Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Linguagem Visual Material Teórico Elementos da Linguagem Visual II Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Claudemir Nunes Ferreira Revisão Textual: Profa. Esp. Kelciane da Rocha Campos • Direção • Movimento • Dimensão · Conhecer os elementos da linguagem visual – direção, movimento e dimensão –, seus conceitos, características, funções e variações, além de alguns de seus valores agregados. · Compreender suas relações na composição e aplicação nas artes visuais, as quais exemplificadas em obras de diferentes linguagens, períodos e estilos. OBJETIVO DE APRENDIZADO Caro(a) aluno(a), Iniciaremos esta Unidade pelo estudo do elemento da linguagem visual entendido como direção, ou seja, a condução do nosso olhar em um certo sentido espacial dentro do campo compositivo. Em seguida, estudaremos o movimento, os recursos visuais capazes de sugerir um aspecto de movimento físico, uma expectativa de movimento ou uma sensação de movimento, nas linguagens bidimensionais e, nas linguagens tridimensionais, os recursos capazes de sugeri-lo ou efetivamente inseri-lo. Por fim, a dimensão, um aspecto real das linguagens tridimensionais e sempre ilusório nas linguagens bidimensionais. Assim, focaremos nossos estudos nos recursos visuais capazes de simular a nossa percepção de espaço real. Exemplificaremos ainda suas relações na composição e aplicação nas artes visuais com a apresentação de diversas obras. Após ler o material teórico, não deixe de realizar as atividades de sistematização e de aprofundamento. Explore também o material complementar para ampliar seus conhecimentos. ORIENTAÇÕES Elementos da Linguagem Visual II UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II Contextualização Dimensão e movimento são aspectos fundamentais da nossa experiência visual na percepção espacial. Cada um de nossos olhos capta uma vista do campo visual e, como são um pouco afastados entre si, tais vistas também são ligeiramente diferentes. É o nosso cérebro que as funde em uma única imagem, permitindo-nos perceber os objetos de forma tridimensional e julgar as distâncias entre os quais. Quando olhamos ao nosso redor, estamos também e continuamente mudando nosso foco de atenção, experimentamos o espaço por meio do movimento dos olhos e dos objetos. Qualquer movimento físico tende a atrair nosso olhar e, mesmo ao observar objetos estáticos, exploramos suas superfícies, percorrendo-os com o olhar, movimentando-nos ao redor desses ou os movendo a nossa frente. Durante este processo, captamos todas as suas partes individuais e as organizamos para compor um conjunto. Nas linguagens bidimensionais, que ocupam um espaço restrito – altura e largura –, qualquer percepção de objetos tridimensionais ocupando um espaço real é ilusória, uma vez que a terceira dimensão – profundidade – só pode ser sugerida. No decorrer da história da pintura, muitos métodos foram empregados na tentativa de representar temas em contextos espaciais mais realistas, sendo a convenção técnica da perspectiva cônica a mais efetiva, desenvolvida e amplamente empregada durante o Renascimento. Enquanto os artistas renascentistas priorizavam uma representação espacial mais realista na pintura, restringindo seus temas a um ponto de vista estático, os artistas modernos deram uma nova abordagem ao espaço, agregando-lhe uma “nova dimensão” – o tempo, capturado pelo aspecto de movimento físico, pela expectativa de movimento, ou pela sensação de movimento. Na arte contemporânea todas as abordagens espaciais convivem, desde a representação mais fiel da realidade, nas pinturas hiper-realistas, ao abandono total dessa, nas pinturas não figurativas. E o movimento, seja sugerido ou realmente físico, continua amplamente explorado pelas tendências contemporâneas, principalmente na instalação, land art, arte urbana, site specific, videoarte, arte digital, web arte, realidade virtual e outras linguagens multimídia. Assim, não deixe de refletir sobre os conhecimentos que serão assimilados nesta Unidade e bons estudos! 