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19 Capítulo 2 Os caminhos da leitura e da pesquisa Para ingressar no contexto da universidade, a leitura desempenha um papel fundamental, pois é um dos atos que nos move para a construção do nosso conhecimento. Conforme vimos no capítulo anterior, o ensino, a pesquisa e a extensão constituem-se em pilares fundamentais para ser uma universidade. Nesse sentido, o conteúdo proposto neste capítulo visa a abrir caminhos para o estudante entender a importância da leitura e aplicá-la tanto na vida acadêmica quanto profissional. A universidade também tem a responsabilidade de formar cidadãos que possam se inserir no mundo globalizado. Dessa forma, “Formar cidadãos é também formar leitores competentes, sem o que não poderíamos pretender pessoas com pensamento complexo, capazes de resolver problemas complexos, como propõe o ensino com enfoque globalizador.” (SABBAG, 2012). Seção 1 A leitura nos move O ato de leitura é inerente ao ser humano, pois mesmo não sabendo decodificar a palavra escrita, uma pessoa consegue fazer leituras, porque estamos constantemente lendo o que nos rodeia, ou seja, pessoas, lugares, situações, fatos... Poderíamos considerar, inicialmente, o conceito mais amplo: ler é decodificar códigos. Mas será que apenas juntar as letras e decodificar as palavras basta para que se faça uma leitura? Obviamente que não. A leitura é uma atividade muito mais abrangente, pois o ato de ler é um processo que envolve habilidades as quais vão além da simples decodificação, como fica claro no fragmento abaixo: A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação, MOTTA, Alexandre de Medeiros et. al. Universidade e Ciência. Palhoça: UnisulVirtual, 2016. p. 19-38. 20 Capítulo 2 decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. O uso desses procedimentos que possibilitam controlar o que vai sendo lido, permite tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar suposições feitas. (PCN: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental – Brasília: MEC/SEF, 1998, pp.69-70) Assim, mais do que decodificar códigos, o que fazemos durante uma leitura é construir significados a partir daquilo que lemos. Portanto, se adotamos essa perspectiva de leitura, não podemos mais considerá-la um simples ato de decodificação de um produto pronto, mas sim, um processo de significação e de construção de sentido do texto. Nessa perspectiva, devemos levar em consideração que a leitura é um processo que se dá a partir da interação entre leitor e texto. Assim sendo, o leitor constrói o significado do texto a partir dos objetivos que guiam a sua leitura. Pense um pouco: quais motivos levariam você à realização de uma leitura? Talvez, sejam diversos os objetivos que o impulsionam a ler um texto, iniciando pelos mais prazerosos, como devanear, preencher um momento de lazer, passando pelos mais instrumentais, como procurar uma informação concreta, seguir uma pauta de instruções para realizar atividades (cozinhar, conhecer regras de um jogo), até os mais complexos, como confirmar ou refutar um conhecimento prévio, aplicar a informação obtida com a leitura em um processo de avaliação ou para a realização de um trabalho científico. Independente do objetivo que o conduza ao ato de ler, você deve atentar para o fato de que, na realização de qualquer atividade de leitura, como destaca Orlandi (2006), alguns fatores se impõem, entre eles, destacamos: • As especificidades e a história do sujeito leitor; • Os modos e os efeitos de leitura de cada época e segmento social. Dessa forma, ainda que o conteúdo de um texto não mude, é possível que dois leitores com histórias de leitura e objetivos diferentes subtraiam dessa leitura informações distintas. 21 Universidade e Ciência Segundo Orlandi (2006, p. 10), [...] a leitura é o momento crítico da produção da unidade textual, da sua realidade significante. É nesse momento que os interlocutores se identificam como interlocutores e, ao fazê-lo, desencadeiam o processo de significação do texto. Leitura e sentido, ou melhor, sujeitos e sentidos se constituem simultaneamente, num mesmo processo. Devemos considerar, então, a leitura como construção de significado – para podermos desenvolver as competências desta Unidade de Aprendizagem. Iniciemos o nosso roteiro de leitura pela observação de dois textos aqui propostos. A seguir apresentamos dois textos para o exercício da leitura. Fazemos a você o convite para que leia apenas o título desses textos, como momento inicial, depois pense nas possibilidades de abordagem de conteúdo em cada caso, apenas com o enfoque nestes títulos, vamos lá? Depois, leia esses textos e, então, perceba a relação do título com o texto como um todo. Esse é o momento de pensar, inclusive, no papel que um título possui; entenda que no texto acadêmico/ científico, essa forma de representação do texto, o seu título, precisa se relacionar com o contexto a que ele se refere, deve fazer sentido com os objetivos desejados, pois não deve