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A JUS HUMANIZAÇÃO DAS REL. HUMANOS NO DIR. PRIVADO

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podem afetar bens coletivos, reclamando 
a intervenção pública.26 Por conseguinte, as democracias contemporâneas 
incorporam em seu campo normativo diversos aspectos da vida 
individual.27
Percebe-se, portanto, um suavizar das fronteiras demarcatórias 
das áreas do direito, sem suprimir, todavia, a clássica distinção entre o 
público e o privado. Por via de conseqüência, não há de ser o direito 
exclusivamente público ou privado, pois há apenas uma fluida linha entre 
os pólos públicos e privados. 
Pelo visto e ponderado, importa que tenhamos o direito 
lastrado por uma perspectiva material, a se constituir como uma ordem de 
validade – que não é dada apenas pela análise das leis, mas, antes e 
sobretudo, pelos princípios constituintes da normatividade jurídica. 
Princípios que se encontram, no mais das vezes, reconhecidos pela ordem 
constitucional, alcançando a todas as relações intersubjetivas normatizadas 
pelo direito – inclusive as relações de direito privado. 
Com efeito, aportaríamos no que se tem denominado por 
constitucionalização do direito privado, isto é, o recepcionar de certos 
direitos em normas fundamentais, reconhecendo-os e tornando-os 
indisponíveis ao legislador ordinário. A perpassar tal compreensão está a 
superação de um puro liberalismo estatal, bem como a correlata visão 
constitucional do Estado liberal. Rigorosamente, queremos dizer a 
 
26 É o caso, por exemplo, do direito ambiental, onde, com base em uma mera suspeita de dano ambiental, sujeita-
se o particular à realização de estudo de impacto ambiental. 
27 Observamos outro fato que brota em muitas democracias de hoje: atendendo-se ao postulado da transparência, 
muitos assuntos de ordem privada irrompem a seara pública. Aliás, não foi esse um dos problemas enfrentados 
pelo personagem Coleman Silk em seu envolvimento com a faxineira Faunia Farley? (Philip Roth. A marca 
humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2002). Para não ficarmos somente na ficção, lembraríamos o suposto 
caso do Príncipe com o mordomo e o do Presidente com a estagiária. 
 
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 
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A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito 
privado 
 
superação de um Estado de direito liberal, a se forjar, acompanhando 
sinteticamente o escólio de GOMES CANOTILHO, através da:28
a) minimização do Estado; 
b) não-intervenção estatal nos domínios socioeconômicos; 
c) submissão das atividades políticas e dos poderes públicos 
aos desígnios e interesses da economia. 
Outrossim, implica a superação de um paradigma constitucional 
perspectivado: 
a) apenas pela limitação racional do poder político; 
b) pela pretensão constitucional de tão-somente disciplinar e 
organizar os órgãos estatais; 
c) pela afirmação de direitos e liberdades de caráter individual 
a serem opostos pelos cidadãos perante o Estado.29
Em contrapartida, afirma-se um Estado democrático de direito 
material, substancialmente comprometido com efetivação da justiça, no 
qual a Constituição, expressando um pacto entre a deliberação política e o 
propósito do direito, com suas autonomias e especificidades próprias, 
afirma-se como um real estatuto jurídico do político,30 consolidando uma 
efetiva ordem democrática. O ethos dessa tipologia estatal radica no 
postulado de uma existência em harmonia à dignidade humana, pois, em 
uma democracia, a sociedade há de ser solidária com os seus integrantes, 
 
28 Direito Constitucional. 5ª ed. 2ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 1992, p. 76. 
29 Releva sublinhar que tal modelo de Estado influenciava a compreensão, e, por via de conseqüência, a regulação 
das relações entre os particulares. Assim, afirmava-se a plena autonomia das partes, não se aceitando a revisão dos 
contratos, a serem interpretados no sentido da intenção das partes, bem como afirmava soberanamente a 
responsabilidade civil subjetiva. De fato, pretendia-se uma plena liberdade contratual, cimentada em uma 
igualdade formal. Contudo, ante a realidade social, tal liberdade contratual do direito converter-se-ia em... 
escravidão contratual na sociedade. O que, segundo o direito, é liberdade, volve-se, na ordem dos factos sociais, 
em servidão. (Gustav Radbruch. Filosofia do direito. trad. Luis Cabral de Moncada. 6ª ed. Coimbra: Armenio 
Amado, 1979, p. 288) 
30 Conforme a consagrada expressão do Professor António Castanheira Neves. A revolução e o Direito, em 
Digesta. v. 1º, Coimbra, 1995, p.234. 
 
Texto fruto do Grupo de Pesquisa Prismas do Direito Civil-Constitucional da PUCRS. 
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A Jus-humanização das Relações Privadas: para além da constitucionalização do direito 
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afirmando-se a exigência che anche il singolo debba garantire ad ogni altro 
un’esistenza degna31. 
Ora bem, estávamos a falar do reconhecimento de certos 
princípios éticos pela ordem constitucional. Sem espaço para dúvidas, 
conforme percebeu a inteligência penetrante de PONTES DE MIRANDA, a 
passagem dos direitos e liberdades às Constituições representa uma das 
maiores aquisições políticas da invenção humana. Invenção da 
democracia.32 Contudo, ressaltamos que estamos apenas e tão-somente 
perante um processo de reconhecimento de certos valores por um Poder. 
Falou-nos PONTES DE MIRANDA de passagem, ou seja, de algo que 
transita de um lugar para outro – como se os valores passassem de um 
patamar supra-positivo para o estalão constitucional. Quer isso dizer que 
não é o Poder a instância criadora de tais princípios e valores superiores. 
Pensar de tal forma seria, no mínimo, desconhecer – ou desconsiderar – o 
complexo processo histórico de formação dos direitos humanos e dos 
direitos fundamentais. Impende, isto sim, observar a harmonia entre 
valores ético-culturais caracterizadores uma época, com a expressão do 
poder político e a própria positivação do direito. 
De fato, referimo-nos a certos princípios – princípios 
normativos – que se referem à essencial intencionalidade do direito, ao 
essencial núcleo normativo ético-axiológico fundamental que, ao fim e ao 
cabo, caracteriza e constitui o direito como direito. Em termos de 
exemplos, lembraríamos o princípio da isonomia, da legalidade, da ampla 
defesa, da presunção de inocência, da liberdade de expressão, da liberdade 
religiosa, do devido processo legal e, sobretudo, o princípio da dignidade da 
pessoa humana. Tais princípios enriquecem a experiência humana, tendo 
validade por sua própria força normativa,33 independente de qualquer 
reconhecimento formal por parte do Poder: são aqueles padrões a serem 
 
31 Cfe. Franz Wieacker, Diritto privato e società industriale. trad. Gianfranco Liberati. Napoli: Edizioni 
Scientifiche Italiane, 2001, p. 58. 
32 Democracia, liberdade e igualdade – os três caminhos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1945, p. 37. 
33 Cfe. Paul Ricoeur. O justo ou a essência da justiça. trad. Vasco Casimiro. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 149. 
 
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privado 
 
observados em razão de alguma exigência de justiça, eqüidade ou alguma 
outra dimensão de eticidade. 
Nesse sentido, quer nos parecer que a expressão 
constitucionalização do direito privado pode dar margem a uma idéia 
reducionista da leitura e da concretização exigidas atualmente na seara do 
direito privado – o nome não corresponde ao que é nominado, pois a 
efetividade de tais princípios independe da vontade do legislador 
constituinte
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