6 7 Direção A direção corresponde à condução do olhar em um certo sentido espacial dentro do campo compositivo. As formas básicas expressam três direções visuais significativas: o quadrado, a horizontal e a vertical; o triângulo, a diagonal; e o círculo, a curva (Figura 1). E cada uma dessas apresenta um forte significado associativo. Figura 1 – Direções visuais básicas As direções horizontal e vertical expressam estabilidade, correspondem à referência primária em termos de equilíbrio. Figura 2 – Two women running on the beach (The race), 1922, Pablo Picasso Fonte: pablopicasso.org Formas ou linhas horizontais expressam uma ideia de estática, calma, estabilidade ou amplitude. Figura 3 – Ophelia (1851-1852), John Everett Millais Fonte: tate.org.uk 7 UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II Figura 4 – The Epsom derby (1821), Théodore Géricault Fonte: cartelfr.louvre.fr Formas ou linhas verticais podem sugerir a ideia de altura, elevação ou prontidão. Figura 5 – Yellow Christ (1889), Paul Gauguin Fonte: paul-gauguin.net Figura 6 – Venus Anadyomène (1848), Jean Auguste Dominique Ingres Fonte: commons.wikimedia.org 8 9 Em contrapartida, a diagonal é a força direcional mais instável e expressa atividade. Seu significado pode ser perturbador e ameaçador. Figura 7 – The swing (1767), Jean-Honoré Fragonard Fonte: bc.edu Figura 8 – Operários (1933), Tarsila do Amaral Fonte obviousmag.org As forças direcionais curvas têm significados associados à abrangência e repetição. Figura 9 – Several circles (1926), Wassily Kandinsky Fonte: web.guggenheim.org 9 UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II Figura 10 – Hyères, France (1932), Henri Cartier-Bresson Fonte: metmuseum.org Direção e sentido são as bases para o movimento visual. Movimento O movimento corresponde ao deslocamento ou à mudança de posição dos elementos no espaço compositivo. Nas linguagens visuais bidimensionais está sempre implícito, é uma ilusão, uma sugestão criada pela combinação dos demais elementos visuais, como a direção ou a repetição das linhas e formas, o tratamento dos contornos e cores, ou pelo uso de alguns recursos como pontos de vista múltiplos, sobreposição de imagens com ligeiras modificações e projeção de imagens sequenciais. Movimento Sugerido pela Direção das Linhas ou Posição das Figuras Quando uma figura parece pausar no meio de uma ação, apresentando um equilíbrio relativamente instável, a ameaça da gravidade cria uma expectativa iminente de movimento. Figura 11 – The temptation of Saint Anthony (1946), Salvador Dalí Fonte: dalipaintings.net Na emblemática obra Guernica (Figura 12), de Pablo Picasso, diversas figuras assumem direções distintas, muitas vezes instáveis, dando dinamismo à composição. As linhas gestuais também reforçam a ideia de movimento, representando a excitação e a atividade dos personagens retratados. 10 11 Figura 12 – Guernica (1937), Pablo Picasso Fonte: museoreinasofia.es A direção geral e a repetição de linhas e formas, assim como o tratamento de seus contornos e o uso de cores, podem também sugerir movimento em uma obra. Este efeito aplica-se principalmente às obras não figurativas. Figura 13 – Fall (1963), Bridget Riley Fonte: www.op-art.co.uk Esta sensação de movimento físico é reforçada quando o contraste entre as cores cria uma ilusão ótica, fazendo a imagem saltar em direção ao observador, ou criando um movimento espacial ondulante. Tal ilusão de movimento é amplamente explorada na Op Art. Figura 14 – Bridget Riley Fonte: op-art.co.uk 11 UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II Pontos de Vista Múltiplos No final do século XIX, o pintor pós-impressionista Paul Cézanne enfatizou massa e volume através da combinação de muitos pontos de vista simultâneos em uma mesma obra, técnica que reflete nossa experiência típica de observação dos objetos tridimensionais – deslocamo-nos ao redor deles ou os giramos à nossa frente. Em Naturezamorta com cesto de frutas (Figura 15), o bule e o açucareiro foram representados em uma posição frontal direta, a jarra redonda atrás desses, como fosse observada de um ângulo superior e a alça do cesto de frutas é centralizada à frente, mas assume uma vista lateral direita à medida que se direciona para trás. As bordas esquerda e direita da mesa não estão alinhadas e a perspectiva que apresenta os pés da cadeira ao fundo é irreal. O nível do observador é modificado a cada figura representada, é quase como se estivéssemos observando os objetos em um espaço real ao mesmo tempo em que subimos em uma