. 48) analisa que Teresa descrevia essa experiência mística “[...] em termos que beiravam o erótico”. Nessa escultura de mármore de Bernini, Santa Teresa e o anjo flutuam sobre uma nuvem cuja textura áspera contrasta com as dobras de tecidos elaboradas e com a pele macia e lisa dos personagens. Com uma flecha à mão, o anjo, em pé, encara docemente a personagem feminina que, por sua vez, parece desfalecer. As mãos e pés suspensos, o corpo exausto e contorcido e a expressão dúbia revelam as emoções complexas e exageradas dos sentimentos de Santa Teresa e da estética barroca. Quanto à pintura, o Barroco italiano tem Michelangelo Caravaggio como seu representante mais expressivo e, talvez, também o mais polêmico. Conhecido por sua rebeldia e pelas brigas que provocou em bares e durante jogos, Caravaggio não deixou para as gerações futuras apenas um legado artístico, mas também criminal. O artista foi acusado por esfaquear um homem por causa de uma aposta e, inclusive, passou seus quatro últimos anos de vida fugindo para que evitasse a prisão por crime de assassinato. Em relação à Arte, suas características mais pessoais são: a ênfase em tons escuros, o uso inusitado da iluminação e, sobretudo, a abordagem realista e popular que empregou às cenas religiosas. Os homens e mulheres de Caravaggio, ainda que santos/as, não trazem nada de extraordinário em sua caracterização. Perceba essas particularidades do pintor em A morte da virgem, na Figura 14, pintura esta que causou um escândalo no início do século XVII. Examine-a detalhadamente e tente adivinhar o motivo. 50WWW.UNINGA.BR HI ST ÓR IA D A AR TE | U NI DA DE 2 ENSINO A DISTÂNCIA Thomas Schlesser (2013), historiador de Arte, explica que um grupo de padres delegou a Caravaggio uma pintura sobre a morte da Virgem Maria para adornar o altar de uma igreja, em Roma. Porém, quando o artista lhes entregou a encomenda, os padres ficaram chocados com o realismo atribuído às figuras religiosas e consideraram desrespeitosa a forma como a Virgem fora representada. O quadro foi recusado pelos padres. Figura 14 - A morte da Virgem. Fonte: Pintura de Michelangelo Caravaggio (1605-1610). Apesar do valor e do reconhecimento que, historicamente, a igreja católica tem atribuído a Virgem, nesta cena de Caravaggio, Maria foi retratada como uma mulher do povo, com pés a mostra e com roupas que indicam certa modéstia. Não há mantos rebuscados, não há anjos, não há auréolas, não há feixes de luz ou nenhum outro elemento que confira espetáculo e santidade a este momento. Há suspeitas, aliás, de que para retratar essa personagem, o pintor tenha se inspirado no cadáver de uma prostituta encontrado às margens do rio Tibre. Isso pode ser explicado pelo fato de que, diferente de outros/as artistas barrocos/as, Caravaggio pouco se interessou pela beleza clássica proveniente dos deuses/as da mitologia grega ou da estética da aristocracia e aplicou um tratamento realista e popular à temática religiosa. Nas mãos desse artista, os/as personagens de histórias católicos/as se assemelhavam a homens e mulheres comuns e os grandes milagres foram representados como eventos do cotidiano. Por isso, suas pinturas foram consideradas
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