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ORLANDO: UM CASO CLÍNICO Letícia Guedes Morais Gonzaga de Souza (Homenagem a “Orlando: uma biografia – Virginia Woolf”) Orlando, 26 anos, negro, casado, escritor, chega ao hospital queixando-se de disúria, polaciúria e urgência, bem como desconforto na região suprapúbica. À médica, Orlando relata que não possui problema de saúde crônico não transmissível, como hipertensão ou diabetes. Também nega possuir quaisquer Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Quando questionado, nega histórico de Infecção do Trato Urinário (ITU). Por fim, informa ser homem trans, apesar de não ter realizado a cirurgia de mudança de sexo. Em consulta, médica observa: Pressão Arterial (PA) 120/85 mmHg Frequência Cardíaca (FC) 73 bpm Glicose 76 mg/dL Temperatura 36,8ºC Altura 1,74 m Peso 68,2 kg A médica informa a Orlando que apesar de ele ser homem, sua anatomia apresenta características femininas, como uretra curta e, por conta disso há grande suscetibilidade a desenvolver ITU. Deste modo, solicita uranálise e urocultura do paciente. Para análise laboratorial, o farmacêutico instrui Orlando a coletar o jato médio, sem interromper a micção, da primeira urina da manhã em um frasco estéril e de boca larga fornecido pelo laboratório. Ainda, orienta o paciente a higienizar a vagina da seguinte forma: (1) Com as mãos lavadas, afastar os grandes lábios e (2) limpar região genital de frente para trás com gaze embebida com água e sabonete. (3) Com outra gaze umedecida com água, retirar sabonete, de frente para trás. No laboratório, farmacêutico obtém os seguintes resultados da uranálise: Aspectos Macroscópicos Aspectos Microscópicos Turbidez Odor desagradável Leucocitose – >10 leucócitos/campo (VR: 0-5/campo) Hematúria – >5 hemácias/campo (VR: 0-2/campo) Bacteriúria (necessário confirmar em urocultura) Proteinúria branda pH alcalino Farmacêutico realiza bacterioscopia de urina e observa em objetiva de imersão (1.000x). Conta numerosos bacilos gram-negativos e conclui que amostra possui > 105 UFC/mL. Em seguida, farmacêutico realiza a urocultura quantitativa. A metodologia utilizada é a semeadura com alça calibrada e os meios de cultura selecionados são: MacConkey (seletivo) e Ágar Sangue de Carneiro a 5% (não seletivo). Após inoculação, profissional incuba placas em estufa de 35 a 37ºC por 18 a 24 horas. Decorrido o tempo, observa resultado positivo nas duas placas, o que faz farmacêutico suspeitar se tratar de Escherichia coli. Figura 1: Resultado similar ao que farmacêutico observa no meio MacConkey (Fonte: Reddit, 2020) A seguir, farmacêutico realiza testes de diferenciação bioquímica de enterobactérias a fim de confirmar sua suspeita. Os testes mostram que a enterobactéria reagiu positivamente para: glicose gás, arabinose, lactose, maltose, manitol, sorbitol, trealose, vermelho de metila, redução de nitrato, indol e lisina. Apresentou resultados negativos para: citrato, malonato, voges- proskauer, hidrólise de gelatina, produção de sulfeto de hidrogênio, urease e fenilalanina. Por fim, realiza-se teste de urina para Leucócito Esterase (LE), com a finalidade de confirmar o estado da infecção. O resultado é positivo, de forma a indicar que a infecção está ativa. Desta forma, farmacêutico emite resultados informando que a amostra contém E. coli e que se trata de uma infecção e não colonização. Após acessar as informações laboratoriais, a médica diagnostica o paciente com cistite, uma ITU inferior, causada por Escherichia coli. Assim, prescreve um antibacteriano (Sulfametoxazol+Trimetoprim) e um analgésico urinário (Fenazopiridina). Informa ao paciente que ele notará mudança na coloração da urina, o que é comum por conta do analgésico urinário. Além disso, instrui paciente a induzir micção após relações sexuais, ingerir água constantemente, não apreender urina durante longos períodos e higienizar vagina de frente para trás. “Orlando havia se transformado em mulher — isso é inegável. Mas, em todos os demais aspectos, continuava a ser precisamente como era antes. A mudança de sexo, embora viesse a alterar o futuro deles, nada fizera para lhes mudar a identidade. Seus rostos permaneceram, como provam os retratos, praticamente os mesmos”. Woolf, Virginia. Orlando (p. 128). Penguin-Companhia. Edição do Kindle. REFERÊNCIAS BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Microbiologia clínica para o controle de infecção relacionada à assistência à saude. Módulo 3: principais síndromes infecciosas. Brasília: ANVISA, 2013. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Microbiologia clínica para o controle de infecção relacionada à assistência à saude. Módulo 6: detecção e identificação de bactérias de importância médica. Brasília: ANVISA, 2013. FERNANDES JUNIOR, Ary. Família Enterobacteriaceae (Enterobactérias). UNESP: Instituto de Biociências de Botucatu. Disponível em: < https://www.ibb.unesp.br/Home/ensino/departamentos/microbiologiaeimunologi a/aula-enterobacteriaceae-para-veterinaria-2019.pdf> Acesso em outubro de 2020. MUNDT, Lilian A. SHANAHAM, Kristy. Exame de Urina e de Fluidos Corporais de Graff. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed. 2012. PORTO & PORTO. Semiologia Médica. 8ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. TORTORA; FUNKE; CASE. Microbiologia. 12ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. https://www.ibb.unesp.br/Home/ensino/departamentos/microbiologiaeimunologia/aula-enterobacteriaceae-para-veterinaria-2019.pdf https://www.ibb.unesp.br/Home/ensino/departamentos/microbiologiaeimunologia/aula-enterobacteriaceae-para-veterinaria-2019.pdf
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