escada, tentando combinar todos os pontos de vista em uma única imagem. Figura 15 – Natureza morta com cesto de frutas (1888-1990), Paul Cézanne Fonte: paul-cezanne.org No início do século XX, o cubismo analítico adotou muitos dos recursos pictóricos empregados por Cézanne. Ao representar um objeto a partir de muitos pontos de vista simultâneos, ao mesmo tempo em que o afastava da fidelidade ótica, explorava sua natureza tridimensional, criando a sugestão de movimento ao redor do objeto representado em um plano bidimensional. Figura 16 – Guitar on a table (1920), Pablo Picasso Fonte: pablo-ruiz-picasso.net 12 13 Artistas contemporâneos, como David Hockney, continuam explorando pontos de vista múltiplos e o movimento dos observadores. Em imagens formadas por fotografias múltiplas e captadas de ângulos distintos, as mudanças de posição e o desalinhamento fazem com que o observador ajuste continuamente seu ponto de vista, reunindo todos os segmentos para formar uma imagem única. Figura 17 – Nathan swimming Los Angeles march 11th (1982), David Hockney Fonte: blogs.wsj.com Imagens Sobrepostas A sobreposição de uma série de posições distintas de uma mesma figura sugere a trajetória de seu movimento. A obra Nu descendo a escada (Figura 18), de Marcel Duchamp, marcou um importante progresso na representação pictórica do movimento ao registrar a energia que um corpo emana ao deslocar-se no espaço. Figura 18 – Nu descendo a escada (1912), Marcel Duchamp Fonte: brasilartesenciclopedias.com.br 13 UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II Os artistas futuristas, motivados pela velocidade da Era Industrial, exploraram a sequência de posições de um corpo no espaço, indicando uma rota de movimento pelas suas mudanças visíveis. Giacomo Bala inventou a técnica dos contornos repetidos. Neste recurso, a figura parece embaçada e, ao apresentar linhas de contorno indistintas, não assume uma posição fixa. A fusão das posições instáveis da figura preenche a trajetória de seu movimento. Figura 19 – Dinamismo de um cão na guia (1912) – Giacomo Balla Fonte: www.indiana.edu Na fotografia, imagens sobrepostas podem ser captadas por meio de exposições múltiplas ou por um longo tempo de exposição (Figura 20). E com a fotografia estroboscópica, pode-se captar frações de um movimento, as quais imperceptíveis ao olho nu (Figura 21). Figura 20 – Searching and slap (1911), Anton Giulio Bragaglia, Arturo Bragaglia Fonte: www.mutualart.com 14 15 Figura 21 – 30 bullet piercing apple (1964), Harold Edgerton Fonte: artsconnected.org Imagens Sequenciais Na arte egípcia, na Idade Média e na Alta Renascença, muitas obras relacionadas a temas religiosos foram produzidas com uma série de cenas sequenciais estáticas, criando uma sinopse visual do movimento dos personagens dentro de um espaço- tempo determinado. Podemos citar como exemplos as pinturas nas paredes das pirâmides que retratavam a vida dos faraós, as ações dos deuses e a vida após a morte; os vitrais das igrejas medievais góticas, que frequentemente representavam a paixão, a crucificação e a ressurreição de Cristo; e o extenso afresco pintado por Michelangelo no teto na Capela Sistina, que ilustra nove cenas do Gênesis, sendo a criação de Adão a mais famosa (Figura 22). Figura 22 – Detalhe do afresco de Michelangelo pintado no teto da Capela Sistina Fonte: www.g1.globo.com Tais obras são precursoras das atuais histórias em quadrinhos, nas quais, sinais gráficos muito simples, conhecidos como elementos cinéticos, ainda são frequentemente utilizados para enfatizar o movimento dos personagens e objetos em cenas estáticas. 15 UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II Figura 23 – Tira de Mortadelo e Filemon (2015), Francisco Ibanez Fonte: mortadelo-filemon.es Imagens sequenciais também são a base do movimento criado nas animações e na linguagem cinematográfica. Na linguagem cinematográfica, uma sequência padrão de 24 imagens estáticas – frames – com ligeiras modificações são projetadas por segundo. Devido à velocidade da projeção, nossos olhos não são capazes de captar as imagens individualmente e as fundem de tal modo que o movimento parece real. Aumentando ou diminuindo o número de frames por segundo, pode-se controlar o tempo da cena, acelerando ou reduzindo a velocidade do movimento. Com o fast motion, uma ação que levaria vários dias para se completar, como o desabrochar de uma flor, pode ser apresentada em segundos. No slow motion (Figura 24) acontece o contrário, um movimento que levaria uma fração de segundo e nem seria perceptível à visão, como a trajetória de uma bala, pode ser apresentado em minutos. Figura 24 – Imagem do filme Matrix (2001) Fonte: supernovo.net Movimento nas Linguagens Tridimensionais Nas linguagens visuais tridimensionais o movimento pode ser tanto ilusório, sugerido pelos demais elementos compositivos, quanto real, ou seja, a obra efetivamente desloca-se no espaço. 