levar a interpretações equivocadas sobre o texto. Texto 1 Ler pouco Jovem, eu sonhava ter uma grande biblioteca. E fui assim pela vida, comprando os livros que podia. Tive de desenvolver métodos para controlar minha voracidade, porque o dinheiro e o tempo eram poucos. Entrava na livraria, separava todos os livros que desejava comprar e, ao me aproximar do caixa, colocava-os sobre o balcão e me perguntava diante de cada um: “Tenho necessidade imediata desse livro? Tenho outros, em casa, ainda não lidos? Posso esperar?” E assim ia pegando cada um deles e os devolvendo às prateleiras. A despeito desse método de controle, cheguei a ter uma biblioteca significativa, mais do que suficiente para as minhas necessidades. Notei, à medida em que envelhecia, uma mudança nas minhas preferências: passei a ter mais prazer na seção dos livros de arte nas livrarias. Os livros de ciência a gente lê uma vez, fica sabendo e não tem necessidade de ler de novo. Com os livros de arte acontece diferente. Cada vez que os abrimos é um encantamento novo! Creio que meu amor pelos livros de arte tem a ver com experiências infantis. 22 Capítulo 2 Talvez que os psicanalistas interpretem esse amor como uma manifestação neurótica de regressão. Não me incomodo. Pois, em oposição à psicanálise que considera a infância como um período de imaturidade que deve ser ultrapassado para que nos tornemos adultos, eu, inspirado por teólogos e poetas, considero a maturidade como uma doença a ser curada. Bem reza a Adélia Prado: “Meu Deus, me dá cinco anos, me cura de ser grande…” E não pensem que isso é maluquice de poeta. Peter Berger, um sociólogo inteligente e com senso de humor, definiu “maturidade”, essa qualidade tão valorizada, como “um estado de mente que se acomodou, ajustou-se ao status quo e abandonou os sonhos selvagens de aventura e realização…” Menino de cinco anos, eu passava horas vendo um livro da minha mãe, cheio de figuras. Lembro-me: uma delas era um prédio de dez andares com a seguinte explicação: “Nos Estados Unidos há casas de dez andares.” E havia a figura de um caçador de jacarés, e de crianças esquimós saudando a chegada do sol. O fato é que comecei a mudar os meus gostos e chegou um momento em que, olhando para aquelas estantes cheias de livros, eu me perguntei: “Já sou velho. Terei tempo de ler todos esses livros? Eu quero ler todos esses livros?” Não, nem tenho tempo e nem quero. Então, por que guardá-los? Resolvi dar os livros que eu não amava. Compreendi, então, que não se pode falar em amorpelos livros, em geral. Um homem que diz amar todas as mulheres na verdade não ama nenhuma. Nunca se apaixonará. O mesmo vale para os livros. Assim, fui aos meus livros com a pergunta: “Você me ama?” (Acha que estou louco? É Roland Barthes que declara que o texto tem de dar provas de que me deseja. Há muitos livros que dão provas de que me odeiam. Outros me ignoram totalmente, nada querem de mim…). “Vou querer ler você de novo?” Se as respostas eram negativas o livro era separado para ser dado. Essa coisa de “amor universal aos livros” fez-me lembrar um texto de Nietzsche sobre o filósofo Tales de Mileto, em que ele recorda que “a palavra grega que designa o “sábio” se prende, etimologicamente, a sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphos, o homem de gosto mais apurado; um apurado degustar e distinguir, um significativo discernimento, constitui, pois, (…) a arte peculiar do filósofo. (…) A ciência, sem essa seleção, sem esse refinamento de gosto, precipita- se sobre tudo o que é possível saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer preço; enquanto o pensar filosófico está sempre no rastro das coisas dignas de serem sabidas…” E depois, no Zaratustra, ele comenta com ironia: “Mastigar e digerir tudo – essa é uma maneira suína.” O fato é que muitos estudantes são obrigados a ler à maneira suína, mastigando e engolindo o que não desejam. Depois, é claro, vomitam tudo… Como eu já passei dessa fase, posso me entregar ao prazer de ler os livros à maneira canina. Nenhum cachorro abocanha a comida. Primeiro ele cheira. Se o nariz não disser “sim”, ele não come. Faço o mesmo com os livros. Primeiro cheiro. O que procuro? O cheiro do escritor. Se não tem cheiro humano, não como. Nietzsche também cheirava primeiro. Dizia só amar os livros escritos com sangue. 