16 17 Nas esculturas tradicionais, produzidas com mármore, argila, ou metal fundido, o movimento é sempre sugerido. As esculturas gregas já intencionavam agregar movimento às figuras representadas pela organização das linhas de maneira a destacar uma direção fluída e contínua. Figura 25 – Discobulos (Discus thrower) (450 a.C.), Myron (réplica do século II) Fonte: archeoroma.beniculturali.it A postura ou atitude das figuras também podem sugerir uma expectativa de movimento, como na escultura expressionista O vingador (Figura 26), de Ernest Barlach. As longas linhas horizontais e verticais da capa, a projeção da cabeça e dos ombros e o plano da base sugerem que a figura esteja lançando-se para frente no espaço e pronta para desferir um golpe com a espada erguida. Figura 26 – O vingador (1914), Ernest Barlach Fonte: tate.org.uk Na escultura futurista Formas únicas de continuidade no espaço (Figura 27), de Umberto Boccioni, o movimento é sugerido pelo formato e pela direcionalidade dos planos facetados que compõem a figura. 17 UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II Figura 27 – Formas únicas de continuidade no espaço (1913), Umberto Boccioni Fonte: mac.usp.br Em outras linguagens tridimensionais, como o objeto, a construção objetual, land art e a instalação, o movimento pode ser tanto sugerido como real. São inúmeras as possibilidades de agregar um movimento físico a essas linguagens e muitos artistas contemporâneos têm explorado tal elemento visual. Água, correntes de vento, fenômenos físico-químicos, eletroímãs, baterias, motores elétricos, matéria orgânica ou a própria participação ativa do espectador podem oferecer uma fonte de energia para o movimento físico das obras. Os Aparelhos cinecromáticos (Figura 28) do artista brasileiro Abraham Palatinik, considerado mundialmente um dos pioneiros da arte cinética, apresentam formas coloridas em movimento. Lâmpadas alocadas em uma caixa movimentam-se acionadas por um mecanismo motorizado, projetando as luzes em um material translúcido. Nos Objetos cinéticos (Figura 29) desse artista o movimento é geralmente acionado por eletroímãs. Figura 28 – Aparelho cinecromático (1955), Abraham Palatnik Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br Figura 29 – Objeto cinético (1990), Abraham Palatnik Fonte: .enciclopedia.itaucultural.org.br 18 19 Nos móbiles (Figura 30) de Alexandre Calder, a mais sutil corrente de ar produz uma sériede configurações aleatórias em constante movimento. Figura 30 – Cascading flower (1949), Alexandre Calder Fonte: calder.org Na série Méta-matic (Figura 31), de Jean Tingerly, obras produzidas com peças de maquinário descartadas e motores elétricos produzem pinturas abstratas. Figura 31 – Méta-matic n#1 (1959), Jean Tingerly Fonte: centrepompidou.fr Na obra Cubo de condensação (Figura 32), de Hans Haacke, um cubo de acrílico transparente contém água e, devido à diferença de temperatura entre seu interior e exterior, o vapor se condensa em gotículas que se movimentam através das paredes, assumindo diversas formas. Figura 32 – Cubo de condensação (1965), Hans Haacke Fonte: macba.cat 19 UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II A obra Lightning field (Figura 33), de Walter de Maria, formada por quatrocentos estacas de metal, as quais dispostas em uma área do Novo México com grande incidência de raios, explora as trajetórias sinuosas dos relâmpagos. Figura 33 – Lightning field (1970), Walter de Maria Fonte: iar.unicamp.br Outros artistas agregaram um movimento “orgânico” às obras. Como em Caixa de formigas (Figura 34), de Lygia Pape, em que o movimento dos insetos vivos dá dinamismo à obra. Figura 34 – Caixa de formigas (1967), Lygia Pape Fonte: lygiapape.org.br Entre os consagrados artistas brasileiros, Lygia Clark e Hélio Oiticica, o movimento dependia da participação ativa do espectador e era essencial para a consolidação de algumas de suas obras. Na série Bichos (Figura 35), de Lygia Clark, obras articuláveis produzidas com placas de metal e dobradiças se movem no espaço, ganhando novas configurações a partir de cada manipulação do espectador, quem se torna coautor da peça. Já os Parangolés (Figuras 36 e 37) de Oiticica, produzidos para serem vestidos durante apresentações de dança, são capas e estandartes que só revelam plenamente suas formas e cores através do movimento de quem as veste. Segundo o próprio artista, sem movimento a obra não existe. 20 21 Figura 35 – Bichos, Lygia Clark Fonte: veja.abril.com.br Figuras 36 e 37 – Parangolé P1, capa 1 (1964) e Parangolé P15, capa 11, incorporo a revolta (1967) – Hélio Oiticica Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br Na série de obras interativas Mechanical mirrors (Figura 38), de Daniel Rozin, “espelhos” formados por várias pequenas peças de materiais naturais, que funcionam como pixels no processo de formação das imagens digitais, são acionados por circuitos computadorizados com câmeras de vídeo e motores, refletindo imediatamente a imagem do espectador. Figura 38 – Women mirrors (1999), Daniel Rozin Fonte: smoothware.com As instalações, em função da associação intrínseca com o espaço-tempo, acabam também por apresentar uma relação íntima com o movimento ao exigir que o espectador se mexa, que caminhe ao redor, ou mesmo pelo interior da obra, permitindo que percepções múltiplas ocorram a partir de distintos pontos de vista. Como na instalação Transarquitetônica (Figura 39), de Henrique Oliveira. Vista de cima a obra parece ser parte de uma floresta que tomou um espaço de 1.600m2 do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo (MAC), mas esses “galhos” retorcidos são túneis que o espectador percorre para descobrir vários tipos de construção feitos no Brasil. 21 UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II Figura 39 – Transarquitetônica (2014), Henrique Oliveira Fonte: mac.usp.br Nas obras que exigem maior participação do espectador, a relação com o movimento torna-se ainda mais evidente, como no Test site (Figura 40), de Carten Hoeller. São cinco tobogãs, o maior com 55m de comprimento, montados no saguão do Tate Modern para o espectador deslizar. Figura 40 – Test site (2006), Carten Hoeller Fonte: ate.org.uk Outras instalações, além da exigência do movimento do espectador, agregam o movimento físico também à obra, como Cloaca (Figura 41), do artista belga Wim Delvoye, formada por mesas de inox com seis recipientes de vidro interligados por tubos e bombas, componentes eletrônicos, ácidos, enzimas e bactérias. Em exibição, a obra é alimentada duas vezes por dia. Um dispositivo de coleta de lixo “mastiga” o alimento e esse inicia uma trajetória que dura 27 horas pelo interior da obra, a qual simula as funções do aparelho digestivo humano. O resultado é exatamente o que você está pensando: fezes “humanas”. 22 23 Figura 41 – Cloaca (2000), Wim Delvoye Fonte: tate.org.uk Já nas linguagens multimídia, principalmente nas interativas, as possibilidades de exploração do movimento são praticamente infinitas. Na videoinstalação Present continuous past(s) (Figura 42), de Dan Graham, um circuito de câmeras capta o interior da sala e projeta continuamente as imagens com oito segundos de atraso em um monitor de TV, assim, o espectador pode observar outro que já deixou o espaço ou seu próprio movimento de oito segundos atrás. Figura 42 – Present continuous past(s) (1974), de Dan Graham Fonte: letemps.ch Dimensão A dimensão, considerada como uma medida de tamanho ou espaço, corresponde à área, volume, amplitude ou longitude de uma superfície. Nas linguagens tridimensionais, que incorporam a terceira dimensão – profundidade – como condição fundamental, a dimensão é um aspecto real. Porém, nas linguagens bidimensionais é sempre uma ilusão, uma sugestão de profundidade na representação de objetos tridimensionais ocupando um espaço real. O desenho, a pintura, a fotografia, as histórias em quadrinhos, o cinema e a arte digital compreendem um espaço real bidimensional – altura e largura – e a terceira dimensão – profundidade – só pode existir de forma implícita, ou seja, sugerida pelos demais elementos visuais presentes na composição. Embora o principal método para simulá-la seja a convenção técnica da perspectiva, outros recursos visuais podem ser utilizados para sugerir um espaço tridimensional. 23 UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II Dimensão Sugerida pelo Tamanho dos Elementos Elementos grandes podem indicar proximidade, enquanto os pequenos, distância. Por exemplo, se uma obra representar figuras humanas com diferentes tamanhos, não tendemos a considerá-las como pessoas grandes e pequenas, e sim, que as figuras ocupam posições distintas em um espaço tridimensional – as maiores estão mais próximas e as menores, mais distantes. Figura 43 – Sunday afternoon on the Island of la Grande Jatte (1886), Georges Seurat Fonte: georgesseurat.org Dimensão Sugerida pela Sobreposição de Elementos A sobreposição de elementos é um poderoso indicador de espaço, pois predomina em relação aos demais. Se um elemento cobrir parte de outro, sempre será percebido como estando mais próximo, ainda que seja o menor. As cores, valores e texturas dos elementos sobrepostos minimizarão ou enfatizarão esse efeito espacial. Contrastes mínimos entre os quais criarão a sensação de um espaço raso, limitado, e os elementos parecerão muito próximos. Maiores contrastes tendem a sugerir um espaço mais amplo e a distância entre os elementos parecerá maior. Figura 44 – Christ carrying the cross (1515-1516), Hieronymus Bosch Fonte: witcombe.sbc.edu 24 25 Figura 45 – El tres de mayo de 1808 en Madrid (1814), Francisco Goya Fonte: spanish-art.org Dimensão Sugerida pela Defi nição das Formas, Cores e Valores Tonais Este indicador espacial, baseado em formas definidas ou amorfas, cores e valores tonais, é denominado de perspectiva atmosférica e simula a nossa percepção real de espaços profundos ou infinitos através da atmosfera terrestre, ou seja, como visualizamos os planos próximos e os distantes com diferentes níveis de nitidez. Os elementos próximos são representados com alta nitidez, formas bem definidas, texturas complexas, cores intensas e tonalidades mais escuras. À medida que os elementos se distanciam, vão perdendo a nitidez e passam a ser representados com linhas menos precisas ou formas amorfas, texturas mais simples, cores mais neutras e tonalidades mais claras. Figura46 – The virgin of the rocks (1483-1486), Leonardo da Vinci Fonte: nationalgallery.org.uk 25 UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II Perspectiva Cônica O método que recorre à linha do horizonte, pontos de fuga e linhas de referência para criar, com precisão matemática, a ilusão de imagens tridimensionais que se afastam do observador é chamado de perspectiva cônica. Desenvolvida pelo arquiteto italiano Filippo Brunelleschi, durante o Renascimento, e rapidamente adaptada pelos pintores renascentistas, possibilitou a representação espacial mais realista do que qualquer outro artifício utilizado na pintura. Com a utilização da perspectiva cônica, a atenção do observador é focada em uma vista – uma área selecionada – observada de uma posição determinada. Para compreender melhor, imagine o plano do quadro como uma janela pela qual observamos um espaço real de uma posição específica. E seus referenciais básicos são: • Linha do horizonte: corresponde ao nível do olhar do observador e é o primeiro indicador espacial a ser definido na composição. Se um cubo, por exemplo, for posicionado sobre a linha do horizonte, ele estará no mesmo nível do observador e suas faces inferior e superior não serão visíveis. Posicionado acima, sua face inferior será visível e, abaixo, sua face superior (Figura 47); Figura 47 – Cubos em perspectiva com um Ponto de Fuga (PF) e com Dois Pontos de Fuga (PFD e PFE). • Ponto de Fuga (PF): um ou mais pontos de fuga são posicionados sobre a linha do horizonte. Voltando ao exemplo do cubo (Figura 47), com um PF visualizaremos um plano – uma das faces do cubo – de forma diretamente frontal, ou seja, paralelo ao plano do quadro. A perspectiva com dois pontos de fuga (PFE e PFD) não apresenta um plano diretamente frontal, e sim uma determinada aresta, fazendo com que o cubo pareça estar em ângulo em relação à linha de visão e recuado em relação ao plano do quadro; • Linhas de referência: correspondem à prolongação das quinas do plano frontal – perspectiva com um PF –, ou das extremidades das arestas – perspectiva com dois PF – e sempre convergirão para os pontos de fuga. São as linhas de referência que estabelecem a posição teórica e os tamanhos dos demais planos – faces – da figura. 