23 Universidade e Ciência Ler é um ritual antropofágico. Sabia disso Murilo Mendes quando escreveu: “No tempo em que eu não era antropófago, isto é, no tempo em que eu não devorava livros – e os livros não são homens, não contém a substância, o próprio sangue do homem?” A antropofagia não se fazia por razões alimentares. Fazia-se por razões mágicas. Quem come a carne do sacrificado se apropria das virtudes que moravam no seu corpo. Como na eucaristia cristã, que é um ritual antropofágico: “Esse pão é a minha carne, esse vinho é o meu sangue…” Cada livro é um sacramento. Cada leitura é um ritual mágico. Quem lê um livro escrito com sangue corre o risco de ficar parecido com o escritor. Já aconteceu comigo… (Disponível em: <https:// rubemalves.wordpress.com/>. Acesso em: 10 mar. 2016.) Texto 2 Pensar Quando eu era menino, na escola as professoras me ensinaram que o Brasil estava destinado a um futuro grandioso porque as suas terras estavam cheias de riquezas: ferro, ouro, diamantes, florestas e coisas semelhantes. Ensinaram errado. O que me disseram equivale a predizer que um homem será um grande pintor por ser dono de uma loja de tintas. Mas o que faz um quadro não é a tinta: são as ideias que moram na cabeça do pintor. São as ideias dançantes na cabeça que fazem as tintas dançar sobre a tela. Por isso, sendo um país tão rico, somos um povo tão pobre, somos pobres em ideias. Não sabemos pensar. Nisto nos parecemos com os dinossauros, que tinham excesso de massa muscular e cérebros de galinha. Hoje nas relações de troca entre os países, o bem mais caro, o bem mais cuidadosamente guardado, o bem que não se vende, são as ideias. É com as ideias que o mundo é feito. Prova disso são os tigres asiáticos, Japão, Coréia, Formosa, que pobres de recursos naturais, enriqueceram-se por ter se especializado na arte de pensar. Minha filha me fez uma pergunta: “O que é pensar?”. Disse-me que esta era uma pergunta que o professor de filosofia havia imposto à classe. Pelo que lhe dou os parabéns. Primeiro, por ter ido diretamente à questão essencial. Segundo, por ter tido a sabedoria de fazer a pergunta, sem dar a resposta. Porque se tivesse dado a resposta, teria com ela cortado as asas do pensamento. O pensamento é como a águia que só alça voo nos espaços vazios do desconhecido. Pensar é voar sobre o que não se sabe. Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido. 24 Capítulo 2 E, no entanto, não podemos viver sem respostas. As asas, para o impulso inicial do voo, dependem dos pés apoiados na terra firme. Os pássaros, antes de saber voar, aprendem a se apoiar sobre os seus pés. Também as crianças, antes de aprender a voar têm de aprender a caminhar sobre a terra firme. Terra firme: as milhares de perguntas para as quais as gerações passadas já descobriram as respostas. O primeiro momento da educação é a transmissão desse saber. Nas palavras de Roland Barthes: “Há um momento em que se ensina o que se sabe…” E o curioso é que este aprendizado é justamente para nos poupar da necessidade de pensar. As gerações mais velhas ensinam às mais novas as receitas que funcionam. Sei amarrar os meus sapatos, automaticamente, sei dar o nó na minha gravata automaticamente: as mãos fazem o trabalho com destreza, enquanto as ideias andam por outros lugares. Aquilo que um dia eu não sabia me foi ensinado; eu aprendi com o corpo e esqueci com a cabeça. E a condição para que as minhas mãos saibam bem é que a cabeça não pense sobre o que elas estão fazendo. Um pianista que, na hora da execução, pensa sobre os caminhos que seus dedos deverão seguir, tropeçará fatalmente. Há a história de uma centopeia que andava feliz pelo jardim, quando foi interpelada por um grilo: “Dona centopeia, sempre tive a curiosidade sobre uma coisa: quando a senhora anda, qual, entre as suas cem pernas, é aquela que a senhora movimenta primeiro?”. “Curioso”, ela respondeu. “Sempre andei, mas nunca me propus esta questão. Da próxima vez, prestarei atenção”. Termina a história dizendo que a centopeia nunca mais voltou a andar. Todo mundo fala, e fala bem. Ninguém sabe como a linguagem foi ensinada e nem como ela foi aprendida. A despeito disso, o ensino foi tão eficiente que não preciso pensar em falar. Ao falar, não sei se estou usando um substantivo, um verbo ou um adjetivo, e nem me lembro das regras da gramática. Quem, para falar, tem que se lembrar dessas coisas, não sabe falar. Há um nível de aprendizado em que o pensamento é um estorvo. Só se sabe bem com o corpo aquilo que a cabeça esqueceu. E assim escrevemos, lemos, andamos de bicicleta, nadamos, pregamos prego, guiamos carros: sem saber com a cabeça, porque o corpo sabe melhor. É um conhecimento que se tornou parte inconsciente de mim mesmo. E isso me poupa do trabalho de pensar o já sabido. Ensinar, aqui, é inconscientizar. O sabido é o não pensado, que fica guardado, pronto para ser usado como receita, na memória deste computador que se chama cérebro. Basta apertar a tecla adequada para que a receita apareça no vídeo da consciência. Aperto a tecla moqueca. A receita aparecerá no meu vídeo cerebral: panela de barro, azeite, peixe, tomate, cebola, coentro, cheiro-verde, urucum, sal, pimenta, seguidos de uma série de instruções sobre o que fazer. 