26 27 Perspectiva com um Ponto de Fuga A perspectiva com um ponto de fuga apresenta uma superfície plana ou plano diretamente frontal e geralmente é utilizada na pintura para representar temas como vistas frontais de espaços internos com parede ao fundo, paisagens, fachadas, corredores ou longas vistas de edificações, ruas e linhas de árvores, entre outros. Figura 48 – A última ceia (1495-1498), Leonardo da Vinci Fonte: infoescola.com.br Neste tipo de perspectiva, o ponto de fuga representa a posição diretamente em frente ao observador e geralmente está centralizado na linha do horizonte. O plano frontal da figura é desenhado paralelo ao plano do quadro. De suas quatro quinas partem linhas de referência em direção ao PF e, traçadas entre as quais, arestas horizontais e verticais paralelas às do plano frontal determinam o comprimento – ou profundidade – dos demais planos da figura (Figura 49). Figura 49 – Perspectiva cônica com um ponto de fuga Neste tipo de perspectiva, as linhas verticais e horizontais que definem o plano frontal e qualquer outro plano posterior e paralelo a esse, ficam em ângulos retos entre si, permanecendo paralelas em relação ao plano do quadro. E todas as demais linhas convergem para o PF. 27 UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II Figura 50 – Biblioteca de La Provincia Franciscana (2010), Candida Hoffer Fonte: ostonsite.com Perspectiva com Dois Pontos de Fuga A perspectiva com dois pontos de fuga é utilizada na representação de objetos ou espaços arquitetônicos em ângulo com a linha de visão. Figura 51 – Blue pier (2013), Warner Friedman Fonte: clarkgallery.com Geralmente, os dois pontos de fuga são posicionados logo após os limites laterais do plano do quadro, um à esquerda (PFE) e outro à direita (PFD), porém, para exagerar a distorção da imagem além daquilo que normalmente se enxerga, os pontos de fuga podem ser deslocados. O desenho da figura começa pela aresta vertical mais próxima do observador, de suas extremidades são traçadas linhas de referência convergindo para ambos os pontos. As demais arestas verticais visíveis – uma à direita e outra à esquerda – são traçadas de uma linha de referência a outra. Se a figura estiver sobre a linha do horizonte, basta completá-la incluindo as arestas superiores e inferiores que definem sua altura – as partes das linhas de referência compreendidas entre as arestas verticais. Figura 52 – Perspectiva cônica com dois pontos de fuga 28 29 Se a figura estiver fora da linha do horizonte, duas novas linhas de referência serão traçadas para definir a sua face superior ou inferior visível, uma das quais partindo da extremidade mais próxima da linha do horizonte da aresta vertical da direita para o PDE e a outra, da extremidade mais próxima da linha do horizonte da aresta vertical da esquerda para o PFD. A interseção dessas duas novas linhas determinará a face inferior ou superior da figura. Neste tipo de perspectiva, as figuras parecem estar em ângulo em relação à linha de visão e recuadas em relação ao plano do quadro. A menos que coincidam com a linha do horizonte, não existem linhas horizontais de contorno, pois, exceto as linhas verticais, todas as demais convergem para os pontos de fuga. Figura 53 – Wolkenbügel (1924-1925), El Lissitzky Fonte: saatchigallery.com Lendo parece bem difícil, mas o processo é bastante fácil. Para assimilar, não deixe de desenhar seus próprios cubos em perspectiva – com um e com dois pontos de fuga –, seguindo as orientações anteriores. Lembre-se, para identifi car o tipo de perspectiva cônica em uma imagem não é preciso traçar linhas de referência procurando localizar o ou os pontos de fuga, basta observar as linhas que defi nem o contorno dos planos das fi guras: • 1 PF: horizontais e verticais formam ângulos retos, são paralelas ao plano do quadro; • 2 PF: não existem linhas horizontais, exceto as que coincidem com a linha do horizonte. Apenas as linhas verticais