25 Universidade e Ciência Não é coisa que eu tenha inventado. Me foi ensinado. Não precisei pensar. Gostei. Foi para a memória. Esta é a regra fundamental desse computador que vive no corpo humano: só vai para a memória aquilo que é objeto do desejo. A tarefa primordial do professor: seduzir o aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda. E o saber fica memorizado de cor – etimologicamente, no coração -, à espera de que o teclado desejo de novo o chame de seu lugar de esquecimento. Memória: um saber que o passado sedimentou. Indispensável para se repetir as receitas que os mortos nos legaram. E elas são boas. Tão boas que nos fazem esquecerque é preciso voar. Permitem que andemos pelas trilhas batidas. Mas nada têm a dizer sobre os mares desconhecidos. Muitas pessoas, de tanto repetir as receitas, metamorfosearam-se de águias em tartarugas. E não são poucas as tartarugas que possuem diplomas universitários. Aqui se encontra o perigo das escolas: de tanto ensinar o que o passado legou – e ensinou bem – fazem os alunos se esquecer de que o seu destino não é passado cristalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio, um não saber que somente pode ser explorado com as asas do pensamento. Compreende-se, então, que Barthes tenha dito que, seguindo-se ao tempo em que se ensina o que se sabe, deve chegar o tempo em que se ensina o que não se sabe. (Disponível em: <https://rubemalves. wordpress.com/>. Acesso em: 10 mar. 2016.) Análise de alguns pontos significativos dos textos Você acaba de ler dois textos de Rubem Alves, um grande educador brasileiro, e pode estar se questionando quanto ao conteúdo abordado, pois há um certa provocação para o leitor. Vejamos: No texto 1, o autor leva-nos a pensar e questionar sobre as formas de selecionarmos as leituras, pois muitas dessas formas, com o tempo e o desenvolvimento intelectual, tornam-se obsoletas, levando o leitor a procurar outras leituras e métodos para fazê-las. O significado desse texto se constrói à medida que o leitor tem um conhecimento relacionado com o contexto, com as ideias veiculadas pelo autor, ou seja, quando se insere nessa fala ou se exclui. O processo de inclusão acontecerá se a leitura vier ao encontro do que o leitor espera ou necessita, assim, será reflexiva, crítica, levando a uma transformação pessoal e social. Já o leitor que se sentir excluído desse contexto não consegue estabelecer uma 26 Capítulo 2 relação de significado entre o que o texto diz e aquilo que procurava, em virtude de não se sentir atraído pelo conteúdo apresentado. Assim, na universidade, cada vez que o aluno não dá conta da leitura do texto sugerido para o estudo, deve- se incentivá-lo a fazer leituras menos complexas, para aos poucos introduzi-lo nos textos com um grau maior de complexidade, já que há a necessidade de ampliar o conhecimento. Uma outra sugestão para atrair o estudante em relação ao conteúdo é fazê-lo compreender o momento da produção (contexto) e o momento da leitura. Levando em conta o ato de pensar, conforme nos apresenta o texto 2, precisamos ter a percepção de que isso ocorre quando vamos desconstruindo algo sedimentado, assim, passa-se a ter outros valores, os quais ampliam as oportunidades de busca de um novo conhecimento, enfim, criam-se novos olhares em relação a ideias já postas como verdadeiras. Muitas vezes, essa tarefa torna-se árdua, por isso ocorre a aceitação daquilo que está pronto, que a sociedade estabelece como correto, dessa forma, não se estabelece a relação de conceitos refinados. Sendo assim, conforme menciona o texto 1, nas palavras de Nietzsche, “ciência, sem essa seleção, sem esse refinamento de gosto, precipita-se sobre tudo o que é possível saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer preço; enquanto o pensar filosófico está sempre no rastro das coisas dignas de serem sabidas…” Perceba que essas ideias de Nietzsche e de Rubem Alves vêm ao encontro da proposta desta Unidade de Aprendizagem, a qual visa a trabalhar também a pesquisa. Para isso, precisamos de leituras investigativas, críticas, que levem à construção do conhecimento científico, portanto, precisam ser mais aprofundadas, elaboradas. No texto 2, Rubem Alves leva-nos a refletir sobre o ato de pensar, a construção de significado desse texto relaciona-se à atitude de refletir, analisar, questionar, enfim, devemos fugir do que está posto como indiscutível. Dando continuidade aos estudos desta Unidade de Aprendizagem, no texto 2 o autor tece alguns comentários, orientações sobre como iniciar os estudos científicos, tendo em vista que eles exigem reflexões e questionamentos para avançar naquilo que se propõe a investigar. De acordo com Alves, “... somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido”, pois a leitura e o estudo científico nos obrigam a sair do senso comum. Nesse sentido, estamos diante da ideia da problematização, tópico esse presente em um projeto, em estudos científicos. É na inquietação das ideias, provocada pelo ato de ler, que a ciência se desenvolve, aperfeiçoa e vai transformando a história da humanidade. 27 Universidade e Ciência O saber científico não busca respostas prontas, pelo contrário, quer despertar, aguçar a busca pelo novo, pela mudança, assim progride a humanidade. Pensar induz-nos a entender que fazer ciência, construir o conhecimento são tarefas diárias. Resumidamente, expomos alguns argumentos apresentados pelo autor, ou seja, certos significados expressos nos textos. Você pode ir além disso, pois ainda há muito a ser analisado nesses textos, haja vista o amplo contexto a que Rubem Alves nos insere. É indispensável ressaltar que, conforme deve ter percebido, não há uma receita para aprender a ler. Não há roteiro preestabelecido que dê conta de nortear a leitura de todos os textos. O que propusemos nesta seção é mostrar a você alguns pontos os quais nunca podem ser desconsiderados nessa atividade. Vejamos: • Busque se informar sobre o contexto: conhecer o autor e prestar atenção na época e no local de publicação do texto, isso já fornece pistas de como a leitura deve ser conduzida. Diante da constatação de “quem escreveu” e “quem é o leitor alvo”, você já consegue elaborar algumas expectativas sobre a forma de abordagem do tema. Por exemplo, Rubem Alves, o autor dos textos 1 e 2, é um grande educador, filósofo, sociólogo, pensador brasileiro, portanto, também preocupado com a formação educacional, tendo na leitura o elemento norteador para o melhor desempenho na construção do conhecimento. • Leia quantas vezes for necessário para identificar o tema, a tese defendida, se for o caso, e os argumentos que sustentam essa tese. Escreva isso em tópicos e observe como esses tópicos estão divididos nos parágrafos. • Volte ao texto e confira se você sabe o significado de todos os termos utilizados. Use o dicionário. A compreensão de um texto exige trabalho, concentração e dedicação. Para isso, um bom recurso é usar uma estratégia de leitura. Leda Tessari Castello-Pereira (2003), no livro “Leitura de estudo: ler para aprender a estudar e estudar para aprender a ler”, destaca algumas estratégias que são excelentes recursos para efetuar uma boa leitura. Veja algumas dessas estratégias: a. Roteiro: essa estratégia sugere que o leitor efetue determinadas ações, veja: · Destaque a tese defendida; · Selecione os argumentos em favor da tese; · Analise e destaque os contra-argumentos levantados em teses contrárias; · Apresente a coerência entre tese e argumento. 28 Capítulo 2 b. Comentários de margem · Podem ser resultantes de uma ideia que o texto suscitou, da lembrança de outros textos; · Servem para registrar o assunto principal daquele parágrafo; · Devem ser bastante objetivos e sintéticos; · Funcionam como disparador da memória. c. Esquema · É uma forma de reorganizar um texto em tópicos sequenciais; · Ajuda na seleção e na organização das informações mais importantes; · Deve apresentar apenas o “esqueleto”, ou seja, “as palavras- chave” do texto. d. Roteiro de Leitura · Conjunto de instruções, apresentadas na forma de tópicos, para orientar a leitura; · Formulação de perguntas que possam guiar a leitura; · Um bom exemplo de roteiro pode ser feito a partir dos seguintes itens: encontrar o assunto, problema, tese e argumentos; ou encontrar definições, exemplos; ou apresentar a linha argumentativa utilizada pelo autor. e. Sublinhar · É destacar as ideias principais; · Sua finalidade é destacar elementos que servirão de orientação para consulta futura; por isso tem de ser objetivo e se restringir a palavras ou frases;· É uma estratégia que monitora a compreensão e permite fazer um mapeamento do texto; · Auxilia na concentração na hora da leitura, pois com um objetivo, uma tarefa a realizar, uma ação concreta, tem-se mais facilidade de fixar a atenção na leitura e na compreensão das ideias; · Possibilita voltar ao texto lido, num outro momento, e analisar esses destaques; · Permite fazer uma retomada do texto. 29 Universidade e Ciência Até aqui, nossa intenção foi motivar você a ler e mostrar que a leitura é um ato complexo, porque exige mais que a simples decodificação das palavras. Como aluno do ensino superior, você não deve discordar de que as leituras efetuadas a partir de agora exigem um comprometimento maior. Assim sendo, qualquer atividade de leitura, para você, deve envolver disciplina intelectual, comprometimento e postura crítica, pois o objetivo, certamente, será a apropriação da “significação profunda de um texto”. (CASTELLO-PEREIRA, 2003, p. 55) Intertextualidade: uma leitura além do texto Com muita frequência um texto retoma passagens de outro. Quando um texto de caráter científico cita outros textos, isto é feito de maneira explícita. O texto citado vem entre aspas e em nota indica-se o autor e o livro donde se extraiu a citação. (PLATÃO e FIORIN, 2007, p. 9). Podemos ver que os textos sempre mantêm uma relação com outros textos, ou seja, com algo já lido, mencionado em outro lugar, a isso damos o nome de intertextualidade. Conforme citação acima, no texto científico, há muito a presença de outros autores citados direta ou indiretamente, visando a dar mais credibilidade, valor, sentido, significado; dessa forma, podemos escrever com mais aptidão e propriedade. Para quem lê, a intertextualidade permite uma leitura além do que está escrito, pois leva o leitor a dialogar com outros textos, autores, construindo novas visões sobre o mesmo tema. Nesse sentido, deve-se ter a percepção da