que defi nem as quinas dos planos da fi gura permanecem paralelas ao plano do quadro. Além dos métodos apresentados, existem muitas outras formas possíveis de simular um objeto ou espaço tridimensional em um plano bidimensional, entre as quais, a perspectiva com três pontos de fuga e a anamorfose. A perspectiva com três pontos de fuga é utilizada para representar um tema observado de um ponto de vista não convencional, como um prédio visto por alguém deitado no chão ou uma determinada área da cidade sendo observada a partir de um helicóptero. Nesta perspectiva são as linhas “verticais” que convergem para o terceiro ponto de fuga. 29 UNIDADE Elementos da Linguagem Visual II Figura 54 – Fire escape (1925), Alexander Rodchenko Fonte: sfmoma.org E com a anamorfose ou perspectiva anamórfica, uma imagem distorcida só adquire configuração e simula dimensão quando observada de um ponto de vista específico. Alguns artistas contemporâneos dominam a técnica e a empregam principalmente na arte urbana. Figuras 55 e 56 – Make poverty history (2008), Julian Beever Fonte: julianbeever.net Porém, como a partir dos movimentos modernos do final do século XIX, a arte distanciou-se de seu papel representacional e passou a fundamentar-se muito mais na expressão e individualidade do artista do que em fórmulas exatas. Assim, nem sempre a ilusão de dimensão criada em uma linguagem bidimensional tem a pretensão de simular um espaço real. 30 31 Material Complementar Material Complementar Caro(a) aluno(a), Há vários materiais, como vídeos, filmes, livros e sites, que podem ampliar seu conhecimento sobre os elementos da linguagem visual – direção, movimento e dimensão. São aqui indicados os seguintes: Vídeos Exposição Abraham Palatnik – areinvenção da pintura No Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) https://www.youtube.com/watch?v=zqDDUmLhS5A Björk: stonemilker (360 degree virtual reality), https://www.youtube.com/watch?v=gQEyezu7G20 O primeiro vídeo apresenta alguns dos objetos cinéticos e aparelhos cinecromáticos de Abraham Palatnik, entre outras de suas obras expostas na mostra A reinvenção da pintura, realizada no MAM, em 2014. O segundo, um videoclipe da cantora islandesa Björk, apresenta uma das múltiplas possibilidades de exploração do movimento nas linguagens multimídia. Nele, você pode seguir os movimentos da cantora ou dar uma voltinha em 360o pela locação, uma praia, e encontrá-la depois. Livros OCVIRK, O. et al. Espaço. In: Fundamentos da arte – teoria e prática. 12. ed. Porto Alegre, RS: AMGH, 2014. cap. 8. Este capítulo complementa o conteúdo sobre dimensão desta Unidade, apresentando passo a passo o processo de construção de geométricos sólidos na perspectiva cônica – com um, dois ou três pontos de vista –, os tipos de espaço sugeridos nas pinturas: espaço decorativo, plástico, raso, profundo e infinito, além de outros recursos visuais utilizados como indicadores espaciais pelos artistas. Sites Acesse os sites dos artistas contemporâneos Edgar Mueller e Julian Beever. Para conhecer mais sobre a anamorfose ou perspectiva anamórfica, navegue na internet pelos trabalhos de Edgard Mueller e Julian Beever, artistas contemporâneos que dominam a técnica e destacam-se na atualidade com suas intervenções urbanas. Embora o exemplo mais clássico de aplicação da anamorfose nas linguagens artísticas seja uma pintura do século XVI, seu efeito visual é mais surpreendente na arte urbana. http://www.metanamorph.com e http://www.julianbeever.net 31 Referências ARNHEIM, R. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora: nova versão. 11. ed. São Paulo: Pioneira, 1997. CAGE, J. A cor na arte autor. São Paulo: Martins Fontes, 2012. DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural. [20--]. Disponível em: <http://www.enciclopedia. itaucultural.org.br>. Acesso em: 3 set. 2015. FRASER, T.; BANKS, A. O guia completo da cor. 2. ed. São Paulo: Senac, 2010. GOMES FILHO, J. Gestalt do objeto. São Paulo: Escrituras, 2000. OCVIRK, O. et al. Fundamentos da arte – teoria e prática. 12. ed. Porto Alegre, RS: AMGH, 2014. OSTROWER, F. Universos da arte. 24. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. PEDROSA, I. O universo da cor. Rio de Janeiro: Senac, 2004. WONG, W. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 32
Compartilhar