existência e da pertinência das alusões efetuadas no texto quando se lê, pois caso não se saiba o porquê da presença de tal elemento de intertextualidade, não fará sentido essa presença. Nos dois textos de Rubem Alves apresentados acima, há vários exemplos de intertextualidade. No texto 1, temos a escritora Adélia Prado, o filósofo Nietzsche, o escritor Murilo Mendes, veja que a citação desses pensadores auxilia na construção de sentido do texto, pois os conceitos estabelecidos por eles vêm ao encontro da proposta apresentada por Alves em relação ao ato de ler. Em relação ao escritor Murilo Mendes, ele se utiliza do recurso da intertextualidade para parodiar (“para inverter, contestar e deformar alguns dos sentidos do texto citado; para polemizar com ele” (PLATÃO e FIORIN, 2007, p. 20) o famoso poema Canção do Exílio, conforme podemos verificar a seguir. 30 Capítulo 2 Texto original Canção do Exílio Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar — sozinho, à noite — Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. (Gonçalves Dias) Texto da paródia Minha terra tem macieiras da Califórnia onde cantam gaturamos de Veneza. Os poetas da minha terra são pretos que vivem em torres de ametista, os sargentos do exército são monistas, cubistas. Os filósofos são polacos vendendo a prestações. A gente não pode dormir com os oradores e os pernilongos. Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda. Eu morro sufocado em terra estrangeira. Nossa flores são mais bonitas nossas frutas mais gostosas mas custam cem mil-réis a dúzia. Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade e ouvir um sabiá com certidão de identidade! (Murilo Mendes) Mendes utilizou-se do poema de Gonçalves Dias para satirizar, polemizar uma determinada situação, por isso temos uma paródia nesse poema acima. No texto 2, há intertextualidade com o sociólogo e o crítico literário Roland Barthes, também como intuito de reforçar os argumentos e trazer mais um ponto de vista. No texto científico, a intertextualidade leva o leitor a buscar mais informações sobre aquilo que lê, justamente para ampliar a visão dessa leitura e ter um olhar sobre o que os autores mencionados em um texto têm a dizer sobre o assunto, assim, tem-se mais um caminho para pesquisar. Vale ressaltar que todo trabalho acadêmico, científico busca um respaldo em diversos autores e teorias, portanto, sempre ocorre a relação entre textos, ou seja, o intertexto. 31 Universidade e Ciência Temos vários gêneros relacionados à intertextualidade, como: citação, epígrafe, alusão, paródia. a. Citação: aqui há a citação direta, quando se menciona as palavras do próprio autor, e a citação indireta, chamada de paráfrase. Essa última consiste na reprodução das ideias do autor por meio de quem escreve, mas sem fazer cópia, ou seja, quem se apropria da citação indireta reescreve o texto sem alterar o sentido da versão original. Tanto a forma direta quanto a indireta é usada de forma muito recorrente nos mais diversos tipos de texto acadêmicos, científicos, técnicos, pelos motivos expostos anteriormente, isto é, com o intuito de dar credibilidade, fundamentação, sentido ao que se escreve. b. Epígrafe: essa forma de intertexto é pouco usada, pode ser observada em alguns livros, teses, monografias, como uma escrita introdutória, antes do texto principal. Essa citação é pequena, apenas algumas linhas, normalmente no canto inferior direito de uma página; visa a fazer uma reflexão sobre algo pessoal ou sobre o trabalho efetuado. c. Alusão: faz referência a uma determinada teoria, conceito, estudo (Positivismo, Iluminismo, Pedagogia, Ciência da Informação) ou a autores. Nos textos 1 e 2 acima, há alusões a Nietzsche, Roland Barthes, entre outros. d. Paródia: a paródia, visa a satirizar, criticar uma determinada situação social ou alguma obra. Ao parodiarmos, deveremos conservar a estrutura do texto primitivo para que o leitor possa reconhecer a origem da paródia. Deste modo, as alterações recairão em certos trechos ou vocábulos, mas o arcabouço será mantido. É importante que o texto a ser parodiado seja conhecido dos leitores a quem se dirige a paródia. Se não for assim, parodiar não terá razão de ser. (OLIVIER, 2002) Acima você leu uma paródia de Murilo Mendes, em relação ao texto de Gonçalves Dias. Agora, segue um trecho da paródia da Canção do Exílio, elaborada por Jô Soares, veja: 32 Capítulo 2 Canção do Exílio às Avessas Jô Soares Minha Dinda tem cascatas Onde canta o curió Não permita Deus que eu tenha De voltar pra Maceió. Minha Dinda tem coqueiros Da Ilha de Marajó As aves, aqui, gorjeiam Não fazem cocoricó. O meu céu tem mais estrelas Minha várzea tem mais cores. Este bosque reduzido deve ter custado horrores. E depois de tanta planta, Orquídea, fruta e cipó, Não permita Deus que eu tenha De voltar pra Maceió. Minha Dinda tem piscina, Heliporto e tem jardim feito pela Brasil’s Garden: Não foram pagos por mim. Em cismar sozinho à noite sem gravata e paletó Olho aquelas cachoeiras Onde canta o curió. Fonte: Soares, 2012. Perceba que é mantida a mesma estrutura do texto original, mas o enfoque crítico altera o sentido do poema. 33 Universidade e Ciência Seção 2 A leitura do texto literário e científico Vamos analisar os dois textos que seguem: Texto 3 A preocupação com o funcionamento da linguagem na educação científica e tecnológica tem-nos levado a percorrer caminhos que procuram desfazer a ilusãoda transparência da linguagem. Trazemos uma reflexão sobre as atividades desenvolvidas no âmbito de uma disciplina na qual privilegiamos discussões sobre a noção de discurso e aprofundamentos acerca dos sentidos construídos sobre as relações entre ciência, tecnologia e sociedade (CTS). Entendemos que esses discursos não apenas comunicam sobre tais conteúdos, mas que aquilo que se fala e como se fala da/sobre ciência e tecnologia produz efeitos de sentidos. Além disso, compreendemos que aquilo que não é dito também contribui para a produção de sentidos. Dessa forma, enfatizamos o trabalho com as histórias de leituras de estudantes como uma forma pertinente de abordar a heterogeneidade de formações discursivas, essas pautadas em experiências, conhecimentos e expectativas, construídos ao longo de suas vidas, culminando em diferentes entendimentos sobre ciência e tecnologia. (Histórias de leituras: produzindo sentidos sobre Ciência e Tecnologia – Suzani Cassian, Irlan von Linsingen, Patricia Montanari Giraldi) Texto 4 O grande desastre aéreo de ontem Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivárius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o paraquedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranquila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol. (LIMA, Jorge de. Poesia completa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980, 2 v, v. 1, p. 237). 34 Capítulo 2 Podemos logo perceber que os textos possuem algo que os diferencia, ou seja, a linguagem utilizada. Em um primeiro momento, no texto 3, há uma linguagem técnica, não literária, pois a abordagem está relacionada à construção de um texto de caráter científico. Já no texto 4, observamos uma outra leitura, de cunho literário, haja vista a presença de palavras e expressões plurissignificativas, levando-os a fazer diversas interpretações e a analisar um fato verídico que é descrito com emoções e palavras que não se constituem em termos técnicos nem objetivos. No texto 3, as informações são precisas e têm o objetivo de informar, pois se trata de um resumo de artigo científico (o qual você lerá na íntegra ao estudar esta Unidade de Aprendizagem). No entanto, no texto 4, a intenção do autor é despertar emoção. É “brincar” com o tema e as palavras. Nesse sentido, temos a presença da subjetividade. Também no texto 4, por sua vez, algumas palavras têm significados diferentes daqueles que encontramos no dicionário. Analise este trecho: “vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o paraquedas, e a prima- dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa”. Aqui, vemos que a relação entre o ramalhete de rosas e o paraquedas constitui-se em uma linguagem metafórica, subjetiva, visando a dar emoção e um significado mais abstrato à escrita, tendo vista que esse texto literário remete a algo que realmente ocorreu. Dessa forma, temos a presença da linguagem conotativa. Já no texto 3, identificamos a linguagem denotativa, pois o significado das palavras remete ao seu sentido real, não levando a interpretações subjetivas, plurissignificativas, em virtude de estarmos diante de termos que representam o texto científico. A partir dessas diferenças, podemos traçar algumas características do texto literário. Primeiramente, é preciso considerar que para conhecer o texto literário devemos partir do princípio de que ele não tem compromisso com a realidade, com a verdade, com a informação. Literatura é a arte da ficção. São textos escritos para emocionar, mas também para instruir e deleitar. Nesse sentido, a literatura tem uma importante função na formação do ser humano, pois, como já nos diz Umberto Eco (2003 p. 12), “Ela representa visões de mundo e, como tal, objetiva despertar sensações no leitor, para que ele sofra, se alegre, reflita, sonhe, conteste, argumente”. Para tanto, podemos dizer que o texto literário: • É plurissignificativo e, portanto, aberto a várias interpretações; • Tem uma intenção estética, procurando provocar a surpresa e o prazer. Para tal, recorre a processos estilísticos que refletem um modo original, diferente de ver e de falar do mundo; • Apresenta o compromisso com a verdade da mensagem, em um plano secundário; • Apresenta como recursos predominantes a função poética da linguagem e o uso do sentido conotativo das palavras. 35 Universidade e Ciência É preciso tomar cuidado, porém, com a multissignificação que a linguagem conotativa nos possibilita, pois, como afirma Umberto eco: “Há uma perigosa heresia crítica, típica de nossos dias, para a qual de uma obra literária pode-se fazer o que se queira nela, lendo aquilo que nossos mais incontroláveis impulsos nos sugeriram”. (ECO, 2003, p. 12). Platão e Fiorin (2007, p. 102) também nos alertam para os perigos da interpretação equivocada da linguagem literária. No livro Para entender o texto: leitura e redação, os autores afirmam que: “Sem dúvida, há várias possibilidades de interpretar um texto, mas há limites.” Os autores ainda alertam, “O leitor cauteloso deve abandonar as interpretações que não encontrem apoio em elementos do texto”. (2007, p. 102 e 104). No texto não literário, por sua vez, a linguagem utilizada tende a ser mais objetiva. São textos que lemos nos jornais, nas revistas, nos artigos científicos etc. Assim sendo, o texto não literário: • Evita a ambiguidade, procurando a objetividade; • Tem uma intenção utilitária de esclarecer e informar; • Tem como função predominante a referencial, voltada para fatos reais, centrada em uma temática, presente em textos acadêmicos, científicos, jornalísticos; • Possui linguagem denotativa. Seção 3 A leitura implícita Dando continuidade ao nosso roteiro de leitura, propomos que você estude os níveis de informação textual. Quando lemos um texto, podemos perceber que algumas informações estão explícitas, isto é, aparecem claramente expressas, enquanto outras não, ou seja, estão implícitas, essas são representadas por pressupostos e subentendidos. Segundo Platão e Fiorin (2008, p. 307 e 310): Pressupostos são ideias não expressas de maneira explícita, que decorrem logicamente do sentido de certas palavras ou expressões contidas na frase. [...] Subentendidos são insinuações, não marcadas linguisticamente, contidas numa frase ou num conjunto de frases. 36 Capítulo 2 Por exemplo, na frase “o professor parou de fumar”, inferimos que o professor fumava anteriormente. Esse tipo de inferência classificamos como pressuposição, presente no verbo parar. Mas ainda podemos inferir que o professor tomou consciência de que fumar é prejudicial à saúde. Esse tipo de inferência pode ser classificada como subentendido, pois é uma dedução do contexto, perceba que não há marca linguística que leva a isso. Observe a análise efetuada nas duas charges seguintes. Figura 2.1 - Charge Fonte: Orlandeli, 2013. Figura 2.2- Charge Fonte:Apocalipsetotal.wordpress.com, 2013. 37 Universidade e Ciência Nessas charges, o que há de informação explícita é exatamente aquilo que expressa a fala do texto ou dos personagens. Na primeira charge, opersonagem mostra a situação brasileira em relação à educação no passado, no presente e no futuro, ou seja, qual seria o resultado dessa relação. Ele pontua que por falta de investimento em educação as pessoas sofrem diversas consequências maléficas. No plano implícito, podemos observar que a preocupação do governante é somente com sua eleição, não pensando no coletivo, apenas no individual. Pode-se pensar que pela falta de educação ocorre a desvalorização de si mesmo, também, com pouco investimento educacional temos o reflexo de uma sociedade não comprometida com os problemas sociais, por isso acabam existindo as depredações, as pessoas drogadas, além de haver um baixo nível de escolaridade. O resultado de tudo isso é um país com baixa produtividade e um nível cultural aquém do necessário para ser classificado como um país em desenvolvimento. Na charge seguinte, vemos como explícito o questionamento de um estudante em relação aos cargos públicos, os quais, muitas vezes, não exigem a formação específica para exercer tal função. Por outro lado, a informação implícita leva a inferir que a política volta-se a algo positivo apenas para o sistema controlador da sociedade, ou seja, a massa governante. Fica implícito também que a população em geral não se beneficia dessas funções públicas nas quais não se exige uma formação específica, isso remete, implicitamente, aos famosos cargos comissionados. De forma também implícita, a fala da professora nos leva a pensar sobre o autoritarismo e a falta de liberdade do aluno para fazer certos questionamentos que põem em dúvida as ações de quem governa a sociedade. É relevante você saber que só compreendemos isso porque acionamos o conhecimento que temos do contexto. Sendo a charge um dos modelos de humor de grande conotação sociopolítica, seu propósito é ironizar questões atuais da sociedade, exigindo do leitor conhecimento de mundo, isto é, dos fatores extralinguísticos aos quais elas se referem, para que ocorra de fato a compreensão no momento de leitura. Isso significa que, para a compreensão de enunciados, segundo Ilari e Geraldi (1987), é necessário que o interlocutor faça inferências, isto é, leia as informações que se apresentam no texto de forma implícita. Assim sendo, podemos afirmar que todo texto tem conteúdo explícito e implícito. Ou seja, informações explícitas são exatamente aquelas ditas no texto, que aparecem claramente expressas. As informações implícitas, por sua vez, são as que o leitor pode inferir da leitura do texto. _GoBack
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